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Processo n.º 1025/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 23/Abril/2020

Descritores:
- Título executivo
- Legitimidade

SUMÁRIO
Ao contrário do que acontece na acção declarativa, em que a legitimidade das partes depende de quem sejam os titulares da relação jurídica controvertida alegada pelo autor; na acção executiva, têm legitimidade as partes que figurem no título executivo como credor e devedor.
A diferença reside no facto de que a acção executiva tem como pressuposto necessário a existência de um título executivo, judicial ou negocial, que consubstancia a declaração do direito que se pretende efectivar, daí que só têm legitimidade aqueles que figuram no respectivo título como tal.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 1025/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 23/Abril/2020

Recorrente:
- A Limitada (Exequente)

Recorrido:
- B (Executado)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pela exequente A Limitada, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), contra o executado B, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrido”), foi julgada pelo Tribunal Judicial de Base a extinção da execução com fundamento na falta de legitimidade do executado.
Inconformada, recorreu a exequente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 博彩信貸是指博彩中介人將娛樂場幸運博彩用籌碼的擁有權移轉予第三人。
2. 被執人透過其受權人以現時博彩中介人慣常運作的模式電話授權方式向上訴人進行借貸,通過電話與上訴人認確認由受權人以其名義簽署Marker及提取籌碼,而每次授權均會向被執行人確認或記錄,例如有關Marker會載有: 已電戶主。
3. 在原通常執行案中,上訴人針對被執行人提起執行程序,並提交由被執行人之受權人所簽署的Marker (參考起訴狀附件10至附件27),並獲被執行人所確認。
4. 而且,從上述附件10至附件27中亦顯示有關帳戶屬於被執行人所有。
5. 根據附件10至附件27所顯示,被執行人為這些博彩信貸關係中的債務人,可見,上訴人與被執行人之間存在博彩信貸關係。
6. 更甚者,被執行人在反對中承認簽署了起訴狀附件10至附件27之文件(參考反對書狀第6條)。
7. 可見,上訴人在原通常執行案針對上述博彩信貸中的債務人,即針對被執行人提起。
8. 綜上所述,上訴人在原通常執行案中針對執行名義中作為債務人的人,即被執行人B提起,根據《民事訴訟法典》第68條第1款的規定,B具有執行程序中成為被執行人的正當性。
9. 由於B具有被執行的正當性,因此,原審法院不應以此為由駁回有關執行程序。
基此,綜上所述,懇請 法官閣下裁定上訴得值,並作出判決如下:
(1) 撤銷原審法院的駁回起訴批示;
(2) 裁定被執行人具有法定正當性,成為原通常執行案中的被執行人。”
*
Ao recurso respondeu o executado nos seguintes termos conclusivos:
“I. A Recorrente vem interpor o recurso do douto Despacho proferido a fls. 536 dos presentes autos que julgou o executado ora Recorrido parte ilegítima em face do título executivo e, em consequência, declarou extinta a presente execução.
II. No domínio da acção executiva, a determinação da legitimidade activa e passiva exige uma relação de coincidência entre aqueles que constam do requerimento inicial executivo e no título executivo (art. 68º, n.º 1 do CPC).
III. Ao contrário do que sucede em sede de acção declarativa, onde a legitimidade processual é aferida em vista de um critério substantivo (art. 58º do CPC), ou seja, ela afere-se de acordo com a relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor, na acção executiva, “A aferição da legitimidade adjetiva é efectuada num prisma exclusiva e marcadamente formal.”
IV. In casu, nos documentos dados à execução pela Recorrente a fls. 175 a 192 dos autos (vide documentos 10 a 27 do requerimento da execução) e que pretende fazer valer como títulos executivos, abaixo do campo destinado à “Assinatura do Devedor” encontra-se, apenas, as assinaturas de terceiros, e não consta em parte alguma de tais documentos qualquer assinatura do ora Recorrido.
V. Assim, o ora Recorrido, que nunca assinou qualquer dos documentos supra referidos, não pode ser considerado como parte legítima nos presentes autos.
VI. Pelo que, andou bem o Tribunal a quo ao decidir absolver o ora Recorrido da instância com fundamento na sua ilegitimidade passiva em face aos documentos dados à execução.
VII. Em relação à alegada existência da relação do mandato entre o ora Recorrido e as pessoas que assinaram os títulos executivos, para além de não ter alegado expressamente factos donde resultasse tal relação, também não se juntou quaisquer provas além dos próprios alegados títulos executivos, e que, em relação a este alegado mandato nada provam.
