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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 29/04/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 206/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente:
1.o arguido A





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 273 a 281 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-19-0312-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos, p. e p. sobretudo pelos art.os 14.o, 13.o e 15.o da Lei n.o 8/96/M, na pena de dois anos e nove meses de prisão (suspensa na execução por dois anos, sob condição de prestar, dentro de três meses, dez mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau) e na sanção de interdição, por dois anos, de entrada nos casinos.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na sua motivação de fls. 288v a 291v dos presentes autos correspondentes, que a decisão condenatória violou o princípio de in dubio pro reo, rogando, pois, a sua absolvição, ou, pelo menos, o reenvio do processo para novo julgamento.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 294 a 299 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 308 a 309, opinando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 273 a 281, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Da análise da argumentação tecida pelo 1.o arguido na sua motivação do recurso, resulta nítido que ele está a fazer sindicar materialmente da livre convicção do Tribunal recorrido sobre os factos por que ele vinha acusado.
Assim, é de ajuizar se o Tribunal recorrido errou ou não na apreciação da prova.
Há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto. Aliás, esse Tribunal expôs congruentemente as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos – cfr. o teor da mesma fundamentação probatória (concretamente, a partir do último parágrafo da página 11 do texto do aresto recorrido, até ao terceiro parágrafo da página seguinte) no referente à análise crítica das provas dos autos quanto à prática dos factos pelo arguido ora recorrente, depois de estar sumariado, a partir do penúltimo parágrafo da página 8 do mesmo texto, o conteúdo de diversos elementos probatórios.
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, é de julgar o mérito da causa penal em questão conforme a factualidade dada por assente no texto do acórdão recorrido.
Essa matéria de facto provada em primeira instância basta efectivamente para levar à condenação penal do recorrente em sede do crime por que vinha condenado.
Com efeito, o singelo fornecimento de dinheiro ou fichas de jogo a outrem para jogar não conduz à incriminação a nível do tipo-de-ilícito fundamental de usura de jogos.
Só que no caso, tal matéria de facto provada demonstrou que não se tratou de um simples fornecimento de fichas de jogo para jogar, mas sim um autêntico empréstimo de fichas de jogo para jogar em casino, com cobrança de juros (cfr. mormente os factos provados 3, 4 e 6), o que preenche cabalmente o tipo legal fundamental da conduta de usura para jogo, descrito no art.o 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, nos seguintes termos:
– <>.
Em suma, os juros constituem “benefício patrimonial” postulado nesta norma incriminatória penal.
Há que rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 29 de Abril de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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