Processo n.º 2/2020 Data do acórdão: 2020-4-2
Assuntos:
– conflito de competência
– acção cível exercida conjuntamente com a acção penal
– Lei n.o 9/1999
– Lei de Bases da Organização Judiciária
– alteração introduzida pela Lei n.o 4/2019
– tribunal colectivo
– tribunal singular
– julgar causa penal com enxerto cível
– art.o 18.o, n.o 1, da Lei n.o 9/1999
– art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999
– data de apresentação do pedido cível em processo penal
– art.o 16.o, n.o 2, da Lei n.o 4/2019
S U M Á R I O
1. Antes da alteração introduzida pelo art.o 1.o da Lei n.o 4/2019 ao articulado da Lei n.o 9/1999 (de Bases da Organização Judiciária da Região Administrativa Especial de Macau), a causa penal com pedido cível enxertado com valor da causa superior a cinquenta mil patacas é julgada por tribunal colectivo (cfr. a redacção, anterior a essa alteração, do art.o 18.o, n.o 1, e do art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999), enquanto na redacção dada por aquela Lei, só a partir de um milhão de patacas (exclusive) como valor da causa cível é que passa a intervir o tribunal colectivo como julgador da causa penal com enxerto cível (cfr. sobretudo a redacção actual do art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999, segundo a qual: sem prejuízo de disposição em contrário das leis de processo, compete ao tribunal colectivo julgar as “acções penais em que tenha sido deduzido pedido de indemnização cível, sempre que este seja de valor superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância”).
2. Como à data de apresentação do pedido cível em causa nos ora subjacentes autos penais, já entrou em vigor, nos termos ditados no n.o 1 do art.o 16.o da Lei n.o 4/2019, a nova redacção dos ditos art.os 18.o e 23.o da Lei n.o 9/1999, entende-se que, à luz da regra transitória, para efeitos da aplicação da lei no tempo, do n.o 2 do art.o 16.o da Lei n.o 4/2019 (de acordo com a qual o regime decorrente da redacção dada aos art.os 18.o e 23.o da Lei n.o 9/1999 só se aplica aos processos instaurados após a entrada em vigor da própria Lei n.o 4/2019), cabe a tribunal singular julgar a causa penal subjacente e o respectivo enxerto cível de indemnização.
3. O pedido cível, apesar de enxertado no processo penal, não deixa de ser ele próprio também uma acção cível, apesar de exercida conjuntamente com a acção penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 2/2020
(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Veio o Ministério Público requerer a este Tribunal de Segunda Instância (TSI) a resolução do conflito de decisões tomadas entre a M.ma Juíza titular do ora subjacente processo penal oriundo do Inquérito n.o 5328/2018, inicialmente distribuído no Tribunal Judicial de Base (TJB) como sendo Processo Comum Singular n.o CR3-19-0160-PCS e ulteriormente autuado como Processo Comum Colectivo n.o CR3-19-0274-PCC no 3.o Juízo Criminal desse Tribunal, e a M.ma Juíza Presidente do Tribunal Colectivo desse Juízo Criminal, acerca da questão de saber ao Tribunal Singular ou, antes, ao Tribuna Colectivo é que caberia julgar, ante a norma do art.o 16.o, n.o 2, da Lei n.o 4/2019 (que introduziu alterações inclusivamente aos art.os 18.o e 23.o da Lei n.o 9/1999, de Bases da Organização Judiciária da Região Administrativa Especial de Macau), o pedido cível de indemnização enxertado nessa causa penal, sendo que para aquela M.ma Juíza, não cumpriria ao Tribunal Singular julgar esse pedido cível, enquanto para essa M.ma Juíza Presidente do Tribunal Colectivo, não incumbiria ao Tribunal Colectivo julgar o mesmo pedido cível.
Em sede do art.o 27.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CP), respondeu a M.ma Juíza Singular (a fl. 57 do presente processado) no sentido de manutenção da sua posição jurídica.
Depois, pronunciaram-se a demandante civil A (a fl. 61 a 61v do processado) e o arguido demandado B (a fl. 62 do processado), a defenderem igualmente o conhecimento do pedido cível apenas pelo Tribunal Singular.
A Digna Procuradora-Adjunta junto deste TSI opinou (a fl. 60 a 60v do processado) que deveria ser o Tribunal Singular a julgar exclusivamente o pedido cível em causa.