VIII. A averiguação e a comprovação sobre a existência (ou não) da relação de mandato entre os ora Recorrido e os signatários dos Markers não pode ser feita no âmbito da execução, mas sim no âmbito de uma acção declarativa, a sede adequada e correcta para a discussão e a apreciação da mesma.
IX. A Recorrente também vem alegar que a afirmação contida no artigo 6º do requerimento do embargo implica que o ora Recorrido reconhece que tenha assinado os documentos dados à execução, porém, a própria Recorrente reconhece nas suas alegações do recurso que os documentos em causa foram assinados pelos “procuradores” e não pelo ora Recorrido, veja-se o artigo 2º.
X. Não se pode dar qualquer relevância à afirmação contida no artigo 6º do requerimento do embargo, pois que tal se configura como um manifesto lapso, na medida em que as assinaturas que constam dos documentos dados à execução não são efectivamente suas e nem correspondem ao seu nome.
XI. Deste modo, a assinatura do devedor (que seria o ora Recorrido na óptica da Recorrente), enquanto um dos requisitos formais exigidos pelo disposto no artigo 677º, alínea c) do CPC, nunca pode ser dispensada ou alterada através da vontade das partes.
XII. Nos termos do disposto no artigo 80º do CPC, as afirmações e confissões expressas de factos, feitos pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificamente.
XIII. A Recorrente no artigo 1º da sua contestação do embargo já refere claramente que vem contestar os factos alegados nos artigos 1º a 12º do requerimento do embargo. Pelo que
XIV. Não havendo uma aceitação específica da afirmação contida no artigo 6º do requerimento do embargo por parte da Recorrente, o ora Recorrido manifesta desde já e de forma expressa a sua vontade de retirar a mesma com vista e esta não produzir quaisquer efeitos jurídicos.
XV. Caso o douto Tribunal ad quem não entenda assim, considerando a afirmação aludida acima como uma confissão de facto (o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona), a mesma também deverá ser tomada como inadmissível, por recair sobre facto cujo reconhecimento a lei proíba (por violar o princípio imperativo de tipicidade que vigora no âmbito dos títulos executivos e que está previsto expressamente no artigo 677º do CPC), ou por ser impossível o facto confessado e notoriamente inexistente (é impossível o ora Recorrido ter assinado os documentos em causa porque os nomes que constam dos documentos em causa não correspondem obviamente ao nome do ora Recorrido; também é manifestamente inexistente o facto de os documentos terem sido assinados pelo ora Recorrido), e como tal não deve fazer prova contra o ora Recorrido, nos termos do disposto no artigo 347º, alíneas a) e c) do Código Civil.
XVI. Uma vez que os documentos em causa não contêm a assinatura do ora Recorrido, mas sim apenas as assinaturas das outras pessoas, o Recorrente não está munido de título executivo legalmente exigido e previsto para intentar a acção executiva contra o ora Recorrido.
XVII. A acção executiva serve apenas para a efectivação coerciva do direito de crédito que se incorpora num título executivo bastante que possua o grau de certeza e segurança tal que possa tornar desnecessária a sua declaração judicial prévia e que permita o recurso às medidas da apreensão dos bens do próprio executado para a satisfação imediata do direito do credor.
XVIII. Pelo exposto, deve negar-se provimento ao recurso interposto pela Recorrente e manter-se a decisão recorrida que declara extinta a instância com base na ilegitimidade passiva do ora Recorrido.
XIX. Se assim não se entender o douto Tribunal ad quem e consequentemente revogar o despacho recorrido, o ora Recorrido vem requerer, a título subsidiário e para a hipótese da procedência do recurso interposto pela Recorrente, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 590º, n.º 1 do CPC.
XX. Para efeitos do disposto no art. 703º do CPC, o ora Recorrido apresentou um requerimento onde requereu a extinção da instância por falta de título executivo, porém, o douto Tribunal a quo veio a julgar extinta a acção executiva, não com fundamento na falta do título executivo alegado pelo ora Recorrido, mas sim com base na ilegitimidade passiva do executado, questão que também é de conhecimento oficioso do Tribunal.
