Proc. nº 630/2018
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Abril de 2020
Descritores:
- Procedimento disciplinar
- Graduação da pena
- Princípio da proporcionalidade
SUMÁRIO:
I - A graduação da sanção disciplinar, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo, por isso mesmo, sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação
II - Ao tribunal está vedado fazer administração activa, o que explica que, no domínio das penas concretas em matéria disciplinar, não pode substituir-se ao órgão sancionador, sob pena de ingerência no seu exclusivo campo de poderes e, portanto, sem quebra de violação do princípio da separação e independência de poderes, salvo nos casos de ostensivo, grosseiro e manifesto erro na aplicação do poder punitivo/disciplinar”
Proc. nº 630/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
KXX, advogado, titular do cédula profissional n.º ***, com escritório sito em Macau, Alameda ......, n.ºs ... a ..., Centro Comercial ......, ...º andar, ...-... ---
Recorre contenciosamente para este TSI ---
Da deliberação do Conselho Superior de Advocacia, sito em Macau, Avenida ......, n.º ..., ...... Centre Macau, ...º andar, de 8 de Março de 2018, no processo disciplinar n.º 11/2016/CSA (adiante designada por “decisão recorrida”), ---
Que o puniu na pena de censura nos termos dos art.ºs 41.º e 42.º do Código Deontológico (sic.) pela violação do disposto nos art.ºs 1.º n.º 3, 12.º n.º 2 e 14.º al. a) do Código Deontológico.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“1. O Conselho Superior de Advocacia discutiu sobre o processo disciplinar comum n.º 11/2016/CSA na reunião realizada em 8 de Março de 2018, tendo sido dados por provados os factos que ao recorrente foram acusados na reunião, por isso, aplicou-lhe a pena de censura e emitiu a carta registada n.º RRR190535865MO ao local de serviço do recorrente; (cfr. Anexo I)
2. Os fundamentos de facto e de direito da pena na decisão recorrida constam-se da referida carta registada. Para os devidos efeitos jurídicos, o teor da decisão recorrida constante do Anexo I aqui se dá por integralmente reproduzido; (cfr. Anexo I)
3. Por isso, inconformado com a decisão, entende o recorrente que a decisão recorrida padece dos vícios;
(I)
A decisão recorrida violou o art.º 15.º do Código Disciplinar dos Advogados e o art.º 22.º do Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia
4. Ao abrigo do art.º 15.º do Código Disciplinar dos Advogados (Escala de designação dos instrutores) e do art.º 22.º do Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia (da escala de instrutores), a designação dos instrutores é feita segundo a escala de designação, salvo as circunstâncias excepcionais.
5. Quanto à designação do recorrente como instrutor, o recorrente já tinha apresentado a contestação ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Outubro de 2016 para pedir ao Conselho o apuramento e o esclarecimento sobre a questão se a designação de instrutor foi feita de acordo com as normas jurídicas supracitadas (cfr. a parte de pedido de diligência constante da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Outubro de 2016).
6. O Conselho Superior de Advocacia respondeu quanto à designação de instrutor no processo disciplinar n.º 11/2016/CSA através da carta registada n.º 62/2016, entende o Conselho que nos termos do art.º 15.º n.º 3 do Código Disciplinar dos Advogados, para evitar a demora do respectivo processo, a designação não por escolha alfabética ocorreu quando outros instrutores tinham outros trabalhos para tratar, por outro lado, o Dr. T também aceitou a designação de instrutor no processo disciplinar n.º 11/2016/CSA; (cfr. Anexo III).
7. Todavia, a designação não por escolha alfabética pelo Conselho Superior de Advocacia prevista no art.º 15.º n.º 3 do Código Disciplinar dos Advogados pressupõe as circunstâncias determinadas. No processo disciplinar n.º 11/2016/CSA, não há nenhum elemento que mostra qualquer circunstância que justifica a designação não por escolha alfabética.
8. Os instrutores na lista de designação têm dever de aceitar e lidar com o processo disciplinar no seu turno, salvo as circunstâncias passíveis de substituição de instrutor previstas no art.º 16.º do Código Disciplinar dos Advogados.
9. Mesmo que de acordo com a resposta do Conselho Superior de Advocacia, outros instrutores tinham muitos trabalhos a tratar, por isso a designação não por escolha alfabética visa evitar a demora do respectivo processo, mas, não se verifica que nenhum instrutor pediu a substituição de instrutor com base no fundamento supracitado (ora o art.º 16.º do Código Disciplinar dos Advogado);
10. Caso o Conselho Superior de Advocacia possa designar instrutor em qualquer circunstância, o regime de designação de instrutor terá apenas uma expressão nominal, o que viola os art.ºs 15.º e 16.º do Código Disciplinar dos Advogados e o art.º 22.º do Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia e prejudica a imparcialidade do regime de designação de instrutor.
11. Citamos a parte do Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, fls. 191, quanto ao vício de sujeito, “no que toca à falta de legitimação (em que está em causa a possibilidade ou a qualificação para o exercício do poder num caso concreto) é necessário destacar as faltas graves de legitimação, que originam a nulidade do acto”.
12. No processo disciplinar n.º 11/2016/CSA, evidentemente, o Dr. T não tem qualidade de exercer os poderes de instrutor neste processo, assim, a decisão recorrida viola o art.º 15.º do Código Disciplinar dos Advogados e o art.º 22.º do Regulamento Interno do Conselho Superior de Advocacia, padece, assim, do vício de falta de legitimação, por consequência, a decisão recorrida é nula.
(II)
A decisão recorrida incorre no erro de reconhecimento de factos no âmbito de factos infraccionais e consequentemente, padece do vício de violação da lei.
13. É de salientar que o processo disciplinar comum n.º 11/2016/CSA está intimamente relacionado com o assunto de que o pai do recorrente, L, sofreu de ofensa intencional do cliente da queixosa, M, durante o processo de prestação de serviços a favor da queixosa (YXX, S.A.), e a intervenção do recorrente, pelo que entende o recorrente que é necessário contar tudo, para que os MM.ºs Juízes conheçam bem do caso;
14. Mas, de acordo com o documento do Conselho Superior de Advocacia ao recorrente por meio de carta registada em 7 de Outubro de 2016, o documento de queixa do processo disciplinar n.º 11/2016/CSA supracitado foi elaborado por O em representação da queixosa, mas não se verifica nenhum documento que O pode representar a queixosa, até mesmo não se verifica nenhum carimbo da sociedade da queixosa. (cfr. Anexo IV).
15. Em seguida, o recorrente também exigiu a O a entrega de documentos que bastam provar os seus poderes de representação da queixosa quando entregou a contestação ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Outubro de 2016. O Conselho Superior de Advocacia respondeu à referida questão por meio de carta registada em 9 de Dezembro de 2016, provando que a procuração de O com poderes de representação da queixosa já se conta do processo disciplinar comum n.º 11/2016/CSA; (cfr. Anexo V).
16. No entanto, o Conselho Superior de Advocacia não forneceu nem exibiu ao recorrente a procuração de O com poderes de representação da queixosa, pelo que não consegue o recorrente considerar se a procuração corresponde à forma legal, se representa a queixosa ou qual é a vontade transmitida pela procuração.
17. O recorrente pretende analisar a questão de procuração porque não sabe quem é O e este nunca interveio no assunto do pai do recorrente.
18. Nos termos do art.º 116.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente, nos termos do art.º 65.º al. a) do Código Disciplinar dos Advogados, caso do processo disciplinar comum n.º 11/2016/CSA não se conste a procuração que basta provar os poderes de representação de O, todo o teor alegado por O apenas é depoimento indirecto, não podendo o instrutor adoptar o respectivo depoimento.
19. Caso contrário, o recorrente já alegou os respectivos factos e apresentou as provas que não se verifica os factos provados 4º, 5º, 8º, 9º, 12º e 13º da decisão recorrida, isto é, não cometeu a infracção referida no processo disciplinar comum n.º 11/2016/CSA.
20. Em primeiro lugar, é de salientar que de acordo com os documentos entregues pelo recorrente ao Conselho Superior de Advocacia, designadamente, os registos de conversa entre o recorrente e P por meio de comunicação Facebook, podemos saber expressamente o documento emitido pelo recorrente à queixosa e os pedidos constantes do documento, sem dúvida, o documento e os pedidos foram feitos de acordo com as exigências e condições da queixosa. (cfr. Anexo XXVII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
21. Para efeito de prudência, o recorrente também indicou os registos de conversa mais óbvios;
22. Nos Anexos XII e XIII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, P tinha dito ao recorrente que “Já li o conteúdo, você espera que eu o transfira para a minha amiga”, e, o recorrente tinha referido a P que “Eu já lhe disse a chamada condição de transacção dela, ou seja, a condição de não incomodar o cliente”; Aqui, “ela” é a trabalhadora da queixosa, Q, e a condição da queixosa é não incomodar o cliente.
23. Nos Anexos XVII a XX da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, P tinha dito ao recorrente que “Ela disse que você pode imprimir o documento e enviá-lo ao departamento de investigação de ZZZ”, “é melhor marcar bem as condições (pressupõe a desistência da acção), e as razões da indemnização podem ser escritas em detalhes.” “ao Sr./Sra. do Departamento de Investigação da YXX S.A.”; Aqui, “ela” é trabalhadora da queixosa, Q, e a queixosa exigiu ao recorrente a entrega de documento escrito, com pressuposto de desistência da queixa criminal contra o cliente da queixosa.
24. Nos Anexos XXI a XXII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, P tinha mostrado ao recorrente que “através da transmissão amigável da atitude da vossa Sociedade pelo advogado P”, “Por favor, apague esta frase” e “porque esse assunto não tinha nada a ver comigo”. De acordo com o conteúdo supracitado, o recorrente entregou o documento com base na atitude da queixosa.
