打印全文
Processo nº 23/2020(I) Data: 03.04.2020
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “sequestro (agravado)”.
Rejeição do recurso.
Decisão sumária.
Reclamação.
Atenuação especial da pena.
Medida da pena.




SUMÁRIO

1. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que sucede quando for “manifesta a sua improcedência”.

2. A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência”, destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso.

3. Tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira “válvula de segurança” que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Porém, a dita “atenuação especial” só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

4. Em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de apreciação livre reconhecida ao Tribunal julgamento.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 23/2020(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Aos 16.03.2020, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A (甲) e B (乙), (2° e 3°) arguidos com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 16.01.2020 que, em sede de reclamação de anterior Decisão Sumária do Exmo. Relator, julgou-a improcedente, confirmando – na parte que agora interessa – a condenação dos ora recorrentes como co-autores materiais da prática de 1 crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M., na pena individual de 4 anos de prisão, alegando, (apenas), que excessiva era tal pena, e pedindo a sua redução para uma outra não superior a 2 anos e 1 mês de prisão; (cfr., fls. 394 a 398-v, 415 a 420-v e 425 a 431 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 436 a 438).

*

Admitidos os recursos, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, (cfr., fls. 440), vieram os autos a este Tribunal de Última Instância.

*

Após vista dos autos pela Ilustre Procuradora Adjunta, que opinou igualmente no sentido da integral confirmação do Acórdão recorrido, (cfr., fls. 449), e procedendo-se a exame preliminar, constatou-se da manifesta improcedência dos presentes recursos; (cfr., fls. 450).

*

Nesta conformidade, e atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., sem demoras se passa a decidir.

Fundamentação

2. Como resulta do que se deixou relatado, insurgem-se os recorrentes contra o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 16.01.2020 que confirmou anterior Decisão Sumária com a qual se tinha rejeitado os seus anteriores recursos.

Questionada não estando a “matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância dada como provada, e motivos não havendo para qualquer alteração, há que ter a mesma como “definitivamente fixada”, dando-se também aqui como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais; (cfr., fls. 285 a 288, 395-v e 415 a 420-v).

Nesta conformidade, da mesma factualidade resultando – de forma inequívoca – a verificação de todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do referido crime de “sequestro (agravado)” pelo qual foram os recorrentes condenados, (cfr., art. 152°do C.P.M.), e dúvidas não havendo que os presentes recursos, nos exactos termos em que foram motivados e admitidos, implicam tão só a apreciação da “adequação da pena” aplicada, continuemos.

Porém, como (igualmente) se deixou adiantado, evidente é a (manifesta) improcedência das pretensões apresentadas, muito não se mostrando de consignar para o demonstrar.

Vejamos.

Como é sabido, a determinação de uma “pena criminal” implica a ponderação da “matéria de facto dada como provada” e a (adequada) aplicação de vários preceitos legais.

Desde logo, (e no que a estes diz respeito), importa ponderar no estatuído no art. 40° do C.P.M. onde se prescreve que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., onde se preceitua que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

No caso, para o crime de “sequestro (agravado)” pelos recorrentes cometido cabe a pena (abstracta) de 3 a 12 anos de prisão; (cfr., art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M.).

Em causa estando a pena (concreta e individual) de 4 anos de prisão, (tão só), a 1 ano do seu limite mínimo, (e a 8 anos do seu limite máximo), visto está que manifestamente improcedente é a pretensão pelos recorrentes apresentada, pois que não se deixou de ponderar todos os elementos que lhes eram “favoráveis”.

Na verdade, e para se (poder) chegar à pretendida pena “não superior a 2 anos e 1 mês de prisão”, necessário seria proceder-se a uma “atenuação especial da pena” nos termos do art. 66° do C.P.M., mecanismo que, para a “situação dos autos”, se revela totalmente inadequado.

Importa ter presente que tratando desta “matéria”, tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira “válvula de segurança” que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Com efeito, (e como cremos constituir entendimento pacífico), a dita “atenuação especial” só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

E, in casu, ponderando na factualidade dada como provada, da qual se retira, (e realça), que os recorrentes agiram com dolo directo, prolongado e intenso, apresentando-se consideravelmente elevada a ilicitude da sua conduta, (com a qual, em comparticipação, mantiveram o ofendido em permanente cativeiro por mais de 79 horas – cfr., “ponto 26” da matéria de facto provada do Acórdão do Tribunal Judicial de Base), e tendo presente que atenta a natureza, forma de cometimento, motivos e consequências do crime em questão, muito fortes são as exigências de prevenção especial, (a pedirem empenhamento de reinserção reeducativa e ressocializadora), igualmente fortes se apresentando as imposições de prevenção geral, (que se quer capaz de dissuadir e actuar positivamente sobre a sociedade), há que concluir – em face da atrás referida moldura penal aplicável – que excessiva não é a “reacção penal” em questão que, em nossa opinião, realizou, os fins próprios do «ius puniendi», apenas podendo pecar por benevolência.

Por sua vez, importa ter presente que, (nomeadamente), em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de apreciação livre reconhecida ao Tribunal julgamento.

Com efeito, de forma repetida e firme temos também vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018 e de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019).

Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação das penas aplicadas; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Aliás, como nota Figueiredo Dias, (in “Dto Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagarão os recorrentes a taxa de justiça individual que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários aos Exmos. Defensores no montante de MOP$2.000,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 451 a 456 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, vieram os recorrentes reclamar do decidido, alegando – em síntese – que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinham deixado exposto; (cfr., fls. 460 a 465).

*

Pronunciando-se sobre este expediente, manteve a Ilustre Procuradora Adjunta a sua anterior posição; (cfr., fls. 468).

*

Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 469).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que sucede quando for “manifesta a sua improcedência”; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito código).

Assim, apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou integralmente transcrita.

Invocando a faculdade que lhes é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vêm os recorrentes reclamar da aludida decisão sumária.

Porém, evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, (que apenas pode ter como justificação uma deficiente compreensão do que decidido foi), muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das “questões” colocadas, acertada sendo igualmente a solução a que se chegou.

Na verdade, pelos motivos de facto e de direito que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pelos ora reclamantes trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que os ora reclamantes se limitam a reproduzir o antes já alegado e adequadamente apreciado na decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência das pretensões apresentadas.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedentes as apresentadas reclamações.

Pagarão os reclamantes a taxa de justiça individual que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso dos reclamantes no montante de MOP$1.000,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 3 de Abril de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

Proc. 23/2020-I Pág. 2

Proc. 23/2020-I Pág. 1