Proc. nº 1033/2019
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, (executado) do sexo masculino, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 14XXXXX(1), residente na fracção XX do Bloco XX do Edifício XX da Rua da XX, ----
Executado nos autos nº CV3-16-0202-CEO instaurados no TJB---
Deduziu embargos de executado contra ----
B, (exequente) do sexo masculino, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 74XXXXX(7), residente na fracção XX do Bloco XX do Edifício XX da Avenida do XX, Areia Preta.
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Por sentença de 29/04/2019 foram os embargos julgados improcedentes.
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É contra essa sentença que ora vem interposto recurso jurisdicional, em cujas alegações o embargante formulou as seguintes conclusões:
“1. O MM.º Dr. Juiz do TJB (doravante designado simplesmente por “o tribunal a quo”) proferiu a sentença (doravante designado simplesmente por “o acórdão recorrido”) em 29/04/2019, julgando improcedentes os embargos à execução deduzidos pelo recorrente contra B (doravante designado simplesmente por “o recorrido”).
2. No tocante aos factos reconhecidos pelo tribunal a quo na parte II) dos factos do acórdão recorrido, os factos decorreram da fundamentação desenvolvida (doravante designado simplesmente por “a fundamentação”) no despacho proferido pelo tribunal em 18/03/2019 quanto à matéria de facto (doravante designado simplesmente por “a decisão da matéria de facto”)
3. Além do respeito quanto ao entendimento do tribunal a quo, o recorrente não concordou com o entendimento supracitado do tribunal a quo, nomeadamente, o recorrente não se conformou com a condenação proferido pelo tribunal a quo quanto aos factos, nestes termos, o recorrente interpôs o recurso ordinário contra o acórdão recorrido proferido pelo tribunal a quo, e nos termos do artigo 599º e do artigo 629º do Código de Processo Civil, impugna contra a decisão da matéria de facto, com os seguintes fundamentos:
4. Antes de mais, o recorrente entende que a decisão do tribunal a quo de - reconheceu os factos n.ºs 1 a 3, 5 e 6 da base instrutória como provados - não é correcta.
5. O facto apontado pelo tribunal a quo de “O recorrente admitiu devolver ao recorrido a quantia de HKD$19.990.000,00” não é o facto relatado pela parte do presente caso.
6. Por causa disso, com base no facto não envolvido no caso, o tribunal a quo efectuou a presunção errada quanto aos factos reconhecidos pelos artigos n.ºs 1 a 6 da base instrutória.
7. O recorrido instaurou o caso de execução com aquele título executivo, o recorrido declarou que o recorrente pediu o empréstimo junto do recorrido, por isso, existia entre eles assim as dívidas.
8. Além do título executivo acima referido, quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas, como entendido pelo tribunal a quo na sua fundamentação, os depoimentos prestados pela primeira testemunha e pela segunda testemunha do recorrido são depoimentos indirectos, ou seja, eles não têm conhecimento directo sobre as dívidas do litígio.
9. Segundo as provas testemunhais e documentais do presente caso, não há provas de que o recorrente tem pedido o empréstimo junto do recorrido.
10. Quanto à entrega de quantia, o valor do empréstimo envolvido no presente caso é de HKD$30.000.000,00, sem dúvida, é um valor extremamente elevado, existe absolutamente os registos das transacções.
11. Nestes termos, como falta da prova de entrega, e ao mesmo tempo, como também falta das provas testemunhais, é impossível para reconhecer o facto de que o recorrido já entregou a quantia ao recorrente.
12. Com base nas razões supracitadas, o recorrente entende que deve-se considerar os factos n.ºs 1 a 3 da base instrutória como “não provados”.
