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Processo n.º 147/2019
(Autos de recurso contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data : 12 de Março de 2020

Assuntos:

- Pena de demissão aplicada no processo disciplinar
- Pronúncia expressa acerca da inviabilidade da manutenção da relação funcional com o arguido


SUMÁRIO:

I – O artigo 315º/2 do ETAPM prevê situações em que pode ser aplicada ao arguido de infracção disciplinar a pena de demissão, mas, não se impõe, uma vez que o legislador manda atender a um conjunto de factores, ao tomar uma decisão punitiva em processo disciplinar (artigo 337º do ETAPM).
II - A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar, não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas também no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções.
III - A aplicação de uma medida expulsiva de demissão só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma grave o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição, como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa.
IV – É do entendimento dominante que, em processo disciplinar, não bastam os factos objectivos apurados em si mesmo, é preciso ainda que seja especialmente ponderada pela entidade com poder de punir a sua gravidade concreta e feita pronúncia expressa acerca da inviabilidade ou não, da manutenção da relação funcional do funcionário em causa (cfr. Acs. do TUI, de 21/01/2015, Proc. Nº 26/2014; de 4/04/2019, Proc. Nº 11/2019; e do TSI, entre outros, de 10/03/2016, Proc. Nº 456/2015). A omissão deste elemento essencial traduz-se na insuficiente fundamentação da decisão punitiva, desrespeitando-se assim o disposto no artigo 115º do CPA e no artigo 315º/1 do ETAPM, o que é razão bastante para anular a decisão punitiva recorrida.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong

Processo n.º 147/2019
(Autos de recurso contencioso)

