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Processo no 983/2019-II
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
Data: 29.04.2020



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

I - RELATÓRIO

Por acórdão deste Tribunal de Segunda Instância prolatado em 28.11.2019, decidiu-se negar provimento ao recurso interposto por A.(cfr. fls.200 a 213v.)
Notificado da supra referida decisão, veio o dito recorrente arguir a nulidade do douto acórdão com o fundamento de “omissão de pronúncia”.
Por acórdão proferido deste Colectivo ad quem em 16.12.2019, decidiu-se desatender a arguida nulidade, confirmando-se o acórdão proferido.
Notificado do assim decidido, veio o arguido recorrente pedir o esclarecimento desse acórdão, nos seguintes termos essencialmente postos no respectivo requerimento:
-<<[…]
1. Interpôs o ora expoente recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base que o condenou na pena de 5 meses de prisão efectiva pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e ainda na pena acessória de inibição de condução pelo período de 9 meses.
2. Defendeu o ora expoente que a mesma sentença era nula por excesso de pronúncia e por se mostrar ilegal por terem sido tomadas em consideração, na graduação da pena de prisão que lhe foi aplicada, duas condenações anteriores (nos processos nos CR3-19-0038-PSM e CR3-19-0038-PSM) que já estavam cobertas pela reabilitação de direito que é de cerificação automática (vide conclusões 2ª e a 11ª do mesmo recurso).
3. Defendeu ainda o ora expoente que a mesma sentença comportava um erro na matéria de direito ao não ter determinado a suspensão da execução da referida pena de prisão, acompanhado de um regime e prova nos termos devidamente explicitados no mesmo recurso (vide conclusões 12ª a 29ª).
4. Decidiu esse Venerando Tribunal considerar improcedente o mesmo recuso embora não se tendo pronunciado efectivamente sobre o mérito (ou desmérito) da 1ª questão acima suscitada quanto à valoração daqueles antecedentes criminais na graduação da pena em causa.
5. Na sequência da reclamação apresentada pelo ora expoente, veio esse Tribunal considera que era inútil apreciar a 1ª questão acima identificada porquanto, independentemente da resposta que a mesma merecesse, improcedente seria sempre a pretendida suspensão da pena.
6. Dizem V. Exas. a este respeito, em tom interrogativo, que “De que valia elaborar sobre a “reclamada reabilitação” se, independente da resposta que a mesma merecesse, improcedente teria de ser a pretendida suspensão da execução pena?”
7. Acrescentando ainda no mesmo sentido que “ (…),qual a utilidade de se decidir da “reclamada reabilitação” se, em virtude de uma outra recente condenação do ora requerente, se impunha um solução no sentido de se confirmar a decisão recorrida (no que toca à pretendida suspensão da execução da pena decretada ? “
8. Ora, a fundamentação da decisão perfilhada por esse Tribunal que vem retratada, ao fim ao cabo, naquelas duas citações do mesmo acórdão, não se mostra, salvo o devido respeito, minimamente clara e compreensível, sendo manifestamente obscura e ambígua.
9. É que, com é fácil de concluir, as duas questões suscitadas no recurso apresentado pelo ora expoente são completamente autónomas e independentes, não cabendo aqui estabelecer uma relação de prejudicialidade entre elas no sentido de que, se a 2ª questão trem de improceder, então é total mente inútil apreciar a primeira…
10. Na verdade, a primeira questão refere-se ao facto do Tribunal ao quo, na perspectiva do expoente (e do próprio representante do MP desse Tribunal), ter dado como provado e valorado para efeitos de determinação da pena duas condenações anteriores que, em bom rigor, já se encontram extintas no plano jurídico, pelo que não poderia resultar das mesmas quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena (vide neste sentido, entre muitas outra decisões dos tribunais em Portugal, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2017, Processo n.o1/15.4GAOAZ.P1, que pode ser consultado em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/BCEC351354EC4487802581CC003F00F2).
11. A primeira questão invocada pelo recorrente diz assim respeito ao facto de o tribunal a quo ter valorado dois antecedentes criminais que não deveriam ser considerados de modo algum, por ter decorrido o prazo legal (no caso 5 anos) sobre a extinção das referidas penas.
12. Impunha-se, pois, considerar nula a sentença proferida pelo TJB e proceder a uma nova graduação da pena, segundo os diversos critérios definidos no artigo 65º do CP..
13. Ressalvando-se aqui que, na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, puderem depor a favor do agente ou contra ele, designadamente, e quanto a este último aspecto, a conduta anterior do agente quanto ao facto criminoso em causa (artigo 65º, no 2, al. e) 1ª parte daquele código.
14. Seria assim sempre possível que a pena a aplicar ao arguido pudesse ser revista, naturalmente para baixo, considerado que, no conjunto das circunstâncias a que alude o artigo 65º do CP., estariam já expurgadas aquelas duas condenações anteriores.
15. Não sendo assim inútil e, muito menos, ilícito(!) que o Tribunal estabelecesse uma nova graduação da pena que poderia conduzir, ainda que no plano teórico, à determinação de uma menos gravosa para o ora expoente.
16. Ora outra coisa totalmente distinta é a questão da suspensão da execução da pena que viesse a ser aplicada ao ora expoente e cuja tomada de decisão se opera a posteriori, ou seja após a fixação da medida da pena.
17. Mesmo que o Tribunal decidisse em momento posterior não suspender a execução da pena que lhe viesse a ser aplicada, isso não significaria, obviamente, que fosse dispensável a apreciação da primeira questão que, com se viu, teria obrigatoriamente que conduzir à nulidade da sentença e, consequentemente, a que fosse efectuada uma nova graduação da pena, quiçá menos gravosa, porquanto já expurgada daquelas duas condenações anteriores.
18. Por fim cabe dizer que as sentenças penais também são susceptíveis de erro, obscuridade ou ambiguidade e, nesse caso oficiosamente ou a requerimento não só podem como devem ser corrigidas.
Temos em que requer a V. Exas. se dignem aclarar o douto acórdão atendendo às dúvidas e questões supra suscitadas, ao abrigo do disposto nos artigos 572º al. a) e 633º, no1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 4º do CPP.
- […]>>
*
  Sobre esse pedido de esclarecimento, pugnou o Digno Procurador-Adjunto pelo indeferimento do mesmo.
  Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
  II – DOS ELEMENTOS PERTINENTES À DECISÃO
  