25. É de notar que, no documento entregue pelo recorrente à queixosa, “L consentiu em ir ao departamento judicial para desistir da acção contra o cliente, entretanto, consentiu em não incomodar o cliente (não pediu desculpa ou indemnização do cliente)”, a palavra usada é “consentir”, isto é, consentir a proposta da queixosa, daí podemos ver que a respectiva proposta não foi levantada pelo recorrente; (cfr. Anexo XXVII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
26. De acordo com o documento entregue pelo recorrente à queixosa, “tendo em conta os interesses da Sociedade, se a vossa Sociedade decide substituir o cliente para fazer indemnização”, evidentemente, o recorrente não pediu à queixosa que faça a indemnização, mas sim a própria queixosa não deseja incomodar o cliente e quer substituir o cliente para fazer a indemnização, o recorrente apenas entende que só o cliente tem responsabilidade de indemnização. (cfr. Anexos XIII a XXVII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017)
27. De acordo com as provas documentais e a análise, verifica-se plenamente que a queixosa levantou activamente condições ao recorrente de que o pai do recorrente, L, deve desistir da queixa criminal contra o cliente da queixosa, M, e de não incomodar o cliente da queixosa, e a queixosa, por sua parte, vai fazer tratamento próprio e indemnização adequada.
28. Em segundo lugar, o recorrente apresentou documento a pedido da queixosa e fez outros acto respectivos, ele não viola o art.º 1.º n.º 3 e o art.º 14.º al. a) do Regulamento de Ética e Deontologia Profissional, ao contrário, ele está a cumprir as normas jurídicas, esforçando-se para chegar ao acordo entre as partes.
29. De acordo com o assunto supracitado e o respectivo documento, podemos ver que a queixosa levantou activamente condições ao recorrente de que o pai do recorrente, L, deve desistir da queixa criminal contra o cliente da queixosa, M, e de não incomodar o cliente da queixosa, e a queixosa, por sua parte, vai fazer tratamento próprio e indemnização adequada. E o recorrente entregou o documento conforme as condições específicas da queixosa, visa apenas que o pai do recorrente pode receber um tratamento razoável e não pretende obter nenhuma indemnização pecuniária.
30. O recorrente e o pai do recorrente têm insistido em pedir uma justificação sobre o meio de tratamento dos dois gerentes do casino, ambos não pretendem obter indemnização pecuniária desde início até ao fim. Em 29 de Abril de 2019, quando P transmitiu ao recorrente a atitude da queixosa, o recorrente já transmitiu a sua finalidade à queixosa através de P.
31. Nos Anexos XXXI e XXXII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, o recorrente tinha exprimido a P que “para além disso, eu já lhe disse que não pretendia exigir a indemnização, era apenas um passo de transacção, mas fiquei a ser vítima de injustiça como autor de fraude, não entendi o que vou fraudar”, P tinha dito ao recorrente que “a única coisa envolvida é a indemnização que você mencionou, mas não mencionou o valor, apenas levantou esta questão para discutir”, “mesmo que ela entenda que não está de acordo com as regras e os honorários do advogado não podem ser recuperados, não está em causa nenhuma questão criminal”, “no máximo, entende que o pedido não é razoável”.
32. Nos Anexos XXXV e XXXVI da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, o recorrente tinha dito a P que “e eu realmente não pensei em pedir dinheiro dele, não sei se é azar neste ano, não fiz “check” neste ano.” P tinha dito ao recorrente que “vá fazer “check””, “mesmo que a sorte não seja boa, é melhor ter algo na posse”.
33. Evidentemente, o recorrente tinha manifestado a P que o recorrente ou o pai do recorrente não pretendiam pedir dinheiro. De acordo com o documento supracitado, P não questionou nem negou as alegações do recorrente, e entende que a prática da queixosa é muito incompreensível.
34. De acordo com a sentença do Processo Contravencional Laboral n.º LB1-16-0102-LCT contante do Anexo XLVI da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, por um lado, o Tribunal entende que é muito exagerada a interpretação da queixosa sobre o documento escrito assinado pelo recorrente como um acto de extorsão, por outro lado, entende que o documento escrito assinado pelo recorrente reflecte mais a preocupação do pai do recorrente com o seu emprego e o cuidado e a protecção do recorrente para com o seu pai.
35. Por que é que o recorrente especificou os impactos do assunto supracitado ao seu trabalho e estudo, mas nunca levantou o valor concreto, ele pretendia somente exprimir que quer na qualidade de advogado estagiário, quer na qualidade de filho, o recorrente já pagou muito pelo assunto em causa, com o objectivo de obter uma explicação razoável para o tratamento impróprio ao seu pai, ou seja, visa obter uma justificação dos dois gerentes do casino sobre o meio de tratamento do assunto, em vez de exigir indemnização pecuniária.
36. No documento entregue à queixosa, o recorrente referiu a indemnização (isto é, os “honorários de advogado” segundo o entendimento do Conselho Superior de Advocacia), mas, no respectivo documento indica-se expressamente que “na posição da vossa Sociedade, não é necessário substituir o cliente para fazer indemnização”, “o fundamento supracitado é a razão pela qual pediu a indemnização, caso na posição dos interesses da vossa Sociedade, decide substituir o cliente para fazer indemnização, quanto ao valor, a vossa Sociedade pode ter em conta as razões supracitadas e o critério de procuradoria de advogado.”
37. A quem o recorrente pediu os “honorários de advogado” é o cliente da queixosa e não a própria queixosa.
38. De acordo com o acórdão do Processo n.º CR2-16-0301-PCC do Anexo II do presente recurso, há responsabilidade extra-contratual entre o pai do recorrente e o cliente da queixosa, o cliente da queixosa praticou acto ilícito ao pai do recorrente. Sem dúvida, o recorrente interveio no processo entre o pai do recorrente e o cliente da queixosa e exerceu as funções de advogado estagiário.
39. Com referência aos casos gerais, os honorários de advogados pode ser tidos em conta no cálculo de indemnização, isso é a prática comum e não é acto ilícito ou ilegítimo, pelo que não se verifica a violação do recorrente do art.º 12.º n.º 2 do Código Deontológico.
40. Ao contrário, o comportamento da queixosa deve ser censurado, por um lado, ela pediu ao recorrente e ao seu pai que não incomodarem o cliente da queixosa e prometeu-lhes a substituir o cliente para fazer indemnização, por outro lado, impugnou o pedido do recorrente como acto ilícito;
41. Em terceiro lugar, o recorrente referiu no documento entregue à queixosa que o recorrente não assistiu à aula da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 25 de Abril de 2016, das 18h00 às 20h00, o que é completamente errado na memória e há provas suficientes para provar este erro.
42. De facto, em 27 de Abril de 2017, quando o recorrente preparou-se para a prova da avaliação da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário, descobriu que lhe faltavam os apontamentos das terceira última e penúltima aulas.
43. No mesmo dia, por volta das 10h53, o interessado perguntou a P por meio de comunicação Facebook que “hi, halo, diniz, podia enviar-me os apontamentos sobre o processo de inventário nas terceira última e penúltima aulas”, “porque não fui à escola e tive trabalhos nas terceira última e penúltima aulas”; (cfr. Anexos XLVII e XLVIII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
44. As terceira última e penúltima aulas tiveram lugar nos dias de 21 e 25 de Abril de 2016 (cfr. Anexo XLIX da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
45. Evidentemente, o recorrente entendeu que ele não assistiu às aulas da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário nos dias de 21 e 25 de Abril de 2016;
46. De facto, faltou-lhe a primeira assinatura da folha de presença da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 21 de Abril de 2016, isto é, faltou-lhe só uma aula;
47. Das 06h00 no dia de 24 de Abril de 2016 até às 07h00 de madrugada no dia 25 de Abril de 2016, o recorrente acompanhava o seu pai e prestou depoimento por 13 horas consecutivas e não dormiu toda a noite.
48. Em 25 de Abril de 2016, por volta das 15h00 da tarde, o recorrente acompanhou o seu pai à PJ para proceder ao auto de inquérito, ao auto de reconhecimento de pessoa e à consulta do auto de vídeo-cassete; (cfr. Anexos VII a XI da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017)
49. Devido ao assunto supracitado, o recorrente não conseguiu assistir à audiência do Processo n.º CR2-15-0487-PCS no TJB no mesmo dia, pelas 15h00 da tarde; (cfr. Anexo L da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
50. Combinando com o apontamento da penúltima aula do recorrente no dia 25 de Abril de 2016, evidentemente, o estado mental do recorrente é seriamente afectado quando ele não dormiu nem descansou bem, assim achou erradamente que não assistiu à aula da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 25 de Abril de 2016 uma vez que acompanhou o seu pai para tratar das formalidades junto da PJ.
51. A referida memória errada já foi formada no dia 27 de Abril de 2016 ou antes, e o recorrente elaborou o documento entregue ao recorrente em 2 de Maio de 2016, isto é, após a formação da memória errada do recorrente; (cfr. Anexos XXI, XXII, XLVII e XLVIII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
52. Evidentemente, quanto à memória errada, o recorrente não tinha nenhum dolo nem negligência.
53. O recorrente não referiu, no documento entregue pelo recorrente à queixosa, que se o recorrente assistiu ou não à aula da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 21 de Abril de 2016, uma vez que na altura o pai do recorrente ainda não foi ofendido pelo cliente da queixosa e o recorrente nem pediu a indemnização à queixosa. (cfr. Anexo XXVII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017).
54. O mais importante é que por que é que o recorrente especificou os impactos do assunto supracitado ao seu trabalho e estudo, mas nunca levantou o valor concreto, ele pretendia somente exprimir que quer na qualidade de advogado estagiário, quer na qualidade de filho, o recorrente já pagou muito pelo assunto em causa, com o objectivo de obter uma explicação razoável para o tratamento impróprio ao pai do recorrente, ou seja, visa obter uma justificação dos dois gerentes do casino sobre o meio de tratamento do assunto, em vez de exigir indemnização pecuniária.
