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Processo n.º 929/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 23/Abril/2020

Recorrente:
- AAA Holding Limited

Recorrida:
- XXX Pumpen Verkaufsgesellschaft GmbH (parte contrária)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
AAA Holding Limited, sociedade comercial com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que recusou o registo da marca com o número N/*****5, para produtos na classe 7ª.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso.
Inconformada, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. 對於被上訴法院的裁判,上訴人認為其存在以下的瑕疵:
       I. 事實認定錯誤;
       II. 在法律解釋及適用方面均存在錯誤。
2. 上訴人認為已證事實第9、14、15、18及21條的認定存在錯誤。
3. 判決指憑卷宗光碟內所載文件可認定第9及14條事實,但光碟載體附載的文件不具備完全證明力,且上訴人已對有關的文件資料真實性提出質疑。
4. 對立當事人亦未有出示任何實體待決證明或與此有關聯之文件,卷宗內也不存在其他足夠證據予以支持及證明有關事實,被上訴裁判不應在沒有其他證據或調查的情況下,單憑光碟資便足以認定已證事實,故有關事實不應被證實。
5. 對於已證事實第15條事實,上訴人認為單憑光碟內的不知悉具體來源的宣傳手冊及短文副本(光碟中文件2-4),且法庭亦未有就相關的資料作出任何調查措施便認定該事實,屬明顯的錯誤認定有關事實。
6. 對於已證事實第18條事實,如前所述上訴人在對光碟所載的文件資料抱有懷疑,而卷宗內又沒有相關的證明或由對立當事人提交的資料正本予以證實,在此等情況下,上訴人實難以確認存在有關的協議及對立當事人所陳述的遠於德國的訴訟。
7. 故上訴人也是難解為何原審法庭可證實已證事實第18條事實,該事實能獲證實明顯屬不合理。
8. 對於第21條事實,在判決中指可參閱的文件12,但該文件並非由官方發出的證明文件,僅為對立當事人自行整理的資料清單,當中根本就完全沒有任何資料顯示對立當事人有在澳門已完成有關註冊。
9. 且光碟中的文件6-10中交易的紀錄也沒有顯示有關商品是會寄送至澳門,甚至沒有在澳門地區作出交易的紀錄。
10. 所以,卷宗內欠缺證據的情況下,原審法院能認定上述事實令上訴人難以信服,已證事實中第9、14、15及18條事實顯然不應被證實,而第21條事實中涉及在澳門作商業活動和註冊商標的部份亦不應被證實。
11. 上訴人認為原審法庭認定是次商標的申請是存有《工業產權法律制度》第9條第1款c)項的不正當競爭及同一法典第214條第2款e)項的引起消費者誤解或混淆的情況,屬法律解釋及適用方面均存在錯誤。
12. 上訴人認為不正當競爭的成立要求件是必需先存在競爭關係,而對立當事人與上訴人正正是缺少該關係。
13. 而本案中沒有任何事實可證明對立當事人曾在澳門開展業務、使用該商標進行任何類型之商業銷售或推廣活動。
14. 對立當事人已出售在香港註冊的商標及一直未有在澳門註冊商標,又或作出過實質的競爭行為以佔據澳門地區的消費群。
15. 這明顯地說明了對立當事人自一開始已經沒有意圖把其聲稱擁有的商標圖案用於澳門巿場的開發,不重視且具意欲利用商標開拓澳門的巿場,以及對澳門巿場毫無興趣。
16. 即使對立當事人曾於2017年3月20日申請過商標的註冊,也不等於使用及發展有關商標或作出過的實質競爭行為,因為這不屬認真使用商標的情況,僅為一種偶爾或象徵或的使用。
17. 再說,對立當事人在2017年已是一所長期處於休業狀態與不活動的休眠公司,以對立當事人之公司狀況而言,根本不能讓人信服其從事銷售業務,及在世界各地利用商標銷售產品,亦不足於讓人信服其品牌具有令人不容忽視的馳名性。
18. 綜上所述,對立當事人本身根本不具有《商法典》第156條及續後條文內所規定「參與巿場活動者」、「競爭者」之身份,故上訴人與對立當事人之間在澳門巿場上根本不存在原審法庭認定之“競爭關係”。
19. 最後,上訴人亦不予以認同原審法庭裁定商標的註冊容易令消費者產生誤解或混淆,這亦屬法律解釋及適用方面均存在錯誤。
20. 關鍵在於,在上訴人申請在澳門註冊被爭議商標時,對立當事人在澳門完全沒有使用與被爭議商標圖樣或與之相似商標圖樣進行實質經營活動。
21. 根據商標的產品來推斷,其主要消費者應為本地巿民,所涉及的多為在澳門本地進行的消費行為,但已很清楚是對立當事人一直沒有在澳門進行過任何商業行為。
22. 故倘若被爭議的商標在澳門展開業務及推出產品時,消費者僅會聯想上訴人的產品,不會將對上訴人的產品與對立當事人不曾在澳門銷售的產品產生混淆。
23. 因此,商標的註冊並不會容易令消費者產生誤解或混淆。
24. 綜上所有理據,商標的申請不存在拒絕商標註冊的前提,亦不存在其他可拒絕被爭議商標註冊的理由,因而懇請中級法院法官閣下撤銷被上訴裁判及直接變更判決,命令作出批准註冊的批示,以取代原批示。
綜上所述,請求 閣下認定載於本上訴理據陳述之全部事實及法律理由成立,並在此基礎上撤銷被上訴裁判及直接變更判決,命令作出批准註冊的批示,以取代原批示。”
*
A entidade recorrida ofereceu o merecimento dos autos.
