Processo n.º 641/2018
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 23/Abril/2020
Descritores:
- Execução fiscal
- Prescrição da dívida tributária
- Conhecimento oficioso
SUMÁRIO
No âmbito da execução fiscal, quando o executado for revel, o Tribunal procede ao conhecimento oficioso da prescrição da dívida tributária, se for o caso (artigo 251.º, n.º 2 do Código das Execuções Fiscais).
No caso de o executado ser citado pessoalmente para pagar a quantia exequenda, cabe a ele próprio opor-se à execução por simples requerimento ou por meio de embargos, podendo esta oposição basear-se na prescrição da dívida exequenda (artigo 164.º e 169.º, alínea c) do mesmo Código).
Tendo o executado sido citado pessoalmente em 6.3.2006 e a oposição por simples requerimento deduzida em 16.12.2016 (ou seja, decorridos mais de 10 anos), há muito ter decorrido o prazo para o efeito.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo n.º 641/2018
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 23/Abril/2020
Recorrente:
- A (executado)
Recorrida:
- Direcção dos Serviços de Finanças (entidade exequente)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, executado nos autos de execução fiscal, com sinais nos autos, deduziu junto do Tribunal Administrativo oposição à execução fiscal, na qual é entidade exequente a Direcção dos Serviços de Finanças.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, julgou extemporânea a oposição deduzida pelo executado e, em consequência, não conheceu da questão de prescrição da dívida exequenda.
Inconformado, recorreu o executado jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida a fls. 37 a 39 dos autos, que absolveu a entidade exequente da instância com base na extemporaneidade da oposição à execução fiscal por simples requerimento deduzida pelo ora Recorrente.
II. O ora Recorrente não se conforma com a referida Sentença, estando em crer o ora Recorrente que, ao decidir não conhecer da invocada prescrição da dívida exequenda e absolver a entidade exequente da instância da oposição com base na extemporaneidade da mesma, o douto Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 164º e 251º do Código das Execuções Fiscais e o princípio de plenitude da garantia da via judiciária.
III. O Tribunal a quo na douta sentença aceitou, pacificamente, que a prescrição da dívida exequenda se configura um facto superveniente para efeito do disposto no art. 164º, n.º 2 do CEF, questionando apenas a superveniência desse facto fundamentador da oposição.
IV. Com o devido respeito, está o ora Recorrente em crer que mal andou o douto Tribunal a quo ao decidir que a oposição é extemporânea e ao absolver a entidade exequente da instância.
V. Ao contrário da prescrição em geral, prevista e regulada no Código Civil, a prescrição da dívida tributária é, como foi confirmado pelo douto Juiz a quo, de conhecimento oficioso e é invocável a todo o tempo.
VI. O art. 251º, n.º 3 do CEF também estipula que ocorrendo o processo à revelia até terminar o prazo da prescrição, poderá esta ser julgada oficiosamente a favor do devedor.
VII. Atenta a natureza especial da prescrição da dívida tributária, a mesma deve poder ser atendida sem qualquer limitação temporal, sob pena de estar a negar a natureza e a viabilidade do próprio instituto.
VIII. A prescrição pode ser invocada desde que tenha sido completado o prazo de prescrição, que in casu ocorreu a partir de 5 e 18 de Janeiro de 2016.
IX. Pelo exposto, a oposição é deduzida tempestivamente, devendo ser conhecida a questão da prescrição na douta Sentença.
X. Caso assim não se entenda, sempre se diga que ainda assim se deverá proceder a uma interpretação extensiva do art. 164º, n.º 2 do CEF, por virtude das consequências necessárias extraídas da oficiosidade da prescrição e em homenagem ao princípio de plenitude da garantia da via judiciária.
XI. A prescrição da dívida é conhecida oficiosamente, i.e., sem que o executado se veja na contingência de a invocar e provar os factos constitutivos de fenómeno prescricional.
XII. Consequentemente, a declaração oficiosa da prescrição, feita quer pela Administração tributária quer pelas instâncias judiciais, para produzir o seu efeito útil (utilidade do conhecimento oficioso, não da prescrição em si mesma), deve ser levada ao conhecimento do devedor tributário.
XIII. Ou seja, estando o devedor desonerado de aferir do decurso do prazo prescricional, não tem que proceder à invocação do instituto.