13. Para além disso, conforme o depoimento prestado pela testemunha C e o contrato de empréstimo dos autos (vide a fls. 260-v a 261 dos autos), a testemunha acompanhou o recorrente, por várias vezes, para ir à Sala VIP Genius (doravante designada simplesmente por a “Sala VIP”) explorada pelo recorrido, o recorrente assinou o recibo de empréstimo (doravante designado simplesmente por “Marker”) para levantar as fichas, o funcionário da tesouraria solicitou o recorrente a assinar aquele título executivo. (vide a gravação da audiência, tradutor 2- recordado em 07/03/2019, 11.16.04 (2R2EDC$101120319) 14:41-21:43); Além disso, cada vez quando eles levantaram o “Marker” na Sala VIP, ninguém disse ao recorrente que ele foi impedido a levantar o “Marker” por ter devido as dívidas, ou como o recorrente se encontrava em as dívidas ao recorrido, por causa disso, o recorrente tinha que assinar mais o título executivo. (vide a gravação da audiência, tradutor 2- recordado em 07/03/2019, 11.16.04 (2R2EDC$101120319) 16:30-17:50)
14. De facto, conforme o contrato de empréstimo dos autos, pode-se concluir que em 24/02/2014, naquela Sala VIP, além de assinou os “Markers”, o recorrente também assinou o título executivo.
15. Conforme a situação objectiva supracitada, revela-se que o acto feito pelo recorrente de assinar o título executivo não se destinou ao fim de pedir o empréstimo junto do recorrido.
16. Não há provas de que o recorrente foi interpelado a quantia relatada no título executivo.
17. Pelo exposto, o recorrente entende que o tribunal a quo tem desvio na apreciação da prova, pelo que o tribunal a quo aplicou erradamente os factos provados não envolvidos do presente caso, até presumiu o reconhecimento quanto aos factos n.ºs 1 a 6 da base instrutória, nestes termos, o acto do tribunal a quo violou as normas do artigo 5º e do artigo 567º do Código de Processo Civil, a decisão de facto é incorrecta.
18. Conforme as provas relatadas nos artigos, deve-se considerar os factos n.ºs 1 a 3, 5 e 6 da base instrutória como factos não provados.
19. Além disso, o recorrente entende que é incorrecto o acto feito pelo tribunal a quo de reconhecer os factos n.ºs 7 a 15 da base instrutória com factos não provados.
20. Do entendimento do tribunal a quo, os depoimentos prestados pelas testemunhas são insuficientes para que o tribunal a quo reconhecesse que aquele título executivo tivesse ligação com o documento assinado pelo recorrente naquela Sala VIP, o tribunal a quo até considerou os factos n.ºs 7 a 15 da base instrutória como não provados.
21. Além do devido respeito, o recorrente entende que existe o desvio na apreciação da prova testemunhal e da prova documental feita pelo tribunal a quo, para tanto, o recorrente efectuou a impugnação.
22. Do entendimento do tribunal a quo, “O recorrente é uma pessoa com bastante experiência de vida, dedicando ao comércio no interior da China há anos, até sabendo que o documento é uma declaração da dívida no montante de $30.000.000,00, para qualquer pessoa medianamente diligente, prudente e sensato, colocada na mesma posição, tentaria saber junto doutra pessoa da sua confiança o teor do documento, antes de o subscrever”.
23. Além do devido respeito, o recorrente entende que o tribunal a quo apreciou erradamente os depoimentos, não tendo considerar globalmente o conteúdo dos depoimentos nem os factos lógicos na perspectiva de situação objectiva ou na perspectiva subjectiva.
24. Antes de mais, como revelado pelos factos fundados nos artigos 30º a 32º do presente recurso, o recorrente assinou o título executivo na Sala VIP.
25. A situação objectiva que provocou o recorrente a assinar aquele título executivo é – através dum indivíduo chamado “D” (o indivíduo utilizou esse nome), o recorrente pôde obter as facilidades de linhas de crédito no valor de HKD$30.000.000,00 naquela Sala VIP.
26. De facto, do acto feito pelo recorrente de levantar frequentemente o “Marker” naquela Sala VIP, pode-se ver que o recorrente adquiriu o empréstimo de certa linha naquela Sala VIP.
27. Sem dúvida, quando o recorrente pediu levantar as fichas à Sala VIP para jogar os jogos, ele tinha que assinar “Marker” para ser documento de declaração de dívida.
28. Disso se depreende que, no momento em que o recorrente foi solicitado pelo funcionário de tesouraria a assinar aquele título executivo na Sala VIP, mesmo que o recorrente tivesse alta capacidade de leitura, subjectivamente, o recorrente não compreendeu que o título executivo produzisse igualmente os efeitos de declaração de dívida como “Marker”.