55. Ademais, o recorrente realmente não tem nenhuma necessidade para prestar informações falsas, ele sabia bem que as folhas de presença vão ser arquivadas na Associação dos Advogados de Macau, não vale a pena correr o risco para obter uma indemnização pecuniária irrealista.
56. Ao contrário, tendo em conta todo o assunto, o que está visto é que o recorrente fez todos os esforços para cuidar e proteger o seu pai e proteger os direitos legítimos e a dignidade do seu pai. Indubitavelmente, neste assunto, o recorrente já fez muito para o seu pai.
57. De acordo com o horário de aulas e de provas da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário constante do Anexo XLIX da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017, o curso tem três aulas por semana, o que é relativamente intensivo, especialmente o assunto ocorreu (no dia 24 de Abril de 2016, à noite) no final do curso (25 e 26 de Abril de 2016) e no dia da prova (28 de Abril de 2016).
58. Todavia, é necessário repetir que o recorrente acompanhava o seu pai e prestou depoimento por 13 horas consecutivas, não dormiu toda a noite das 06h00 de 24 de Abril de 2016 às 07h00 de madrugada de 25 de Abril de 2016.
59. Em seguida, o recorrente continuou a trabalhar sem descanso. Em 25 de Abril de 2016, pelas 15h00 da tarde, o recorrente acompanhou o seu pai à PJ para proceder ao auto de inquérito, ao auto de reconhecimento de pessoa e à consulta do auto de vídeo-cassete, não conseguiu assistir à audiência do Processo n.º CR2-15-0487-PCS no TJB no mesmo dia, pelas 15h00 da tarde.
60. Após o assunto, o pai do recorrente ficou infeliz e o recorrente gastou muito tempo para confortar o seu pai e ajudou o seu pai a lidar com as formalidades.
61. Obviamente, o recorrente foi seriamente afectado pela preocupação com o assunto do pai, sem dormir bem, por isso, há grande possibilidade de que teve entendimento errado de que não assistiu à aula da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 25 de Abril de 2016, uma vez que o recorrente acompanhou o seu pai à PJ para proceder ao auto de inquérito, ao auto de reconhecimento de pessoa e à consulta do auto de vídeo-cassete no mesmo dia, pelas 15h00 da tarde.
62. Todos os fundamentos supracitados podem reflectir que o plano de estudo e de trabalho do recorrente foi seriamente afectado pelo assunto do seu pai.
63. O recorrente foi seriamente afectado pela preocupação com o assunto do seu pai, sem dormir bem, por isso, a sua memória incorreu em erro, o Conselho Superior de Advocacia pode considerar que o recorrente tem memória fraca, mas não deve nem pode imputar disciplinarmente ao recorrente.
64. Todavia, a decisão recorrida até ignorou a influência no plano de trabalho e de estudo do recorrente, mas sim citou a classificação da prova da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário do recorrente -“muito bom”- para julgar que o plano de trabalho e de curso de advogado do recorrente não foi afectado, conclusão essa não está obviamente de acordo com a lógica da experiência comum e a situação concreta do recorrente.
65. Por isso, a decisão recorrida que imputou ao recorrente que sabia bem que não assistiu à aula da disciplina do regime tutelar educativo dos jovens infractores e do processo de inventário em 25 de Abril de 2016 não corresponde à verdade, mas ainda citou este facto para provar que o recorrente quis indemnização pecuniária. Através dos Anexos XLVII e XLVIII da contestação entregue ao Conselho Superior de Advocacia em 18 de Maio de 2017 e combinando com a situação do recorrente, é claro que a posição da decisão recorrida é manifestamente infundada.
66. Face ao exposto, a decisão recorrida que imputou ao recorrente a violação dos art.º 1.º n.º 3, art.º 12.º n.º 2 e art.º 14.º al. a) do Regulamento de Ética e Deontologia Profissional enferma do erro nos factos provados 4º, 5º, 8º, 9º, 12º e 13º aquando do reconhecimento de factos, por consequência, enferma do vício de violação da lei, devendo ser declarada anulada.
(III)
A decisão recorrida viola a “advertência” prevista nos art.º 41.º n.º 1 al. a) e art.º 42.º do Código Disciplinar dos Advogados e o disposto no art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo
67. Caso assim não se entenda, o recorrente invocou os seguintes fundamentos:
68. Em Julho de 2013, o recorrente passou a prova da avaliação de advogado estagiário da Associação dos Advogados de Macau, e em Novembro de 2016, o recorrente passou a prova da avaliação de advogado e acabou por ser inscrito como advogado, já exercia as funções de advogado por cerca de 5 anos. Além do processo disciplinar na decisão recorrida, o recorrente tinha sempre bom comportamento, não tinha nenhum antecedentes disciplinares, nem outro processo disciplinar ou queixa.
69. Nos termos do art.º 41.º do Código Disciplinar dos Advogados (Tipos de penas), ao caso do recorrente é aplicável a pena mais leve, mas a decisão recorrida não esclareceu a razão pela qual não se aplicou ao recorrente a pena de “advertência”.
70. No assunto supracitado, o recorrente sempre agia de acordo com a sua própria consciência, não fez nenhum que envergonha o seu próprio ou a advocacia, não usou nenhum método ou tratamento ilegal, nem tomou nenhuma medida que pudesse prejudicar a verdade.
71. Ademais, os métodos ou medidas tomados pelo recorrente demonstram que o recorrente fez todos os possíveis para facilitar a transacção entre o pai e a queixosa e o cliente da queixosa e prestou, ao máximo, a cooperação.
72. Além disso, o recorrente nunca pediu à queixosa o valor concreto dos honorários de advogado, nem pediu à queixosa ou cliente da queixosa os honorários de advogado para o seu pai.
73. Segundo o comportamento profissional e o antecedente disciplinar, o grau da culpa e as consequências da infracção do recorrente, a pena de “advertência” é mais leve do que a de “censura”, pelo que se deve substituir a pena de “censura” por pena de “advertência”.
74. Face ao exposto, a decisão recorrida não considerou plenamente a “advertência” prevista nos art.º 41.º n.º 1 al. a) e art.º 42.º do Código Disciplinar dos Advogados, viola o disposto no art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo e os princípios da proporcionalidade e da adequação, por consequência, padece do vício da violação da lei, devendo ser declarada anulada a decisão recorrida e declarara substituída a pena mais severa de “censura” por pena de “advertência”.
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Contestou o CSA pugnando pela improcedência do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“KXX, devidamente identificado nos autos, interpõe recurso contencioso do acórdão de 8 de Março de 2018, do Conselho Superior da Advocacia, que lhe aplicou a pena disciplinar de censura.
Imputa ao acto a violação dos artigos 15.º do Código Disciplinar dos Advogados e 22.º do Regulamento do Conselho Superior da Advocacia, erro na qualificação dos factos como infraccionais, e, subsidiariamente, erro na escolha da pena, com violação do princípio da proporcionalidade.
Na sua contestação, o Conselho Superior da Advocacia defende a legalidade da deliberação recorrida e a sua consequente manutenção na ordem jurídica.
Vejamos, seguindo a ordem de abordagem dos vícios usada pelo recorrente.
Em primeiro lugar vem questionada a distribuição do processo disciplinar, sustentando o recorrente que não foi observado o formalismo de designação do instrutor previsto nos artigos 15.º do Código Disciplinar dos Advogados e 22.º do Regulamento do Conselho Superior da Advocacia, tendo sido preterido o critério de escolha alfabética plasmado naqueles normativos.
Não creio que esta questão possa ser abordada em sede de recurso contencioso. Na verdade, a omissão em causa não constitui nulidade insanável, como resulta do artigo 36.º do Código Disciplinar dos Advogados, havendo, por força do artigo 65.º do mesmo Código, que recorrer supletivamente ao regime das nulidades previsto no Código de Processo Civil, que obriga o interessado à respectiva arguição no âmbito do processo/procedimento em que foram praticadas. Pois bem, constata-se que o ora recorrente não arguiu qualquer nulidade no procedimento disciplinar, nomeadamente na contestação à acusação, tendo-se limitado, numa fase inicial do procedimento, ainda antes da conversão do inquérito em processo disciplinar, a pedir esclarecimento sobre a designação do instrutor (fls. 34 do processo instrutor) e não tendo questionado as explicações que, a tal propósito, lhe foram dadas (fls. 52 do processo instrutor). Assim, ficou sanada a eventual nulidade/irregularidade de que pudesse padecer a designação do instrutor.
Improcede, pois, este primeiro vício.
Seguidamente, a coberto de violação de lei por erro na qualificação dos factos como infraccionais, o recorrente começa por suscitar dúvidas sobre os poderes de O para apresentar a participação disciplinar em representação de “YXX (Macau), S.A.”. Constata-se que as dúvidas levantadas pelo recorrente estão desfeitas a fls. 59 e seguintes do processo instrutor, onde consta procuração, a favor de O, com poderes e para período temporal que incluem a matéria e a data da participação.
Nenhum vício de procedimento ou de procedibilidade se detecta nesta sede.
Concretamente quanto ao erro de qualificação dos factos, ou de interpretação dos factos, como violadores de deveres, estão em causa duas questões: uma relativa à veracidade da alegação de falta a acções de formação, outra atinente a uma alegada exigência de pagamento de honorários.
No que toca à veracidade das faltas, não vemos motivos para questionar o juízo de censura a que chegou a autoridade administrativa. Estavam, com efeito, em causa, factos pessoais, ocorridos há um curto lapso de tempo, pelo que o recorrente não os podia ignorar ou equivocar-se acerca deles.