Data : 12/Março/2020

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, ex-assistente técnico administrativo especialista da DSS (de nomeação definitiva), devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 18/12/2018, que lhe aplicou a pena de demissão, dela veio, em 01/02/2019 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 25, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura constituindo o acto recorrido o seu despacho nº 71/SASC/2018, proferido em 18 de Dezembro de 2018.
2. O acto recorrido, proferido no âmbito do processo disciplinar nº PD-08/2017, aplicou ao Recorrente a pena disciplinar de demissão fundada na violação do dever de assiduidade, previsto no artigo 279º, nº 2, alínea g) e nº 9 do ETAPM, com fundamento na não comparência do Recorrente ao serviço durante 87 dias úteis consecutivos sem justificação.
3. O Recorrente ingressou nos Serviços de Saúde em Maio de 1998, em regime de nomeação provisória, tendo sido nomeado definitivamente e ingressado nos respectivos quadros de pessoal em 13 de Maio de 2000.
4. A abertura do processo disciplinar que culminou com o acto recorrido foi determinada por despacho do Senhor Director dos Serviços de Saúde de 9/03/2017, com vista a apurar a responsabilidade decorrente da injustificação das faltas ao serviço dadas pelo Recorrente no período de 5/05/2014 a 4/09/2014.
5. A instrução do processo disciplinar em causa iniciou-se em 24/03/2017 e terminou em 7/10/2018, após a realização de diversas diligências complementares determinadas por despachos de 12/03/2018, 11/05/ 2018 e 5/04/2018 do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
6. O nº 1 do artigo 315º do ETAPM, que prevê a aplicação da pena de demissão quando ocorra a circunstância prevista na alínea f) do seu nº 2, apenas é aplicável quando e se se verificar a inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional.
7. A pena de demissão a que alude o nº 1 do artigo 315º do ETAPM não é de aplicação automática.
8. O conceito de inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional pressupõe que no processo disciplinar sejam expressamente enunciados e valorados os factos e consequentes condutas do funcionário em moldes que permitam concluir que a sua gravidade traduz para o desempenho das funções um tal prejuízo que compromete o interesse público prosseguido e que, pelas razões apuradas naquele procedimento, é de findar definitivamente o vínculo funcional.
9. Para que a entidade recorrida pudesse aplicar a pena de demissão ao Recorrente tinha de alegar e provar, no processo disciplinar, factos que concretamente demonstrassem que a manutenção da relação funcional se encontrava irremediavelmente inviabilizada.
10. Nem o acto recorrido nem o relatório do instrutor a que este acto alude, é feita qualquer referência, alegação ou prova que demonstrem que a ausência do Recorrente no indicado período assumiu um carácter tão censurável que inviabiliza a manutenção da relação funcional entre o ora Recorrente e os Serviços de Saúde de Macau, incorrendo a decisão impugnada na violação do artigo 315º, nº 1 e nº 2, alínea f) do ETAPM.
11. A ausência ao serviço do Recorrente pelo período de 87 dias úteis de faltas injustificadas, por se encontrar detido numa prisão na República Popular da China, não é só por si bastante para se concluir pela impossibilidade da manutenção da relação funcional.
12. Quando se apura um determinado número de faltas ao serviço sem a apresentação da justificação ou quando as mesmas são insusceptíveis de justificação, de acordo com o disposto no artigo 90º, nº 1 do ETAPM, é ainda necessário instaurar o respectivo procedimento disciplinar para verificar se a ausência tem um carácter censurável ao ponto de demonstrar a inviabilidade da manutenção da respectiva relação funcional.
13. Até porque pode suceder que a ausência do funcionário releve para outros efeitos, como a perda de vencimento e de antiguidade (cfr. nº 2 do artigo 90º do ETAPM) mas seja considerada irrelevante para efeitos disciplinares, designadamente para efeitos de aplicação da pena disciplinar mais gravosa de demissão.
14. A pena de demissão prevista no artigo 315º nº 1 do ETAPM, para punir a violação do dever de assiduidade, pressupõe o desinteresse do funcionário pelo próprio posto de trabalho.
15. A infracção em causa é integrada por factos que implicam a inviabilidade da manutenção da relação do arguido com a função que desempenha, que revelem incompetência ou inidoneidade moral para o exercício da função, por o facto cometido, atendendo aos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida, a sua natureza e as circunstâncias em que foi praticado, revelar que o seu autor demonstra uma personalidade inadequada ao exercício de funções públicas.
16. O Recorrente, após a ausência ao serviço durante o referido período pelas invocadas razões, demonstrou interesse na manutenção do seu posto de trabalho, regressou ao serviço e desempenhou as funções com empenho e dedicação, tal como fizera antes daquela ausência.
17. A sua diligência e zelo no exercício das funções que lhe estavam cometidas, encontra-se demonstrado pela avaliação do desempenho no ano seguinte ao das referidas faltas, i.e., em 2015, desempenho que foi classificado pelos seus superiores hierárquicos com a menção de "Satisfaz", correspondente à atribuição quantitativa de 3 valores.
18. Não corresponde por isso à verdade as declarações prestadas em 9/05/2017, durante a instrução do processo disciplinar em causa (a fls. 64 e 65), pela chefe do Recorrente quando afirmou que este era um mau exemplo por a sua avaliação de desempenho ser sempre 2.
19. Durante a longa instrução do processo disciplinar que culminou com a aplicação da pena de demissão ao recorrente apenas foi ouvida uma testemunha, que prestou declarações destituídas de credibilidade e fiabilidade, sendo que as suas declarações não correspondem à verdade, atendendo ao que consta do registo disciplinar que consta no processo disciplinar a fls. 46 a 50.
20. O desempenho do Recorrente foi classificado com MUITO BOM nos anos de 1998 a 2003 e avaliado com a menção qualitativa de SATISFAZ (3 valores) nos anos de 2004 a 2009 e 2015, tendo sido atribuída a menção de SATISFAZ POUCO (2 valores) apena, quanto ao seu desempenho no ano de 2014, ano em que deu as referidas faltas injustificadas (cfr. fls 46 a 50 do processo disciplinar).
21. A única testemunha ouvida em declarações durante a instrução do processo disciplinar faltou à verdade quanto a uma circunstância objectiva, porque só no ano a que respeitam as faltas injustificadas relativas à pena que lhe foi aplicada pelo despacho recorrido, ou seja, em 2014, é que o Recorrente foi avaliado com a menção de "Satisfaz pouco", correspondendo a menção quantitativa de 2 valores.
22. O que demonstra a afirmada falta de idoneidade e fiabilidade do testemunho prestado a fls. 64 e 65 e, bem assim, a fls. 99 do processo disciplinar a que se reporta o presente recurso.
23. A confiança depositada no Recorrente quanto à sua idoneidade e competência para o desempenho das funções que lhe foram cometidas revela-se também pelo facto de o mesmo ser incluído, mensalmente, nas escalas de serviço de atendimento ao público do Centro de Saúde de Macau Oriental (Tap Seac) onde trabalha.
24. Esse Centro de Saúde, desde Julho de 2015 e atendendo ao grande afluxo de doentes, passou a ter um horário alargado de funcionamento até às 22 horas, tendo o Recorrente sido incluído nas escalas de serviço de atendimento, a partir das 17h30m, com a consequente remuneração a título de horas extraordinárias.
25. A partir de 2017 o Recorrente foi colocado no arquivo do mesmo Centro de Saúde, aí desempenhando as suas funções durante o horário normal de trabalho (das 9 horas até às 17h45m) sendo que, a partir das 18 horas até às 22 horas, continuou a integrar as escalas de atendimento ao público daquele Centro, nos respectivos balcões.
26. As faltas injustificadas (87 dias úteis) imputadas ao Recorrente ocorreram no período compreendido entre 5/05/2014 e 4/09/2014, i.e., há mais de 4 anos a esta parte, tendo este regressado ao serviço sem qualquer objecção dos seus superiores hierárquicos e sem ter provocado qualquer mal estar junto dos seus superiores, colegas ou do público em geral.
27. Continuou, por isso, o recorrente a ver reconhecidas a sua competência e idoneidade para o desempenho de funções inerentes ao interesse público prosseguido pelos Serviços de Saúde, com plena e demonstrada confiança no trabalho por ele prestado, função que acarreta um elevado esforço e que sempre foi prestado com dedicação, profissionalismo e mérito, tanto mais que é pública e notória a grande afluência de público aos Centros de Saúde da Região, incluindo o do Tap Seac, razões que conduziram à extensão do horário de funcionamento, a partir de 2015, até às 22 horas.
28. O despacho recorrido padece, por isso, de vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 315º, nº 1 do ETAPM o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20º e 21º, nº 1, alínea d) do CPAC.
29. A decisão recorrida não reconheceu e não ponderou a circunstância prevista na alínea a) do artigo 282º do ETAPM, na medida em que afirma a inexistência de circunstâncias atenuantes que militem a favor do arguido, ora Recorrente (ponto 6 do despacho recorrido).
30. O Recorrente prestou mais de 10 anos de serviço classificados de Bom, atendendo a que a menção "Satisfaz", atribuída ao abrigo do novo regime de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, aprovado pela Lei nº 8/2004, corresponde à anterior menção qualitativa de "Bom", constante do artigo 164º do ETAPM.
31. Consta, efectivamente, do registo junto a fls. 46 a 50 do processo disciplinar que o Recorrente obteve a classificação de "Muito Bom" nos anos de 1998 a 2003 (6 anos) e de "Satisfaz", pelo menos, nos anos de 2004 a 2009 e 2015 (7 anos).
32. As penas disciplinares, de acordo com o artigo 316º, nºs 1 e 2 do ETAPM, têm de ser graduadas de acordo com as circunstâncias atenuantes (ou agravantes) que no caso concorram atendendo, nomeadamente, ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade, sendo que ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes (ou agravantes) que se provem no processo, pode ser especialmente atenuada (ou agravada) a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo (ou de escalão superior) do que ao caso caberia.
33. Do despacho impugnado e do relatório a fls. 310 a 382 do processo disciplinar não consta nem o reconhecimento nem a ponderação da circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282º do ETAPM, circunstância que devia ter sido considerada no enquadramento da conduta disciplinar do Recorrente, de acordo com o disposto no artigo 316º, nºs 1 e 2 do ETAPM.
34. Por essa razão, padece a decisão recorrida de vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 316º e 282º, alínea a), ambos do ETAPM, justificando que se requeira a sua anulação ao abrigo do artigo 20º e 21º, nº 1, alínea d) do CPAC.
35. No despacho recorrido (cfr. pontos 2 e 3) e no relatório do instrutor de fls. 310 a 382, pressupõe-se que o Recorrente faltou ao serviço, sem justificação, durante 87 dias úteis.
36. O Recorrente foi, efectivamente, detido no Interior da China em 5/05/2014 mas esteve em prisão preventiva desde a data da sua detenção, ou seja, desde 5/05/2014 até 18/06/2014, data em que foi proferida a Sentença que o condenou a uma pena de prisão de 4 meses e a uma multa de RMB 2,000.00.
37. O Recorrente este, por isso, em prisão preventiva durante 32 dias úteis, período em que faltou, por essa razão, ao serviço, ausência que deve ser considerada justificada de acordo com o disposto no artigo 90º, nº 1, alínea p) do ETAPM.
38. Por esta razão, as faltas injustificadas do Recorrente ao serviço contabilizam-se em 55 dias úteis, e não em 87 dias úteis como erradamente pressupôs a decisão recorrida.
39. Tendo a decisão recorrida ponderado e aplicado a pena de demissão com fundamento na ausência injustificada do Recorrente ao serviço durante 87 dias úteis, quando 32 desses dias são faltas justificadas, incorreu em vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 90º, nº 1, alínea p) do ETAPM e na vertente de erro nos pressupostos de facto, justificando que se requeira a sua anulação ao abrigo do artigo 20º e 21 º, nº 1, alínea d) do CPAC.

* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 80 a 107, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Pelo Despacho n.º 71/SASC/2018, de 18 de Dezembro de 2018, foi a A, assistente técnico administrativo especialista, funcionário n.º 0201337 dos Serviços de Saúde, aplicada a pena disciplinar de demissão, no seguimento e em consequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado, por faltas injustificadas ao serviço.
2. O despacho que lhe aplicou a dita pena de demissão encontra-se reproduzido no artigo 2.° desta contestação, para o qual, com a devida vénia, se remete.
3. No citado despacho é referido expressamente o relatório lavrado pelo instrutor do processo, a fls. 310 a 382 do Processo Disciplinar n.º PD-08/2017, dele e deste constando toda a factualidade que permitiu sustentar e fundamentar a decisão tomada e ora impugnada, além do que consta do próprio despacho.
4. Considera-se provado que o Recorrente:
- Faltou ao serviço por um período de 87 dias úteis consecutivos, desde o dia 5 de Maio até ao dia 4 de Setembro de 2014;
- Esses 87 dias úteis correspondem ao mesmo número de dias de faltas injustificadas;
- As faltas por si dadas foram motivadas pelo cumprimento de pena de prisão efectiva no Interior da China, pelo período de 4 meses;
- A sua condenação e cumprimento da pena no Interior da China deveram-se à prática de acto criminoso culposo;
- As consequências da sua conduta com a prática de tal acto, que motivou as faltas ao serviço, eram perfeitamente previsíveis para qualquer cidadão normal, incluindo o Recorrente;
- Agiu de forma voluntária, livre e autónoma na prática do acto de que resultou a pena de prisão no Interior da China;
- Tem antecedentes de infracções disciplinares no que à matéria de faltas concerne;
- Não militam ou podem ser usadas a ser favor ou conta si circunstâncias atenuantes ou agravantes;
- A infracção disciplinar em causa inviabiliza a manutenção da sua situação jurídico- funcional;
- Resultando na aplicação de pena disciplinar de demissão;
- Foi-lhe aplicada uma pena disciplinar de suspensão de funções por 150 dias, por faltas injustificadas ao serviço;
- A sua classificação de serviço nos últimos 8 anos, com excepção do ano de 2015, foi sempre negativa;
- Falta frequentemente ao serviço;
- Chega frequentemente atrasado ao serviço;
- Com as suas constantes faltas e atrasos sobrecarrega os colegas de trabalho;
- Com as suas constantes faltas e atrasos obriga os colegas a fazer trabalho extraordinário, implicando aumento desnecessário de custos para o erário público;
- É um mau exemplo para os restantes trabalhadores e o seu comportamento representa uma falta de respeito para com os colegas e para com a instituição.
5. Nos termos do disposto no artigo 20.º do CPAC, "Excepto disposição em contrário, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”.
6. O Recorrente não consegue provar a existência de qualquer ilegalidade na decisão tomada, que alega, designadamente do disposto no n.º 1 e alínea e) do n.º 2 do artigo 315.° do ETAPM, de que resulta a inviabilidade da manutenção da relação funcional.
7. O número de mais de 20 faltas injustificadas dadas implicam essa consequência, tanto mais que o Recorrente faltava e chegava frequentemente atrasado ao serviço, sobrecarregando de trabalho os seus colegas.
8. Recentemente, por motivo de diversas faltas injustificadas, o Recorrente foi punido com uma pena de suspensão por 150 dias.
9. Ao faltar frequentemente e chegar frequentemente atrasado ao serviço, o Recorrente, representa um mau exemplo para os colegas e uma falta de respeito para com os colegas e para com a instituição, revelando um completo desinteresse pelo exercício das suas funções e desprezo pelo serviço público.
10. A avaliação de desempenho negativa nos últimos 8 anos, com excepção de nota positiva mínima no ano de 2015, demonstra a má prestação de trabalho do Recorrente.
11. Os factos referidos e o comportamento do Recorrente, conjuntamente com as faltas injustificadas de 87 dias úteis seguidos, consubstanciam-se numa incontestável causa de inviabilização da relação funcional, por refletir, traduzir-se e acarretar a impossibilidade de aquele se manter ao serviço.
12. Pois são factos e actos censuráveis praticados pelo Recorrente que, pela sua gravidade, comprometem a confiança, o prestígio e a idoneidade do serviço público.
13. No acórdão proferido nos autos de suspensão de eficácia, processo n.º 142/2019 do TSI, em que foi requerente o ora Recorrente, o Colectivo de Juízes deduziu que, "Evidentemente, são graves os factos que, em sede de processo disciplinar, foram apurados e já objecto de uma censura severa e considerados integrativos da violação do dever funcional de assiduidade, portanto conducente à aplicação da pena expulsiva. Portanto, é de crer que a permanência em funções do requerente, que já foi destinatário de um juízo de censura disciplinar tão severa, é gravemente nociva para o interesse público em salvaguardar a dignidade e o bom funcionamento do serviço”, tendo concluído lapidarmente que, "A não execução imediata de pena de demissão e a consequente permanência em funções do requerente, funcionário público, que já foi destinatário de um juízo de censura disciplinar severa por ter faltado ao serviço ininterrupta e continuadamente, violando o seu dever de assiduidade, são gravemente prejudiciais para o interesse público em salvaguardar a dignidade e o bom funcionamento do serviço em que estava colocado o requerente”.
14. A prova testemunhal produzida no processo disciplinar, que o Recorrente pretende desvalorizar, resultou das declarações da superiora hierárquica e notadora do mesmo, cuja idoneidade e honestidade não pode ser posta em causa, e que é a responsável pelo bom funcionamento do Centro de Saúde do Tap Seac, por ser a sua directora.
15. Sendo directora do Centro de Saúde do Tap Seac, local onde o Recorrente prestava serviço, sente aquela directamente todas as dificuldades por que aquele centro passa em termos de recursos humanos e do seu desempenho, tentando tudo fazer em prol do bem-estar dos cidadãos que ali acorrem em elevado número, em busca de cuidados médicos.
16. As suas declarações são, portanto, de uma suma importância para determinar a qualidade e quantidade do trabalho, o empenho e a idoneidade, em que se consubstancia o comportamento e desempenho profissional do Recorrente.
17. As declarações da directora do Centro de Saúde do Tap Seac revelam, inelutavelmente, que o Recorrente faltava frequentemente ao serviço, chegava frequentemente atrasado ao serviço, sobrecarregava de trabalho os seus colegas com as suas constantes faltas e atrasos, obrigando os seus colegas a fazer trabalho extraordinário, o que implica o aumento desnecessário de custos para o erário público, sendo o Recorrente é um mau exemplo para os restantes trabalhadores e o seu comportamento representa uma falta de respeito para com os colegas e para com a instituição.
18. A referência feita pela directora do Centro de Saúde do Tap Seac ao desempenho do Recorrente, classificando-o de 2, deve entender-se como referindo-se a um desempenho constantemente negativo e não a uma particular avaliação de desempenho em determinado ano.
19. Contrariamente ao que alega, o Recorrente não obteve classificação de desempenho positiva a partir do ano de 2010, com excepção do ano de 2015, o que se encontra confirmado pelo registo disciplinar emitido pela Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde.
20. O facto de o Recorrente ter sido convocado para integrar as escalas para efectuar trabalho extraordinário deveu-se à escassez de recursos humanos necessários para fazer face às necessidades resultantes do alargamento do horário de funcionamento do centro de saúde até às 22 horas, e não, como pretende, por ser bom funcionário, qualidade que não lhe era reconhecida.
21. O Recorrente deixou de prestar atendimento ao público a partir de 2017, passando a prestar serviço no arquivo do centro de saúde, para evitar que as suas frequentes faltas e atrasos continuassem a ter efeitos nefastos quanto à visibilidade, prestígio e dignidade da instituição, que resultavam da ausência de funcionário no balcão de atendimento aos utentes.
22. Alega o Recorrente que as faltas ao serviço no período entre 5 de Maio e de Setembro de 2014, ou seja há mais de 4 anos, não provocaram qualquer objecção dos seus superiores hierárquicos ou mal-estar junto dos seus superiores, colegas ou do público em geral, quando, findo aquele, se apresentou ao serviço, mas não a questão não é essa.
23. Quanto ao público em geral, que não sabe o que se passa internamente, não se percebe a referência, já quanto aos seus superiores hierárquicos, as declarações prestadas pela directora do Centro de Saúde do Tap Seac no processo disciplinar revelam que as faltas e atrasos do Recorrente ao serviço tiveram consequências negativas para os seus colegas e para o atendimento ao público.
24. Quanto aos seus colegas, os mesmos queixaram-se que, durante o período de ausência do Recorrente, tiveram trabalho redobrado, porque se viram obrigados a cobrir o seu posto de trabalho.
25. Em relação ao largo período de tempo decorrido entre as faltas dadas pelo Recorrente e a instauração e conclusão do processo disciplinar que lhe foi movido, que culminou na aplicação de pena expulsiva, tal deveu-se ao facto de o Recorrente não ter cumprido com o seu dever de zelo de entregar, tempestivamente, a justificação de tais faltas, e percebe-se bem porquê.
26. Se só após 2 anos é que foi notificado para apresentar documentos justificativos da referida ausência foi porque o Requerente não os apresentou em devido tempo, como seria seu dever, tendo andado dolosamente a evitar fazer a sua entrega, pois bem sabia quais as consequências disciplinares daí resultantes.
27. Aproveitando-se indevidamente da não imediata actuação da Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde, que só o notificou para apresentar a justificação no dia 7 de Setembro de 2016, mesmo assim, o Requerente apenas no dia 18 de Agosto de 2017 fez a entrega do documento relativo à ausência, não àquela divisão de pessoal, mas ao instrutor do processo disciplinar, quando prestou declarações na qualidade de arguido, ou seja, quase um ano depois da respectiva notificação, o que denota uma manifesta actuação de má fé.
28. Com o que se prova não ter havido, no acto recorrido, qualquer violação de lei, nomeadamente do disposto no artigo 315.º do ETAPM, com a consequência de o acto impugnado dever ser mantido e nunca anulado.
29. Também alega, erradamente, o Recorrente que, o despacho recorrido terá violado o disposto na alínea a) do artigo 282.° do ETAPM, por não ter sido considerado, na decisão ora impugnada, o facto de possuir mais de 10 anos de serviço classificado de "Bom", o que poderia levar a uma atenuação da responsabilidade disciplinar.
30. Nos primeiros anos de funcionário público, desde que iniciou funções no ano de 1998, o Recorrente foi obtendo avaliações de desempenho positivas, mas a partir de 2010, com excepção do ano de 2015, as classificações foram sempre negativas, como se pode verificar pelo seu registo disciplinar.
31. Nos termos do supracitado preceito legal, "São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, entre outras: a) A prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom»", classificação que, actualmente, corresponde a "Satisfaz".
32. Mas, prescreve o artigo 316.° do ETAPM que, "1. As penas graduar-se-ão de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade. 2. Ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia".