  Com pertinência à decisão do pedido de esclarecimento sub judice, é de transcrever aqui o seguinte conteúdo do acórdão de 16.12.2019 em causa:
<<[…]

Relatório
1. Por acórdão deste T.S.I. de 28.11.2019, decidiu-se negar provimento ao recurso pelo arguido A, trazido a esta Instância; (cfr., fls. 200 a 213-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Notificado do assim decidido, veio o dito recorrente apresentar expediente com o teor seguinte:

“A, recorrente nos autos supra identificados, tendo sido notificado do acórdão proferido por esse tribunal em 28 de Novembro de 2019, estando em tempo, vem dele interpor reclamação para sede de conferência desse Tribunal porquanto a mesma decisão é nula por omissão de pronuncia, nos termos do disposto no artigo 571º, n.ºs 1, al. d), e 3, e no artigo 633º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), regime esse aplicável aos presentes autos por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal (CPP), nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Interpôs o recorrente recurso para esse Tribunal da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base que condenou, em julgamento sumário, o arguido A, ora recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez p.p. pelo art.º 90.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 5 meses de prisão efectiva, e ainda na pena acessória de inibição de condução pelo período de 9 meses.
2. No seu recurso, o recorrente defendeu que a referida sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância:
i) era nula por excesso de pronúncia e por se mostrar ilegal por terem sido tomadas em consideração na graduação da pena duas condenações anteriores (nos processos n.ºs CR3-19-0038-PSM e CR3-19-0038-PSM) que já estavam cobertas pela reabilitação de direito que é de verificação automática (vide conclusões 2ª a 11ª do mesmo recurso); e que
ii) encerrava um erro na matéria de direito ao não ter determinado a suspensão da execução da referida pena, acompanhado de um regime de prova nos termos devidamente explicitados (vide conclusões 12ª a 29ª).
3. Em suma, o recurso assentou naquelas duas questões concretas que constitui o seu objecto.
4. Cumpre frisar que o ilustre Procurador Adjunto desse Tribunal entendeu que a valoração das duas condenações anteriores na graduação da pena e na escolha do seu modo de execução não dá lugar à nulidade por excesso de pronúncia mas a violação da lei, ficando prejudicada na sua perspectiva a apreciação da arrogada aplicação do regime de suspensão da execução da pena e pugnando o mesmo pela procedência do mesmo recurso.
5. Por sua vez, o Tribunal de Segunda Instância reconheceu as duas questões concretas que lhe foram colocadas para decidir, i.e., no que toca ao alegado excesso de pronuncia e ilegalidade acima mencionados e quanto à questão da não aplicação do regime de suspensão da execução da pena que foi aplicada ao recorrente.
6. Só que quando começou a debruçar-se sobre o mérito do recurso em sede de fundamentação, vem o mesmo Tribunal contradizer-se em absoluto, alegando que o único objectivo do recurso, em face-da motivação e conclusões do mesmo, seria a alteração do segmento decisório no sentido de ser decretada a suspensão da execução da pena.
7. E o certo é que o Tribunal de Segunda Instância apenas apreciou e decidiu esta questão, omitindo totalmente a questão jurídica suscitada pelo recorrente relacionada com o facto do Tribunal Judicial de Base ter valorado aquelas duas condenações anteriores quando não o podia ter feito.
8. Sendo que esta questão merecia e tinha que ser analisada e decidida porquanto, na perspectiva do recorrente, estamos perante um excesso de pronúncia e uma clara ilegalidade cometidas pelo Tribunal de 1ª instância que consubstancia uma nulidade prevista na al. d) (2ª parte) do n.º 1 do artigo 571º do CPC, aplicável por força do artigo 4º do CPP.
9. Sucede que o Tribunal de Segunda de Segunda Instância quanto a esta questão prévia não escreve uma linha, uma frase, uma consideração que seja.
10. Em suma, o Tribunal ignorou, pura e simplesmente, a questão jurídica acima referida que tinha que ser apreciada por se mostrar essencial ao desfecho do presente processo.
11. Reza o artigo 571º, nº 1, al. d), do CPC que é nula a sentença «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …», regime esse aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por via do nº 1 do artigo 633º do mesmo Código, sendo que essas disposições normativas são aplicáveis ao caso sub judice por força do disposto no artigo 4º do CPP.
12. A omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe sejam conhecidas, quer sejam de conhecimento oficioso, quer sejam as que foram colocadas à apreciação do tribunal pelos respectivos sujeitos processuais.
13. Assim, a omissão de pronúncia equivale ao não conhecimento de questões, no fundo, significa o silêncio absoluto sobre questão que o tribunal devia conhecer.
14. A “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 571º, nº 1, alínea d) do CPC – a nulidade da sentença – incide assim, no caso sub judice, sobre o objecto do recurso que se prende com a valoração de duas condenações anteriores nos termos supra explicitados que foi submetido à cognição desse Tribunal e que o mesmo Tribunal não se pronunciou.
15. A omissão de pronúncia é, por conseguinte, um vício da decisão que se consubstancia na violação pelo julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo, in casu, quando o Tribunal deixou de se pronunciar sobre aquela questão solicitada pelo recorrente que a lei impunha que conhecesse – artigo 571º, nº 1, al. d), primeira parte, do CPC, sendo certo que essa questão constitui o dissídio ou o problema concreto a decidir e que não foi decidido.
16. Ora, a sentença proferida por V. Exas. é, como se sabe, irrecorrível (v., artigo 390º, alíneas f) e g), do CPP).
17. Pelo que a nulidade da omissão da pronúncia que se imputa ao acórdão desse Tribunal só pode ser arguida perante esse Tribunal, nos termos do artigo 571º, nº 3 do CPC, devendo ser apreciada e decidida por esse Tribunal em conferência tal como prescreve o artigo 633º, nº 2 do mesmo Código, sendo estas disposições normativas, como se disse, aplicáveis ao caso sub judice por força do disposto no artigo 4º do CPP”; (cfr., fls. 218 a 221 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Respondendo, diz o Ministério Público o que segue:

“O magistrado do M.º P.º junto desse Venerando Tribunal vem, relativamente à Arguição da Nulidade, aduzida pelo recorrente A, do douto Acórdão (cfr. fls.200 a 213v. dos autos), apresentar a sua RESPOSTA nos termos e com os fundamentos seguintes:
Em sede da Arguição da Nulidade, o arguido invocou a omissão de pronúncia e as disposições na alínea d) do nº1 e n.º3 do art.571º bem como nos nº1 e n.º2 do art.633º do CPC, aplicáveis ao caso sub judice por força do disposto no art.4º do CPP, argumentando que o Venerando TSI ignorou, pura e simplesmente, um excesso de pronúncia e uma clara ilegalidade cometidas pelo Tribunal da 1ª Instância,
Note-se que na Motivação do recurso (cfr. fls.51 a 66 dos autos), o arguido requereu a revogação da sentença recorrida no sentido de ser declarada nula a mesma e ser aplicado o regime de suspensão da execução da pena de prisão aí aplicada, fixando o período da suspensão de dois anos.
Bem, o pedido formulado na referida Motivação aconselha-nos a sufragar a conclusão extraída no Acórdão em escrutínio, no sentido de que o único objectivo do recurso dirigido ao Venerando TSI prende com a aplicação da suspensão da execução da pena (principal) de cinco meses de prisão efectiva imposta pelo Tribunal da 1ª Instância,
Ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, parece-nos que o “excesso de pronúncia” eiva da errada qualificação (devendo a exacta ser o erro de direito), e em bom rigor, o assacado “excesso de pronúncia” não constitui questão a resolver, mas sim um fundamento do pedido,
E para os devidos efeitos, importa ter presente que no Acórdão em questão, o Venerando TSI afirmou propositadamente que «Porém, o certo é que independentemente do que se possa vir a entender em relação às suas já referidas “anteriores condenações cuja reabilitação o recorrente reclama”, (e, havendo assim que se atentar na verdadeira questão a apreciar), afigura-se-nos totalmente inviável a pretendida suspensão da execução da pena.»
A passagem acima citada patenteia que o Venerando TSI não se olvidou ou esqueceu do “excesso de pronúncia” arrogado pelo arguido no supramencionado recurso, mas considerou que fosse como seria, tal “excesso” não teria a mínima virtude para abonar a pretendida suspensão da execução da pena, portanto, é inoperante para os efeitos pretendidos.
Nesta ordem de raciocínio, e pese embora mantenhamos a modesta opinião constante do nosso parecer (vide. fls.187 a 188 dos autos), não podemos deixar de colher que o douto Acórdão in quaestio não enferma da omissão de pronúncia assacada pelo arguido, portanto não é nula”; (cfr., fls. 223 a 224).

*

Tendo presente o estatuído no n.° 3 do art. 671° do C.P.C.M., (aqui aplicável por força do art. 4° do C.P.P.M.), sem mais demoras se passa a decidir.

Fundamentação

2. Tem o acórdão agora em questão o teor seguinte:

“Relatório

1. Por sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR5-19-0044-PSM, decidiu-se condenar A, arguido com os restantes sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 5 meses de prisão, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses; (cfr., fls. 34 a 37 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Em sede da sua motivação, produziu as conclusões seguintes:

“ 1ª
O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal recorrido que condenou, em julgamento sumário, o arguido A, ora recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, por um crime de condução em estado de embriaguez p.p. pelo art.º 90.º, n.º 1 da lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 5 meses de prisão efectiva, e ainda na pena acessória de inibição de condução pelo período de 9 meses.

A decisão judicial acima descrita não colhe a aquiescência do ora recorrente, pugnando o recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por um lado, é nula por excesso de pronúncia e, por outro lado, encerra um erro na matéria de direito ao não ter determinado a suspensão da execução da referida pena, acompanhado de um regime de prova nos termos infra explicitados.

O Tribunal a quo considerou provados os factos referentes ao certificado do registo criminal, entre os quais os factos respeitantes às decisões judiciais de 2010 e 2011 a que o recorrente foi condenado, respectivamente, no âmbito dos Processos n.ºs CR3-10-0092-PSM e CR4-11-0002-PSM cujos termos correram no Tribunal Judicial de Base.

Ora, o Tribunal recorrido não poderia ter atendido as referidas decisões condenatórias de 2010 e 2011 na determinação da pena a aplicar ao ora recorrente que, em bom rigor, se reportam a antecedentes criminais do recorrente e que foram valorados contra este pelo mesmo Tribunal, apesar de já não deverem, por imposição legal, constar do respectivo certificado criminal.

A lei fixa os prazos durante os quais a informação sobre uma decisão criminal permanece no registo que pode ser de 10 ou de 5 anos, conforme os casos, partindo do principio de que a regeneração do condenado se solidifica findos os períodos acima referidos.