29. É de apontar que, no momento em que o recorrente assinou o título executivo, ninguém lhe explicou o fim de assinar o título executivo. (vide a gravação da audiência, tradutor 2- recordado em 07/03/2019, 11.16.04 (2R2EDC$101120319) 18:00-18:57)
30. Na realidade, antes de assinou o título executivo, o recorrente e as testemunhas não procederam a uma leitura atenta ao conteúdo do título executivo.
31. Mesmo que a testemunha lesse que registou no título executivo a quantia no valor de HKD$30.000.000.00, no entanto, como o valor acima referido é igual com o valor de facilidades de crédito que pode ser adquirido pelo recorrente na Sala VIP, a testemunha assim entendeu subjectivamente que aquele título executivo era um documento de formalidade a assinar destinado à obtenção das facilidades de crédito da Sala VIP. (vide a gravação da audiência, tradutor 2- recordado em 07/03/2019, 11.16.04 (2R2EDC$101120319) 25:00-25:50)
32. Embora a testemunha C referisse ao recorrente que suscitou dúvidas sobre a vontade do título executivo com base na prudência. Porém, o recorrente disse definitivamente à testemunha que o título executivo gozou da mesma linha com “Marker”, por isso, ele tinha que assinar cooperativamente o respectivo documento de formalidade. (vide a gravação da audiência, tradutor 2- recordado em 07/03/2019, 11.16.04 (2R2EDC$101120319) 26:00-26:19 e 29:48-30:26)
33. Daqui se vislumbra que, como o recorrente não suscitou dúvidas sobre o título executivo, nesta situação, o recorrente não confirmou a vontade real do título executivo como negociantes gerais, com uma atitude sensata, prudente e diligente.
34.Obviamente, sob o pressuposto de ter o erro subjectivo, o recorrente assinou o título executivo.
35. Daí se vê que, segundo as situações objectivas supracitadas, existe a relação lógica entre as situações e o vício na declaração de vontade pretendido pelo recorrente contra o título executivo.
36. No entanto, o tribunal a quo não considerou as situações do recorrente, com base em que o recorrente faltou a prudência, o tribunal a quo até não reconheceu que o recorrente entendeu falsamente a vontade do título executivo, o acto do tribunal a quo violou as regras da experiência geral.
37. Por outro lado, não há provas no presente caso de que o recorrente é um negociante prudente. Pelo contrário, as testemunhas C e E salientaram que o recorrente sempre acreditou nas outras pessoas no tratamento dos assuntos.
38. As situações objectivas acima referidas são factos relatados nos artigos n.ºs 7º a 10º, 14º e 15º da base instrutória.
39. Para tanto, conforme a análise do tribunal a quo, para qualquer pessoa mediana colocada na mesma posição, ou seja, quando enfrenta as dívidas no valor de HKD$30.000.000,00, essa pessoa deve ter uma atitude prudente, do entendimento do tribunal a quo, é impossível que o recorrente entendeu falsamente o conteúdo do título executivo, nesta situação, até efectuando a falsa declaração de vontade, por outras palavras, o tribunal a quo ignorou as influências causadas pelas situações objectivas ao recorrente.
40. Após ter analisado globalmente as situações objectivas e subjectivas do recorrente, concluem que o recorrente assinou o título executivo no pressuposto de desvirtuar a vontade do documento, essa conclusão preenche as regras da experiência geral.
41. Nestes termos, na fundamentação, o tribunal a quo não considerou globalmente os depoimentos prestados pelas testemunhas nem ponderou os factos reflectidos nas provas documentais, até reconheceu os factos n.ºs 7 a 15 da base instrutória como não provados, além do devido respeito, o recorrente entende que o tribunal a quo não considerou globalmente o conteúdo dos depoimentos e os factos lógicos na perspectiva objectiva e na perspectiva subjectiva, existe assim o desvio na apreciação da prova, por causa disso, a decisão de facto não é correcta.
42. Pelo exposto, por via dos depoimentos prestados pelas testemunhas F, C e E, conjugando com as provas documentais constantes nos autos, espelha que existe a relação entre o título executivo e os documentos relativos ao recorrente na Sala VIP, nestes termos, deve-se reconhecer os factos n.ºs 7 a 15 da base instrutória como factos provados.