A parte contrária XXX Pumpen Verkaufsgesellschaft GmbH, sociedade com sede na Alemanha, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrida”) respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“A. O Tribunal a quo julgou o recurso da Recorrente improcedente com base no reconhecimento de que a Recorrente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção, e pelo facto de o pedido de registo conter firma, ou apenas parte característica da mesma, que não pertence à Recorrente ou que a mesma não está autorizada a utilizar, por ser susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
B. A Recorrente manifestou discordância face ao fundamento de concorrência desleal, mas não manifestou oposição face ao fundamento utilização indevida de firma, tendo alegado não poderem ocorrer actos de confusão com a Parte Contrária apenas a respeito do fundamento da concorrência desleal, pelo que se mantém intacto o fundamento de recusa previso no artigo 214º, n.º 2, alínea e), RJPI.
C. O facto n.º 9 da sentença refere-se ao acordo celebrado pelas quatro sociedades da família “XXX” (confirmado por escrito), o qual foi junto como Doc. 1 com a Reclamação da ora Parte Contrária em suporte de papel, tratando-se de um documento particular relativo a acto que não depende de formalidades especiais e que, nos termos gerais, está sujeito à livre apreciação do julgador.
D. A Recorrente não invocou a falsidade ou impugnou a genuidade do referido documento – designadamente no artigo 13º do seu recurso judicial para o Tribunal a quo, no qual fez uma consideração genérica, sem identificar qualquer documento e sem explicar por que razão a prova documental da Parte Contrária não deve ser atendível -, pelo que deve improceder o seu recurso sobre esta questão.
E. O facto n.º 14 da sentença diz respeito à pendência nos tribunais da Alemanha de um processo judicial entre a Parte Contrária e a “BBB.pumpen GmbH”, sendo que para demonstrar este facto a Parte Contrária descrever o âmbito do referido litígio, indicou os processos em causa e juntou nove documentos em suporte magnético com o pedido de suspensão que deu entrada na Direcção dos Serviços de Economia (DSE) a 26 de Abril de 2017, os quais foram notificados pela DSE à Recorrente.
F. Os documentos apresentados pela Parte Contrária são idóneos e suficientes para demonstrar o facto n.º 14 da sentença e a Recorrente nunca veio invocar a falsidade ou impugnar a genuidade dos referidos documentos – não havendo razão para subtrair os mesmos à livre apreciação do julgador.
G. O facto de certos documentos terem sido apresentados na DSE em suporte magnético em nada afecta o respectivo valor probatório, sendo este um formato aceite pela DSE no âmbito das reclamações sobre pedidos de registo de marcas.
H. O facto n.º 15 da sentença refere-se à difusão da marca da Parte Contrária em vários países no segmento das bombas e compressores, sendo sustentado por vários documentos dos autos e resultando necessariamente dos factos n.ºs 16, 19 e 20 da sentença, que o Tribunal a quo deu como provados e que a Recorrente não impugnou – e não dependendo da apresentação de mais artigos de meios de comunicação social nem de actos de investigação do Tribunal a quo.
I. O facto n.º 18 da sentença refere-se ao conhecimento da Recorrente quanto à existência do acordo entre as sociedades da família “XXX” e ao litígio nos tribunais da Alemanha sobre esta matéria, o que resulta da prova documental constante dos autos.
J. O litígio na Alemanha teve início em 2006 e a Recorrente apenas veio a “adquirir” licença para usar a marca 10 anos depois, em 2016, sendo que da cláusula 4.2(d) do contrato de licença de uso de marca consta referência ao litígio entre a Parte Contrária e a Recorrente – em particular, ao pedido de registo da Parte Contrária para a marca “XXX” em Hong Kong sob o n.º 30*******, em relação ao qual a cedente (“BBB.pumpen GmbH”) comprometeu-se a assistir a cessionária (a Recorrente) em opor-se ao mesmo.
L. Pelo menos a partir do momento em que Recorrente celebrou o contrato de licença de uso de marca com a “BBB.pumpen GmbH” (a 14 de Março de 2016), aquela já sabia que havia uma disputa sobre o uso da marca “XXX” com a Parte Contrária.
M. A Recorrente “adquiriu” licença para usar a marca (em 2016) quando já existia litígio sobre esta questão (desde 2011) e quando a “BBB.pumpen GmbH” (parte em tal litígio e a entidade que cedeu a marca) já não tinha o apelido “XXX” na sua firma, o que torna óbvio o conhecimento da Recorrente.
N. A Recorrente opera em parceria ou em conjunto com a sociedade “CCC Engineering Co., Ltd.”, contando ambas com o mesmo administrador, o Sr. D, a qual também sabia da existência do litígio sobre a marca “XXX” com a Parte Contrária, pois consumidores de Hong Kong levantaram questões sobre produtos distribuídos pela “CCC Engineering Co., Ltd.”, pensando que esta estava relacionada com a Parte Contrária.
M. O facto n.º 21 da sentença, que se refere ao uso e ao registo da marca “XXX” em diversas jurisdições, é claramente demonstrado pelos Docs. 6 a 12 juntos pela Parte Contrária com a sua Exposição Suplementar, da qual constam recibos de vendas, números de registo de marca e cópias de certificados de registo de marca relativamente a várias jurisdições.
P. O Tribunal a quo fez o exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer e o modo como motivou a sentença é suficientemente ilustrativo da exteriorização da razão em que se assenta a sua convicção e das provas em que se baseou, sendo que a leitura da decisão recorrida não deixa subsistir qualquer dúvida quanto às razões determinantes da improcedência da acção.
Q. Não tem razão a Recorrente ao afirmar que a sua pretensão não pode conduzir à prática de actos de concorrência desleal, o mero reconhecimento de que a Recorrente pode, em abstracto, praticar actos de concorrência desleal com o pedido apresentado, constitui, por si só, motivo de recusa de registo.
R. Acto de concorrência desleal ó o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem (cfr. artigos 158º, 159º e 165º do Código Comercial).
S. É suficiente para qualificar um acto de concorrência desleal a previsão geral do artigo 158º do Código Comercial: contrariedade objectiva às normas e usos honestos da actividade económica, normas e usos que a doutrina vem reportando aos que são ditados pela consciência ética de um comerciante médio e pelo princípio da prestação.