XXI. Assim, o ora Recorrido, embora seja parte vencedora da decisão recorrida, decaiu no fundamento que invocou no seu requerimento, o que legitima o mesmo a socorrer-se agora do instituto da ampliação do âmbito do recurso, a fim de que o douto Tribunal ad quem conheça deste fundamento em caso de procedência do recurso interposto pela Recorrente.
XXII. Os documentos dados à execução pela Recorrente não podem ser qualificados como títulos executivos contra o ora Recorrido, conforme as disposições legais de Macau.
XXIII. Um dos requisitos legais imprescindíveis para o documento ser considerado como título executivo ao abrigo do disposto no artigo 677º, alínea c) do CPC consiste na assinatura do devedor nos documentos suportes da constituição ou reconhecimento do direito do credor.
XXIV. Não contendo qualquer assinatura do devedor (o ora Recorrido), de acordo com o princípio de tipicidade, os documentos dados à execução não podem ser considerados como títulos executivos à luz do disposto no artigo 677º, alínea c) do CPP.
XXV. Uma vez que não foi junta qualquer procuração ou qualquer outro documento que titule a alegada relação de mandato entre o ora Recorrido e as pessoas que assinaram os documentos dados à execução, nem sequer podemos recorrer á figura do “título executivo complexo”.
XXVI. Assim, subsidiariamente e para o caso de proceder o Recurso interposto pela Recorrente, desde já se requer a V. Exa. conheça da ampliação do âmbito recurso requerida pelo ora Recorrido, e declare a extinção da instância executiva com base na falta do título executivo.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão,
- Deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se o Despacho ora recorrido; ou
- Em caso de ser dado provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente, deverá conhecer da ampliação do âmbito recurso requerida pelo ora Recorrido, ordenando-se a revogação do Despacho recorrido substituído por douto Acórdão que declare a extinção da instância com base na falta do título executivo.
Termos em que farão V. Exas. a costumada Justiça!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença verificou que não consta dos documentos oferecidos como título executivo a assinatura do executado, mas apenas a assinatura de outra pessoa como devedor, razão pela qual julgou extinta a execução.
A nosso ver, entendemos não merecer reparo a decisão recorrida.
Preceitua a alínea c) do artigo 677.º do CPC que, entre outros, podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.
Por sua vez, determina o n.º 1 do artigo 68.º do CPC que a execução é promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nele tenha a posição de devedor.
Como observam Cândida da Silva e Viriato Lima1, “O n.º 1 do artigo (leia-se 68.º) consagra uma regra a que a doutrina tem chamado princípio da legitimidade formal, que torna a aferição da legitimidade das partes na acção executiva muito mais fácil do que na acção declarativa.”
Assim, ao contrário do que acontece na acção declarativa, em que a legitimidade das partes depende de quem sejam os titulares da relação jurídica controvertida alegada pelo autor; na acção executiva, têm legitimidade as partes que figurem no título executivo como credor e devedor.
Como bem observa Rodrigues Bastos2, a diferença reside no facto de que a acção executiva tem como pressuposto necessário a existência de um título executivo, judicial ou negocial, que consubstancia a declaração do direito que se pretende efectivar, daí que só têm legitimidade aqueles que figuram no respectivo título como credor e devedor.
No caso sub judice, constata-se que o executado não assinou os documentos que servem de base à presente execução, antes se verifica que a assinatura constante nos documentos é de outras pessoas, ao que acresce o facto de que a situação em apreço não se enquadra em qualquer das excepções previstas nos números 3 a 6 do artigo 68.º do CPC, daí podemos concluir que o executado não é dotado de legitimidade passiva para a presente execução, sem prejuízo de o interessado, neste caso a exequente, vir intentar acção declarativa própria com vista a demonstrar a existência da relação jurídica controvertida estabelecida entre ambas as partes.
Dispõe o artigo 703.º do CPC: “Ainda que não tenham sido deduzidos embargos, pode o juiz, até ao despacho que ordene a realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, declarar extinta a execução por fundamentos que não tenha apreciado e que podiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento inicial da execução.”, como é o caso.
Pelo que, andou bem o Tribunal recorrido ao julgar extinta a execução, devendo, assim, negar provimento ao recurso e, em consequência, tornando-se desnecessário apreciar a ampliação do âmbito do recurso deduzida pelo recorrido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interpostos pela recorrente A Limitada, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 23 de Abril de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume I, FDUM, 2006, pág. 213
2 Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 3.ª edição, 1999, pág.111
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