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Processo n.º 788/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 19/Março/2020

Descritores:
- Impugnação da matéria de facto

SUMÁRIO
Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro grosseiro ou manifesto na sua apreciação, o pedido de impugnação da matéria de facto terá de improceder.

O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 788/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 19/Março/2020

Recorrentes:
- A Limited (Autora)
- B (Macau) Limitada (Ré)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi julgada parcialmente procedente a acção intentada pela Autora A Limited contra a Ré B (Macau) Limitada, e improcedente a reconvenção, tendo a Ré sido condenada a pagar àquela MOP3.778.400,50, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, recorreu a Autora jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não se conforma – nem se pode conformar, como V. Exas. verão – com a decisão proferida.
2. Com efeito, os Meritíssimos Juízes do Douto Tribunal a quo, com todo o respeito que nos merecem, não consideraram devidamente a prova e, em consequência, não fizeram a correcta aplicação do direito.
3. A Autora, ora Recorrente, instaurou a presente acção declarativa contra a Ré, ora Recorrida, e peticionou a condenação desta no pagamento de MOP12.970.138,01 (doze milhões, novecentos e setenta mil, cento e trinta e oito patacas e um avo) a título de trabalhos adicionais realizados pela Recorrente no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre ambas para o fornecimento e instalação de alpendres em plástico reforçado de fibra de vidro no Wynn Palace Cotai.
4. Para tanto, a Recorrente alegou ter efectuado determinados trabalhos adicionais (“Variations Orders”) conforme a tabela junta aos autos a fls. 134, que foram solicitados pela Recorrida, como resulta dos documentos de fls. 596 a 617, no valor de HKD12.592.367,00.
5. Por seu turno, a Recorrida, em manifesta má fé, veio defender-se alegando que os trabalhos adicionais estavam incluídos no orçamento inicial e invocando o incumprimento da Recorrente quanto a determinados itens orçamentados.
6. O pedido da Recorrente foi julgado parcialmente procedente e a Recorrida foi condenada a pagar-lhe apenas a quantia de MOP3.778.400,50 (três milhões, setecentos e setenta e oito mil, quatrocentas patacas e cinquenta centavos), acrescida de juros de mora à taxa dos juros legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
7. Para determinar o montante devido à Recorrente, o Tribunal a quo apenas considerou uma parte dos trabalhos adicionais realizados pela Recorrente, porquanto não considerou ter sido provado que a Recorrente tivesse realizado a totalidade dos trabalhos adicionais cujo pagamento peticiona.
8. O objecto do presente recurso é, assim, submeter a V. Exas. a reapreciação da prova gravada e da prova documental junta aos autos, na medida em que determinavam que fosse diversa a decisão quanto à matéria de facto e que a Recorrida fosse condenada a pagar à Recorrente uma quantia superior, correspondente à totalidade do valor dos trabalhos adicionais que foram solicitados pela Recorrida e realizados pela Recorrente.
9. O Tribunal a quo julgou a matéria de facto desconsiderando o que foi a própria actuação da Recorrida durante a execução do contrato e nem sequer cuidou de fundamentar porque não valorou a inequívoca prova documental junta pela Recorrente.
10. Não se consegue vislumbrar qual será o fundamento para as “VO” (“Variation Order”) serem listadas e os trabalhos solicitados pela Ré/Recorrida se já estivessem incluídas no orçamento inicial. É por demais evidente que as “VO” só foram identificadas porque correspondiam a trabalhos adicionais.
11. Os documentos juntos pela Recorrente a fls. 125 a 142 e a fls. 596 a 617 são fundamentais para a prova dos factos supra enunciados, uma vez que, repete-se, demonstram que foi a própria Recorrida que solicitou os trabalhos adicionais. Estes documentos foram completamente desvalorizados pelo Tribunal a quo sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para não terem sido devidamente valorados como elemento probatório.
12. Os depoimentos das testemunhas C, D, E, F e G também não foram devidamente valorados e impunham uma decisão diversa daquela que foi proferida.
13. Perante a prova produzida – considerando os documentos e os depoimentos supra indicados – devem ser julgados não provados os factos correspondentes aos quesitos 14, 17, 18, 34 e 24 e provados os factos correspondentes aos quesitos 21, 36, 26 e 10.
14. Deve ser incluído no valor devido à Autora, ora Recorrente, o valor correspondente aos trabalhos adicionais, pelos trabalhos identificados nas VO1, VO3, VO6, VO19, VO19a, VO19b, VO35, TBA na 31ª linha e TBA na 32ª linha, VO35 (outra vez na linha 38ª) e TBA nas linhas 39º e 40ª.
15. Pelo exposto, a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente e a Ré/Recorrida condenada a pagar à Autora/Recorrente a totalidade do valor peticionado, ou seja, a quantia de HKD12.592.367,00, correspondente a MOP12.970.138,01 (doze milhões, novecentos e setenta mil, cento e trinta e oito patacas e um avo) acrescida de juros à taxa legal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. certamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, condenando-se a Recorrida na totalidade do pedido formulado pela Recorrente nos presentes autos, com as demais consequências legai. Assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a Ré nos seguintes termos conclusivos:
“A. O presente recurso interposto pela A., ora Recorrente, impugna a decisão de facto quanto aos quesitos 10º, 14º, 17º, 18º, 21º, 24º, 26º, 34º e 36º, e requer a reapreciação da prova gravada e da prova documental, concluindo que a R., ora Recorrida, deveria ter sido condenada a pagar à Recorrente a quantia correspondente à totalidade do valor dos trabalhos adicionais, ou seja, o valor correspondente à quantia peticionada.