T. A ideia subjacente ao princípio da prestação é a de que as prestações dos vários operadores se devem defrontar no mercado com o mínimo de constrangimentos, para que vença o melhor, caso contrário a concorrência é falseada, surgindo o mérito próprio surge como fiel da balança.
U. A conduta da Recorrente não representa nenhum mérito e não é conforme com as normas e usos honestos da actividade económica, desde logo porque a Recorrente não criou a marca registanda (apenas a copiou), tal como dado como provado pelo Tribunal a quo (e não impugnado pela Recorrente) no facto n.º 26 da sentença.
V. A Recorrente apresentou o pedido de registo em violação do acordo entre as sociedades da família XXX e na pendência de um litígio sobre esta matéria, o que não se coaduna com as normas e os usos honestos da actividade económica.
X. Não se aceita à luz da consciência ética do comerciante médio que a Recorrente, que entendeu ser necessário adquirir o direito a utilizar a marca em Hong Kong, não o tivesse considerado necessário em Macau, local onde o público consumidor relevante é tão próximo ao de Hong Kong.
Z. A relação de concorrência entre as partes é clara, pois as marcas cobrem o mesmo tipo de produtos e visam o mesmo tipo de consumidores (relativos ao nicho específico das bombas e compressores), estando em causa o mesmo mercado – sendo que a Parte Contrária tem presença no mercado de Macau através dos seus produtos e da sua marca.
AA. O pedido da Recorrente é idóneo a causar confusão junto dos vários agentes económicos, incluindo os consumidores de Macau – até porque é totalmente idêntica à marca da Parte Contrária e cobre os mesmos produtos pelos quais a Parte Contrária se tornou conhecida, à escala global, nos últimos 80 anos, causando a possibilidade da canalização da clientela ou desvio de clientes que confundam os sinais em crise.
BB. A Parte Contrária foi abordada por consumidores de Hong Kong relativamente a produtos com a marca “XXX” fornecidos pela “CCC Engineering Co., Ltd.”, sociedade com a qual a Recorrente opera em parceria ou em conjunto e que tem o mesmo administrador que esta, o Sr. D.
CC. Os consumidores – induzidos em erro ou sob confusão – julgavam que a “CCC Engineering Co., Ltd.” estava de alguma forma relacionada com a Parte Contrária, o que demonstra o risco de os consumidores associarem os produtos e os serviços de terceiros à Parte Contrária.
DD. A “CCC Engineering Co., Ltd.” referiu ao consumidor em questão ser a agente única da Parte Contrária em Macau e em Hong Kong (!?!) e que os produtos em causa eram fornecidos pela Parte Contrária a partir da Alemanha – o que bem demonstra a má fé e o dolo da Recorrente e da sua parceira comercial em todo este processo.
EE. Mesmo estando em causa consumidores especialmente atentos aos produtos em causa, dada a sua especificidade e complexidade técnica, os mesmos são induzidos em erro e confusão pelos serviços e produtos de terceiros fornecidos sob a marca “XXX” em Macau e em Hong Kong.
FF. As considerações que a Recorrente faz acerca da não intenção da Parte Contrária em usar a marca em Macau não correspondem minimamente à verdade e são absolutamente infundadas e irrelevantes no âmbito deste processo.
GG. O facto de a Parte Contrária não ter apresentado recibos relativos aos primeiros três meses de 2017 nada indica sobre a sua actividade efectiva, em particular tendo em conta que a Reclamação da Parte Contrária foi apresentada em Março de 2017.
HH. O uso da marca da Recorrente na sua actividade comercial consubstancia um acto (i) objectivamente contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica (ii) idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos ou o crédito da Parte Contrária; e (iii) tem por consequência o aproveitamento indevido em benefício próprio da Recorrente da reputação empresarial da Parte Contrária, actos de concorrência desleal que são proibidos nos termos e por força dos artigos 158º, 159º, 165º, 171º e 172º do Código Comercial, e que são fundamento de recusa do registo de marca, como estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 9º, RJPI.
II. O pedido de registo da Recorrente deve também ser recusado por conter firma (ou apenas parte característica da mesma – neste caso “XXX”) que não pertence à Recorrente e que a mesma não está autorizada a utilizar, sendo que pode induzir o consumidor em erro ou confusão.
JJ. O pedido de registo da Recorrente pode ser também recusado com fundamento em imitação ou reprodução de marca notória em Macau (previsto no artigo 214º, n.º 1, alínea b), RJPI).
LL. Os produtos para os quais a Recorrente reclama protecção estabelecem uma óbvia associação com a Parte Contrária – pois são precisamente os produtos pelos quais a Parte Contrária granjeou reputação e pelos quais se tornou conhecida nos últimos 80 anos.
MM. A marca da Parte Contrária tem sido amplamente difundida a uma escala global, sendo fortemente reconhecida, também em Macau, no segmento específico de produção de bombas e compressores, sendo notória para efeitos do artigo 214º, n.º 1, alínea b), do RJPI.
NN. Sendo a marca da Parte Contrária usada para identificar produtos que não se destinam ao consumo em massa, importa salientar que a marca é notória e internacionalmente reconhecida junto do público alvo desta especialidade, nomeadamente no âmbito da indústria em questão.
OO. A reputação e notoriedade da marca “XXX” no segmento das bombas e compressores é tão evidente e atractiva de clientela, que a Recorrente pretendeu tirar partido de tal marca mesmo sabendo que estava a actuar de forma ilícita.
PP. Consta dos autos prova suficiente quanto à notoriedade da marca “XXX” em Macau, a qual também se relaciona com os factos n.ºs 15º, 16º, 19º, 20º e 21º da sentença que o Tribunal a quo deu como provados (vários dos quais não foram impugnados pela Recorrente).