Quanto ao mais (honorários), a consideração de que foram violados deveres deontológicos assenta numa certa interpretação dos factos, segundo a qual o recorrente exigiu o pagamento de honorários à participante “YXX (Macau), S.A.”.
Não creio que essa conclusão tenha respaldo razoável e aceitável nos elementos probatórios carreados para o processo disciplinar. Como resulta do próprio documento a partir do qual a entidade recorrida surpreendeu a exigência de honorários (cf. fls. 7 e seguintes do processo instrutor), em nenhum passo do texto se fala de honorários ou se reclama honorários. O que o recorrente pede, inequivocamente, é uma indemnização, que não quantifica, cujo pagamento deixa à consideração da participante, caso esta esteja disposta a fazê-lo em substituição do seu (dela) cliente - um jogador que agrediu o pai do recorrente num casino - para cujo cálculo sugere que sejam considerados os valores praticados na profissão de advogado. Aliás, tal como resulta do acervo de elementos probatórios oferecidos pelo arguido no processo disciplinar, esta indemnização é solicitada no quadro de uma transacção preparada e negociada por uma funcionária da própria participante, Q, Shirley, e intermediada pelo advogado P, que, por motivos desconhecidos - que estes últimos, através das suas lacónicas declarações, não ajudaram a deslindar - conhece um inopinado volte-face e acaba por redundar na participação disciplinar que esteve na origem do processo disciplinar e da deliberação recorrida.
Pois bem, tendo o recorrente pedido uma inequívoca indemnização, pelos motivos que explicitou, não se compreende por que razão a entidade recorrida afastou este quadro de indemnização, quer por responsabilidade contratual, quer por responsabilidade extracontratual, entrando numa espécie de apreciação do seu mérito, onde concluiu pela inverificação dos respectivos requisitos, para, a partir daí, avançar para a conclusão de que o que verdadeiramente estava em causa era uma exigência de honorários, constituindo esta suposta exigência de honorários o pano de fundo da punição disciplinar.
Crê-se, assim, que, na parte relativa à questão dos designados honorários, há erro na leitura e interpretação dos factos e na sua virtualidade para integrarem a violação dos deveres deontológicos considerados atingidos, nessa parte. O recorrente foi punido, entre o mais, por se ter considerado preenchido um pressuposto - exigência de pagamento de honorários - que, na verdade, não existiu.
Há, nesta parte, erro nos pressupostos de facto, pelo que o acto é anulável nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Nesta perspectiva, fica prejudicado o conhecimento do último vício (erro na escolha da pena, com violação do princípio da proporcionalidade), aliás invocado subsidiariam ente.
Nestes termos, e na procedência do suscitado erro nos pressupostos, somos pela anulação do acto.”
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Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não hã outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - No dia 24 Abril 2016, pelas 03h21m, encontrava-se M (M), a jogar Bacará numa mesa de jogo no casino Zxx Zxx Zxx, pertencente à “YXX (Macau) Limited”.
2 - Nessa mesa era croupier L1, ou L, pai do recorrente.
3 - A certa altura, por aquele jogador ter perdido uma jogada, no valor de $ 10 000, arremessou ao “croupier” uma placa publicitária de papelão contra as mãos deste.
4 - O recorrente acompanhou o pai nesse mesmo dia ao Zxx Zxx Zxx para se inteirar sobre o sucedido, tal como ao hospital.
5 - No dia seguinte e no dia 29 desse mês, acompanhou o pai à Polícia Judiciária.
6 - No dia 3/05/2016, o recorrente enviou à Y a carta seguinte: (fls. 7 a 13 do p.a.)
“Para: YXX (Macau) Limited
Departamento de investigação
Cumprimentos! O meu nome é KXX, filho de L (empregado da ***); eu também sou o único que está autorizado a lidar com o caso do Sr. L que aconteceu em 24 de Abril de 2016. Nós gostaríamos de declarar o nosso ponto de vista à Companhia, que participar o caso à polícia não foi por causa de dinheiro ou represálias à Companhia, mas por causa do comportamento do cliente e a maneira que a Companhia lidou com o caso e também o seguimento feito pela Companhia não era adequada, que violou seriamente direitos e dignidade do Sr. L. Nós não temos escolha, mas pedir ajuda a autoridade judicial.
Para o interesse da Companhia, e sabendo que o cliente em causa é um cliente importante para a Companhia, o Sr. K concorda em ir à Polícia para retirar a queixa, também concorda em não incomodar o cliente exigindo reparação de dano e pedido de desculpas. No entanto, tanto o Sr. K como eu mantemos os nossos princípios. Apresento abaixo o detalhe de todo o ocorrido descrito por mim e L. Peço que a Companhia analise para depois tomar uma decisão justa.
Descrição do incidente
Por volta de 03h00, 24 de Abril de 2016, o cliente estava a jogar na mesa onde L estava a trabalhar. L sabia que o cliente é titular do cartão dragão, é portanto, um cliente VIP. Por isso K já estava a proceder com extra cuidado em lidar com ele. O cliente ganhou o 1.º & 2.º jogos, ele manteve no 3.º o cliente aumentou a aposta, mas perdeu. O cliente começou a dirigir-se ao K com palavrões (“Diu Lei Lou Mou”, “mata mata mata”, etc.) e também olhou com hostilidade ao K. Isto tudo foi testemunhado pelo Supervisor A que estava atrás de L. Depois, o cliente continuou a jogar, e perdeu no 4.º jogo, mas sempre a dirigir-se palavrões ao K enquanto este continuava a desempenhar a tarefa. Quando K recolheu a aposta perdida da mesa, o cliente tirou o cartão de promoção da tenda que estava colocada ao lado da mesa de jogo e bateu o cartão com força na mão de K que estava a recolher as fichas perdidas. A mão ficou vermelha e inchada. O Supervisor A imediatamente parou o cliente, mas o cliente continuava gritando e também ralhou com A. Nesta altura B passou e resolveu mudar K para outra mesa de jogo. O cliente depois apresentou uma queixa para a Companhia contra K.
Depois do incidente, empregado C (Alex, OM) rapidamente contactou K e perguntou se K precisava ver médico, mas ele não perguntou se ele queria participar a polícia ou não. Como K estava ainda em choque e a lesão na mão não era grave, K respondeu que não precisava nesse momento. Os empregados C e D (feminina) (a OM) tomaram declarações do K sobre o incidente. Empregada C disse que tinha visto o curriculum do K e sabia que K era agente de segurança antes, que tem uma natureza de trabalho diferente, e que diferente trabalho requer habilidade diferente. O empregado D afirmou que o cliente é um cliente VIP com cartão de dragão, e que a Companhia estima-o muito. E depois analisou o registo de CCTV, empregado D alegou que a acção de K / atitude era provocativa, por isso o cliente o atacou, e afirmou que K é o responsável neste incidente. Ela também afirmou que K estava olhando aqui e ali, em vez de enfrentar o cliente. Durante toda a conversa, o tom de C foi mais suave e o tom de D era de censura. Ambos C e D não proferiram nenhuma palavra de conforto a respeito da mão ferida de K. Como é primeira vez encontrar esta situação, K perdeu a capacidade de pensar naquele momento. Por fim, a empregada D afirmou que a situação chegada está fora do seu controle, e ela precisa para relatar o caso à gerência superior. A gerência superior ia organizar um encontro no dia seguinte com K e aí ia decidir sobre a acção disciplinar a aplicar a K. A seguir, K foi colocado para trabalhar na área de trás. Até K terminou o seu turno às 8 de manhã, ninguém perguntou sobre a mão lesada do K ou confortá-lo. K não sabia o que fazer, e por isso não apresentou queixa na polícia.
Depois de ser tratado injustamente neste incidente injusto, K ficou muito frustrado. Ele foi agredido pelo cliente, seus superiores não mostraram nenhum conforto, mas culparam-no porque o cliente é VIP. Também foi acusado de ter provocado o cliente e ser responsabilizado pelo incidente, ele foi ralhado com palavrões mas foi acusado por não olhar para a cara do cliente quando ele estava a ser alvo das palavrões e insultos. K não conseguia dormir por causa deste incidente, mas não mencionou a quaisquer outras pessoas sobre o ocorrido. Depois a sua esposa percebeu que K não estava estável, insistiu que o K contasse o que se tinha passado. K finalmente contou sua esposa sobre o ocorrido e foi aqui eu intervim.
(Esta parte em cima foi descrita pelo L, a que segue abaixo foi eu que presenciei)
Depois eu soube o caso e sua gravidade, fui imediatamente para a Companhia com K para compreender melhor o que se tinha passado, e tentar conseguir um tratamento justo. Chegamos a Companhia em 24 de Abril de 2016, acerca de 21:00, pedimos para saber melhor o caso e encontrar-se com o responsável do caso. Após cerca de meia hora, os empregados E, F, G, H vieram ter connosco. Eu pedi para se reunir com os empregados C e D (principalmente D) para uma explicação sobre a forma como procederam neste incidente e para um pedido de desculpa do cliente. Após uma breve conversa com os empregados E, F, G, H, estes disseram que precisavam de saber melhor o caso através do departamento e responderiam mais tarde. Depois de cerca de uma hora, os empregados E, F, G, H e o empregado C contactaram-nos novamente, e o empregado C falou comigo, o conteúdo de sua conversa sobre o que se passou foi semelhante ao que o meu pai me contou (só que o empregado C mencionou que o gesto do meu pai era provocativo, e afirmou que cabe a gerência superior decidir se é provocativo ou não). Eles sugeriram-nos para ir para casa e esperar por notícias. Durante toda a conversa, entre os empregados E, F, G, H, dois estavam simpáticos, mas os outros dois estavam arrogantes, a empregada D não apareceu de tudo. Nós pedimos para reunir-se com o empregado D e o cliente ou dar-nos uma resposta, pedido que não foi atendido (não tínhamos certeza se os empregados C, E, F, G, H contactaram a empregada D e cliente ou não, ou se eles perguntaram à gerência superior). Para salvaguardar provas e não esperar indefinidamente, dissemos que, se a Companhia não tem intenção de resolver o problema, nós participaríamos o caso à polícia. Um dos empregados C, E, F, G, H afirmou que devíamos participar à polícia. Assim, um dos empregados E, F, G, H participou à polícia. Como o telefonema a Polícia foi feito por um deles, ele veio informar-nos que a Polícia Judiciária só podia vir a meia noite uma vez que estava ocupada com outro caso importante. Por isso fui com o K para às urgências do Centro de Saúde. A 00.00, ainda não veio a Polícia Judiciária, ligamos para a Companhia para perguntar. O C, depois de perguntar aos E, F, G, H, respondeu que devíamos participar à polícia por nós mesmos. Por isso o hospital ajudou contactar a polícia. A polícia disse que eu podia acompanhar todo o processo na qualidade de advogado estagiário. Em seguida, fomos para a Esquadra da polícia tomar declarações que demorou cerca de 2 horas. Depois o caso foi transferido para a Polícia Judiciária localizada do casino. Os empregados E, F, G receberam a PJ e levaram para o escritório da PJ. Eu, então, revelei a minha qualidade de advogado estagiário, e pedi para participar em todo o processo de declarações. Durante a conversa, entre os empregados E, F, G, dois deles eram simpáticos, mas um deles ainda mantinha atitude arrogante. Até 25 de Abril de 2016, pelas 06:00, nós terminamos a tomada de declarações e saímos.