B. Incorre a Recorrente, desde já, em erro quanto à delimitação do objecto do presente recurso, uma vez que ao valor das denominadas “Variation Orders” não corresponde o valor de HKD12.592.367,00, mas sim o de HKD9.433.022,00, como consta da tabela a fls. 134.
C. Assim, caso seja dado procedimento ao presente recurso, o que apenas se admite como mera hipótese académica, a Recorrida só poderia ser condenada no pagamento de HKD9.433.022,00, e não na quantia peticionada.
D. No que respeita às verbas V01, V03, V06, e V032 (custos de transporte) que a Recorrente alega terem sido trabalhos adicionais, o tribunal deu como provado que se tratava de trabalhos que já estavam incluídos no orçamento inicial, pelo que não podem ser considerados como trabalhos a mais.
E. A Recorrente alega que não faz sentido considerar que estas VOs estão incluídas no orçamento inicial, porquanto é evidente que as mesmas não seriam listadas como trabalhos adicionais se já estivessem incluídas, e ainda porque os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas confirmam que foi a própria Ré/Recorrida que os solicitou.
F. O que parece não fazer sentido é afirmar ser consequência necessária que não estavam previstos no orçamento inicial determinados trabalhos apenas pelo facto de a Recorrente decidir listá-los como adicionais.
G. Por outro lado, a prova documental invocada pela Recorrente, limita-se aos documentos a fls. 125 a 142 e a fls. 596 a 617, mas nada nos documentos citados demonstra que as “Variation Orders” foram solicitadas pela Recorrida à Recorrente como trabalhos adicionais.
H. A Recorrida solicitava a elaboração de orçamentos mais detalhados para trabalhos específicos sem que tal significasse necessariamente que se tratava de trabalhos adicionais, como resultou do testemunho de H, que declarou que as chamadas “Variation Orders” apenas seriam tidos como trabalhos adicionais depois de a Recorrida emitir uma instrução designada de “Site Instruction”.
I. Ao contrário do que alega a Recorrente, esta testemunha não confirma que a expressão VO – “Variation Order” correspondia a trabalhos adicionais.
J. Por outro lado, os depoimentos das testemunhas da A./Recorrente, C, D e E, invocados no presente recurso, em nada contribuem para provar que as verbas em causa constituem trabalhos a mais.
K. A Recorrente também não impugna, nem tão pouco apresenta argumentos contra a conclusão do tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto – que determinou a decisão de excluir da tabela de trabalhos adicionais a fls. 134 as verbas VO1, VO3 e VO6, bem como o custo de transporte referida na VO32 – nem cita qualquer depoimento ou prova documental em contrário, pelo que carece de fundamento a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante dos quesitos 14º, 17º, 18º e 34º.
L. Resulta igualmente da prova testemunhal e documental que a Recorrente dispunha de elementos suficientes para prever a necessidade destes trabalhos.
M. Assim, não há qualquer fundamento para a impugnação da matéria de facto contida nos quesitos 14º, 17º, 18º e 34º.
N. Quanto às verbas VO19, VP19a e VO19b - quesito 21º - as mesmas referem-se à cobrança por dias de trabalho respeitantes à gestão e coordenação fora do local de obra, tendo o tribunal a quo considerando, que não se demonstrou que o trabalho haja sido realizado.
O. O item TBA (41ª rúbrica) – quesito 36º - respeita a um custo reclamado pela Recorrente pela eliminação de defeitos durante a noite após a abertura ao público do Wynn Palace.
P. Ora, nenhum dos documentos invocados pela Recorrente (fls. 124 a 145 e fls. 596 a 617) faz referência a estas verbas, ou prova que estes trabalhos foram realizados, nem demonstra que a Recorrida se responsabilizaria pelos custos adicionais incorridos com reparação de defeitos durante a noite.
Q. A Recorrente tão pouco menciona depoimentos específicos das testemunhas que contrariem a posição do tribunal a quo relativamente a estas verbas, nem apresenta argumentos contra as conclusões do tribunal na sentença recorrida.
R. Ao acima exposto, acresce ainda que as testemunhas da Recorrente afirmaram que não houve gestão da obra fora dos estaleiros (VO19, VO19a e VO19b), mormente o depoimento das testemunhas da Recorrida.
S. Quanto à verba VO35, que correspondente ao quesito 24º, esta encontra-se relacionada com a mão-de-obra utilizada pela Recorrente na obra, que reclama um valor de HKD3.166.800,00 por alegada insuficiência de autorizações de trabalho de não residentes.
T. Este valor reclamado pelo Recorrente assume que a Recorrida se tivesse responsabilizado por 100% de trabalhadores não residentes, ou seja, que a Recorrida compensaria a Recorrente pelo excesso que teria de pagar em salários a todos os trabalhadores residentes, o que não pode proceder, pois como bem entendeu o tribunal a quo, ambas as partes apenas acordaram que a mão-de-obra empregue na obra seria na proporção de 50% de trabalhadores locais e 50% de trabalhadores não residentes.