33. Para que se verifique uma circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar, nos termos da alínea a) do artigo 282.° do ETAPM, que tenha por efeito reduzir a responsabilidade do arguido, é necessário o preenchimento, cumulativo, de duas condições, a de que o funcionário conte mais de 10 anos de serviço e, que tenha obtido o mínimo de "Bom" na classificação de serviço.
34. O Recorrente conta mais de 10 anos de tempo de serviço, mas nem sempre obteve a classificação mínima exigida por lei, em especial nos últimos anos.
35. O Recorrente, durante os anos em que prestou serviço, obteve classificações negativas, particularmente nos últimos anos, o que obsta a que a circunstância atenuante, pelo facto de ter obtido classificações positivas nos primeiros anos, possa ser positivamente valorada nos termos do artigo 316.° do ETAPM.
36. Nos termos do n.º 1 do artigo 2.° da Lei n.º 8/2004, a avaliação de desempenho tem por finalidade principal o efectivo reconhecimento individual do desempenho dos trabalhadores.
37. E o desempenho do Recorrente, em especial nos últimos anos, tem tido uma avaliação francamente negativa, pelo que seria obsceno que pudesse, ainda assim, ser premiado com a relevância da atribuição de uma circunstância atenuante, que pudesse operar uma especial redução da pena efectiva a aplicar.
38. Nos termos do n.º 1 do artigo 316.° do ETAPM, se aplicado favoravelmente ao caso do Recorrente, as penas graduar-se-ão de acordo com as circunstâncias atenuantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade.
39. Pelo n.º 2 do mesmo artigo, ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo do que ao caso caberia.
40. A atenuação especial extraordinária da pena prevista no citado artigo 316.° do ETAPM exige que existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido, não resultando, automaticamente do reconhecimento de qualquer uma das circunstâncias especiais previstas no artigo 282.° do mesmo estatuto.
41. Atendendo ao grau de culpa e personalidade do arguido, ora Recorrente, e ponderando que a circunstância atenuante considerada em abstrato, quando lhe aplicável, não poderia ter o especial valor de atenuação que ao caso em concreto caberia, aquela não foi considerada para uma eventual redução da pena aplicável.
42. Consequentemente, por todo este conjunto de razões, não se verifica qualquer violação ao disposto na alínea a) do artigo 282.° do ETAPM pelo acto recorrido.
43. Alega, ainda o Recorrente, que o acto que lhe aplicou a pena de demissão enferma de violação de lei, nomeadamente ao disposto no artigo 90.°, n.º 1 alínea p) do ETAPM e de erro nos pressupostos de facto, pretendendo que parte do tempo de prisão no Interior da China teria sido em prisão preventiva.
44. No documento entregue pelo Recorrente ao instrutor do processo disciplinar consta, inequivocamente, que o Recorrente cumpriu uma pena de 4 meses prisão efectiva no Interior da China, no período compreendido entre 5 de Maio a 4 de Setembro de 2014.
45. Foi com base neste documento que as faltas consecutivas ao serviço, no total de 87 dias úteis, foram consideradas injustificadas.
46. Consequentemente, não se percebe por que razão vem o Recorrente invocar erro nos pressupostos de facto ou violação de lei ao terem sido tais faltas consideradas como injustificadas.
47. Tenta o Recorrente provar que parte da pena de prisão por acto criminoso perpetrado no Interior da China teria sido cumprida em prisão preventiva, para o que junta à sua petição de recurso um outro documento, a fim de assacar ao acto recorrido o vício de violação de lei e erro nos pressupostos de facto.
48. Este novo documento não consta do processo disciplinar do Recorrente enquanto arguido, e não foi com base nele, mas sim com base no que entregou ao instrutor do processo disciplinar (quando prestou declarações na qualidade de arguido), que as faltas foram consideradas injustificadas.
49. Pelo que caiem totalmente por terra as imputações de vício de violação de lei e de erro nos pressupostos de facto ao acto que lhe aplicou a pena de demissão.
50. Tal outro documento, apresentado em sede de recurso contencioso da decisão impugnada, não deveria ser aceite ou valorado pelo Venerando Tribunal, por não fazer parte do processo disciplinar que levou à tomada da decisão de aplicação de pena de demissão ao Recorrente.
51. Mas, considerando que este novo documento é perfeitamente inócuo, e que, além do mais, se dúvidas existissem, vem confirmar que o Recorrente cumpriu realmente uma pena de prisão efectiva no Interior da China, por um período de 4 meses, não repugna que o Venerando Tribunal o venha a apreciar.
52. Do texto do documento resulta que o Recorrente esteve em prisão preventiva desde 5 de Maio até 18 de Junho de 2014, data em que foi julgado.
53. A sentença a que lhe aplicou pena de prisão efectiva por 4 meses foi proferida no dia 18 de Junho de 2014, pelo que o Recorrente apenas seria libertado no dia 17 de Outubro de 2014 e não mais cedo, a 4 de Setembro do mesmo ano, como veio a acontecer.
54. Mas, para que tivesse sido libertado a 4 de Setembro de 2014, o Tribunal do Interior da China teve em conta o tempo de prisão preventiva já cumprido e, considerando-o como tempo de prisão efectiva, contou tal tempo no período de pena de prisão a cumprir.
55. Deste modo, o Recorrente cumpriu, para todos os efeitos, uma pena de prisão efectiva no Interior da China, no período de 5 de Maio a 4 de Setembro de 2014, ou, se quisermos, pelo período de 87 dias úteis.
56. Caso o Tribunal do Interior da China assim não tivesse procedido, e não tivesse contado o período de prisão preventiva para efeitos de pena de prisão efectiva a cumprir, contando-o no período da pena, então o Recorrente apenas teria sido libertado a 17 de Outubro de 2014.
57. Nesta eventualidade, além dos 87 dias úteis de faltas injustificadas, o Recorrente ainda teria mais 42 dias seguidos de faltas, que poderiam, eventualmente, ter sido justificadas caso o tivesse requerido, o que não fez.
58. Sem conceder, ainda que tudo se tivesse passado como o que o Recorrente alega, ainda assim, os 55 dias úteis de faltas injustificadas que aquele invoca são bastante superiores ao limite de 20 dias de faltas injustificadas, para os quais se prevê no n.º 1 e na alínea f) do n.° 2 do artigo 315.° do ETAPM a aplicação de pena de demissão.
59. Com o que se conclui, em qualquer caso, pela inexistência de violação de lei ou de erro nos pressupostos de facto alegados pelo Recorrente.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 177 a 179):
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 18 de Dezembro de 2018, da autoria do Exm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que aplicou ao recorrente A a pena de demissão.
O recorrente acha que o acto padece dos vários vícios de violação de lei que lhe imputa, a saber: violação do artigo 315.°, n.º 1 e n.º 2, alínea f), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM); violação do artigo 282.°, alínea a), do ETAPM; e violação do artigo 89.°, n.º 1, alínea p), ainda do ETAPM, com o inerente erro nos pressupostos de facto.
A entidade recorrida, por seu turno, refuta que o acto padeça de tais vícios, asseverando a sua legalidade.
Vejamos quanto à violação do artigo 315.°, n.º 1, do ETAPM.
Diz o recorrente que foi condenado à pena expulsiva de demissão sem que houvesse sido concretizada e ponderada a cláusula geral da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional, ao arrepio da exigência do referido artigo 315.°, n.º 1.
Afigura-se que tem razão.
Nos termos do artigo 315.°, n.º 1, do ETAPM, as penas de aposentação compulsiva e de demissão pressupõem o cometimento de infracções disciplinares que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional. De acordo com a jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, cabe à Administração, através de juízos de prognose, concretizar o preenchimento desta cláusula geral, como se retira, v.g., dos acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 29 de Junho de 2005, Processo 15/2005, e de 4 de Novembro de 2015, Processo 71/2015. É também esse o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, no âmbito de um quadro normativo muito semelhante ao de Macau - podendo citar-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 2 de Junho de 2011, Processo 0103/11, e de 25 de Fevereiro de 2016, Processo 0212/15, acessíveis através de www.dgsi.pt -, que preconiza a anulação do acto que aplica pena expulsiva sem previamente ponderar se as circunstâncias concretas do caso, pela sua gravidade, inviabilizam a manutenção da relação funcional.
Pois bem, em vão se procurará surpreender no acto punitivo impugnado referência concretizadora ou ponderativa bastante para preenchimento daquela cláusula geral, afigurando-se que a simples alusão ao artigo 315.°, n.º 1, do ETAPM, se apresenta insuficiente para o efeito.
Padece, assim, o acto da assacada violação de lei, que o torna anulável.
O mesmo não sucede, salvo melhor juízo, no que toca à alegada violação do artigo 315.°, n.º 2, alínea f), do ETAPM. Na verdade, de acordo com a matéria apurada no âmbito do processo disciplinar, o recorrente deu mais de 20 faltas injustificadas no mesmo ano civil, o que, nos termos da referida norma, habilita à aplicação da sanção disciplinar de demissão, não resultando daí violada tal norma. Questão diversa é a de saber se as faltas deveriam, em substância, ter sido consideradas justificadas ou não. É o que veremos adiante, a propósito da alegada violação do artigo 89.°, n.º 1, alínea p), do ETAPM. Improcede, pois, este vício de violação de lei.
Vem também suscitada a violação do artigo 282.° alínea a), do ET APM, cuja circunstância atenuante não foi dada como provada no processo disciplinar, entendendo o recorrente que o devia ter sido.
A circunstância atenuante em causa consiste na prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de "Bom".
É exacto que o processo disciplinar não considerou provada esta circunstância. Mas é também certo que ela não ocorre. Percorrendo o registo disciplinar do arguido, constante do processo disciplinar, constata-se que tem efectivamente mais de 10 anos de serviço, mas já não se apura a necessária regularidade da classificação de Bom. Na verdade, nos anos de 2011, 2013 e 2014 a classificação obtida foi Satisfaz pouco. É o bastante para se concluir pela inverificação da circunstância atenuante prevista no 282.° alínea a), do ETAPM.
Improcede igualmente este vício de violação de lei.
Por fim, vem assacada ao acto a violação do artigo 89.°, n.º 1, alínea p), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e erro nos pressupostos de facto.
Esta alegação tem como suporte a circunstância de uma parte do tempo de reclusão a que o recorrente esteve submetido ser prisão preventiva.
Todavia, como salienta a entidade recorrida, o recorrente não requereu, em sede de justificação das faltas, a justificação com base na situação de prisão preventiva, que aliás não comprovou, e também não esclareceu nem comprovou isso no próprio processo disciplinar.
Daí que a decisão adoptada no processo disciplinar, tomada com base nos elementos então oferecidos pelo processo administrativo - processo que não padeceu de qualquer omissão instrutória -, não enferme de violação daquele artigo 89.°, n.º 1, alínea p), nem haja sido proferida com erro nos pressupostos.
Improcedem também estes vícios.
Termos em que, na procedência da invocada violação de lei, por ofensa da norma do artigo 315.°, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o nosso parecer vai no sentido do provimento do recurso e da anulação do acto.

* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Por despacho do Director dos Serviços de Saúde, exarado na proposta (nota interna nº 63/GJ/N/2017), de 01/03/2017, foi determinada a instauração do procedimento disciplinar contra o arguido/Recorrente (Processo nº 08/2017) , por motivo dos seguintes factos:
1. De acordo com o Registo de Entrada do Anexo 4 do Relatório n.º 705/PP/DP/2014 da Divisão de Pessoal (cfr. Anexo 1.), demonstrou que o A, adiante abreviamente designado por Sr. B, assistente técnico administrativo especialista, com nomeação definitiva, do Centro de Saúde de Tap Seac, ausentou-se nas seguintes datas e não se encontrava qualquer registo electrónico correspondente nessas mesmas datas:
i) 7 de Fevereiro de 2014;
ii) 17 de Fevereiro de 2014;
iii) 22 de Abril de 2014;
iv) 23 de Abril de 2014;
v) 24 de Abril de 2014;
vi) 25 de Abril de 2014;
vii) 28 de Abril de 2014.
2. Segundo os conteúdos e os Registos de Entrada do Anexo 2 do Relatório n.º 705/PP/DP/2014, do Anexo 3 do Relatório n.º 905/PP/DP/2014, do Anexo 3 do Relatório n.º 1054/PP/DP/2014, e do Anexo 4 do Relatório n.º 1259/PP/DP/2014, relatório tudo da Divisão de Pessoal, demonstrou que o Sr. B ausentou-se desde 5 de Maio de 2014 até 4 de Setembro de 2014, e não se encontrava qualquer registo electrónico correspondente dentro do referido período (cfr. Anexo 2.).