Por volta das 15:00 em 25 de Abril de 2016, K recebeu um telefonema do empregado I (OM masculino, alto e gordo) que lhe disse que PJ está a acompanhar o caso de K e anda a sua procura, disse para K voltar a Companhia imediatamente. K e eu fomos imediatamente para a Companhia. Empregado I recebeu-nos e informou que PJ estava envolvida noutro caso e nos sugeriu para esperar o telefonema de PJ (mas o tom era arrogante), quando estávamos a caminho para sair, recebemos o telefonema de PJ e nos pediu para tomar declarações e identificar a pessoa. Terminou às 19:45.
(Informação abaixo é descrita por L)
L não conseguia dormir após o incidente, mas ainda foi trabalhar em 25 de Abril de 2016, 23:00. Durante o trabalho, ele foi chamado por I. K aproveitou para apresentar o seu certificado médico (solicitado pela empregada C) para ele e informou-lhe que ele tinha que ir a PJ e Ministério Público em 26 de Abril de 2016, às 9:30, e que em 29 de Abril de 2016 tinha que fazer o exame médico, mas o empregado I respondeu-lhe com muito má atitude que aqueles eram seus assuntos pessoais que não têm nada a ver com a Companhia. E perguntou-lhe se ele fez isso tudo por dinheiro ou vingança à Companhia. Depois o superior do empregado I, o J (ocidental) conversou com K sobre o incidente também (muito simpático). 3 horas antes do final do turno de K, K foi informado por empregado I que ele foi suspenso de funções. Como se trata de dia de trabalho pago, ele só resumia funções até aviso por Recursos Humanos.
Proposta para retirar a gueixa
Para L: para o benefício da Companhia, K concorda em retirar a queixa da Polícia da agressão do cliente, ele também concorda em não incomodar o cliente para reparação de dano e pedir desculpas. Ele não quer que outros pensem que ele quer dinheiro ou fazer vingança à Companhia. Mas em relação à maneira como os superiores lidaram com o caso (especialmente empregado D) que foi inadequada, penso que podiam dar uma explicação a K. Além disso, queria pedir para a Companhia prometer que a Companhia ou o OM envolvidos no caso (especialmente o D) não vão vingar-se no K deste caso no futuro (despedindo-o por causa de pequenos erros).
Em relação a mim, embora K não exija qualquer compensação financeira, eu pedia indemnização por minha parte. O incidente descrito acima afectou seriamente a minha agenda de trabalho e as minhas aulas de estágio, mas naturalmente, do ponto de vista da Companhia, a Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente.
1. A partir de 06:00 24 de Abril 2016, até às 07:00 de 25 de Abril de 2016 (13 horas consecutivas), eu acompanhei L na Companhia para entender a situação e também para a esquadra de Polícia para tomar declarações
2. 15:00 - 20:00 de 25 de Abril de 2016 (5 horas consecutivas), eu fiquei com L na Polícia para tomar declarações e identificação de sujeito. Isto fez-me faltar a uma audiência no Tribunal Judicial de base às 15:00 (que eu pedi para outro advogado Dr. R para me substituir no último minuto), também faltei as aulas obrigatórias organizadas pela Associação dos Advogados de Macau.
3. 9:30 am de 26 de Abril de 2016, uma vez que tive que acompanhar o meu cliente a tomar declarações, pedi ao colega Dr. S para acompanhar o meu pai a PJ e no Ministério Público para tomar declarações.
4. 14:30 de 29 de Abril de 2016 , acompanhei K a PJ para fazer exame médico.
5. 28 de Abril de 2016, eu fui fazer exame do curso obrigatório da Associação dos advogados de Macau, que se realiza só uma vez por cada 3 anos. Mas devido ao incidente eu faltei às respectivas aulas e passei a maior parte do tempo para acompanhar o meu paio e confortá-lo, não tendo tido tempo suficiente para preparar o exame. Este curso é muito importante para o meu futuro, se a pessoa em causa não fosse K, o meu pai, eu passaria para outro colega a tratar ou adiar o tratamento do caso.
Os pontos acima mencionados são as razões pelas quais eu peço uma indemnização, se a Companhia achar que, para o melhor interesse da Companhia, está disposta a pagar indemnização pelo cliente, então deve considerar o acima alegado e os valores praticados na profissão de advogados para determinar o montante da indemnização.”
7 - Na sequência desta carta, a Y, em 7/10/2016, fez a participação à Associação dos Advogados através de carta assinada por O, seu alegado representante (fls. 68 a 76 dos autos).
8 - Instaurado ao recorrente um procedimento disciplinar em virtude desta participação, viria o Conselho Superior da Advocacia a proferir o acórdão de 8/03/2018, com o teor que a seguir se transcreve:
“ACÓRDÃO
Acordam os membros do Conselho Superior de Advocacia no Processo Disciplinar Comum no. 11/2016/CSA no qual é arguido o Sr. Dr. KXX, advogado estagiário inscrito na Associação dos Advogados de Macau, com domicílio profissional na Alameda ......, n.º ..., Centro Comercial ......, ....º andar ...-... em Macau.
INSTRUÇÃO
O presente processo disciplinar foi inicialmente mandado instaurar pelo CSA como processo disciplinar de inquérito, por deliberação unânime tomada em reunião de 23 de Setembro de 2016, na sequência de uma participação apresentada pela YXX (Macau) S.A contra o Sr. Advogado estagiário Dr. KXX.
Por deliberação de 20 de Abril de 2017, o C. S. A. determinou que o inicial processo disciplinar de inquérito deveria prosseguir como processo disciplinar comum.
*
Foi feita a instrução do processo onde, para além de outras diligências, foram inquiridas testemunhas e solicitada informação à Associação dos Advogados de Macau.
Subsequentemente foi deduzida a acusação de fls. 114 e ss que aqui se dá por reproduzida na íntegra.
Com base nos factos nela descritos, é indiciariamente imputada ao Sr. Advogado participado a violação consciente das normas constantes dos artºs 1º nº 1 e 3, 12º n.º 2 e 14º alª a), todos do Código Deontológico dos Advogados.
*
O Sr. Advogado arguido deduziu a sua defesa nos termos que fls. 241 e ss revelam e aqui se dá como reproduzida.
Na sua prolixa exposição descreve o incidente que teve como protagonistas o seu pai e o cliente da empresa participante e alude diversas vezes ao facto de ter acompanhado o pai ao hospital e à polícia.
Refere repetidamente o contacto estabelecido com o seu colega P e a sugestão que este lhe veiculou para resolução da questão, a qual era proveniente da amiga Q, Shirley, que é colaboradora da empresa participante.
Reconhece que não faltou às aulas que tiveram lugar no dia 25 de Abril de 2016 e justifica tal referência na carta endereçada à empresa participante como um erro de memória.
Termina pedindo o arquivamento dos autos.
*
Foram de seguida inquiridas as testemunhas arroladas na defesa.
*
Cotejando criticamente todos os elementos probatórios contidos nos autos, podem dar-se como provados os seguintes factos:
1- No dia 24 de Abril de 2016, no complexo Zxx Zxx Zxx, ocorreu um incidente em que estiveram envolvidos o pai do Sr. Advogado estagiário participado - ali funcionário - e um cliente da participante.
2- Na sequência deste incidente, a participante instaurou contra o pai do Sr. Advogado participado um processo de investigação interno tendo em vista apurar da eventual responsabilidade disciplinar deste.
3- Mais tarde, o pai do Sr. Advogado participado foi conduzido por este ao hospital para receber tratamento e foi feita pelo mesmo uma queixa crime contra o referido cliente da participante envolvido no incidente.
4- Em 03 de Maio de 2016, o Sr. Advogado participado enviou à participante a carta junta em cópia a fls 7 a 13, que aqui se dá por reproduzida na íntegra.
5- Na referida carta refere-se, designadamente, que o pai do Sr. Advogado participado concorda em retirar a queixa apresentada contra o cliente da participante, desde que esta se comprometa a não retaliar, mormente despedindo-o.
6- Também se refere que o incidente em causa afectou seriamente a agenda de trabalho e as aulas de estágio do Sr. Advogado participado, descrevendo, em concreto, uma série de eventos onde esteve presente acompanhando o seu pai; cf. fls. 9v. que aqui se dá por reproduzido na íntegra.