QQ. O conceito de marca notória em Macau não se afere, apenas, em função da promoção e publicidade a que uma marca é sujeita nesta Região, sendo que o conceito de consumidor de Macau comporta não apenas os residentes ou habitantes de Macau, mas também os visitantes de Macau, incluindo turistas e excursionistas.
RR. A marca da Parte Contrária tem uma forte presença e reconhecimento, através do esforço e investimento da própria Parte Contrária, em bastantes mercados da Ásia-Pacífico – com os quais Macau tem uma ligação bastante estreita no âmbito industrial e cujos consumidores constituem, também, consumidores de Macau.
SS. A notoriedade da marca da Parte Contrária noutras jurisdições releva, obviamente, para se aferir a notoriedade dessa marca em Macau, pois uma marca que é notória na região da Ásia-Pacífico não pode, como é óbvio, deixar de ser notória em Macau.
TT. A actividade da Parte Contrária existe à escala global, constando dos autos documentação que comprova actividade na Índia, Israel, Chipre, Singapura, República da Coreia, Emirados Árabes Unidos, Vietnam, Tailândia, Kuwait, Sri Lanka, Filipinas, Malásia, e Arábia Saudita.
UU. A pretensão da Recorrente acarreta ainda violação dos direitos de autor da Parte Contrária, o que também constitui fundamento de recusa de marca nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9º, RJPI e do artigo 214º, n.º 2, alínea f) do RJPI, que determina que “o pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial”.
VV. A Parte Contrária é a titular de direitos de autor relativos à obra “”, incluindo na República Popular da China, sendo que tal obra também se encontra protegida em Macau, uma vez que os respectivos direitos de autor – cuja protecção em Macau não depende de registo – apenas caducam passados 50 anos após a morte do criador da obra.
XX. Não tendo a Recorrente quaisquer direitos, quer directos quer licenciados, sobre o desenho “” da Parte Contrária, não podia, por um lado, ter utilizado e explorado economicamente tal criação sem a autorização da respectiva proprietária (a ora Parte Contrária); por outro lado, não pode a marca registanda ser concedida, pois a violação de direitos de autor constitui motivo de recusa de concessão de marca (cfr. artigo 214º, n.º 2, alínea f) do RJPI).
ZZ. À data da apresentação da sua reclamação a Parte Contrária não tinha nenhum registo válido de marca em Macau e o pedido de registo de marca prévio que realizou no âmbito da reclamação apresentada (nos termos do artigo 214º, n.º 4 do RJPI) não equivale à titularidade de uma marca registada, pelo que o direito de autor não perdeu a sua autonomia.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser confirmada a decisão da Direcção dos Serviços de Economia de recusa de registo da marca N/*****5.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
AAA HOLDINGS LIMITED, supra identificada submeteu no dia 24 de Novembro de 2016 um pedido de registo de marca relativamente ao seguinte sinal:. (1º)
O pedido do registo foi publicado no BORAEM n.º 3-II Série de 18/01/2017.
O registo foi pedido para assinalar produtos da classe 7ª, em particular, conforme consta do respectivo pedido de registo, “bombas, bombas centrífugas, peças e acessórios relacionados com bombas ou bombas centrífugas, motores para bombas ou bombas centrífugas, acoplamentos de eixos e acessórios de transmissão para accionamento de máquinas de bombas e de bombas centrífugas” (“泵、離心泵、與泵及離心泵相關的零件及配件、泵及離心泵的馬達和發動機、泵及離心泵的機器傳動用聯軸節和傳動機件。” - original em chinês). (2º)
O referido pedido foi publicado, nos termos do artigo 211.º do RJPI, no Boletim Oficial n.º 3/2017, II Série, no dia 18 de Janeiro de 2017. (3º)
XXX PUMPEN VERKAUFSGESELLSCHAFT GMBH, sociedade comercial com sede na Alemanha com actividade no sector da engenharia mecânica, dedicando-se ao fabrico de bombas e compressores apresentou reclamação em 20/03/2017 contra o referido pedido de registo, tendo a reclamação sido publicada no BORAEM n.º 23-II Série de 07/06/2017. (4º)
A Reclamante tem a sua origem na sociedade XXX-PUMPEN EEE XXX & JJJ GMBH & CO. KG, fundada por EEE XXX, pai do fundador da Reclamante (III XXX), em 1936, e com actividade, desde a sua fundação, no fabrico de bombas e compressores. (5º)
Os quatro filhos de EEE XXX, a saber, FFF XXX, GGG XXX, HHH XXX e III XXX (este último, fundador da Reclamante), eram sócios da referida XXX-PUMPEN EEE XXX & JJJ GMBH & CO. KG e, subsequentemente, fundaram outras sociedades familiares com actividade, igualmente, no fabrico de bombas e compressores:
(i) XXX-Kolbenpumpenfabrik FFF XXX GmbH & Co. KG (fundada por FFF XXX);
(ii) XXX Pumpen GGG XXX GmbH & Co. KG (fundada por GGG XXX); e
(iii) XXX Pumpen Verkaufsgesellschaft III XXX GmbH & Co. KG (ou seja, a Requerente) (fundada por III XXX). (6º)
O filho HHH XXX não constituiu uma nova sociedade, mantendo-se na administração da sociedade fundada pelo pai, a referida XXX-PUMPEN EEE XXX & JJJ GMBH & CO. KG. (7º)
A marca “”, com o texto “XXX” (o apelido da família), era usada, por comum acordo, pelas referidas quatro sociedades, isto é, pela sociedade fundada por EEE XXX e pelas três sociedades fundadas pelos seus filhos. (8º)
Do referido acordo, constava também que só estas quatro sociedades podiam usar a marca “” e o nome “XXX” (o apelido da família), estando vedada a transferência para terceiros de quaisquer direitos sobre a marca e nome - acordo esse que foi confirmado por escrito (Doc. 1 junto em suporte de papel a fls. 15 a 18 do processo administrativo apenso). (9º)