U. Acresce ainda que não se entende a razão pela qual a Recorrente impugna apenas a resposta ao quesito 24º e não impugna a do quesito 23º, sendo a resposta negativa ao quesito 23º prejudicial à resposta dada ao quesito 24º.
V. Devem ainda ser desconsiderados os documentos invocados pela Recorrente, que indica como prova apenas os documentos a fls. 596 a 617, sendo que estes não fazem qualquer referência à VO35.
W. Por último, devem também ser desconsideradas as referências da Recorrente aos depoimentos testemunhais nas alegações de recurso quanto a esta matéria de facto, porquanto nada referem quanto à V035, sendo que as testemunhas da Recorrente nem sequer foram interrogadas sobre o quesito 24º.
X. Pelo contrário, o acervo de prova testemunhal do processo, nomeadamente das testemunhas XX e G, confirma o acordo entre Recorrente e Recorrida, de que esta asseguraria 50% de quotas para não residentes e que apenas compensaria a Recorrente pela diferença em salários pagos a trabalhadores locais no caso de os 50% de não residentes não ser atingido.
Y. Não logrando a Requerente apresentar qualquer prova em contrário, seja documental ou testemunhal, a impugnação desta matéria de facto está desprovida de qualquer fundamento, pelo que deve ser mantida a douta decisão do tribunal a quo quanto ao quesito 24º.
Z. Quanto às verbas VO25, VO26, VO27, VO28, VO29 e VO34 (quesito 26º), correspondente a mão-de-obra que a Recorrente reclama pelos períodos de Dezembro de 2015 a Maio de 2016, esta invoca apenas os documentos a fls. 596 a 617 como prova, violando o disposto no art. 599º, no. 1 al. b) do Código de Processo Civil, que impõe o ónus ao recorrente de indicar os concretos meios probatórios, porquanto os únicos documentos que na sua perspectiva poderiam servir de prova quanto à mão de obra empregue durante estes períodos – a fls. 288 a 554 e fls. 650 a 885 – nem sequer vêm mencionados nas alegações.
AA. Refere a Recorrente os documentos a fls. 596 a 617, que nada têm a ver com o número de dias-homem empregues na obra, nem contêm qualquer “Variation Order” que se refira a estas verbas.
BB. Sendo que a Recorrente optou por não interrogar as suas próprias testemunhas sobre o quesito 26º.
CC. Ainda assim, convém referir que de acordo com os documentos juntos aos autos a fls. 288 a 554, que se referem ao número de dias-homem empregues durante o período em causa o número total de dias-homem cifra-se em 4.708, enquanto de acordo com o documento a fls. 19 o número previsto no orçamento inicial era de 7.404.
DD. O custo correspondente a esta previsão de número de dias-homem necessário para concluir a obra, como é evidente, estava incluído no orçamento inicial, e isto projectando uma duração de 4 meses.
EE. Como se pode inferir dos documentos entre fls. 288 e 554 (mais precisamente as tabelas constantes de fls. 289, 316, 356, 387, 450 e 512), o número de dias-homem cifra-se em cerca de 1.700 menos do que a Recorrente tinha orçamentado.
FF. Assim, esteve bem o tribunal a quo ao concluir no quesito 10º que os trabalhos adicionais correspondem a um valor total de HKD4.192.005,00 (sem prejuízo do recurso que a ora Recorrida interpôs do sentença).
GG. Concluindo-se que carece de qualquer fundamento o presente recurso, por falta de indicação especificada da prova, e ainda por os documentos juntos aos autos, bem como os depoimentos testemunhais, demonstrarem que a decisão recorrida julgou correctamente a matéria de facto ora impugnada.
Termos em que não deverão proceder as alegações apresentadas pela Recorrente e consequentemente ser negado provimento ao presente recurso, por falta de fundamento legal e confirmada a douta sentença proferida pelo tribunal a quo (sem prejuízo do recurso apresentado pela ora Recorrida), só assim se fazendo JUSTIÇA.”
*
Por sua vez, também recorreu a Ré para este TSI, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“A. O presente recurso vem interposto da sentença de fls. 1126 e ss., que julgou parcialmente procedente a acção movida contra a Ré, ora Recorrente, e, em consequência decidiu condenar a Recorrente a pagar à Autora, ora Recorrida, o valor de HKD3.778.400,50.
B. A Recorrente considera incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos quesitos 10º e 37º, tomando em conta os meios probatórios levados aos autos, que impunham decisão diversa, pelo que vem impugnar a decisão de facto, nos termos do art. 599º do CPC, sendo que a modificação da mesma implicará forçosamente a redução do montante condenatório.
C. O quesito 10º vem dar como provado que “os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD4.192.005,00.”
D. Estão em causa apenas os trabalhos adicionais reclamados pela Recorrida, no valor de HKD9.433.022,00, com a especificação e quantificação no Doc. 18, junto à petição inicial, a fls. 134.