7- No ponto 5 da parte final da referida carta, o Sr. Advogado participado refere, designadamente, que devido ao incidente faltou às aulas do dia 25 de Abril e que não teve tempo para preparar o exame que teve lugar no dia 28 de Abril de 2016.
8- Termina referindo que os factos acima referidos constituem, por isso, razão para pedir uma indemnização á participante, a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogado.
9- Como resulta da certidão da AAM junta a fIs. 85 e ss, as afirmações relativas às faltas às aulas e a sua repercussão na preparação do exame, não correspondem à verdade, porquanto as folhas de presença - início e final - da aula dei módulo de Processo de Inventário e Jurisdição de Menores, realizada no dia 25 de Abril de 2016, entre as 18h00 e as 20h00, mostram-se assinadas.
10- As folhas de presença do mesmo módulo e referentes á aula realizada no dia 21 de Abril de 2016, mostra-se apenas assinada a do final, donde se infere que o Sr. Advogado esteve presente, pelo menos, em parte desta aula.
11- Relativamente ao aproveitamento, a nota obtida no módulo foi de 14,45 valores.
12- Ao invocar os apontados factos, que sabia não corresponderem, em parte, à verdade, o Sr. Advogado participado visou criar uma situação que lhe permitisse reclamar da participante uma indemnização que sabia não ser devida, designadamente porque não deixou de estar presente às referidas aulas e o seu aproveitamento não foi manifestamente afectado pelo tempo despendido a acompanhar o seu pai.
13- Ao actuar do modo descrito e nas referidas circunstancias, o Sr. Advogado Dr. KXX agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que, com a sua conduta, violava os deveres deontológicos inerentes à sua condição de advogado, designadamente os deveres impostos pelos artºs 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a), todos do Código Deontológico dos Advogados.
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Fundamentação
A nossa convicção formou-se a partir dos depoimentos das testemunhas ouvidas no decurso do processo e, fundamentalmente, a partir do teor da carta enviada pelo participado à participante e traduzida a fls. 7 e ss.
As testemunhas pronunciaram-se, essencialmente, sobre a possibilidade de resolver pacificamente o assunto, com a sugestão do envio de uma carta pelo pai do participado à participada, enunciando as reclamações que este fazia.
Na parte final da carta junta em tradução a fls. 7 e ss., o participado refere expressamente que os argumentos alinhados na carta “são as razões pelas quais eu peço uma indemnização ...” (sic)
No corpo da missiva refere, expressamente, que a causa de pedir deste pedido indemnizatório, não quantificado, reside no facto de ter despendido tempo no acompanhamento do seu pai, o que lhe acarretou vários problemas, designadamente repercussões negativas no seu estágio de advogado.
No que diz respeito às faltas, a nossa convicção assenta na Declaração de Fls. 85 e nas folhas de presenças juntas a fls. 86 e ss.
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Dado o conteúdo da defesa e demais elementos já contidos nos autos, entende-se dispensar a notificação para alegações complementares - artº 34º do Código Disciplinar dos Advogados.
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Enquadramento jurídico dos factos:
Como é evidente, a questão central a resolver neste processo disciplinar comum, traduz-se em saber se o conteúdo da carta enviada pelo participado à participante tem ou não relevância disciplinar.
Primeiro, pela reclamação do pagamento de uma indemnização a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogados e, segundo, pelas inverdades comunicadas à participante para fundamentar o pedido.
1. A questão da indemnização pedida:
Como estipula o nº 2 do artigo 1º do Regulamento dos Laudos Sobre Honorários, “chama-se honorários à retribuição dos serviços profissionais do Advogado.”
E chamamos à colação este normativo, “rectius”, esta noção de honorários, pois o participado, embora sob a designação de “indemnização”, o que efectivamente reclamou foi o pagamento de honorários, a fixar de acordo com “os valores praticados na profissão de advogados” (sic).
Senão vejamos:
Só há lugar ao pagamento de honorários quando houver a prestação de serviços profissionais de advogado e o responsável pelo seu pagamento é, naturalmente, a entidade que solicitou a prestação desses serviços e deles beneficiou.
Diga-se, a talhe de foice, que a conta de honorários deve obedecer ao formalismo e ter em consideração o disposto no artigo 4º do citado Regulamento.
Como é evidente, a satisfação desta “indemnização”, concretamente destes honorários, será eventualmente devida por quem beneficiou do tempo gasto pelo participado e do apoio jurídico e moral por ele prestado, ou seja, o seu pai.
Fizemos o enfoque da questão nos honorários, pois não descortinamos que houvesse fundamento para um pedido indemnizatório “tout court”.
Donde derivaria este direito a indemnização? Por responsabilidade civil contratual ou extra-contratual?
Como se sabe, a responsabilidade contratual pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva. Surge em consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação - violação de um contrato.
Já a responsabilidade extracontratual ou aquiliana deriva de um ilícito extracontratual, tem por fonte a inobservância da lei, traduzindo-se numa lesão a um direito, sem preexistir qualquer relação jurídica entre o agente e a vítima, não havendo vínculo anterior entre as partes.
Ora, nenhuma destas realidades pode ser descortinada no caso em análise.
O participado não firmou qualquer contrato de mandato, ou outro, com a participante e esta não lhe provocou lesão e um direito que gere direito a ressarcimento.
Por isso, o pedido formulado na parte final da carta junta em cópia a fls. 7 e ss., só pode ser havido como uma solicitação de honorários pelo tempo gasto no acompanhamento do próprio pai. É certo que não pormenoriza um valor concreto, antes remete para o critério de normalidade quanto aos valores praticados na profissão de advogado; deixa ao critério da participante a liquidação desse montante.
Ainda assim, esta conduta merece censura deontológica pois, visando obter uma “retribuição” indevida, usa um expediente indigno da honra e responsabilidade inerentes ao exercício da profissão de advogado, afronta as normas, usos, costumes e tradições da profissão e usa meios e expedientes violadores dos deveres gerais consignados no Estatuto e no Código Deontológico.
O advogado é um servidor da justiça e do direito e, como tal, deve mostrar-se digno da honra e responsabilidades inerentes à profissão, quer no seu exercício, quer fora dela.
A invocação da qualidade de advogado, mesmo de advogado estagiário, deverá ser sempre feita de modo digno e prestigiante para o advogado, ele mesmo e também e, sobretudo, para a Associação dos Advogados.
Zelar pelo prestígio da profissão e da Associação é um dever de primeira linha do advogado.
Citando A. Arnaut, (Iniciação à Advocacia, pago 69) “Est corpus Advocatorum Seminarium dignitatum”.
A carta enviada à participante é um exemplo de conduta profissional indigna e desprestigiante para a profissão e para a Associação dos Advogados, que só pode ser atenuada pela inexperiência e pelas falhas na preparação na área da deontologia profissional.
Por isso dizemos que a sólida formação na área deontológica é fundamental para evitar comportamentos deste tipo e para ensinar aos advogados estagiários que a profissão de advogado é honrosa, prestigiante, essencial num estado de direito e que “não vale tudo” para ganhar dinheiro...
Os honorários só são devidos quando lhe corresponda um efectivo serviço profissional do advogado prestado a alguém.
Só o beneficiário deste serviço profissional é responsável pela satisfação desta retribuição.
Pedir uma “indemnização” à empresa onde o pai trabalha, ou trabalhou, pelo tempo gasto e pelas perturbações sofridas no seu acompanhamento na tentativa de resolução de um conflito laboral, revela uma falha deontológica a censurar desde já e a necessitar de ser corrigida, no sítio próprio, no decurso do estágio.
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2. A questão das faltas às aulas:
Como se vê dos documentos juntos aos autos - Declaração de fls. 85 e mapas de presenças de fls. 86 e ss - o participado “assinou as folhas de presença do início e final da aula do módulo de Processo de Inventário e Jurisdição de Menores, da componente escolar do estágio de advocacia, realizada no dia 25 de Abril de 2016, entre as 18h00 e as 20h00, considerando-se, pois, que o mesmo esteve presente na referida aula”.
“Mais se constata, da consulta das folhas de presença do módulo acima referido, que o ali participado apenas não assinou a referente ao início da aula realizada no dia 21 de Abril de 2016, tendo, porém, assinado a folha de presença do final da mesma, considerando-se, por isso, que apenas faltou a uma hora de aula, entre as 18h00 e as 19h00, naquela data.”
Também, se declara que “o Dr. KXX obteve 14,45 valores na prova de avaliação de tal módulo”.
A conclusão a retirar do cotejo da referida carta com esta informação da Associação dos Advogados de Macau, é necessariamente a de que o participado faltou à verdade, isto é, invocou como fundamento para o seu pedido, melhor dizendo, como parte dessa fundamentação, factos que não são verídicos.
Os factos envolvendo o pai do participado tiveram lugar em finais de Abril de 2016, a carta em questão foi enviada em Maio de 2016 e, por isso, só pode tomar-se como mais um exercício de fuga à verdade, a alegação contida na sua resposta de que se tratou de um erro de memória!!!
A honra e responsabilidade são qualidades inerentes à profissão de advogado. Quem não afinar por este diapasão não estará, por certo, na profissão certa.
Para prestígio dos advogados considerados individualmente e da Pessoa Colectiva Pública que, de entre outras atribuições, tem como fins regulamentar o exercício da profissão, atribuir o título profissional de advogado e promover a dignidade e o prestígio da profissão e zelar pelos princípios deontológicos é, do nosso ponto de vista, importantíssimo que se dê uma especial atenção ao ensino da deontologia profissional no âmbito dos estágios, se organizem seminários que façam recordar aos advogados em exercício tais regras e se expurguem da profissão os que não as sentem como um dos mais importantes traços distintivos entre os advogados e outros profissionais ligados a serviços jurídicos.