Corridos os vistos, cumpre resolver o conflito negativo de competência em questão.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos elementos constantes do presente processado, sabe-se o seguinte:
– o presente processo penal teve origem no Inquérito penal n.o 5328/2018, instaurado em 15 de Maio de 2018 (cfr. o teor de fl. 20), do qual resultaram acusados penalmente, em 29 de Março de 2019 (cfr. o teor de fls. 30 a 31), pelo Ministério Público, o arguido B e a arguida A;
– em 8 de Julho de 2019, entrou nesse processo penal o pedido cível deduzido pela arguida A contra o arguido B, a pedir a condenação civil deste em quantia indemnizatória superior a cinquenta mil patacas (mas inferior a um milhão de patacas) (cfr. o teor de fls. 38 a 40v);
– em face da entrada desse pedido cível, a M.ma Juíza titular do processo em primeira instância determinou (por seu despacho de 24 de Julho de 2019) a nova distribuição do processo penal como sendo um processo comum colectivo;
– entretanto, a M.ma Juíza então Presidente do Tribunal Colectivo do 3.o Juízo Criminal em questão do TJB veio entender (no seu despacho de 31 de Outubro de 2019) que deveria caber ao Tribunal Singular a julgar a causa penal com tal enxerto cível de indemnização.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Juridicamente falando, antes da alteração introduzida pelo art.o 1.o da Lei n.o 4/2019 ao articulado da Lei n.o 9/1999 (de Bases da Organização Judiciária da Região Administrativa Especial de Macau), a causa penal com pedido cível enxertado com valor da causa superior a cinquenta mil patacas é julgada por tribunal colectivo (cfr. a redacção, anterior a essa alteração, do art.o 18.o, n.o 1, e do art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999), enquanto na redacção dada por aquela Lei, só a partir de um milhão de patacas (exclusive) como valor da causa cível é que passa a intervir o tribunal colectivo como julgador da causa penal com enxerto cível (cfr. sobretudo a redacção actual do art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999, segundo a qual: sem prejuízo de disposição em contrário das leis de processo, compete ao tribunal colectivo julgar as “acções penais em que tenha sido deduzido pedido de indemnização cível, sempre que este seja de valor superior à alçada do Tribunal de Segunda Instância”).
Como à data de 8 de Julho de 2019 da apresentação do pedido cível ora em causa, já entrou em vigor, em Abril de 2019, nos termos ditados no n.o 1 do art.o 16.o da Lei n.o 4/2019, a nova redacção dos ditos art.os 18.o e 23.o da Lei n.o 9/1999, entende este TSI que, à luz da regra transitória (para efeitos da aplicação da lei no tempo) do n.o 2 do art.o 16.o da Lei n.o 4/2019 (de acordo com a qual o regime decorrente da redacção dada aos art.os 18.o e 23.o da Lei n.o 9/1999 só se aplica aos processos instaurados após a entrada em vigor da própria Lei n.o 4/2019), cabe a tribunal singular julgar a causa penal subjacente e o respectivo enxerto cível de indemnização, por seguintes razões:
– o art.o 13.o do Código de Processo Civil manda que a competência do tribunal se fixa no momento em que a acção se propõe;
– como em acção penal a ser julgada inicialmente apenas por tribunal singular, só intervém o tribunal colectivo por causa propriamente da instauração do pedido cível supervenientemente enxertado, é de atender à data da dedução do enxerto cível (e não à data da instauração do processo penal em si) para efeitos da aplicação concreta da acima identificada regra transitória;
– nota-se que o pedido cível, apesar de enxertado no processo penal, não deixa de ser ele próprio também uma acção cível, apesar de exercida conjuntamente com a acção penal (para constatar isto, pode referir-se, nomeadamente, aos seguintes termos da redacção da versão anterior do art.o 23.o, n.o 6, alínea 2), da Lei n.o 9/1999: Sem prejuízo dos casos em que as leis de processo prescindam da sua intervenção, compete ao tribunal colectivo julgar: As acções penais em que tenha sido admitido o exercício conjunto da acção cível, sempre que o pedido de indemnização exceda o valor da alçada dos Tribunais de Primeira Instância (com sublinhado agora posto)).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em determinar a autuação do subjacente processo penal como um processo comum singular, incumbindo à M.ma Juíza titular do processo no 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base o julgamento da causa penal e do enxerto cível respectivo.
Sem custas.
Macau, 2 de Abril de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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