43. Segundo a fundamentação feita pelo acórdão recorrido quanto à parte de inexistência das dívidas, é incorrecta a fundamentação referida pelo acórdão recorrido de “O embargado entregou o empréstimo ao embargante em numerário, por várias vezes, parcelarmente, no valor total de HKD$30.000.000,00,”.
44. De facto, no presente caso, não foi provado o facto de que o recorrido entregou, por várias vezes, parcelarmente, o numerário ao recorrente.
45. Como o acórdão recorrido violou a norma do artigo 562º do Código de Processo Civil, o acórdão deve ser anulado por ter especificado falsamente os fundamentos de facto que justificam a decisão.
46. Além disso, como relatado nos artigos 7º a 39º da alegação do presente recurso, o acórdão da matéria de facto violou as normas do artigo 5º e do artigo 562º do Código de Processo Civil, padece do vício de erro na apreciação da prova, até causando que deve-se considerar os factos n.ºs 1 a 3, 5 e 6 da base instrutória como factos não provados.
47. Com base nisso, deve-se anular ou alterar o acórdão recorrido, nestes termos, o recorrente requer que o MM.º Dr. Juiz do TSI julgue procedentes os fundamentos pretendidos pelo recorrente de – “inexistência das dívidas”.
48. Como a presente petição de recurso também efectuou a impugnação contra os factos n.ºs 7 a 15 da base instrutória, devido à alteração da decisão da matéria de facto, causando que o acórdão recorrido deve ser anulado, nestes termos, o recorrente requer que o MM.º Dr. Juiz do TSI julgue procedente o fundamento pretendido pelo recorrente de “fraude”.
Pedidos
Face ao expendido, requer que o MM.º Dr. Juiz do TSI,
1. Julgue procedentes os seguintes fundamentos deduzidos pelo recorrente:
1) Nos termos do artigo 599º do Código de Processo Civil, julgue procedentes os fundamentos de impugnação, considere os factos n.º 1 a 6 da base instrutória como factos não provados; os factos n.º 7 a 15 da base instrutória como factos provados; e,
2) Revogue o acórdão recorrido, passando a julgar procedente o fundamento deduzido pelo recorrente de – “inexistência das dívidas”; e
3) Revogue o acórdão recorrido, passando a julgar procedente o fundamento deduzido pelo recorrente de – “a declaração de vontade padece do vício”.
JUSTIÇA!”
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
«O exequente deu à execução o documento assinado com o nome de executado e junto nos autos de execução a fls. 5, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, datado de 25/02/2014, nele se inscrevendo a quantia de HKD$30.000.000.00, igualmente nele se prevendo a obrigação de devolução até 30/12/2014. (facto assente alínea A))
- Foi devolvido ao exequente a quantia de HKD$19.990.000,00. (facto assente alínea B))
- O exequente é um dos sócios administradores do G Limitada que foi inaugurada em 2012. (facto assente alínea C))
- Em 2014, a G Limitada já era um promotor de jogos de fortuna ou azar no casino com licença para exercer a actividade de concessão de crédito na RAEM. (facto assente alínea D))
- O executado que pediu ao exequente que lhe entregasse quantias de dinheiro e com a obrigação de restituição o mais breve possível. (a resposta quanto ao quesito 1º da base instrutória)
- O exequente aceitou o pedido e entregou ao executado valores num total de trinta milhões dólares de Hong Kong. (a resposta quanto ao quesito 2º e ao quesito 3º da base instrutória)
- Como vista à confirmação dos valores em dívidas, o executado assinou o doc. id. em A). (a resposta quanto ao quesito 5º da base instrutória)
- O executado foi interpelado várias vezes para devolver o diferencial entre a quantia id. em A) e B). (a resposta quanto ao quesito 1º da base instrutória)».