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Pensamos ter demonstrado que a conduta do Sr. Advogado estagiário arguido viola, de forma clara, os normativos referidos na acusação, concretamente as normas dos artigos 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a) todos do Código Deontológico.
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A medida da pena
O artº 42º do Código Disciplinar dos Advogados determina que “na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.”
Naturalmente que o normativo citado tem ainda implícito que deverá atender-se ao juízo de desvalor que incide sobre os factos praticados, (ilicitude - juízo negativo sobre quem praticou certo facto proibido ou não adoptou o comportamento que devia ter adoptado) entendendo-se este, aqui, como a desconformidade da conduta do agente com os deveres deontológicos e também ainda à prevenção geral e especial.
Por outro lado, ao invés do que sucede no direito penal, no direito disciplinar a pena representa, por um lado, uma advertência, uma sanção para o infractor mas, por outro, a pena visa reconduzir aquele ao bom, ao correcto e deontológico exercício profissional.
O acervo factual dado como provado traduz, no nosso entendimento, uma violação deontológica com apreciável repercussão, por isso o juízo de desvalor sobre a conduta do Sr. Advogado estagiário arguido situa-se aqui num grau médio.
Quanto à culpa, também entendemos que o grau se situa num patamar médio. O Sr. Advogado estagiário arguido agiu livre e conscientemente, tendo representado que, com a sua conduta, violava normas deontológicas, uma vez que, sendo advogado estagiário, já não podia ignorar as regras que o exercício da profissão impõe.
Na situação em análise, entendemos que a aplicação de uma pena disciplinar deve também visar a prevenção, quer especial, quer geral. A sanção a aplicar deve servir não só de advertência para o Sr. Advogado arguido como, também, para os restantes causídicos sobretudo os mais jovens.
O advogado é um servidor da justiça e do direito e, por isso, no exercício do seu “munus” deve pautar a sua conduta profissional e pessoal de acordo com os valores a que alude o artigo 1º do Código Deontológico, tendo sempre em linha de conta que o prestígio da função depende do agir de todos, mas também do agir de cada um em particular.
Aos tipos de penas disciplinares alude o artº 41 º do Código Disciplinar dos Advogados que aqui se dá como reproduzido.
Entendemos que os valores acautelados pelas normas contidas nos apontados artigos 1º, nºs 1 e 3, 12º nº 2 e 14º alª a) do Código Deontológico são distintos. Daí que ocorra, em concreto, um concurso efectivo (ideal heterogéneo) de infracções deontológicas.
Assim, ponderando no grau de culpa, nas consequências da infracção, nas necessidades de prevenção, no exercício profissional e disciplinar pregresso do Sr. Advogado estagiário arguido, entende-se como proporcional e ajustada a imposição ao mesmo da pena disciplinar única de Censura, no entendimento de que o relatado comportamento traduz a prática, em autoria material, de infracções disciplinares por ofensa aos deveres previstos nos artsº 12º nº 2 e 14º ala a), com referência ao artigo 1º, nºs 1 e 3 do Código Deontológico, aqui em concurso efectivo, a punir individualmente com a apontada pena.
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Sanção
Nos termos expostos, considerando ter o Sr. Advogado estagiário arguido Dr. KXX violado, em autoria material, os deveres deontológicos previstos nas disposições dos artºs 12º n.º 2 e 14º alª a) do Código Deontológico, com referência ao disposto no artº 1º, nºs 3 do referido Código, considerando ainda o disposto nos artºs 41º e 42º do Código Disciplinar dos Advogados, é-lhe imposta a pena disciplinar única de Censura.
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Registe e notifique, nos termos do art. 40º do Código Disciplinar dos Advogados
Macau, 8 de Março de 2018”
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IV – O Direito
1 - O caso
1.1 - Foi por o pai do recorrente ter ficado alegadamente ferido na mesa de jogo do casino, onde trabalha como croupier, que o impugnante enviou a carta de fls. 7-13 do p.a. à entidade patronal do seu progenitor.
Nessa carta, depois de relatar o que se passou na mesa de jogo com um jogador - que teria ferido seu pai, por ter perdido uma aposta -, bem como mencionar o tempo que perdeu a acompanhar o pai nas deslocações ao casino para tratar do caso e ao hospital para cura dos ferimentos deste, o recorrente apresentava uma proposta de solução para retirar a queixa que o seu pai apresentara na Polícia contra o cliente.
Nessa parte da carta alegava que o pai nenhuma indemnização pretendia da sua entidade patronal, nem do cliente em causa; desejava, unicamente, que a sua entidade patronal não se vingasse dele futuramente e o despedisse com base em pretextos insignificantes (“pequenos erros”).
Quanto a si próprio (recorrente), no entanto, achava ter direito a indemnização, por o incidente ter afectado seriamente a sua agenda de trabalho, obrigando-o a faltar às suas aulas de estágio de advocacia no dia 25 de Abril de 2016 e a uma audiência no TJB pelas 15,00 desse dia e, bem assim, impedindo-o de se preparar convenientemente para um exame obrigatório no âmbito do curso de estágio à advocacia.
Terminava dizendo que, caso a empresa exploradora do casino do Zxx Zxx Zxx concordasse com o pagamento da indemnização, deveria considerar o alegado e os valores praticados na profissão de advogados com vista a ser apurado o respectivo montante.
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1.2 - Na sequência desta carta, a Associação dos Advogados de Macau instaurou o procedimento disciplinar ao recorrente, no termo do qual o CSA lhe aplicou a pena disciplinar de “censura”
A fundamentação para tal assenta em duas circunstâncias:
Primeiramente, pelo facto de não ser verdade que o recorrente tenha faltado às aulas no dia 25 de Abril de 2016. E quanto ao exame e à alegada falta de tempo para o preparar, a AAM invoca que no exame ao módulo de “Inventário e Jurisdição de Menores” relativamente a cujas aulas o recorrente diz ter faltado no dia 25/04, ele obteve 14,45 valores.
Ora, esta falta de verdade invocada na acima aludida missiva representaria a violação dos deveres dos artigos 1º, nº1 e 3, 12º, nº2 e 14º, al. a), do Código Deontológico dos Advogados.
Em segundo lugar, quanto à indemnização peticionada na carta, entende o CSA que, em boa verdade, o que o recorrente pediu à entidade patronal do seu pai, foi o pagamento de honorários profissionais de advocacia.
Ora, o recorrente não podia cobrar honorários por não ter sido estabelecido nenhum contrato com a empresa empregadora do seu pai, à qual tivesse prestado serviço sujeito a remuneração. Todo o trabalho e tempo despendidos o foram com o seu pai.
Por outro lado, se também não é caso pra se exigir indemnização, nem a título contratual, nem extracontratual, então, a carta enviada é o exemplo de conduta profissional indigna e desprestigiante para a profissão e para a Associação dos Advogados, revelando falha deontológica censurável.
E por tudo isso, e ao abrigo dos arts. 41º e 42º do Código Disciplinar dos Advogados, e por referência ainda ao art. 1º, nºs 1 e 3 do Código Deontológico, aplicou ao recorrente a referida pena.
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2 - No recurso contencioso, o recorrente imputa ao acto os vícios de:
- Violação de lei (art. 15º do Código Disciplinar e o art. 22º do Regulamento Interno do CSA);
- Violação de lei, por carência de poderes por parte de O para, em representação da “YXX (Macau)” apresentar queixa perante a AAM;
- Violação de lei, por “erro nos pressupostos de facto”;
- Violação de lei, por afronta aos arts. 41º, nº1, al. a) e 42º do Código Disciplinar dos Advogados;
- Violação de lei, por desrespeito pelo princípio da proporcionalidade (art 5º, nº2, do CPA).
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3 - Da violação do art. 15º do Código Disciplinar e 22º do Regulamento Interno do CSA
O que está em crise no recurso, no que a este vício concerne, é o facto de ter sido efectuada a nomeação do Dr. T como instrutor do procedimento administrativo nº 11/2016/CSA, sem respeito pela ordem alfabética com que são ordenados na escala, para esse efeito, os advogados inscritos na AAM com cinco anos de exercício de advocacia em Macau.
Ora, como asseverou o digno Magistrado do MP no seu parecer de fls. 184, «… a omissão em causa não constitui nulidade insanável, como resulta do artigo 36.º do Código Disciplinar dos Advogados, havendo, por força do artigo 65.º do mesmo Código, que recorrer supletivamente ao regime das nulidades previsto no Código de Processo Civil, que obriga o interessado à respectiva arguição no âmbito do processo/procedimento em que foram praticadas. Pois bem, constata-se que o ora recorrente não arguiu qualquer nulidade no procedimento disciplinar, nomeadamente na contestação à acusação, tendo-se limitado, numa fase inicial do procedimento, ainda antes da conversão do inquérito em processo disciplinar, a pedir esclarecimento sobre a designação do instrutor (fls. 34 do processo instrutor) e não tendo questionado as explicações que, a tal propósito, lhe foram dadas (fls. 52 do processo instrutor). Assim, ficou sanada a eventual nulidade/irregularidade de que pudesse padecer a designação do instrutor».
Somos, aliás, a pensar que as referidas normas (arts. 15º, do C.D. e 22º do Regulamento Interno do CSA) têm um carácter meramente indicativo, para além de uma intrínseca natureza programática e interna, em ordem ao bom e eficiente exercício do poder disciplinar da AAM.
Repare-se que, segundo o art. 15º, nº2 citado, os instrutores não são necessariamente ordenados alfabeticamente, mas apenas “em princípio” (sic) ordenados por essa forma. Isto significa que fica ao melhor critério da AAM essa ordenação dos instrutores. Não se tratará, pois, de um critério de legalidade, ou de objectivos legais de respeito por direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos advogados arguidos. São, antes, critérios internos, que podem ou não estar pré-definidos, mas que, em qualquer caso, sempre estarão dominados unicamente por razões de mérito, logo, de oportunidade, conveniência, etc. Ou seja, subjacente haverá de estar a maneira de mais eficientemente conduzir o procedimento a bom termo. E, quanto a isso, não parece que o tribunal tenha qualquer poder de intervenção, como é sabido.