E. De acordo com a decisão relativa à matéria de facto, o tribunal a quo entendeu, e bem, que a resposta a dar ao quesito 10º resulta de uma operação aritmética entre o valor que a Recorrida reclama a título de trabalhos adicionais (“variation orders”), devendo ser deduzida à lista de fls. 134 os itens que não ficou demonstrado terem sido obras adicionais, o que implica a exclusão do quadro apresentado a fls. 134 dos itens VO1, VO3, VO6, VO19, VO19a, VO19b, VO35, TBA na 31ª linha e TBA na 32ª linha, VO35 (outra vez na linha 38ª) e TBA nas linhas 39ª e 40ª, apurando-se assim um valor igual a HKD4.192.005,00.
F. Não se opondo a Recorrente a este raciocínio, sucede, no entanto, que o tribunal a quo incorreu num erro de cálculo na soma das VOs que são consideradas trabalhos adicionais.
G. O tribunal, na sua decisão, depois de excluir as VOs supra listadas (vd. parágrafo E. destas alegações) procedeu à soma de todas as VOs restantes que constam daquela lista a fls. 134, sendo o resultado desta operação, efectivamente, os referidos HKD4.192.005,00.
H. No entanto, as VO21, VO22, VO23 e VO24 constantes da mesma tabela a fls. 134, no valor de HKD200.000,00 (HKD50.000 cada uma), não entraram nos cálculos dos trabalhos a mais reclamados pela Recorrida no valor de HKD9.493.850,00.
I. Tal torna-se evidente se se proceder à soma de todas as VOs constantes da coluna (D) da tabela a fls. 134, verificando-se que o valor total de HKD1.493.850,00 não inclui as VO21, VO22, VO23 e VO24; que totalizam o valor de HKD200.000,00; caso contrário, esse montante seria de HKD1.693.850.
J. Ao subtrair a soma das VOs excluídas pelo tribunal a quo, ou seja, o valor de HK5.441.017,00, do total de HKD9.493.850,00 reclamado pela Recorrida, atinge-se a quantia de HKD3.992.850, e não de HKD4.192.005.
K. Caso estas VOs no valor e HKD200.000,00 tivessem sido incluídas no total dos trabalhos adicionais reclamados pela Recorrida, a Recorrente, na mesma lógica da argumentação de que estes trabalhos não deviam ser cobrados, teria impugnado as mesmas na contestação, o que não fez por motivos óbvios.
L. O tribunal a quo deveria assim ter concluído no quesito 10º que o valor dos trabalhos adicionais é quantificado em HKD3.992.850, ou seja a soma das VOs não excluídas, subtraindo o valor de HKD200.000,00 correspondente às VO21, VP22, VO23 e VO24.
M. Quanto ao quesito 37º, a Recorrente não se conforma com a resposta negativa ao quesito 37º, em face dos documentos juntos aos autos, bem como da fundamentação jurídica da sentença recorrida, considerando que houve erro na apreciação da prova.
N. Do quesito 37º consta o seguinte: “Em relação ao item VO20, a instalação de canais de alumínio (“aluminium channel above & underneath profile trim”) já se encontrava incluída nos trabalhos descritos no item 3 da Tabela 2, denominado LX935 alum channel, referido no doc. 18 junto à p.i.”.
O. Quer do referido Doc. 18 (a fls. 132), quer do Doc. 2, que corresponde ao orçamento inicial da Recorrida (a fls. 24) resulta claramente que este material já vinha orçamentado desde o início da obra (vd. rúbrica “LX935 alum channel”, com o valor de HKD173.830,00).
P. O tribunal a quo entendeu não haver provas suficientes que permitam concluir que se trata do mesmo material, porém, entende-se que, sendo o material especificado alumínio, não há qualquer diferença, ainda que os números de referência sejam diferentes (LX953/LX935).
Q. Todavia, a questão de saber se existe diferença na referência do material não é relevante no caso em apreço.
R. Como resulta da própria fundamentação às respostas dadas à base instrutória, dá-se por demonstrado que, por um lado, o contrato de empreitada em causa foi acordado na base de um preço global (“lump sum”) e, por outro, que não houve alterações ao objecto da mesma.
S. Neste caso e a propósito das respostas aos quesitos 14º, 17º e 18º, o tribunal a quo entende que, tendo sido fornecidas as plantas que constam de fls. 985 e 986, segundo os usos, o risco decorrente corre por conta do empreiteiro, pelo que o recurso a técnicas diferentes na instalação ou maquinaria diferente corre por conta da Recorrida.
T. Com base na factualidade dada como provada e perante as plantas que lhe foram facultadas pela Recorrente, do mesmo modo corria por conta e risco da Recorrida, a determinação das quantidades de alumínio necessárias ao fabrico e instalação dos 93 alpendres, sendo que nada na prova produzida nos autos permite concluir que para o fabrico ou a instalação dos alpendres seriam necessários mais materiais do que os previstos aquando da contratação da Recorrida.
U. Deveriam assim os factos do quesito 37º ter sido dados como provados e, por conseguinte, ser a VO20, no valor de HKD580.395,00, excluída da operação de cálculo dos trabalhos adicionais executados pela Recorrida, pelo que o valor apurado para os trabalhos adicionais de acordo com o quesito 10º deve ser reduzido em conformidade, perfazendo assim HKD3.411.610,00.