O registo criminal é o resumo histórico de antecedentes criminais (ou a informação da ausência desse registo) relativamente a determinada pessoa.

No entanto, este registo não é eterno, sendo que, no caso sub judice, as penas a que correspondem os Processos n.ºs CR3-10-0092-PSM e CR4-11-0002-PSM já deveriam ter sido eliminadas do respectivo registo criminal muito antes da data em que ocorreu o crime aqui em causa, i.e., 13 de Julho de 2019, por força da aplicação disposto no artigo 24º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, de 3 de Junho.

Ora, o Tribunal recorrido não poderia ter valorado essa informação no âmbito da decisão que tomou, designadamente em termos de determinação da pena a aplicar ao ora recorrente.

Assim, a utilização por parte do Tribunal a quo da informação que, de modo ilegal, ainda consta do certificado do registo criminal do recorrente, constituí uma violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 25.º da Lei Básica da Região Administrativa e Especial de Macau.
10ª
Acresce que o Tribunal recorrido ao ter tomado conhecimento e valorado os averbamentos acima identificados do registo criminal em causa (cfr. fls. 14, 27, 28, 29 e 30 dos autos), quando não podia ter tomado conhecimento dessa informação e, muito menos, valorado a mesma, incorreu num excesso de pronúncia e em clara ilegalidade, o que consubstancia uma nulidade da sentença, prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do CPP.
11ª
Nulidade essa que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais, com reflexos directos na determinação da pena (de 5 meses) que foi aplicada pelo Tribunal recorrido e que se mostra excessiva.
12ª
A segunda questão que o recorrente traz à superior apreciação desse Venerando Tribunal, e quiçá a mais importante, prende-se com a não aplicabilidade, ao presente caso, do instituto da suspensão da execução da pena que foi aplicada ao ora recorrente.
13ª
Nos termos do artigo 48° do CP, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 3 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo assim considerações preventivas, de prevenção geral e prevenção especial, que decidem sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão.
l4ª
Nos termos da referida norma do CP, a suspensão da execução da pena depende, antes de mais, de um pressuposto formal: a exigência de que a pena aplicada pelo tribunal seja em medida não superior a três anos, pressuposto esse que se verifica in casu porquanto o ora recorrente foi condenado a uma pena de 5 meses de prisão.
15ª
Sendo pacífico o entendimento de que o pressuposto material necessário à aplicação da suspensão da execução da pena é limitado por duas coordenadas: a salvaguarda das exigências mínimas do ordenamento jurídico (prevenção geral) e o afastamento do agente da criminalidade (prevenção especial).
16ª
No caso em apreço, conclui-se inquestionavelmente que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, acompanhado necessariamente de um regime de prova nos termos infra explicitados.
17ª
Na verdade, o tribunal recorrido poderia e deveria ter suspendido a execução da pena de prisão, atendendo à personalidade do arguido; ao facto de ter confessado de forma espontânea; ao facto de estar totalmente inserido do ponto de vista social, familiar e profissional, sendo que os seus pais dependem financeiramente de si; e sobretudo ao facto de se mostrar firmemente disponível em sujeitar-se a consultas de alcoologia e ao tratamento necessário da doença de que padece, tendo inclusivamente já iniciado esse processo no corrente mês de Setembro.
18ª
Acresce que o recorrente sofre desde Abril de 2019 de sintomas mistos de depressão e ansiedade e daí o problema clínico do consumo de álcool que lhe está associado, sendo que aquela doença denominada Transtorno Misto Ansioso e Depressivo (em inglês, Mixed Ansiety and Depressive Order) foi só agora diagnosticada ao recorrente, como resulta do Relatório Médico junto.
19ª
Resultando ainda do referido relatório médico que o recorrente está firmemente disponível em sujeitar-se ao tratamento necessário daquela doença de que padece e do problema associado de consumo de álcool de que também sofre, como se comprova pelo documento junto.
20ª
Ora, importa realçar que de todas as penas previstas no nosso ordenamento jurídico, a pena de prisão é, como se sabe, a pena mais estigmatizante e a menos pedagógica e a menos reintegradora, e por essa razão, ao longo dos anos, foi-se permitindo que outras penas a substituíssem.
21ª
No caso em apreço, o cumprimento efectivo da pena de prisão efectiva de 5 meses em que o recorrente foi condenado, seria como "cortar" as pernas a um cidadão inserido social, familiar e profissionalmente e marcar-lhe irremediavelmente a sua vida futura e os meses de prisão efectiva teriam certamente efeitos muito gravosos e inversos aos pretendidos à luz da lei penal, designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua reintegração na sociedade e sobretudo com a sua recuperação clínica, operando-se, daquela maneira, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do ora recorrente.
22ª
Atento ao supra exposto e à matéria de facto considerada provada acerca do comportamento do arguido, a pena de prisão que lhe foi aplicada deverá ser suspensa na sua execução por um período de 2 anos, suspensão essa que estaria dependente de um regime de prova consubstanciado no tratamento clínico da doença que sofre (Transtorno Misto Ansioso e Depressivo) e, bem assim, do consumo de álcool que lhe está associado.
23ª
O recorrente está integrado social, familiar e profissionalmente pelo que a suspensão da pena de prisão acompanhado daquele regime de prova deve ser vista como uma nova oportunidade, não esquecendo as repercussões nefastas que a aplicação de pena de prisão efectiva traria para o mesmo.
24ª
A suspensão da execução da pena de prisão apresenta-se assim como uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que serve para que o arguido continue o seu processo de reintegração na sociedade e sobretudo que prossiga e conclua o seu processo clínico de recuperação, sendo que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seria adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
25ª
Em suma, ponderados todos os factores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido poderia ficar subordinada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta previstas nos artigos 50º e 51º do CP, o que seria mais do que o suficiente para se poder alcançar o desiderato pretendido, merecendo o Recorrente que lhe seja concedida uma última oportunidade para que possa continuar o seu processo de integração na sociedade e o seu processo clínico de tratamento.
26ª
Observando-se todas as anteriores condenações, podemos claramente constatar que nenhuma pena de prisão que foi aplicada ao arguido ficou suspensa na condição do mesmo submeter-se a um tratamento para o alcoolismo, nos termos delineados, por exemplo, pelo Instituto de Acção Social, ou seja, nunca sequer lhe foi imposta ou dada essa oportunidade.
27ª
Pelo que se requer a suspensão da execução da pena de prisão acompanhado daquele regime de prova consubstanciado no tratamento para a doença que sofre e para o alcoolismo, assegurando-se assim, de forma adequada e suficiente, as finalidades reeducativa e pedagógica da suspensão e contribuindo ainda para que o arguido se recupere clinicamente do ponto físico e mental.
28ª
Pelo exposto, o tribunal recorrido devia ter suspendido a pena de prisão em causa por um período de 2 anos, a qual deveria ser subordinada às regras de conduta supra mencionadas (submissão a um tratamento para a doença de que sofre e para o alcoolismo), ou outros deveres que o Tribunal assim o entendesse.
29ª
Não o tendo feito, o tribunal recorrido não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correcta e adequada do disposto nos artigos 48°, 50° e 51° do Código Penal, violando frontalmente esses citados preceitos legais”; (cfr., fls. 51 a 66).