A marca “” encontrava-se também registada em Hong Kong, sob o n.º 19*******, desde 24 de Maio de 1994, a favor da XXX-PUMPEN EEE XXX & JJJ GMBH & CO. KG. (Doc. 2 junto em suporte de papel a fls. 19 a 21 do processo administrativo apenso). (10º)
A marca “” encontra-se igualmente registada a favor da Reclamante, a qual usa efectivamente a marca para identificar os seus produtos (Docs. 2, 3 e 4 junto sem suporte de papel mas em suporte magnético no CD junto a fls. 37 do processo administrativo apenso). (11º)
No entanto, no decurso de 2006, foi iniciado um processo de insolvência na Alemanha relativo à sociedade XXX-PUMPEN EEE XXX & JJJ GMBH & CO. KG, no âmbito do qual o respectivo administrador de insolvência autorizou individualmente (a 28 de Julho de 2006), o registo da marca “” em Hong Kong para a sociedade “BBB GmbH”. (12º)
Subsequentemente, a 24 de Junho de 2008, a sociedade “BBB GmbH” cedeu a referida marca a favor de outra sociedade denominada “BBB.pumpen GmbH” que, por sua vez, cedeu recentemente a marca de Hong Kong para a Requerente do registo. (13º)
Actualmente, encontra-se pendente nos tribunais da Alemanha um processo judicial entre a Reclamante e a “BBB.pumpen GmbH”, a respeito, nomeadamente, do uso e cessão não autorizada da marca em causa. (14º)
A marca da Reclamante tem sido difundida em vários países no segmento específico de produção de bombas e compressores. (15º)
Ora, os produtos para os quais a Requerente reclama são os produtos que a requerente e as referidas sociedades familiares comercializam há mais de 80 anos. (16º)
A Reclamante apresentou pedidos de registo da marca “” nas classes 7 e 11, aos quais foram atribuídos, respectivamente, os números N/*****1 e N/*****2, no dia 20 de Março de 2017. (17º)
A Requerente sabe da existência do acordo de exclusiva utilização da marca “” pelas referidas quatro sociedades da família XXX e sabe que se encontra pendente litígio quando a esta matéria nos tribunais da Alemanha. (18º)
A actividade da família XXX na produção de bombas e compressores remonta há mais de 100 anos e tem assinalado tais produtos com a marca “”. (19º)
Actualmente, a Reclamante exerce a sua actividade com vendas em vários países e regiões. (20º)
A marca “” da Reclamante, com o texto “XXX” (o apelido da família), é usada na actividade da Reclamante e encontra-se registada na classe 7 (e noutras classes) em diversas jurisdições, a saber, na União Europeia (enquanto marca comunitária), Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suíça, Austrália, Taiwan, Alemanha, Macau, Hong Kong e China (Doc. 11 junto sem suporte de papel mas em suporte magnético no CD junto a fls. 37 do processo administrativo apenso). (21º)
A “BBB GmbH” em 28 de Julho de 2006 alterou a respectiva firma para “XXX-Pumpen KKK GmbH” e, a 27 de Outubro de 2006, alterou novamente a respectiva firma para “Pumpenfabrik KKK GmbH”. (22º)
Dois anos depois, a 24 de Abril de 2008, a Pumpenfabrik KKK GmbH (inicialmente denominada “BBB GmbH”) transferiu o registo da marca “” em Hong Kong para a “XXX PUMPEN KKK Beteiligungsgesellschaft mbH”, a qual, a 22 de Dezembro de 2011, alterou a respectiva firma para “BBB.pumpen GmbH”. (23º)
Foi a sociedade “BBB.pumpen GmbH” (anteriormente denominada “XXX PUMPEN KKK Beteiligungsgesellschaft mbH”) que cedeu o registo da marca de Hong Kong à ora Requerente. (24º)
Antes de a recorrente pedir o registo da marca “XXX” junto da D.S.E., não existia na RAEM qualquer sinal idêntico ou semelhante, já anteriormente registado. (25º)
A Recorrente não criou a marca registanda e copiou-a da marca das sociedades da família XXX. (26º)
*
Considerando que a recorrente suscitou no recurso as questões que foram apreciadas na sentença recorrida e cuja decisão foi-lhe desfavorável, cabe ao Tribunal de recurso a apreciação das questões conforme as regras jurídicas aplicáveis ao caso.
*
Da impugnação da matéria de facto
Alega a recorrente que, partindo dos meios de prova existentes nos autos, a matéria constante dos pontos 9º, 14º, 15º, 18º e 21º da sentença recorrida devia ter sido dada como não provada.
Vejamos.
Dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
No caso vertente, dúvidas de maior não restam de que a convicção do Tribunal alicerça-se na prova documental, e não sendo situações de exigência de forma ad substanciam nem estando em causa documentos com força probatória plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
De facto, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova documental junta aos autos, somos a entender que alguma matéria de facto foi julgada incorrectamente, por existir erro manifesto.
Vejamos por partes.
Foi dado como provado nos pontos 9º, 14º e 15º da sentença recorrida o seguinte:
9º - “Do referido acordo, constava também que só estas quatro sociedades podiam usar a marca e o nome “XXX” (o apelido da família), estando vedada a transferência para terceiros de quaisquer direitos sobre a marca e nome – acordo esse que foi confirmado por escrito (Doc. 1 junto em suporte de papel a fls. 15 a 18 do processo administrativo apenso).”
14º - “Actualmente, encontra-se pendente nos tribunais da Alemanha um processo judicial entre a Reclamente e a “BBB. Pumpen GmbH”, a respeito, nomeadamente, do uso e cessão não autorizada da marca em causa.”
15º - “A marca da Reclamante tem sido difundida em vários países no segmento específico de produção de bombas e compressores.”