V. Ainda que assim não se entenda, sem conceder, as quantidades indicadas sob a VO20 padecem de um erro óbvio e crasso que não deveria ter sido ignorado pelo tribunal, como resulta da análise do Doc. 16, a fls. 614, onde se encontram discriminadas as medidas de cada alpendre e as quantidades de alumínio para cada um deles.
W. De acordo com os cálculos feitos em relação a todas as diferentes categorias de alpendres, a medida em metros de alumínio, para cada um, depreende-se das medidas indicadas na mesma folha, na terceira coluna.
X. Seguindo a mesma operação de cálculo aplicada aos outros alpendres, verifica-se que para o alpendre com a referência A1.4.14, com uma largura de 4650, a medida em metros do alumínio deveria ser de 4,65m, e não de 465m(!), sendo evidente aos olhos de qualquer um que a Recorrida cometeu um erro e omitiu o ponto decimal.
Y. Deste erro resulta uma quantidade em alumínio 100 vezes superior ao necessário e o consequente aumento exponencial do valor reclamado, devendo o alumínio necessário para os 3 alpendres com a referência A1.4.14 ser de 27,9m (e não de 2.790m) e, em resultado, considerando o preço de HKD150,00 por metro, o preço que a Recorrente deveria pagar à Recorrida a título da VO20, seria, no máximo, de HKD166.080.
Z. Devendo assim, em face dos fundamentos expostos, ser as VO21, VO22, VO23 e VO24 (HKD200.000), e ainda a VO20, deduzidas do total reclamado pela Recorrida e, em consequência a quantia constante do quesito 10º ser alterada para o valor de HKD3.411.610,00, passando a resposta ao quesito 10º a ser aletrada para “Provado apenas que os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD3.411.610,00”.
AA. Em consequência, o montante devido pela Recorrente à Recorrida passa a ser de HKD2.887.955,00, equivalente a MOP$2.974.593,70.
BB. Por mera cautela de patrocínio, deverá, no máximo, a quantia referida no quesito 10º ser alterada para HKD3.577.690,00, sendo, neste caso, o montante devido pela Recorrente à Recorrida de HKD3.054.035,00, equivalentes a MOP3.145.656,10.
Termos em que se requer a V. Exas, que seja dado provimento ao presente recurso e alterada a matéria do quesito 10º, e bem assim, dados como assentes os factos contidos no quesito 37º, ambos da Base Instrutória, nos termos acima expostos, por erro na apreciação da prova, e a sentença recorrida ser alterada em conformidade, devendo, em consequência, a Recorrente ser condenada a pagar à Recorrida o valor de HKD2.887.955,00, equivalente a MOP2.974.593,70, ao abrigo do artigo 599º do Código de Processo Civil.
Por mera cautela de patrocínio, no caso de se entender que o material de alumínio identificado na tabela dos trabalhos a mais sob o item V20 deva ser pago à Recorrida, vem em alternativa requerer que o quesito 10º seja alterado em conformidade e a Recorrente condenada a pagar à Recorrida a quantia de HKD3.054.035,00, equivalente a KOP3.145.656,10, só assim se fazendo.”
*
Ao recurso respondeu a Autora pela seguinte forma conclusiva:
“1. O recurso da Recorrente é totalmente destituído de fundamento e corresponde a mais uma tentativa de não pagar o que sabe ser devido à Recorrida.
2. Conforme já se deixou exposto em sede de alegações de recurso da Recorrida, a Recorrente deveria ter sido integralmente condenada no pedido, pelo que não assiste qualquer razão ao seu recurso.
3. Ao contrário do que alega a Recorrente, o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de cálculo no apuramento do valor dos trabalhos adicionais.
4. O que sucedeu, efectivamente, foi que o Tribunal a quo não considerou trabalhos adicionais que deveriam ter sido considerados para determinar o valor devido à Recorrida, conforme esta deixou exposto nas suas alegações de recurso.
5. As VOs (Variation Orders) 21, 22, 23 e 24 foram incluídas no pedido da Recorrida e, como a própria Recorrente admite, não foram impugnadas na contestação.
6. Deste modo, o valor correspondente às VO 21, 22, 23 e 24 foi correctamente considerado pelo Tribunal a quo no apuramento do valor devido à Recorrida.
7. Foi produzida prova de que a Recorrente solicitou todos os trabalhos adicionais cujo pagamento é reclamado pela Recorrida e que esta realizou tais trabalhos.
8. Não foram considerados os documentos juntos pela Recorrida a fls. 125 a 142 e a fls. 596 a 617, nos quais a própria Recorrente solicita à Recorrida que preste os trabalhos adicionais que não foram considerados provados pelo Tribunal.
9. A decisão recorrida apenas deverá ser alterada, no que se refere à resposta ao quesito 10º, para condenar a Recorrente no valor total peticionado pela Recorrida a título de trabalhos adicionais e que corresponde a HKD12.592.367,00 (doze milhões, quinhentas e noventa e duas mil, trezentas e sessenta e sete dólares de Hong Kong) equivalente a MOP$12.970.138,01 (doze milhões, novecentas e setenta mil, cento e trinta e oito patacas e um avo).
10. Não foi produzida qualquer prova de que o item VO20 já estivesse incluído nos trabalhos descritos no item 3 da Tabela 2, denominado LX935, referido no Doc. n.º 18 junto à P.I.
