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Proc. nº 129/2020
Recurso Jurisdicional em matéria laboral
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Abril de 2020
Descritores:
- Descanso semanal

SUMÁRIO:

Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do valor que já receberia mesmo sem prestar trabalho.




Proc. nº 129/2020

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
B, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em ......, Nepal, titular do Passaporte da República Democrática Federal do Nepal nº 0******, emitido pela autoridade competente da República Democrática Federal do Nepal, ----
Instaurou no TJB (Proc. nº LB1-19-0051-LAC) contra: -----
YYY YYY YYY, S.A., (adiante, YYY), com sede na Avenida ......, Hotel ......, ....º andar, Macau ------
ACÇÃO DE PROCESSO COMUM DO TRABALHO, ---
Pedindo a condenação desta no pagamento de créditos salariais que computou em MOP$ 149.977,70 e juros respectivos.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré no pagamento da quantia de MOP$ 59.482,50 e juros.
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Contra essa sentença vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o autor formulou as seguintes conclusões:
“1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (XXXX) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/ 89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, a quantia de MOP$86.005,00- e não apenas MOP$43.002,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em cada um dos sétimos dias de trabalho consecutivo, enquanto dias de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”.
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A ré respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“I. Veio o Recorrente no Recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente as quantias reclamadas pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
II. A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no sobredito artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
III. Estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro);
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal;
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29/03/2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete;
VI. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284);
VII. O Recorrente não tem razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
“- Entre 27/06/2001 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da XXXX, prestando funções de II guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
- Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 279 trabalhadores não residentes) da XXXX para a Ré (YYY), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
- Entre 22/07/2003 a 18/08/2009 o Autor esteve ao serviço da Ré (YYY), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
- Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor auferiu da Ré um salário de base de HK$7.500,00 por cada mês de trabalho prestado. (D)
- Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou as ordens e as instruções emanadas pela Ré. (1º)
- Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos, horários e postos de trabalho fixados pela Ré. (2º)
- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, por ordem da Ré (YYY), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido para dar ordens e instruções aos seus subalternos. (3º)
- Durante o referido período de tempo, o Autor dava um briefing (leia-se, uma reunião) aos “guardas de segurança”, na qual inspeccionou os uniformes de cada um dos guardas e distribuiu o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4º)
- Durante o briefing (leia-se, reunião) o Autor informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (5º)

- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo das férias anuais, dispensas de trabalho e dos descansos referidos na resposta ao quesito 12º da Base Instrutória. (6º)
- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (7º)
- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
- Após a prestação pelo Autor de trabalho durante sete dias de trabalho consecutivos, seguia-se um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (9º)
- O Autor gozou de 24 dias de férias por cada ano civil, concedidas e organizadas pela Ré. (10º)
- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, a Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (11º)
- Entre 01/03/2004 a 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos, dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 8/7/2004 e 8/11/2005 (489 dias), entre 28/9/2006 e 28/10/2006 (31 dias), entre 24/11/2006 e 26/11/2006 (3 dias), entre 20/11/2007 e 18/12/2007 (29 dias) e entre 28/8/2008 e 28/9/2008 (32 dias). (12º)
- A Ré (YYY) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (13º)

- A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (14º)”
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III – O Direito
A única questão que importa conhecer no presente recurso jurisdicional reporta-se ao modo de contabilizar o crédito salarial invocado pelo autor e concernente ao trabalho por si prestado nos dias de descanso semanal.
A sentença impugnada atribuiu ao autor a este título o valor em singelo da remuneração devida por cada um daqueles dias (MOP$ 43.002,50) e o recorrente acha que deveria ter sido atribuído em dobro (MOP$ 86.005,00).
Tem razão o recorrente tal como, aliás, este TSI tem insistentemente afirmado em casos semelhantes (v.g, Ac. de 12/12/2019, Proc. nº 1311/2019):
“A razão está do lado do recorrente, como este TSI de forma insistente tem vindo a decidir (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; 1/06/2017, Proc. nº 307/2017;27/07/2017, Proc. nº 447/2017).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2, a que não há que descontar o valor já efectivamente pago em singelo.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira.
Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre já auferiria o correspondente valor (uma vez que a entidade patronal não lho pode descontar), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que já receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem atender, claro, ao valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente ao dia de descanso”.
Significa isto que a 1ª instância não andou bem em liquidar em MOP$ 43.002,50 o valor a pagar neste capítulo, quando deveria ter liquidado em MOP$ 86.005,00.
Procede, pois, o recurso do autor.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença na parte concernente ao crédito laboral do autor referente ao serviço prestado em dias de descanso semanal, indo, consequentemente a ré a pagar a esse título a quantia de MOP$ 86.005,00, mantendo-se a parte restante da sentença não impugnada.
Custas pela recorrida.
T.S.I., 23 de Abril de 2020
(Relator)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)
Proc. nº 129/2020 7



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