Ora bem, uma vez que a demonstração dos factos acima descritos depende da prova documental, e considerando que o respectivo suporte documental se encontrava junto aos autos, nomeadamente a fls. 15 a 18 do processo administrativo, os doc. 1 a 9 constantes do suporte magnético (disco de fls. 53) e os doc. 2 a 10 arquivados em suporte magnético (disco de fls. 37), nenhuma censura merece a decisão proferida sobre aquela parte da matéria de facto.
Já em relação ao ponto 18º, foi dado como provado que “A requerente sabe da existência do acordo de exclusiva utilização da marca “XXX” pelas referidas quatro sociedades da família XXX e sabe que se encontra pendente litígio quando a esta matéria nos tribunais da Alemanha.”
Salvo melhor opinião, verificamos que não existe nos autos quaisquer elementos que permitam demonstrar o conhecimento, pela recorrente, da existência do referido acordo firmado por aquelas quatro sociedades, nem do conhecimento da pendência do litígio nos tribunais da Alemanha.
Para já, não se vislumbra qualquer intervenção da recorrente na celebração daquele acordo, nem que seja parte no alegado litígio judicial.
Por outro lado, segundo consta da cláusula 4.2 (d) do contrato de cessão de uso de marca, outorgado pela sociedade BBB.pumpen GmbH e a recorrente em 14 de Março de 2016 e constante de fls. 69 verso do processo administrativo, aquela, na qualidade de cedente, apenas comprometeu-se perante a compradora ou cessionária (ora recorrente), a realizar todas as diligências necessárias à contestação do pedido da marca N/30******* formulado em 6 de Agosto de 2014 junto do Centro de Registo de Marcas. No fundo, as partes outorgantes não estavam a referir-se ao litígio da Alemanha, mas simplesmente ao pedido da marca formulado em 6 de Agosto de 2014.
Ademais, ficou demonstrado nos autos que o acordo de exclusiva utilização da marca “XXX” foi confirmado por escrito em 28.8.2006 (facto provado 9º), ao passo que a recorrente só veio adquirir a marca dez anos depois, em 14 de Março de 2016.
Assim, na falta de outros elementos probatórios, nomeadamente prova documental mais sólida, não podemos dar como provado o ponto 18º constante da sentença recorrida.

Por último, no que concerne à matéria vertida no ponto 21º da sentença recorrida, foi dado como provado que “A marca “XXX” da reclamante, com o texto “XXX” (o apelido da família), é usada na actividade da reclamante e encontra-se registada na classe 7ª (e noutras classes) em diversas jurisdições, a saber, na União Europeia (enquanto marca comunitária), Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suíça, Austrália, Taiwan, Alemanha, Macau, Hong Kong e China.”
O Tribunal a quo fundamentou a decisão com base no documento 11 junto em suporte magnético junto a fls. 37 do processo administrativo.
Porém, conforme o alegado pela recorrente, e bem, não somos capazes de encontrar naquele documento, nem nos outros documentos juntos aos autos, qualquer elemento probatório pertinente que permita demonstrar a marca em causa se encontrar registada na classe 7ª ou noutras classes e estar a ser usada nas actividades da recorrida em Macau.
Nestes termos, a resposta ao ponto 21º terá que ser alterada nos termos que se seguem:
“A marca “XXX” da reclamante, com o texto “XXX” (o apelido da família), é usada na actividade da reclamante e encontra-se registada na classe 7ª (e noutras classes) em diversas jurisdições, a saber, na União Europeia (enquanto marca comunitária), Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suíça, Austrália, Taiwan, Alemanha, Hong Kong e China.”
*
Da concorrência desleal
Vejamos agora as outras questões colocadas pela recorrente.
Entende a sentença recorrida que é possível ocorrer concorrência desleal na modalidade de confusão dos consumidores devido à utilização pela recorrente do sinal registando para assinalar bens de comércio.
Salvo o devido respeito, não sufragamos a mesma opinião.
Segundo o art. 9º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico de Propriedade Industrial (doravante designado por “RJPI”), são fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial, entre outras, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Ora, por que a lei do regime jurídico da propriedade industrial não define o que são actos de concorrência desleal, há que recorrer ao Código Comercial, prevendo-se no seu artigo 158.º que “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica.”
E acrescenta o artigo 159.º do mesmo Código que “1. Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes. 2. O risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática.”
Como observa Luís M. Couto Gonçalves1: “a apreciação tem de ser mais ampla: para haver um acto desleal de confusão entre os produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário ainda que à usurpação de marca registada (o que implica um uso típico dos sinais) se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal).”
Opina Carlos Olavo2 que “…é hoje pacífico, quer na jurisprudência, quer na doutrina, que a protecção contra os actos de concorrência desleal tem, no nosso direito, um tratamento jurídico distinto da protecção dos direitos privativos da propriedade industrial, que permite considerá-la como constituindo um instituto autónomo.
Com efeito, enquanto que na violação de um direito privativo nos encontramos perante um ilícito meramente formal, independentemente da idoneidade ou inidoneidade do acto para provocar um qualquer prejuízo, no quadro da concorrência desleal o acto só terá a natureza de desleal quando possa originar um prejuízo a outra pessoa, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial”.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 715/2010:
“Pois, quer a Convenção quer o RJPI não visam evitar ou sancionar a simples imitação ou criação de confusão sem qualquer finalidade desonesta a elas subjacente e sem potencialidade de deslocar clientela, mas antes visam desempenhar uma função social de prevenir e reprimir condutas de deslealdade na concorrência através da imitação para induzir consumidores em erro e evitar potencialidade de deslocar ilegitimamente clientela independentemente da intenção.
Ora, não resultando dos autos que o Autor ora recorrente se encontra a exercer a sua actividade económica no mercado em Macau onde a ora recorrida já registou a sua firma, nem essa e aquele outro estão a disputar a mesma clientela em Macau, de modo algum pode falar-se da existência de concorrência.