*

Respondendo, diz o Ministério Público:

“1. O Recorrente entende que há nulidade da sentença recorrida por excesso da pronúncia por ter consideradas, as antecedentes criminais dos processos n.°s CR3-10-0092-PSM e CR4-11-0002-PSM que já deveriam ser automaticamente canceladas do registo criminal, porque as extinções das penas ocorreram há mais de 5 anos.
2. Salvo o devido respeito por opinião diversa, não assiste razão ao Recorrente.
3. Em primeiro lugar, chama-se a atenção para o regime de reabilitarão de direito, previsto no art. 24.° do Decreto-Lei n.° 27/96/M, circunscreve à publicidade conferida pelo registo criminal, mas não quer significar que, para efeito de determinação da medida da pena, o tribunal não possa atender as condenações criminais anteriores do Recorrente (ainda que canceladas no respectivo registo criminal) como dados das condições pessoais ou condutas anteriores do Recorrente.
4. Em segundo lugar, para que possa ser cancelado de um registo criminal, este tem que ser uma pena já declarada extinta.
5. A extinção da pena (quer de prisão quer de multa), não opera de direito, nem pode ser considerada extinta na data do seu integral cumprimento ou pagamento, devendo ser declarada pelo Tribunal, nos termos do art. 458° do Código de Processo Penal.
6. No caso presente, conforme as certidões extraídas dos processos n.°s CR3-10-0092-PSM e CR4-11-0002-PSM, desde então, não houve quaisquer decisões pelo Tribunal em que declara extinta a pena de multa, portanto, não sendo possível cancelar automaticamente os respectivos registos criminais tal como consta do citado artigo do Decreto-Lei n.° 27/96/M.
7. Em terceiro lugar, de acordo com o certificado de registo criminal, mostra duas condenações anteriores do Recorrente: a primeira ocorreu em 10 de Maio de 2010, no processo n.° CR3-10-0092-PSM. Foi em pena de multa e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. O Recorrente pagou a multa em 15 de Junho de 2010.
8. Só que, a segunda condenação ocorreu em 6 de Janeiro de 2011, no processo n.° CR4-11-0002-PSM. Foi em pena de multa e pela prática de um crime de condução durante o período de inibição de condução.
9. Tendo em conta que o Recorrente foi condenado outro crime no período de 5 anos subsequentes à anterior extinção, o que impede a aplicação de reabilitação de direito, mesmo que nos 5 anos subsequentes ao pagamento da multa da segunda condenação, o Recorrente não foi condenado nenhum outro crime.
10. Pelo exposto, o caso presente não se encontra preenchido todos os requisitos previstos no art. 24° do Decreto-Lei n.° 27/96/M.
11. Para além disso, o Recorrente entende que a pena de prisão efectiva aplicada é exagerada, devendo ser decretar a suspensão da execução da pena de dois anos.
12. Salvo o devido respeito por opinião diversa, não assiste razão ao Recorrente.
13. Em face do acima exposto, o Recorrente não podia ser considerado como delinquente primário, mas com antecedentes criminais.
14. O Recorrente voltou a conduzir em estado de embriaguez pouco tempo depois da data em que foi condenado pelo mesmo crime noutro processo (n.° CR3-19-0038-PSM), daí ser óbvio que tenha naufragado a pretensão das condenações anteriores de realizar as finalidades da punição mediante a ameaça de prisão, as quais, deste modo, seriam difíceis de concretizar caso não fosse aplicada a pena de prisão efectiva.
15. Pelo exposto, entende-se que a suspensão da pena não se aplica ao Recorrente.
16. Nesse termos e nos demais de direito, deve Vossas Excelências Venerandos Juízes julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente”; (cfr., fls. 92 a 96).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.51 a 66 dos autos, o arguido recorrente pediu a declaração da nulidade, por excesso de pronúncia e por se mostrar ilegal, da sentença em escrutínio (cfr. fls.34 a 37 dos autos), e a aplicação do regime da suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão que lhe fora aplicada pela MMª Juiz a quo nessa sentença.
*
Ora, o registo criminal constata que o recorrente foi condenado nos Processos n.ºCR3-10-0092-PSM e n.ºCR4-11-0002-PSM (docs. de fls.27 a 30 dos autos, que se dão aqui por integralmente produzidos), e não há qualquer dúvida de que antes de ele ser detido em 14/07/2019 (vide. fls.1 dos autos), já se verificara a irreversível expiração do prazo de cinco anos contado desde a extinção das penas condenadas nesses dois antecedentes criminais.
Nestes termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do no n.º1 do art.24.º do D.L. n.º27/96/M na redacção dada pelo D.L. n.º87/99/M, podemos colher que tais antecedentes criminais estão cobertos pela reabilitação de direito que é da verificação automática, sem carece da declaração ou reconhecimento por tribunal ou órgão administrativo, e determina o cancelamento definitivo no registo criminal (art.23º, n.º1, a) do D.L. n.º27/96/M).
Na sentença in quaestio, a MMª Juiz a quo mencionou: “在具體的量刑上,嫌犯本次犯罪後果為中,故意程度高,行為不法性中等,行為的可讉責性為中等。嫌犯非為初犯,曾觸犯「醉酒駕駛罪」及「加重違令罪」而被判刑,目前尚因觸犯一項「醉酒駕駛罪」而被判刑,有關判刑尚未轉為確定。考慮到嫌犯曾數次觸犯犯罪,而本次犯罪更發生於第CR3-19-0038-PSM號卷宗判決尚未轉為確定期間,並且同樣是觸犯「醉酒駕駛罪」,因此,本法院認為對嫌犯觸犯的一項「醉酒駕駛罪」判處五個月徒刑為合適。” (sublinhas nossas)
E também se lê “考慮到嫌犯之人格、生活狀況、犯罪前後之行為及犯罪之情節,尤其是嫌犯已有刑事紀錄,在CR3-19-0038-PSM號卷宗判決等待轉為確定期間再次故意觸犯本案的「醉酒駕駛罪」,本院認為僅對事實作讉責並以監禁作威嚇不可適當及不足以實現處罰之目的,故上述徒刑不予暫緩執行。” (sublinha nossa)
O que revela, sem mínima dúvida, que ao graduar a pena concreta e fazer escolha de entre os dois modos de execução da pena – efectiva ou suspensiva, a MMª Juiz a quo tomou em consideração os dois antecedentes criminais cobertos pela reabilitação de direito.
Quid juris?
Proclama a brilhante doutrina (Figueiredo Dias: Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do crime, Coimbra 2009, pp.653 a 654): Tomada numa acepção técnico-jurídica, a reabilitação constitui a sucessora da restitutio in integrum do direito romano e, assim o mecanismo atrás vez do qual o ex-condenado é recolocado na situação jurídica anterior à sentença. Na prática, ela traduz-se extinção (total ou parcial) das interdições e incapacidades que, a título de efeitos das penas ou de penas acessórias, decorrerem da condenação para depois do cumprimento da sanção principal.
Para os devidos efeitos, importa ter presente a iluminativa jurisprudência inculcando (a título do direito comparado, cfr. aresto do STA no Processo n.º046948 de 10/11/1995): “Não podem ser consideradas na graduação da pena condenações anteriores que não constem do certificado do registo criminal do arguido, ainda que confessadas por ele, desde que ocorridas em circunstâncias de ser de presumir que tenha havido reabilitação de direito, …”.
Em esteira, e salvo o elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que a valoração dos referidos dois antecedentes pela MMª Juiz a quo ao graduar a pena e escolher o modo de execução não dá lugar à nulidade por excesso de pronúncia, mas sim à violação de lei. E na nossa óptica, esta violação de lei prejudica a apreciação da arrogada aplicação do regime de suspensão da execução ao caso sub judice.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 187 a 188).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 34 a 34-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 5 meses de prisão, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses.