E o mesmo se alcança do art. 22º, nº1, do Regulamento, já que neste normativo uma vez mais se prevê que o Conselho elabore, “de acordo com critérios por si definidos” a escala de designação dos instrutores de processos, sendo certo que a ordenação alfabética (nº3) pode não ser observada em casos concretos de designação de instrutor quando ocorram “circunstâncias que justifiquem” essa não observância.
Cremos, portanto, que não vale a penas perder mais tempo com esta matéria, tal é a evidência da improcedência do vício.
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4 - Violação de lei, por carência de poderes por parte de O para, em representação da “YXX (Macau)” apresentar queixa perante a AAM
A este vício podemos nós dar fácil resposta: O tinha procuração com poderes de representação da Y (cfr. fls. 59 a 62 vº do Procedimento disciplinar)
Improcede, pois, o vício.
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5 - Violação de lei, por erro nos pressupostos de facto
Entende o recorrente que a decisão punitiva padece do vício epigrafado, por não corresponderem à verdade os factos em que ela se baseou.
Tal como diz o MP no referido parecer, “No que toca à veracidade das faltas, não vemos motivos para questionar o juízo de censura a que chegou a autoridade administrativa. Estavam, com efeito, em causa, factos pessoais, ocorridos há um curto lapso de tempo, pelo que o recorrente não os podia ignorar ou equivocar-se acerca deles.
Quanto ao mais (honorários), a consideração de que foram violados deveres deontológicos assenta numa certa interpretação dos factos, segundo a qual o recorrente exigiu o pagamento de honorários à participante “YXX (Macau), S.A.”.
Não creio que essa conclusão tenha respaldo razoável e aceitável nos elementos probatórios carreados para o processo disciplinar. Como resulta do próprio documento a partir do qual a entidade recorrida surpreendeu a exigência de honorários (cf. fls. 7 e seguintes do processo instrutor), em nenhum passo do texto se fala de honorários ou se reclama honorários. O que o recorrente pede, inequivocamente, é uma indemnização, que não quantifica, cujo pagamento deixa à consideração da participante, caso esta esteja disposta a fazê-lo em substituição do seu (dela) cliente - um jogador que agrediu o pai do recorrente num casino - para cujo cálculo sugere que sejam considerados os valores praticados na profissão de advogado. Aliás, tal como resulta do acervo de elementos probatórios oferecidos pelo arguido no processo disciplinar, esta indemnização é solicitada no quadro de uma transacção preparada e negociada por uma funcionária da própria participante, Q, Shirley, e intermediada pelo advogado P, que, por motivos desconhecidos - que estes últimos, através das suas lacónicas declarações, não ajudaram a deslindar - conhece um inopinado volte-face e acaba por redundar na participação disciplinar que esteve na origem do processo disciplinar e da deliberação recorrida.
Pois bem, tendo o recorrente pedido uma inequívoca indemnização, pelos motivos que explicitou, não se compreende por que razão a entidade recorrida afastou este quadro de indemnização, quer por responsabilidade contratual, quer por responsabilidade extracontratual, entrando numa espécie de apreciação do seu mérito, onde concluiu pela inverificação dos respectivos requisitos, para, a partir daí, avançar para a conclusão de que o que verdadeiramente estava em causa era uma exigência de honorários, constituindo esta suposta exigência de honorários o pano de fundo da punição disciplinar.
Crê-se, assim, que, na parte relativa à questão dos designados honorários, há erro na leitura e interpretação dos factos e na sua virtualidade para integrarem a violação dos deveres deontológicos considerados atingidos, nessa parte. O recorrente foi punido, entre o mais, por se ter considerado preenchido um pressuposto - exigência de pagamento de honorários - que, na verdade, não existiu.
Há, nesta parte, erro nos pressupostos de facto, pelo que o acto é anulável nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.”
Concordamos com esta perspectiva e fazemo-la nossa.
Repare-se que o recorrente, em primeiro lugar, nunca exigiu à Y o pagamento de qualquer importância. Conquanto tivesse referido que o incidente descrito havia afectado seriamente a sua agenda de trabalho e as aulas de estágio que estava a frequentar, acabou por mencionar que “A Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente” (sic).
Em segundo lugar, sendo embora verdadeiro ter dito achar-se com direito a uma indemnização, não deixou de consignar que a aceitaria “se a Companhia achar que … está disposta a pagar indemnização pelo cliente….” (sic). Quer dizer, remeteu para a Y a livre decisão de pagar, ou não pagar, a indemnização.
Em terceiro lugar, e caso a Y se quisesse dignar efectuar algum pagamento indemnizatório, deixou no ar a possibilidade de que o quantitativo pudesse corresponder aos “valores praticados na profissão de advogados”.
Ora bem. Se qualquer pessoa, em tais circunstâncias, podia achar-se no direito a uma indemnização pelo tempo perdido no apoio e acompanhamento hospitalar (e não só) do “croupier” ferido, não se vê que a qualidade de descendente por parte do ora recorrente lhe diminua ou elimine idênticos direitos subjectivos. E se a sua qualidade de filho o não pode prejudicar, menos ainda a sua qualidade de advogado estagiário o pode pôr à margem de qualquer direito de idêntica natureza, desde que estejam reunidos, obviamente, os respectivos pressupostos. Isto é, o facto de a pessoa alegadamente lesada ser concomitantemente um profissional não lhe retira o direito à indemnização.
Onde está a razão, então, para a adversidade da reacção da AAM perante esta missiva dirigida à Y pelo recorrente? Está numa errada percepção dos termos utilizados na carta, que a AAM tomou com o exacto significado de uma nota de “honorários”.
Com o merecido respeito, em nossa opinião, esse terá sido o grande lapso cometido pela AAM. Em lado nenhum o recorrente quis “cobrar” honorários. Nunca o expressou, aliás. O que ele fez foi um simples exercício de apelação à destinatária da carta no sentido de “considerar …os valores praticados na profissão de advogados” (sublinhado nosso). Ou seja, não afirmou uma posição firme e assertiva de ser pago pelo serviço prestado, antes se limitou a formular um critério possível para densificação da indemnização a que se achava legitimamente com direito, sem deixar de condicionar, porém, a satisfação desse alegado direito indemnizatório à vontade da Y em vir a “considerar”, logo ponderar, essa possibilidade. Ora, esta forma de rematar a comunicação está em perfeita sintonia com a posição manifestada linhas antes, deixando claro que se não tratava de uma posição definitiva da sua parte ao lembrar que “a Companhia não precisa de pagar indemnização por culpa do cliente”.
Esta circunstância - em que o recorrente coloca a Y a ponderar se o haveria de indemnizar, enquanto sujeito que se diz lesado -, não se crê ser ilícita, porque, sem sequer indicar valores precisos, se limitou a equacionar um simples critério material de equiparação. E nesse quadro, a alusão aos “valores praticados na profissão de advogados”, enquanto padrão de referência a ser tomado em devida consideração, não pode ter pior significado que gere desvalor susceptível de indignação disciplinar.
O que importa, então, concluir, é que o recorrente jamais se apresentou à Y para exigir o pagamento de honorários. E não o tendo feito, o pressuposto de facto em que o acto punitivo se louva padece do erro nos pressupostos de facto.
Procede, pois, este vício, que importará a anulação do acto punitivo.
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6 - Violação dos arts. 41º, nº1, al. a) e 42º do Código Disciplinar dos Advogados e desrespeito pelo princípio da proporcionalidade (art 5º, nº2, do CPA).
Face à procedência do anterior vício, a apreciação dos presentes mostra-se prejudicada, por uma simples razão de lógica. Não deixaremos, no entanto, de lhes dar uma breve resposta, quanto mais não seja por compreensíveis questões de prudência.
Quanto a estes dois vícios, tratou-os o recorrente em termos unificados e também nós não vemos razão para os apreciarmos separadamente, já que, no essencial, do que ambos tratam é da reacção à medida da pena. Para o recorrente, mesmo que fosse tomada como ilícita a sua atitude, nunca a pena disciplinar poderia ir para além da mera “advertência”.
Não parece que tenha razão.
Antes de mais nada, é bom recordar que a graduação da sanção disciplinar, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na “discricionariedade imprópria” (justiça administrativa), podendo, por isso mesmo, sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação 1.
Contudo, certo é também que “ao tribunal está vedado fazer administração activa, o que explica que, no domínio das penas concretas em matéria disciplinar, não pode substituir-se ao órgão sancionador, sob pena de ingerência no seu exclusivo campo de poderes e, portanto, sem quebra de violação do princípio da separação e independência de poderes, salvo nos casos de ostensivo, grosseiro e manifesto erro na aplicação do poder punitivo/disciplinar” (Ac. do TSI, de 24/05/2018, Proc. nº 618/2016).
Em segundo lugar, se não fosse a procedência do vício tratado anteriormente (erro nos pressupostos de facto), parecer-nos-ia que, perante a factualidade descrita, caso fosse verdadeira tal como a AAM a interpretou, a subsunção dessa “realidade” à previsão normativa contida na alínea b), do art. 41º, do C.D.A. (“censura”) não mereceria reparo. Porquê? Pela simples razão de que a medida disciplinar tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis. Logo, não se nos depara qualquer erro manifesto na dosimetria concreta da pena, nem qualquer violação do princípio da proporcionalidade (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, págs. 1904/105).
Improcede, pois, estes vícios.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Custas pela AAM, com taxa de justiça em 5 UCs.
T.S.I., 02 de Abril de 2020
Mº Pº (Relator)
Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
1 Em direito comparado, ver, v.g., Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04
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Rec. Cont. nº 630/2018 43