Proc. nº 910/2018
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Abril de 2020
ASSUNTOS:
- Prova da notificação fiscal
SUMÁRIO:
- Se a Administração Fiscal apresentar cópia da notificação da liquidação oficiosa dirigida ao endereço indicado pelo respectivo interessado na declaração do Imposto de Selo M/1, com um número do correio atribuído à carta registada expedida, este documento deve ser atendido como prova da expedição da carta de notificação.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 910/2018
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Abril de 2020
Recorrente: Direcção dos Serviços de Finanças (Entidade Exequente)
Recorridos: A e B (Executados)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 11/06/2018, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou procedente a oposição à execução fiscal apresentada pelos Executados A e B.
Dessa decisão, vem a Entidade Exequente Direcção dos Serviços de Finanças interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso é interposto da douta decisão proferida a fls. 67 a 69 dos autos, mediante a qual foi decidido não ter ficado provada a notificação da liquidação oficiosa que originou a dívida exequenda sendo que a falta dessa notificação toma a dívida inexigível.
2. Resulta dos n.ºs 1 e 3 do artigo 2.º do D.L n.º 16/84/M, de 24 de Março, que as notificações e avisos de natureza fiscal são efectuados por carta registada sem aviso de recepção e que se presumem feitos no quinto dia posterior ao do registo postal ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
E do n.º 4 do artigo 3.º a presunção nele estatuída funciona a favor do contribuinte, ou seja, a sua ilisão cabe apenas ao contribuinte.
3. A Administração Fiscal enviou notificação da liquidação para a morada declarada pelos contribuintes para efeitos de notificações fiscais.
4. E em sede de prova, a Administração apresentou cópias daquela declaração bem como da notificação da liquidação com o código de barras correspondente ao registo postal tendo o Tribunal a quo entendido aqueles documentos não fazerem fé em juízo.
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Os Executados responderam à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 84 a 89 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela procedência do presente recurso contencioso, a saber:
“…
Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata orientação jurisprudencial que proclama (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º98/2012 e, no direito comparado, acórdão do STA no Processo n.º039125): A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589º, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento.
Em esteira, e tendo em conta as conclusões inseridas nas alegações de fls.78 a 81 dos autos, basta-nos indagar se a douta sentença em causa enfermar do erro arrogado pela entidade exequenda? Ou seja, se a DSF provar que tenha efectivado a notificação da liquidação?
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Salvo elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a presunção juris tantum consagrada no n.º3 do art.2º do D.L. n.º16/84/M tem como pressuposto fundamental que a DSF há efectivamente entregado as notificações ou avisos aos serviços postais, e que de tais notificações ou avisos consta o endereço indicado por contribuinte na declaração por si apresentada no âmbito do respectivo imposto ou contribuição.
De outro lado, subscrevemos sossegadamente a brilhante jurisprudência no sentido de que (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º527/2006 e n.º587/2017): O ónus da prova da notificação do contribuinte para pagamento voluntário do imposto que lhe foi liquidado cabe à Fazendo Pública; se a exequente não cumpriu o ónus de prova, comprovando que efectivamente procedeu à notificação da liquidação adicional do imposto do selo, não pode executar as obrigações fiscais coactivamente, muito menos lançar mão de cobrança coerciva com juros de mora de 3% sobre a dívida fiscal.
Ora bem, nos mesmos arestos se lê ainda a sagaz inculca, segundo a qual não basta a junção aos autos de meros “registos informáticos” donde conste que foi o contribuinte notificado, com efeito “Os “prints” (folhas impressas), extraídos da base de dados interna da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), que documentam que, em data X, foi feita notificação da liquidação adicional, provam apenas que funcionários da repartição oficial processaram tal informação no registo informatizado, já não provam que foram efectivamente praticados actos notificativos, nomeadamente actos de remessa efectiva de cartas, com vista a levar ao conhecimento do seu destinatário da respectiva liquidação adicional oficiosamente feita.”