Afirma – em síntese – que incorreu o Tribunal a quo em “excesso de pronúncia” e “errada aplicação de direito”, pedindo, a final, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que decrete a suspensão da execução da dita pena (principal) de 5 meses de prisão que lhe foi aplicada.

No que toca ao alegado “excesso de pronúncia”, diz o recorrente que o Tribunal a quo valorou indevidamente as condenações que antes tinha sofrido no âmbito dos Processos n°s CR3-10-0092-PSM e CR4-11-0002-PSM, em relação às quais se deve considerar “reabilitado” por aplicação do preceituado no art. 24° do D.L. n.° 27/96/M de 03.07.

E em relação ao assacado “erro na aplicação do direito”, diz – essencialmente – que “não foi feita a aplicação mais correcta e adequada do disposto no art. 48° do C.P.M.”.

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Pois bem, da análise aos presentes autos, em especial, da sentença recorrida, da reflexão que sobre as “questões” colocadas nos foi possível efectuar e sem prejuízo do muito respeito por entendimento diverso, cremos que imperativa se apresenta a confirmação da decisão recorrida.

Passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista, (notando-se, desde já, que a este T.S.I., e em sede do presente recurso, não cabe emitir pronúncia sobre “matéria de facto nova”, não oportunamente alegada, investigada e apreciada pelo T.J.B.).

Vejamos.

Colhe-se do pelo recorrente alegado na sua motivação e conclusões de recurso, que este tem como – único – objectivo a alteração do segmento decisório que considerou inverificados os pressupostos legais para que se lhe fosse decretada a “suspensão da execução” da pena (principal) aplicada.

Porém, o certo é que independentemente do que se possa vir a entender em relação às suas já referidas “anteriores condenações cuja reabilitação o recorrente reclama”, (e, havendo assim que se atentar na verdadeira questão a apreciar), afigura-se-nos totalmente inviável a pretendida suspensão da execução da pena.