11. Foi a Recorrente quem alegou que o trabalho correspondente à VO20 encontrava-se incluído no orçamento inicial e, de acordo com as regras do ónus da prova, cabia à Recorrente, enquanto Ré, a prova de tal facto.
12. Ora, da prova documental e testemunhal não resultou qualquer prova quanto ao quesito 37º, pelo que, o Tribunal a quo só podia dar tal facto por não provado.
13. A decisão do Tribunal a quo sobre a matéria do quesito 37º foi a correcta e deverá ser confirmada por este Venerando Tribunal.
14. O cálculo feito pelo Tribunal a quo está devidamente fundamentado e não tem qualquer erro, a não ser o de não incluir o valor das VOs que deveriam ter sido julgadas provadas e que não foram, conforme resulta do recurso da Recorrida.
15. No que se refere à VO20, é falso que o orçamento inicial incluísse o alumínio aplicado a mais e que esse risco corresse por conta da Recorrida, como a Recorrente bem sabe e resultou provado.
16. Pelo que, andou bem a decisão recorrida ao incluir o valor da VO20 no valor total devido à Recorrida.
17. A decisão recorrida não deve ser alterada nos termos defendidos pela Recorrente apenas merecendo alteração pelos fundamentos alegados no recurso da Recorrida.
18. Por conseguinte, impugnam-se assim todos os fundamentos do recurso da Recorrente e o mesmo deve ser julgado totalmente improcedente.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. certamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo nos termos peticionados no recurso da Autora, aqui Recorrida, e, em consequência, condenando-se a Recorrente na totalidade do pedido formulado pela Recorrida, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A A. exerce principalmente a actividade de produção e instalação de alpendres em plástico reforçado de fibra de vidro, cujo acrónimo em língua inglesa é “FRP” para “fibre-reinforced plastic”. (alínea a) dos factos assentes)
A R. foi contratada pela empreiteira principal do projecto “Wynn Palace Cotai”, a Leighton Contractors (Asia) Limited para proceder à instalação de alpendres em fibra de vidro no exterior do edifício. (alínea b) dos factos assentes)
A R., por sua vez, sub-contratou a A. para a produção de determinados materiais para os alpendres, bem como para proceder à sua montagem final e instalação no local da obra, ou seja, no Wynn Palace. (alínea c) dos factos assentes)
A A. apresentou à R. o orçamento final com a referência M512/15/Q-10228, datado de 23 de Dezembro de 2015. (alínea d) dos factos assentes)
O prazo inicialmente previsto para a execução do contrato de empreitada entre a A. e a R., é de quatro (4) meses. (alínea e) dos factos assentes)
A empreitada acordada foi concluída e o Wynn Palace Cotai foi inaugurado a 22 de Agosto de 2016. (alínea f) dos factos assentes)
A R. efectuou pagamento por conta da obra à A., em onze tranches, no valor total de HKD15.090.000,00. (alínea g) dos factos assentes)
Em 13 de Março de 2017, a A. notificou a R. para proceder ao pagamento do valor remanescente em dívida no valor de quantia de HKD12.592.367,00. (alínea h) dos factos assentes)
Foi acordado entre a A. e a R. de que o pagamento da obra é feito mediante facturas relativas ao trabalho efectuado de acordo com o orçamento final referido em d). (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Em relação ao item “A” - Custos de Gestão e Supervisão (“Management and Supervision Costs”) (cfr. fls. 127), devido à sua execução, a A. despendeu um valor de HKD250.000,00. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Em relação ao item “E” - Desenho e coordenação (“Design and Coordination”, devido à sua execução, ambas as partes acordaram pelo valor de HKD200.000,00. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
Foi orçamentado que o fornecimento de plataforma elevatória em tesoura e plataforma telescópica de trabalho (“Provision of scissor platform & telescopic platform”) tinha o valor de HKD234.600,00 e HKD225.400,00. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
O equipamento referido no item anterior nunca foi fornecido. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
Em relação aos Trabalhos preliminares, o valor de HKD1.611.500,00 é o valor previsto para a obra que dura quatro (4) meses. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD4.192.005,00. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
No item VO1 - Dias de trabalho por “Type E delivery route protection and lifting”), o valor de HKD29.500,00 reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”). (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
O item VO2 - Dias de trabalho por condições especiais de entrega (“Villa Garden Delivery Special Condition”), o valor de HKD68.900,00 (HKD34.450,00 por mão de obra + HKD34.450,00 pelo içamento), e HKD345.000,00 (HKD172.500,00 por mão de obra + HKD172.500,00 pelo içamento) reclamado pela A. corresponde ao trabalho executado pela A. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
Na execução do item VO2, a grua foi providenciada pela R. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
No item VO3 - Dias de trabalho pelo fornecimento de anéis de elevação (“Type E lifting bracket”), o valor de HKD37.300,00 reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”). (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
No item VO06 - o valor adicional de HKD39.500,00 por anéis de elevação (“Lifting bracket villa 3.3.4 & 3.3.16”) reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”). (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
Nos itens VO18, VO18a e VO18b - Cobrança por dias de trabalho respeitantes à gestão da obra (“Site Management Charge”) nos períodos de Janeiro a Abril de 2016, de Maio a Junho de 2016 e de Julho a Agosto de 2016, a A. despendeu HKD62.500,00/mês, reclamando assim os totais de HKD250.000,00, HKD125.000,00 e mais HKD125.000,00, respectivamente. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
Em relação ao item V035 (39ª rúbrica) - Dias de trabalho por insuficiência de autorizações de trabalho de não residentes (“Insufficient overseas working permits”), ambas as partes apenas acordaram que tem como limite o acordo com o contrato de empreitada celebrado entre a empreiteira principal LCAL e a R., isto é, a mão-de-obra empregue na obra será na proporção de 50% de trabalhadores locais e 50% de trabalhadores não-residentes. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
Os itens “VO25”, “V026”, “V027”, “V028”, “V029”, “V034” relativos a dias de trabalho correspondente aos meses de Dezembro de 2015, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2016, reclamados pela A., correspondem aos trabalhos adicionais prestados pela A. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
A. e R. tinham acordado o transporte do produto da obra da fábrica da A. em Zhuhai para a fábrica da R. em Dongguan. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
O valor do transporte referido no item anterior já se encontrava incluído no orçamento da obra. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
A Autora efectuou o transporte directamente para Macau. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
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Comecemos pelo recurso interposto pela Autora.