Sem concorrência, naturalmente não pode haver concorrência desleal ou potencial deslocação ilegítima de clientela independentemente da intenção, que ambos os diplomas visam reprimir.
Não havendo concorrência nem disputa desleal num mesmo mercado, em nada relevam os eventuais erros ou confusões que a imitação possa eventualmente gerar.”
Efectivamente, para se poder afirmar que a recorrente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é objectivamente possível, é preciso haver concorrência entre as empresas ou fornecedores, por um lado, e que os actos de concorrência praticados se revelem contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica, por outro.
No fundo, o que está em causa é evitar o desvio, ou pelo menos risco de desvio, de clientela.
No caso vertente, provado está que a recorrida é detentora da marca “XXX” em alguns países do mundo, mas ela não chegou a efectuar o registo desta marca na RAEM antes do pedido de registo da mesma marca apresentado pela recorrente.
Além disso, com base na factualidade dada como provada, não se logrou demonstrar o exercício pela recorrida de qualquer actividade económica ou comercial na RAEM, daí se conclui que não existe nenhuma concorrência entre a recorrente e a recorrida, muito menos desleal.
Procedem, assim, as razões da recorrente nesta parte.
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Da utilização indevida de firma
Entende ainda a sentença recorrida que, independentemente da possibilidade de ocorrência de concorrência desleal, o registo de marca ora em apreço também deve ser recusado, nos termos previstos na alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, por que o sinal se confunde com a firma da recorrida, a qual é protegida independentemente do registo na RAEM, desde que seja protegida na jurisdição de origem pertencente à União de Paris, ao abrigo do artigo 8.º da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.
Prevê a alínea e) do n.º 2 do artigo 214º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial que “o registo de marca é recusado quando a firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.”
Por sua vez, dispõe o artigo 8.º da Convenção de Paris o seguinte:
“O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio.”
Ora bem, valem aqui as considerações tecidas no Acórdão deste TSI acima citado, no concernente à interpretação do artigo 8.º da Convenção de Paris:
“Pois se procurarmos saber a mens legislatoris e o bem jurídico que estão em causa e acolhermos essa interpretação meramente literal, ser-nos-á extremamente difícil, senão impossível, a concepção de firmas novas, pois isso equivale a proibir os casos de homonímia dos sinais distintivos do comerciante, no território de todos os países subscritores da Convenção, senão quase em todo o mundo.
(…)
Pois, quer a Convenção quer o RJPI não visam evitar ou sancionar a simples imitação ou criação de confusão sem qualquer finalidade desonesta a elas subjacente e sem potencialidade de deslocar clientela, mas antes visam desempenhar uma função social de prevenir e reprimir condutas de deslealdade na concorrência através da imitação para induzir consumidores em erro e evitar potencialidade de deslocar ilegitimamente clientela independentemente da intenção.
Ora, não resultando dos autos que o Autor ora recorrente se encontra a exercer a sua actividade económica no mercado em Macau onde a ora recorrida já registou a sua firma, nem essa e aquele outro estão a disputar a mesma clientela em Macau, de modo algum pode falar-se da existência de concorrência.
Sem concorrência, naturalmente não pode haver concorrência desleal ou potencial deslocação ilegítima de clientela independentemente da intenção, que ambos os diplomas visam reprimir.
Não havendo concorrência nem disputa desleal num mesmo mercado, em nada relevam os eventuais erros ou confusões que a imitação possa eventualmente gerar.”

Segundo Luís M. Couto Gonçalves3, “a proibição (a que corresponde à alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI de Macau) só deve operar, por regra, em relação a actividades concorrentes. O perigo de engano quanto à proveniência dos produtos ou serviços, de princípio, sempre pressuporá uma relação de concorrência…” – sublinhado nosso
Conforme dito acima, não se verifica que a parte contrária ora recorrida tenha exercido qualquer actividade económica na RAEM, nem tenha efectuado o registo de marca ou firma antes de a recorrente ter apresentado o seu pedido de registo aqui em Macau. Isso traduz-se, no fundo, na inexistência de concorrência entre as duas partes, bem como na falta de interesse da recorrida, pelo menos até ao momento em que apresentou o pedido de registo de marca, em desenvolver as suas actividades económicas ou comerciais na RAEM.
Nestes termos, procedem as razões da recorrente.
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Vejamos agora as questões relacionadas com a marca notória e a violação dos direitos do autor invocadas pela recorrida mas que não foram apreciadas pelo Tribunal a quo.

Da marca notória
A parte contrária ora recorrida invoca a notoriedade da sua marca, entendendo dever ser recusado o pedido de registo formulado pela recorrente com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
No tocante à questão de notoriedade da marca, decidiu-se no Acórdão deste TSI, no Processo n.º 657/2017, na parte respeitante àquela questão, o seguinte:
“2.1 – O art. 214º, nº1, al. b) do RJPI dispõe que “o registo deve ser recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”.
Ora, marca notória é aquela que, por qualquer característica, adquiriu fama, reputação e renome, tornando-se geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Para ser notória, portanto, basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados e apresente uma imagem de qualidade acima da média, reputação e renome.
Veja-se o que já dissemos da notoriedade:
«Bem, notória é a marca “…que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor”.
Notórias, afirma alguma jurisprudência local, são as marcas que “…muito conhecidas pelo público interessado, constituem assim excepções aos princípios do registo e da territorialidade. No entanto, por serem apenas muito conhecidas pelo público interessado, e não público em geral, ficam sempre sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, só beneficiam da protecção determinada em função do produto e serviço especificamente comercializado”.