Ora, nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre esta matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019 e de 10.10.2019, Proc. n.° 683/2019).

E como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 28.02.2019, Proc. n.° 61/2019 e de 31.10.2019, Proc. n.° 946/2019).

Perante o que se deixou consignado, que se nos afigura adequado e de manter, inviável é pois uma decisão favorável à pretensão apresentada.

De facto, o arguido, ora recorrente, foi condenado, (em audiência presencial), por idêntico crime em 21.06.2019, (Proc. n.° CR3-19-0038-PSM), e, não obstante assim ter sucedido, em menos de 1 mês, (e em pleno período de suspensão da execução da pena em que foi condenado e inibido de conduzir), incorre, (novamente), na prática do crime dos autos, voltando a ser surpreendido a conduzir com uma taxa de álcool “proibida”, evidentes sendo assim que muito fortes são as necessidades de prevenção especial e geral, (conhecidas que são as consequências da sinistralidade rodoviária, tantas vezes ocorrida em consequência do exercício da condução por “motoristas alcoolizados”), e que, (desta forma), afastam, in totum, a possibilidade de se poder dar por verificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M. para efeitos da pretendida suspensão da execução da pena.

Na verdade, revela assim o arguido uma total ausência de vontade de aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas e de se corrigir, levando uma vida em conformidade com as normas de convivência social, o que compromete, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena.

Como igualmente temos vindo a considerar, devem-se “evitar penas de prisão de curta duração”.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.03.2018, Proc. n.° 119/2018 e de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019).

Como também considerava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

Com efeito, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (adequada se mostrando pois uma mais intensa reafirmação social da validade das normas jurídicas violadas); (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12 e da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15, podendo-se também ver o recente Ac. da Rel. de Coimbra de 22.05.2019, Proc. n.° 55/17, onde se considerou que “A suspensão da execução da pena de prisão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico. E – assim – que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos”).

Dest’arte, (e notando-se também que, em bom rigor, é – exactamente – a condenação no âmbito do aludido Proc. n.° CR3-19-0038-PSM, o verdadeiro motivo da não suspensão da decretada pena; cfr., fls. 36), impõe-se a decisão que segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 200 a 213-v).

3. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, pelo recorrente, ora requerente, vem arguida a nulidade do acórdão por este T.S.I. proferido e que se deixou transcrito, (com o qual se decidiu negar provimento ao recurso que para esta Instância interpôs).

Como se pode ver do agora alegado, diz que:

“No seu recurso, o recorrente defendeu que a referida sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância:
i) era nula por excesso de pronúncia e por se mostrar ilegal por terem sido tomadas em consideração na graduação da pena duas condenações anteriores (nos processos n.ºs CR3-19-0038-PSM e CR3-19-0038-PSM) que já estavam cobertas pela reabilitação de direito que é de verificação automática (vide conclusões 2ª a 11ª do mesmo recurso); e que
ii) encerrava um erro na matéria de direito ao não ter determinado a suspensão da execução da referida pena, acompanhado de um regime de prova nos termos devidamente explicitados (vide conclusões 12ª a 29ª)”; (cfr., ponto 2 do expediente apresentado), e considerando que este T.S.I. omitiu pronúncia sobre a “primeira” das ditas questões, é de opinião que se incorreu em nulidade por “omissão de pronúncia”.

Vejamos.

No caso dos autos, e como se deixou consignado no veredicto cuja nulidade vem arguida, entendeu este Colectivo que com o recurso para este T.S.I. trazido, almejava o recorrente, ora requerente, a alteração da decisão recorrida no que toca ao segmento decisório que lhe negou a “suspensão da execução da pena” de 5 meses de prisão decretada, imputando à decisão do Tribunal a quo os vícios de:
- “excesso de pronúncia”, por ter considerado (indevidamente) duas suas anteriores condenações em relação às quais estava “reabilitado”; e de,
- “errada aplicação do direito”, mais concretamente, do art. 48° do C.P.M..

E, como salienta o Ilustre Procurador Adjunto na sua Resposta, entendeu este Tribunal que “Porém, o certo é que independentemente do que se possa vir a entender em relação às suas já referidas “anteriores condenações cuja reabilitação o recorrente reclama”, (e, havendo assim que se atentar na verdadeira questão a apreciar), afigura-se-nos totalmente inviável a pretendida suspensão da execução da pena”, isto, dado que tinha o ora requerente uma outra condenação, decretada em 21.06.2019, (no âmbito do Proc n.° CR3-19-0038-PSM), por idêntico crime de “condução em estado de embriaguez”.

Nesta conformidade, e sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, não vislumbramos a agora arguida “nulidade por omissão de pronúncia”.

É verdade que nos termos do art. 563°, n.° 2 do C.P.C.M., (aqui aplicável por força do art. 4° do C.P.P.M.):

“(…)
2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
(…)”.

E, por sua vez, prescreve o n.° 1, al. d) do art. 571° do mesmo C.P.C.M. que:

“1. É nula a sentença:
(…)
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

Comentando a imputada nulidade por “omissão de pronúncia”, (cfr., n.° 1, al. d), primeira parte), considera J. Lebre de Freitas que:

“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado”, (cfr., in “C.P.C. Anotado”, vol. 2, pág. 670), advertindo, porém que “Tal não significa, porém, que a sentença se posicione como obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual”; (in ob. cit., pág. 647).

Com efeito, importa ter em conta que os Tribunais não são academias (ou faculdades de direito), devendo, no exercício das suas funções, privilegiar a economia e simplicidade processual, sendo-lhes vedada a prática de “actos inúteis”, até porque ilícitos; (cfr., art. 87° do C.P.C.M.).