A Autora vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 10º, 14º, 17º, 18º, 21º, 24º, 26º, 34º e 36º da base instrutória, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
Melhor dizendo, entende a Autora que os quesitos 14º, 17º, 18º, 24º e 34º deveriam ter sido dados como não provados, enquanto os quesitos 10º, 21º, 26º e 36º deveriam ter sido dados como provados.
O Tribunal recorrido respondeu aos quesitos 14º, 17º, 18º, 24º e 34º da seguinte forma:
Quesito 14º - “No item VO1 – Dias de trabalho por “Type E delivery route protection and lifting”, o valor de HKD29.500,00 reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”)?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 17º - “No item VO3 – Dias de trabalho pelo fornecimento de anéis de elevação (“Type E lifting bracket”), o valor de HKD37.300,00 reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”)?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 18º - “No item VO06 – o valor adicional de HKD39.500,00 por anéis de elevação (“Lifting bracket villa 3.3.4 & 3.3.16”) reclamado pela A. já está orçamentado no âmbito do item “P” sob a denominação de “máquinas/gruas” (“Cranage Machinery”)?”, e a resposta foi: “Provado.”
Quesito 24º - “Em relação ao item VO35 (39ª rúbrica) – Dias de trabalho por insuficiência de autorizações de trabalho de não residentes (“Insufficient overseas working permits”), ambos as partes apenas acordaram que tem como limite o acordo com o contrato de empreitada celebrado entre a empreiteira principal LCAL e a R., isto é, a mão-de-obra empregue na obra será na proporção de 50% de trabalhadores locais e 50% de trabalhadores não-residentes, com um número máximo de 40 nesta última categoria?” e a resposta foi: “Provado apenas que em relação ao item VO35 (39ª rúbrica) – Dias de trabalho por insuficiência de autorizações de trabalho de não residentes (“Insufficient overseas working permits”), ambas as partes apenas acordaram que tem como limite o acordo com o contrato de empreitada celebrado entre a empreiteira principal LCAL e a R., isto é, a mão-de-obra empregue na obra será na proporção de 50% de trabalhadores locais e 50% de trabalhadores não-residentes.”
Quesito 34º - “O valor do transporte já se encontrava incluído no orçamento da obra?”, e a resposta foi: “Provado que o valor do transporte referido no item anterior já se encontrava incluído no orçamento da obra.”

E em relação aos quesitos 10º, 21º, 26º e 36º, a resposta foi dada da seguinte forma:
Quesito 10º - “Os trabalhos adicionais executados pela A. correspondem a um valor de HKD9.433.022,00?”, e a resposta foi: “Provado apenas que os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD4.192.005,00.”
Quesito 21º - “Nos itens VO19, 19ª e 19b – Cobrança por dias de trabalho respeitantes à gestão e coordenação fora do local da obra (“Off-site managemente & coordination charge”) nos períodos de Janeiro a Abril de 2016, de Maio a Junho de 2016 e de Julho a Agosto de 2016, a A. despendeu HKD45.000,00/mês, reclamando assim os totais de HKD180.000,00, HKD90.000,00 e mais HKD90.000,00, respectivamente?”, e a resposta foi: “Não provado.”
Quesito 26º - “Nos itens “VO25”, “VO26”, “Vo27”, “VO28”, “VO29”, “VO34” e “VO35” (30.a rúbrica), “TBA (31.a rúbrica)” e “TBA (32.a rúbrica)” relativos a dias de trabalho correspondente aos meses de Dezembro de 2015, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2016, reclamados pela A., correspondem aos trabalhos adicionais prestados pela A.?”, e a resposta foi: “Provado apenas que os itens “VO25”, “VO26”, “VO27”, “VO28”, “VO29”, “VO34” relativos a dias de trabalho correspondente aos meses de Dezembro de 2015, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio de 2016, reclamados pela A., correspondem aos trabalhos adicionais prestados pela A.”