Estamos de acordo. Por conseguinte, o que confere notoriedade a uma marca é o seu vasto conhecimento geral no círculo de produtores, comerciantes, dos prestadores dos serviços ou a sua alargada penetração no meio dos consumidores ou utilizadores dos respectivos serviços ou bens. Isto significa que o eixo da marca notória é o seu conhecimento pelos destinatários, não o seu registo - que nem precisa de estar feito - num determinado universo mais ou menos alargado. O universo pode ser maior ou menor consoante o público a que se destine o bem, produto ou serviço. Se o produto for destinado a consumo geral, a marca deve ser conhecida do público em geral, indistintamente; se ele, pela sua especificidade, se destinar a um determinado público alvo mais restrito, a marca deve ser conhecida por grande parte desse destinatário. Assim, não é pelo facto de uma marca não estar registada em Macau que deixa de poder ser notória. Pensar o contrário é, esvaziar, precisamente, de conteúdo a noção de marca notória, é retirar-lhe a sua própria essência. Assim se compreende a disposição do RJPI acima transcrita e o mesmo se diz da protecção que emerge igualmente do artigo 6º, bis, 1), da Convenção de Paris, com a redacção que lhe foi dada em Estocolmo (Dec. nº 22/75, de 22/1), que assim estabelece: «Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utiliza para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta».
É certo que a marca da recorrente não estava registada antes da concessão do registo à recorrida particular. Mas se por não estar registada em Macau antes do registo concedido à recorrida particular tal não impede que abstractamente ela goze de notoriedade, também do mesmo modo o facto de estar a marca registada em vários países, não faz dela uma marca notória. É que num mercado tão agressivo, como é o da concorrência aberta na “feira global”, poucas são as empresas que não querem levar para longas paragens geográficas o seu nome e a sua marca. Isso, contudo, e como bem se percebe, não quer dizer que a marca presente em vários países seja notória apenas por esse facto. A maior parte das vezes está à procura de mercado, está a fazer-se notar, a dar-se a conhecer. Mas, daí a atingir a notoriedade vai um longo passo. ”

No caso em apreço, face à matéria dada como provada, não se vislumbra que a marca da parte contrária, ora recorrida, é uma marca notoriamente conhecida na RAEM, ao que acresce o facto de que a recorrida nunca aqui explorou as suas actividades económicas e comerciais, apresenta ainda maior dificuldade em reconhecer e conferir a alegada e pretensa notoriedade à sua marca.
Nestes termos, improcedem as razões da parte contrária, quanto a esta parte.
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Da violação do direito de autor
Alega ainda a parte contrária, ora recorrida, que a pretensão da recorrente acarreta a violação do seu direito de autor.
Nos termos do artigo 1º, nº 1 do Regime do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei nº 43/99/M, de 16 de Agosto, “são obras protegidas pelo direito de autor as criações intelectuais originais nos domínios literário, científico ou artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação ou o objectivo”.
O legislador visa proteger criações intelectuais originais, podendo ser obras literárias, científicas ou artísticas.
Enquanto no domínio de propriedade industrial, há também lugar a criações, podendo tais frutos ser agrupados em duas categorias: criação industrial e sinal distintivo. A primeira inclui invenções, topografias de produtos semicondutores, desenhos e modelos de utilidade, e a segunda abrange sinais distintivos de empresas, produtos ou serviços que podem ser nome e insígnia de estabelecimento, marca, denominações de origem, indicações geográficas e recompensas.
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 494/2011, o seguinte:
“As marcas são sinais susceptíveis de representação gráfica. E elas podem ser nominativas (constituídas por nomes ou palavras), figurativas (formadas por figuras ou desenhos) e outras. Em qualquer caso, têm por objectivo primordial distinguir produtos, bens ou serviços, embora, para além da função distintiva, também possa ter uma função publicitária excepcional aparecendo como símbolos de excelência, como sucede com as marcas de prestígio.
Isto não quer dizer que por detrás de uma marca não possa estar, algumas vezes, uma actividade de verdadeira criação artística. Uma empresa de design, por exemplo, pode ser contratada para criar um logótipo a fim de ser utilizado posteriormente numa marca própria de empresa com o objectivo de melhor divulgar o seu produto e mais eficazmente captar a atenção do público consumidor para ele. Mas, a verdade é que uma vez incorporado o design na marca, o que passa a estar visível e a representar a sua verdadeira função é a marca propriamente dita. Quer dizer, a criação perde autonomia e emerge o papel da marca, podendo dizer-se que aqui se passa algo parecido com a consumpção, em que o resultado final consome o trabalho preparatório. A partir do registo da marca, o que sobressai dela é a sua força distintiva. Mas, justamente por isso, a partir desse instante, o que se comparam são as marcas entre si, nem que para essa tarefa seja necessário elevar a atenção ao pormenor de determinado elemento gráfico, algum desenho, algum traço artístico em especial. ”

Ao contrário do que entende a parte contrária, considerando que o alegado “desenho” foi introduzido na marca, aquele já perdeu autonomia, e o que interessa agora é uma tarefa de comparação das marcas em si, sob ponto de vista de confundibilidade e identidade, e não a suposta violação do direito de autor sobre os elementos da marca.
Nesta conformidade, improcedem as razões invocadas pela parte contrária, impondo-se a procedência do recurso interposto pela recorrente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente AAA Holding Limited e, em consequência, revogar a sentença recorrida, determinando:
- Que seja dado como não provado o ponto 18º constante da sentença recorrida;
- Alteração da resposta dada ao ponto 21º da sentença recorrida para o seguinte:
“A marca “XXX” da reclamante, com o texto “XXX” (o apelido da família), é usada na actividade da reclamante e encontra-se registada na classe 7ª (e noutras classes) em diversas jurisdições, a saber, na União Europeia (enquanto marca comunitária), Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suíça, Austrália, Taiwan, Alemanha, Hong Kong e China.”;
- A concessão do registo da marca N/*****5 a favor da recorrente AAA Holding Limited.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, fixando o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 23 de Abril de 2020

(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2005, pág. 350 e 351
2 A Concorrência Desleal, em Concorrência Desleal, Textos de Apoio, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 329 e 330
3 Manual de Direito Industrial, Almedina, 2005, pág. 219-220
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