Voltando ao caso sub judice, salvo elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o documento de fls.63 dos autos não pode ser equacionado na categoria de “registo informático interno”, dado que o mesmo documento consta do n.ºRR000243081MO(2012) e este nº é, sem dúvida, distribuído pela Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações à carta registada com aviso de recepção.
O que nos aconselha a entender que o documento de fls.63 dos autos é suficientemente capaz de comprovar que os serviços postais expediu a carta registada sob o n.ºRR000243081MO(2012) ao pessoa e endereço indicados na Declaração do Imposto de Selo apresentada em 17/11/2012 pelos executados e ora recorridos (cfr. doc. de fls.63 dos autos).
Assim que seja, e visto que o documento de fls.63 dos autos consta o dia de 11/12/2012 como data da recepção da sobredita carta registada pelo seu destinatário, parece-nos que se verifica in casu o pressuposto de que depende a presunção prevista no n.º3 do art.2º do D.L. n.º16/84/M, por isso, a douta sentença em escrutínio se mostra errada, e ao presente recurso jurisdicional assiste a razão.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do recurso jurisdicional em apreço.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. Em 15/02/2013, foi emitida a certidão de relaxe n.º 2013-08-900113 da quantia exequenda proveniente de imposto de selo por transmissão de bens do ano de 2012, no valor de MOP387,159.00 (vide. fls. 2 do processo n.º 2013-08-900113).
2. Em 08/03/2013, foi autuado o processo executivo n.º 2013-08-900113.
3. Em 03/10/2017, foi o executado A citado para pagar a quantia exequenda no valor de MOP387,159.00, a que acresce selo de verba, juros de mora à taxa de 1% por mês, 3% de dívidas e receitas do cofre (vide fls. 7 do processo n.º 2013-08-900113).
4. Em 10/10/2017, foi deduzido o embargo perante a R.E.F. (cfr. fls. 3 dos autos).
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III – Fundamentação
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a posição da sentença recorrida no sentido de que a Entidade Exequente não fez prova da efectiva expedição da carta registada para notificação da liquidação oficiosa que originou a dívida exequenda.
O documento de fls. 62 dos autos consiste numa notificação da liquidação oficiosa, datada de 19/12/2012, dirigida ao endereço indicado pelos executados na declaração M/1 apresentada em 17/12/2012 (fls. 61 dos autos) e contém um código de barras com o seguinte número: RR 000243339MO.
Segundo a experiência da vida comum, tal número corresponde ao número do correio atribuído à carta registada expedida.
Ou seja, caso a Entidade Exequente não tivesse submetido tal carta de notificação aos Correios, não teria aquele número de correio.
Nesta conformidade e uma vez que não foi suscitada a falsidade do documento, entendemos que o documento em causa deve ser atendido como prova da expedição da carta de notificação.
Não ignoramos que se encontra no registo informático interno da DSF (fls. 63 dos autos) um número de correio diferente (RR 000243081MO), mas tal facto não afasta a credibilidade do documento de fls. 62, visto que o registo informático interno pode dizer respeito a uma outra carta registada expedida datada de 06/12/2012.
Repare-se, o registo informático interno constante de fls. 63 foi objecto de impresso em 18/12/2012, às 14:25:51 (vide canto superior direito do documento), daí que é natural não constar a carta registada de notificação datada de 19/12/2012.
Tratam-se, salvo erro, de duas cartas registadas diferentes.
Face ao expendido, o presente recurso jurisdicional não deixará de se julgar provido.
Os Executados alegaram outros fundamentos para embargar a execução, os quais não foram objecto de apreciação por ter sido considerado prejudicado o seu conhecimento face à procedência do argumento da inexigibilidade da dívida exequenda.
Ora, com o provimento do presente recurso jurisdicional e tendo em conta a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, há que fazer baixar os autos para o Tribunal a quo conhecer os demais fundamentos dos embargos.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e determinando a baixa dos autos para o Tribunal a quo conhecer os restantes fundamentos alegados para os embargos à execução.
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Custas pela parte vencida no final.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Abril de 2020.
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
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910/2018