- Foi iniciada a instrução em 24/03/2017;
- A acusação foi deduzida em 11/10/2017 (fls. 102 a 110 do PA);
- Tal acusação foi notificada em 11/10/2017 (fls. 117 do PA);
- Por despacho do Secretário para os Assuntos sociais e Cultura, foi ordenada a realização de várias diligências complementares (fls. 149 a 150 do PA);
- Concluídas tais diligências complementares, foi (re)elaborado novo relatório final, do qual consta a nova acusação deduzida (fls. 310 a 349);
- Realizadas diligências necessárias, foi proferida a decisão punitiva de demissão, constante do despacho nº 71/SASC/2018, de fls. 385 a 386 do PA, datada de 18/12/2018.
- O referido despacho tem o seguinte teor:

Despacho n.º 71/SASC/2018
Concordo integralmente com o relatório a fls. 310 a 382 apresentado pelo instrutor do Processo Disciplinar n.º PD-08/2017, instaurado contra A, doravante designado por arguido, funcionário n.º 0201337 dos Serviços de Saúde, a exercer funções como assistente técnico administrativo especialista no Centro de Saúde de Tap Seac, bem como com a aplicação da pena de demissão ao arguido proposta no dia 11 de Dezembro de 2018 pelo director substituto dos Serviços de Saúde.
1. Tendo em consideração toda a prova produzida no âmbito do Processo Disciplinar e em sede de diligências complementares, considerou-se provado que o facto de o arguido não comparecer ao serviço por um período de 87 dias úteis e consecutivos sem justificação, por motivo a si imputável, ou seja, por estar a cumprir uma pena principal no Interior da China, no período de 5 de Maio até 4 de Setembro de 2014, o mesmo incorre na violação do dever geral de assiduidade, uma vez que está em causa o não comparecimento regular e continuadamente ao serviço - alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM.
2. Considerou-se que a pena de prisão (em chinês "拘役") que o arguido cumpriu no Interior da China é uma pena principal conforme prescreve o artigo 33.° da Lei Penal da República Popular da China, e não uma pena de prisão preventiva conforme o estipulado no artigo 134.° do ETAPM, logo as faltas dadas por motivo de cumprimento de pena de prisão (em chinês "拘役") devem ser consideradas injustificadas.
3. Considerou-se os 87 dias de faltas dadas pelo arguido como injustificadas, e que esse facto é imputável ao próprio arguido, pois as faltas dadas por aquele foram consequência necessária da obrigatoriedade do cumprimento de pena por sentença judicial devido a acto criminoso culposo, contudo, essa consequência deveria ser previsível por parte do arguido antes de cometer o acto criminoso.
4. Nesse sentido, é por demais evidente que o arguido agiu de forma voluntária, livre e autónoma e que o mesmo estava ciente dos efeitos que a sua conduta podia originar.
5. O arguido tem antecedentes de infracções disciplinares no que à matéria de faltas concerne.
6. Não militam a favor do arguido nenhuma das circunstâncias atenuantes constantes das alíneas do artigo 282.° do ETAPM, nem agravantes constantes do artigo 283.° do ETAPM.
7. Ponderados todos estes factores e toda a prova produzida nos autos, ao abrigo da competência atribuída pelo artigo 322.° do ETAPM e pela Ordem Executiva n.º 112/2014, tendo em consideração o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.°, no artigo 305.º, no n.º 1 e na alínea f) do n.º 2 do artigo 315.°, todos do ETAPM, determino que ao A seja aplicada a pena de demissão.
8. Notifique-se o arguido da presente decisão e entregue-se ao mesmo uma fotocópia do Relatório a fls. 310 a 382.
9. Arquive-se no respectivo processo individual do arguido uma fotocópia do presente despacho.
Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, aos 18 de Dezembro de 2018.
O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura,
Alexis, Tam Chon Weng