Óbvio é que devem dar resposta às questões – todas elas – que lhe sejam colocadas.

Porém, e como em tudo na vida, há que temperar tal “dever de pronúncia” com o sentido prático e útil das coisas.

Se perante uma “pretensão”, e analisada, a situação em apreciação, se constatar que aquela é (totalmente) inviável em consequência de uma circunstância ou factor que sobre aquela incide, inútil é então estar-se a elaborar sobre argumentos que não tem a virtude de alterar a solução que se mostra de adoptar.

Em nossa (modesta) opinião, foi o que sucedeu nos presentes autos.

De que valia elaborar sobre a “reclamada reabilitação” se, independentemente da resposta que a mesma merecesse, improcedente teria de ser a pretendida suspensão da execução da pena?

É claro que se podia emitir pronúncia sobre tal questão, (e quiçá, ter-se-ia evitado o presente incidente, com ganhos, nomeadamente, a nível da celeridade processual…).

Contudo, e como se deixou relatado, tal procedimento não se nos mostra em conformidade com o princípio da economia processual, colidindo mesmo com o comando do referido art. 87° do C.P.C.M. que declara ser ilícita a prática de actos ilícitos.

Dest’arte, em face do exposto, e visto que no Acórdão em questão se considerou que, em face do que evidenciavam os autos, “prejudicada” estava a apreciação da reclamada reabilitação para a solução a dar ao pedido de suspensão da execução da pena ao recorrente aplicada, visto cremos estar que não se incorreu em “omissão de pronúncia”, nenhuma nulidade existindo.

Com efeito, e como se deixou dito, qual a utilidade de se decidir da “reclamada reabilitação” se, em virtude de uma outra recente condenação do ora requerente, se impunha uma solução no sentido de se confirmar a decisão recorrida (no que toca à pretendida suspensão da execução da pena decretada)?

Afigurando-se-nos claro o que se deixou consignado, à vista está a decisão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam desatender a arguida nulidade, confirmando-se o acórdão proferido.
- […]>>
*
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

  O Recorrente veio pedir a aclaração do douto acórdão de 16.12.2019, ao abrigo do disposto no artigos 572º al. a) e 633º, no1 do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 4º do C.P.P..
*
  O artigo 572.º (Esclarecimento ou reforma da sentença) do C.P.C. prevê:
  “Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
  a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha;
  ……”
  O artigo 633.º (Vícios e reforma do acórdão quanto a custas e multa) do mesmo Código diz:
  “1. É aplicável ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância o disposto nos artigos 569.º a 573.º, sendo ainda nulo o acórdão lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento.
  ……”
  Nos processos penais, o instituo de esclarecimento ou reforma da sentença encontra-se previsto no artigo 361.º (Correcção da sentença) do Código Processo Penal, onde diz:
  “1. O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
  ……
  b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
  ……”
*
O arguido recorrente expõe, nos pontos 6, 7 e 8 da sua motivação, o seguinte:
6. Dizem V. Exas. a este respeito, em tom interrogativo, que “De que valia elaborar sobre a “reclamada reabilitação” se , independente da resposta que a mesma merecesse, improcedente teria de ser a pretendida suspensão da execução pena?”
7. Acrescentando ainda no mesmo sentido que “(…),qual a utilidade de se decidir da “reclamada reabilitação” se, em virtude de uma outra recente condenação do ora requerente, se impunha um solução no sentido de se confirmar a decisão recorrida (no que toca à pretendida suspensão da execução da pena decretada ? ”
8. Ora, a fundamentação da decisão perfilhada por esse Tribunal que vem retratada, ao fim ao cabo, naquelas duas citações do mesmo acórdão, não se mostra, salvo o devido respeito, minimamente clara e compreensível, sendo manifestamente obscura e ambígua.
  Para além de supra argumentos, o arguido recorrente limita-se reiterar a sua posição já tomada no seu anterior requerimento de reclamação da nulidade de acórdão.
*
  Uma decisão é “obscura” quando é ela, no seu todo, ou em parte, “inatingível”. Por sua vez, e quanto à “ambiguidade”, tal sucede quando a decisão se apresenta com um “sentido duplo”.(in Ac. TSI de 13.11.2008, Proc.o n.o450/2008-I)
  “A aclaração de uma decisão apenas se justifica quando a mesma seja ininteligível – o que se verifica quando aquela apresente aspectos de significação inextrincável, em termos de não ser possível apurar o que se quis dizer – ou se mostra passível de se lhe atribuir dois (ou mais) sentidos.”; (cfr., v.g., Ac. de 17.02.2005, Proc. n° 312/2004-I do ora relator).
“Não se pode aproveitar o pedido de esclarecimento ou aclaração da sentença, para pretender a modificação essencial do julgado; e é de indeferir o pedido de aclaração caso a requerente se limite a expor aí os seus pontos de discordância em relação ao julgado. (cfr., v.g., Ac. de 27.10.2011, Proc. n°171/2011-II).
*
  Avaliado à luz da compreensibilidade normal, não enferma, de qualquer ambiguidade ou obscuridade o Acórdão in quaestio, incluindo as duas passagens supra citadas pelo recorrente nos pontos 6 e 7 do seu requerimento.
  In casu, pelos termos úteis acima transcritos no presente acórdão quis foi formulado o pedido de esclarecimento ora em questão, vê-se que o arguido recorrente se limita a expor a sua discordância.
  Dest’art, e sem mais indagação por ociosa, é de indeferir o pedido de esclarecimento.
*
  IV – DECISÃO
  
  Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam indeferir o peticionado.

  Pagará o requerente a taxa de justiça de 4 UCs.
*
Macau, aos 29 de Abril de 2020



Chao Im Peng



Chan Kuong Seng



Tam Hio Wa
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983/2019-II