Quesito 36º - “Em relação ao item TBA (41ª rúbrica) – eliminação de defeitos durante a noite no período de Março a Maio de 2017 – constitui trabalhos adicionais?”, e a resposta foi: “Não provado.”

Entende a Autora recorrente que o Tribunal recorrido desconsiderou os documentos juntos por ela a fls. 125 a 142 e 596 a 617, segundo os quais se verificava que foi a própria Ré quem solicitou à Autora que prestasse os trabalhos adicionais, bem assim não cuidou o Tribunal de fundamentar por que não valorou a prova documental junta pela recorrente e o depoimento das testemunhas.
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”

A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão à Autora.
De facto, os documentos invocados pela Autora são meros documentos particulares, portanto em princípio não fazem prova plena, enquanto o depoimento das testemunhas também está sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Sendo certo que o Tribunal recorrido deu como provados e não provados, respectivamente, aqueles quesitos descritos com base não só na prova documental mas também no depoimento das testemunhas, a Autora recorrente ao fim e ao cabo pretende apenas sindicar a íntima convicção do Tribunal recorrido formada a partir da apreciação e valoração global das provas produzidas nos autos.
A nosso ver, não vislumbramos qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do Tribunal recorrido na análise da prova nem na apreciação da matéria de facto controvertida, sendo que os dados trazidos aos autos permitam chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou, pelo que improcedem as razões invocadas pela Autora nesta parte.
Uma vez julgada improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pela Autora, o recurso desta terá que naufragar.
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E em relação ao recurso interposto pela Ré, esta começa por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida no quesito 10º da base instrutória, com fundamento de que foi cometido um erro no cálculo do valor dos trabalhos adicionais executados pela Autora.
Conforme acima referido, no que toca ao quesito 10º, o Tribunal recorrido entendeu que os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD4.192.005,00.
Tal como referido na fundamentação da decisão da matéria de facto, a resposta dada àquele quesito resulta de uma operação aritmética entre o valor que a Autora reclama a título de trabalhos adicionais e aquele que não ficou demonstrado terem sido obras adicionais ou ter a Autora incorrido nas respectivas despesas. Para o efeito, foram excluídos os itens descritos nas VO1, VO3, VO6, VO19, VO19a, VO19b, VO35, TBA na 31ª linha e TBA na 32ª linha, VO35 (outra vez na linha 38ª) e TBA nas linhas 39ª e 40ª, os quais perfazem o valor de HKD5.441.017,00.
Procedendo-se ao respectivo cálculo, mostra-se que a diferença é de HKD3.992.005,00 (HKD9.433.022,00 – HKD5.441.017,00), e não o valor de HKD4.192.005,00 conforme vem decidido na sentença recorrida.
Procedem, assim, as razões aduzidas pela Ré nesta parte, passando a resposta ao quesito 10º da base instrutória a ser alterada para “Provado apenas que os trabalhos adicionais executados pela Autora correspondem a um valor de HKD3.992.005,00.”
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Também vem a Ré impugnar a resposta dada ao quesito 37º, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova.
O Tribunal recorrido deu como não provado o quesito 37º em que se perguntava: “Se em relação ao item VO20, a instalação de canais de alumínio (“aluminium Channel above & underneatn profile trim”) já se encontrava incluída nos trabalhos descritos no item 3 da Tabela 2, denominado “LX935 alum channel”, referido no doc. 18 junto à p.i.”
Conforme defendido pela Autora recorrida, e bem, sendo esta uma matéria alegada pela Ré recorrente, com vista a demonstrar que o item VO20 já estava incluído nos trabalhos descritos no item 3 da Tabela 2, cabia àquela Ré a prova do facto, de acordo com as regras do ónus da prova, mas não logrando ela alcançar o êxito pretendido, não resta outra solução senão julgar improcedente o recurso nesta parte.
E não se diga que o contrato de empreitada em causa, acordado na base de um preço global (“lump sum”), obstaria a que haja outras despesas, se vem provar que foram realizados trabalhos adicionais.
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Invoca ainda a Ré recorrente a existência de erro na indicação pela Autora da medida do alumínio necessária ao fabrico e instalação de alpendres, constante da rubrica A1.4.14 de fls. 612 verso dos autos.
Ora bem, é bom de ver que aquando da contestação a Ré não suscitou a tal questão, sendo portanto uma questão nova que, manifestamente, não pode ser apreciada nesta sede.
Razão por que o recurso, nesta parte, haverá de improceder.
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Na medida em que o valor dos trabalhos adicionais executados pela Autora reduziu de HKD4.192.005,00 para HKD3.992.005,00, este valor há-de acrescer ao valor da empreitada, passando o valor global devido pela execução da obra a ser igual a HKD18.558.350,00 (HKD3.992.005,00 + HKD14.566.345,00), dos quais já foram pagos HKD15.090.000,00, estando, assim, ainda por pagar HKD3.468.350,000, equivalente a MOP3.572.400,50 (pela aplicação do factor 1,03).
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Autora A Limited, e conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré B (Macau) Limitada, condenando esta a pagar à Autora a quantia de MOP3.572.400,50, acrescida de juros de mora à taxa dos juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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RAEM, 19 de Março de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong



Recurso Cível 788/2019 Página 32