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III – O Direito
1. Nos embargos o executado suscitara as seguintes principais questões:
1ª - A sua assinatura no documento “Declaração de confirmação de dívida” não está reconhecida notarialmente. Por isso, não sabe se essa declaração é verdadeira;
2ª - Não é verdade que tenha recebido algum dinheiro do exequente a título de mútuo. Entre ambos apenas se estabeleceu um acordo pelo qual o exequente, sócio do “G Limitada”, obtinha facilidades de concessão de crédito pelas salas VIP do casino no valor de HKD$ 30.000.000,00, até finais de 2014, aos “verdadeiros” jogadores angariados pelo executado. Por tal motivo, não se constituiu na obrigação de restituir qualquer importância ao exequente/embargado.
A sentença sob escrutínio afirmou que o documento dado à execução, apesar de documento particular, é título executivo, bastando estar assinado pelo devedor, nos termos do art. 677º, al. c), do CPC.
Acrescentou que o embargante nunca impugnou a veracidade da sua assinatura no referido documento, pelo que concluiu ser verdadeira.
Finalmente, face à prova produzida, afirmou que os elementos obtidos levaram o tribunal a não confirmar a tese defendida pelo embargante de que não houve empréstimo, nem existe dívida exequenda.
Quanto ao erro-vício na declaração de vontade do embargante na aposição da sua assinatura no aludido documento, a sentença asseverou que o ónus de prova que a este cabia não foi satisfeito.
Por todas estas razões, julgou improcedentes os embargos.
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2. Vem agora o recorrente (executado/embargante) refutar a bondade jurídica da sentença, começando por impugnar a matéria da resposta aos arts. 1º, 2º, 3º, 5º e 6º da base instrutória.
Estes artigos apresentavam o seguinte teor:
1º - O executado que pediu ao exequente que lhe entregasse quantias de dinheiro e com a obrigação de restituição o mais breve possível?
2º - O exequente aceitou o pedido e entregou por várias vezes ao executado, em numerário, valores superiores a centenas de milhões de dólares de Hong Kong?
3º - ….Num total de trinta milhões de dólares de Hong Kong?
4º - O exequente solicitou ao executado a restituição da dívida integral, mas o executado referiu que ainda não estava em condições de o fazer?
5º - Com vista à confirmação dos valores em dívida, o executado assinou o documento id. em A?
6º - O executado foi interpelado várias vezes para devolver o diferencial entre a quantia id. em A e B?
Os arts. 1º, 5 e 6 foram dados como provados; os 2 e 3, unificados, mereceram a seguinte resposta: Provado que o exequente aceitou o pedido e entregou ao executado valores num total de trinta milhões de dólares de Hong Kong.
O art. 4º foi julgado não provado.
Ora bem. A fundamentação dada pelo colectivo julgador para responder a este grupo de artigos da base instrutória assenta na circunstância de estar já provado nos Factos Assentes (Facto B) ter sido devolvido ao exequente a quantia de 19.990.000,00 dólares de Hong Kong, bem como no documento “Declaração de Confirmação de Dívida”.
Mas, agora, o recorrente acha que estas respostas não se podem manter, porque nos autos nunca o recorrente admitiu a existência de qualquer dívida para com o autor e que, portanto, nunca confessou ou admitiu ter já devolvido aquela importância em dinheiro de 19.990.000, 00.
Disse ainda que as testemunhas C e F afirmaram não ter o embargante (que é seu pai) pedido qualquer dinheiro.
Quanto ao primeiro ponto, embora a alínea b) não refira que a devolução de 19.990.000,00 correu pela mão do embargante, certo é que o exequente/embargado apenas se acha credor da quantia restante, ou seja, de HKD$ 10.010.000,00. E porque não havia nos autos melhores elementos sobre quem teria efectuado a devolução, o TJB aceitou apenas o facto da devolução, sem a relacionar com o embargante ou com outra qualquer pessoa.
Também este TSI não precisa de saber se a devolução foi feita pelo embargante ou por outra pessoa; para o tribunal o que releva é a importância reclamada na execução.
Quanto à parte restante da impugnação, cumpre dizer o seguinte:
Cremos que as respostas têm suficiente alicerce de fundamentação para se poderem manter. Trata-se, aliás, de uma fundamentação plausível, que explana um raciocínio lógico e coerente.