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso o Recorrente veio a suscitar várias questões, pondo em causa assim a legalidade da decisão punitiva, a saber:
- Vícios de violação das seguintes normas jurídicas do ETAPM:
a) - Violação do artigo 315.°, n.º 1 e n.º 2, alínea f) do ETAPM;
b) - Violação do artigo 282.°, alínea a), do ETAPM; e
c) - Violação do artigo 89.°, n.º 1, alínea p), ainda do ETAPM, com o inerente erro nos pressupostos de facto.
*
Comecemos pela primeira questão levantada: violação do artigo 315º/1 e 2 do ETAPM.

Ora, o artigo 315º (Aposentação compulsiva ou demissão) o ETAPM dispõe:
1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional.
2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço;
b) Praticarem actos de insubordinação ou de indisciplina graves ou incitarem à sua prática;
c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais;
d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado ou do Território;
e) Participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente, com falsidade ou falsificação, quando daí resulte a injusta punição do denunciado;
f) Dentro do mesmo ano civil derem 20 faltas seguidas ou 30 interpoladas, sem justificação;
g) Revelem comprovada incompetência profissional;
h) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidências de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro;
i) Em resultado do lugar que ocupem, aceitarem ilicitamente ou solicitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
j) Comparticiparem ilicitamente em oferta ou negociações de emprego público;
l) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
m) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar com qualquer organismo ou serviço da Administração;
n) Com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar;
o) Forem condenados, por sentença transitada em julgado em que seja decretada pena de demissão ou, por qualquer forma, revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
3. A pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, na ausência do que lhe será aplicada a pena de demissão. (*)
É de ver que o legislador enumera várias situações em que pode ser aplicada a pena de demissão. O aplicador do direito tem o dever de indicar expressa e correctamente os fundamentos para tomar a respectiva decisão, expondo com clareza e lógica o seu raciocínio.

Compulsados os elementos constantes dos autos, a decisão sancionatória foi tomada com base nos seguintes argumentos:
“(…)
1. Tendo em consideração toda a prova produzida no âmbito do Processo Disciplinar e em sede de diligências complementares, considerou-se provado que o facto de o arguido não comparecer ao serviço por um período de 87 dias úteis e consecutivos sem justificação, por motivo a si imputável, ou seja, por estar a cumprir uma pena principal no Interior da China, no período de 5 de Maio até 4 de Setembro de 2014, o mesmo incorre na violação do dever geral de assiduidade, uma vez que está em causa o não comparecimento regular e continuadamente ao serviço - alínea g) do n.º 2 e n.º 9 do artigo 279.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM.
2. Considerou-se que a pena de prisão (em chinês "拘役") que o arguido cumpriu no Interior da China é uma pena principal conforme prescreve o artigo 33.° da Lei Penal da República Popular da China, e não uma pena de prisão preventiva conforme o estipulado no artigo 134.° do ETAPM, logo as faltas dadas por motivo de cumprimento de pena de prisão (em chinês "拘役") devem ser consideradas injustificadas.
3. Considerou-se os 87 dias de faltas dadas pelo arguido como injustificadas, e que esse facto é imputável ao próprio arguido, pois as faltas dadas por aquele foram consequência necessária da obrigatoriedade do cumprimento de pena por sentença judicial devido a acto criminoso culposo, contudo, essa consequência deveria ser previsível por parte do arguido antes de cometer o acto criminoso.
4. Nesse sentido, é por demais evidente que o arguido agiu de forma voluntária, livre e autónoma e que o mesmo estava ciente dos efeitos que a sua conduta podia originar.
(…)”.

Ora, na aplicação das penas, deve atender-se a um conjunto de factores:
- A natureza e a gravidade dos factos;
- A categoria do funcionário ou agente;
- A sua personalidade;
- O grau de culpa do infractor;
- Os danos e prejuízos causados;
- A perturbação produzida no normal funcionamento dos serviços;
Em geral, a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido.
A decisão acima transcrita faz referência aos factos criminosos cometidos pelo Recorrente, pondo acento tónico no aspecto de estado psicológico do arguido, defendendo que o arguido, ao cometer tais ilícitos penais, sabia que poderia apanhar pena de prisão e como tal poderia impedi-lo de se apresentar aos serviços, o que provocaria faltas injustificadas, omitindo-se outros aspectos mais importantes, nomeadamente a questão de saber se os factos cometidos pelo arguido podia pôr em causa a imagem do serviço a quem pertencia, e se é possível ou não manter o veículo da relação de emprego público com o arguido/Recorrente.
Eis uma deficiência do relatório final que serviu da base da decisão punitiva final.