E quanto à tentativa do recorrente no presente recurso em servir-se do depoimento das testemunhas referidas para descredibilizar as respostas dadas, também aí o colectivo julgador não deixou de sublinhar a circunstância de aquelas serem filhos do próprio embargante/executado. Ou seja, o TJB, quando julgou os factos, fê-lo ponderando o valor relativo que o depoimento delas oferecia para a formação da sua livre convicção.
Ora, sinceramente, não vemos motivo para destruir a livre convicção que o colectivo julgador alcançou, tendo em conta a imediação e os princípios relativos à prova (art. 335º do CC e 699º do CPC).
Portanto, quanto a esta parte, o recurso merece não ser provido.
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3. Depois o recorrente insurge-se contra as respostas negativas dadas aos arts. 7º a 15º da BI.
Em sua opinião, o julgamento feito pelo tribunal do julgamento da matéria de facto é incorrecto.
São quesitos onde o embargante tenta demonstrar que não pediu dinheiro ao embargado, mas que apenas dele se serviu para lhe serem concedidas facilidades de linha de crédito para jogo junto da sala VIP do “G Limitada”, do H, no valor de trinta milhões de dólares e que seriam utilizados pelos jogadores angariados pelo embargante.
Esta tese era defensável, reconhecemos.
Contudo, o embargante, mais uma vez, não foi capaz de provar os respectivos factos, apesar de ser seu o ónus probatório.
O recorrente acha que se deveria valorar de maneira diferente o depoimento das testemunhas F e C e E.
Contudo, parece-nos que a avaliação feita pelo tribunal “a quo” não merece censura quando retirou alguma credibilidade a duas das testemunhas (as duas primeiras acima citadas) face à circunstância de serem filhos do embargante. Claro que apenas esta relação familiar. Isoladamente, não basta para retirar valor probatório aos depoimentos delas, mas a prova tem que ser avaliada no quadro global do conjunto de outros elementos disponíveis e carreados para os autos. E foi dessa concatenação que nasceu a livre convicção do tribunal julgador, a qual, pelo que já se disse, não vemos motivo para ser abalada.
O que o recorrente/embargante faz no presente recurso é quase um exercício de repetição de prova, tentando fazer crer o TSI de que os factos devem ser julgados de outra maneira, em abono da sua tese.
Contudo, e como este TSI tem afirmado “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso numa nova instância de prova”.
E concluído “É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 24/01/2019, Proc. nº 327/2018).
Em suma, improcede o recurso nesta parte, também.
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4. Prosseguindo, o recorrente chama a atenção para a inexistência das dívidas relatadas no acórdão recorrido, pelo facto de apenas estar provado (mesmo assim, facto que no recurso impugnou, nos termos já analisados) que o embargado/exequente entregou ao executado valores num total de trinta milhões de dólares de Hong Kong, sem se apurar se essa entrega foi feita a título de empréstimo.
Este fundamento do recurso vem na linha dos já tratados anteriormente. Para o recorrente/embargante/executado, não houve entrega de dinheiro, nem sequer a título de empréstimo, bem como não se provou que ele devolveu parte da quantia (a referida na alínea b), dos factos assentes).
No entanto, o próprio recorrente, na sua petição de embargos, referiu, se bem se recorda, que “O executado não concorda com todas as dívidas alegadas pelo exequente…”, o que denota que, pelo menos, algumas reconhece.
De qualquer maneira, o que releva no caso é a prova de entrega de dinheiro (não é imprescindível se foi a título de mútuo) e o reconhecimento da dívida tal como resulta da “declaração de reconhecimento de dívida” assinada pelo embargante e dada à execução como título executivo. É da conjugação desses elementos que se extrai a obrigação do embargante, por si incumprida.
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5. Por fim, o recorrente insiste na alegação de que, quando assinou aquele documento particular (a referida declaração de reconhecimento de dívida), não tinha vontade de confirmar o empréstimo, retomando a tese de “fraude” na obtenção da sua assinatura.
Ora, esta matéria deveria ser provada por si, enquanto embargante, tal como assinalou a sentença impugnada, por o respectivo ónus probatório lhe pertencer, nos termos do art. 335º, nº2, do CC.
Como não foi, e não há motivo para inverter ou modificar o sentido da prova obtida na 1ª instância, também nesta parte o recurso tem que improceder.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 26 de Março de 2020
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
Proc. nº 1033/2019 17