Ora, em matéria da aplicação de penas de expulsivas de função, a ideia dominante é de que “as penas de inactividade ou de aposentação compulsiva e demissão são aplicáveis às infracções a seguir indicadas, conforme, ponderadas todas as circunstâncias atendíveis, inviabilizem ou não a manutenção da relação funcional”, o que significa que não basta a prática de “conduta constitutiva de crime…que possa atentar contra o prestígio e dignidade da função” ou que traduza a “violação de segredo profissional e omissão de sigilo devido relativamente aos assuntos conhecidos em razão do cargo ou da função, sempre que daí resulte prejuízo para o desenvolvimento do trabalho policial ou para qualquer pessoa” (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Há-de haver, além disso, um “quid” perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda recentemente se disse em aresto do STA, a pena de demissão aplica-se «a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente» (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Como se decidiu no Ac. de 01.04.2003 do mesmo Supremo – Rec. 1.228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções” (no mesmo sentido, os acórdãos de 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º nº 934/02, de 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; e 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Quer dizer, se é certo que ao órgão com competência disciplinar se reconheça «no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos» (cf. o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. AC. do STA/Pleno de 19/03/99, Proc. nº 030896).
Ou, como é dito noutro aresto do STA do Portugal, “…o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional, (…) constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante um juízo de prognose. Contudo, a jurisprudência do STA, tem realçado que tais juízos têm de assentar em pressupostos como a gravidade objectiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequado para o exercício de funções públicas. Confrontar, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 6-10-93 – Rec. 30463 e de 18-6-96 – Rec. 39860” (Ac. do STA de 2/12/2004, Proc. nº 01038/04).

A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma grave o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa. Ou seja, não basta o facto objectivo em si mesmo, é preciso ainda que seja especialmente ponderada a sua gravidade concreta e feita pronúncia expressa acerca da inviabilidade ou não, da manutenção da relação funcional do funcionário em causa (Acs. do TUI, de 21/01/2015, Proc. Nº 26/2014; de 4/04/2019, Proc. Nº 11/2019; e do TSI, entre outros, de 10/03/2016, Proc. Nº 456/2015).
Ora no caso, no relatório final do procedimento disciplinar em lado nenhum foi invocado a inviabilidade da manutenção de funções pelo arguido na sequência dos factos imputados, pois, concluiu-se simplesmente que as faltas dadas pelo arguido foram consideradas como injustificadas, defendendo que o arguido estava a cumprir a pena de prisão por decisão condenatória do tribunal criminal na cadeia no interior da china e não estava na situação de prisão preventiva tal como o artigo 134º do ETAPM refere expressamente
Ora, a este propósito importa realçar o seguinte:
- Está assente que, durante aquele período em que o arguido se ausentou do serviço estava privado da liberdade no interior da China por estar a cumprir uma pena de prisão que lhe foi imposta;
- Se tal medida privativa da liberdade é uma medida da prisão preventiva ou de punição penal definitiva pouco releva, porque a natureza é e deve ser dada à luz do direito aplicável do interior da China, e não ao nosso sistema. Ora, a sentença proferida pelo tribunal do interior da China menciona que o arguido/Recorrente ficou sob custódia em 5/5/2014, em 6/5/2014 passou a ser detido criminalmente, em 3/06/2014 passou a ser preso criminalmente (terminologia usada no sistema jurídico-penal e processual do interior da China).
- O que a entidade competente em matéria de processo disciplinar é avaliar a ausência do serviço do arguido/Recorrente era uma ausência justificada ou não, ou diferentemente quer defender que tais faltas foram cometidas intencionalmente pelo arguido/Recorrente. Mas nesta última hipótese, a entidade titular do poder de punir deve fundamentar a sua decisão. Pela vista, nada isto foi feito.
- Nestes termos, não se sabe com base fáctica é que foi chamada o nº 1 do artigo 315º do ETAPM e como é que se chegou à conclusão da impossibilidade de manutenção de relação de emprego com o arguido.

Neste ponto, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI emitiu o seguinte douto parecer:
“Nos termos do artigo 315.°, n.º 1, do ETAPM, as penas de aposentação compulsiva e de demissão pressupõem o cometimento de infracções disciplinares que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional. De acordo com a jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, cabe à Administração, através de juízos de prognose, concretizar o preenchimento desta cláusula geral, como se retira, v.g., dos acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 29 de Junho de 2005, Processo 15/2005, e de 4 de Novembro de 2015, Processo 71/2015. É também esse o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, no âmbito de um quadro normativo muito semelhante ao de Macau - podendo citar-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 2 de Junho de 2011, Processo 0103/11, e de 25 de Fevereiro de 2016, Processo 0212/15, acessíveis através de www.dgsi.pt -, que preconiza a anulação do acto que aplica pena expulsiva sem previamente ponderar se as circunstâncias concretas do caso, pela sua gravidade, inviabilizam a manutenção da relação funcional.
Pois bem, em vão se procurará surpreender no acto punitivo impugnado referência concretizadora ou ponderativa bastante para preenchimento daquela cláusula geral, afigurando-se que a simples alusão ao artigo 315.°, n.º 1, do ETAPM, se apresenta insuficiente para o efeito.
Padece, assim, o acto da assacada violação de lei, que o torna anulável.”
    
Face ao expendido, é de anular o acto punitivo em causa.
Com esta decisão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.

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Síntese conclusiva:
I – O artigo 315º/2 do ETAPM prevê situações em que pode aplicar-se ao arguido de infracção disciplinar a pena de demissão, mas, não se impõe, uma vez que o legislador manda atender a um conjunto de factores ao tomar uma decisão punitiva em processo disciplinar (artigo 337º do ETAPM).
II - A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar, não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas também no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções.
III - A aplicação de uma medida expulsiva de demissão só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma grave o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição, como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa.
IV – É do entendimento dominante que, em processo disciplinar, não bastam os factos objectivos apurados em si mesmo, é preciso ainda que seja especialmente ponderada pela entidade com poder de punir a sua gravidade concreta e feita pronúncia expressa acerca da inviabilidade ou não, da manutenção da relação funcional do funcionário em causa (cfr. Acs. do TUI, de 21/01/2015, Proc. Nº 26/2014; de 4/04/2019, Proc. Nº 11/2019; e do TSI, entre outros, de 10/03/2016, Proc. Nº 456/2015). A omissão deste elemento essencial traduz-se na violação do artigo 315º/1 do ETAPM, o que é fundamento suficiente para anular a decisão punitiva recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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Sem custas.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 12 de Março de 2020.
Fong Man Chong
José Cândido de Pinho
Ho Wai Neng (Vencido, por entender que a inviabilidade da manutenção da relação funcional está implicitamente convocada no acto recorrido, tendo em conta o teor do mesmo.)
Joaquim Teixeira de Sousa
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