XIV. Aliás, o devedor está desonerado de acompanhar as vicissitudes dos prazos prescricionais, pois é titular de uma legítima expectativa no sentido de actuação do sujeito passivo da relação, no sentido de as entidades declararem a dívida prescrita quando se verificarem reunidos os pressupostos necessários, em cumprimento da lei.
XV. Porém, quando a Administração tributária não o tenha feito, que foi precisamente o caso, o Juiz deveria conhecer da prescrição logo quando o devedor a invocou perante si, mesmo que estivesse fora do prazo previsto no art. 164º, n.º 2 do CEF, o que não se concede, ou que tenha escolhido o meio processual incorrecto para o fazer, o que também não se concede.
XVI. A não ser assim, não se compreende o verdadeiro alcance desta oficiosidade, dado que o legislador poderia ter optado por seguir de perto o regime do Código Civil, se assim não fez, importa extrair as consequências dessa mesma diferença.
XVII. Por outro lado, verifica-se neste momento uma tendência para estender o escopo de determinados processos, por forma a que no âmbito dos mesmos se possa ver apreciada a prescrição e se alcance “uma tutela mais eficaz e efectiva do direito do contribuinte”.
XVIII. Neste sentido, deverá o Tribunal, em cumprimento do princípio da plenitude da garantia da via judiciária, vir a conhecer da questão da prescrição, que, mais uma vez, é de conhecimento oficioso.
XIX. Por tudo o que se deixou dito, salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo não deveria ter absolvido a entidade exequente da instância da oposição com fundamento na extemporaneidade da mesma, violando, assim, o disposto nos artigos 164º e 251º do CEF e o princípio de plenitude da garantia da via judiciária, e com isso estando também a negar a natureza especial da prescrição da dívida tributária traduzida na sua oficiosidade.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença ora recorrida e substituída por douta Acórdão que declare prescritas as dívidas exequendas, em conformidade com o supra alegado.
Termos em que farão V. Exas. a costumada Justiça!”
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Contra-alegou a recorrida, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Alega o recorrente que a presentação extemporânea da oposição à execução por simples requerimento com o fundamento da prescrição da dívida exequenda deve ainda assim ser apreciada pelo Tribunal pois é de conhecimento oficioso – a prescrição.
II. Sem razão. A extemporaneidade da oposição tem como consequência o não conhecimento da mesma pelo Tribunal. É uma questão prévia que inibe o Tribunal de conhecer e consequentemente decidir sobre o mérito.
III. Não conhecendo da oposição, como não conheceu é indiferente o fundamento da mesma, pois não pode ser apreciado.
IV. Ser de conhecimento oficioso significa que ainda que não alegado pela parte pode o Tribunal conhecer do facto. Não significa que a parte pode utilizar a todo o tempo um direito que lhe está vedado pelo decurso de um prazo.
V. Ainda que assim não fosse o fundamento alegado não procede. Os prazos prescricionais previstos no CEF são específicos por vontade manifesta do legislador, não tendo sido alterados pelo prazo geral de prescrição previsto no Código Civil.
Nestes termos deve o presente recurso sem considerado improcedente e mantida a decisão recorrida.”
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, o recorrente pediu a revogação da douta sentença escrutinada que consiste em absolver o exequente da instância, e a substituição dessa sentença pelo Acórdão declarativo da prescrição das dívidas exequendas, assacando a violação dos preceitos nos arts. 164º e 251º do Código das Execuções Fiscais, bem como do princípio de plenitude da garantia da via judiciária.
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Na sentença impugnada pelo recorrente e executado, o MMº Juiz a quo explanou prudente que “No que toca à superveniência objectiva, o facto que serviu do seu fundamento, gerador da prescrição das dívidas exequendas, se bem que tivesse lugar nos termos alegados pelo executado, ocorrida desde 5 e 18 de Janeiro de 2016 (……). Ainda que fosse este o momento relevante para a contagem do respectivo prazo, a oposição deduzida em 16/12/2016 seria manifestamente fora do prazo legal de dez dias.” (sublinhas nossas)
Ora bem, a passagem supra aludida evidencia iniludivelmente que a aceitação pelo MMº Juiz a quo da dita superveniência objectiva não é pacífica, mas por mera hipótese e cautela, assim, a conclusão III das referidas alegações não pode deixar de ser deturpada.
Mais deturpara é a conclusão V das supramencionadas alegações – com efeito, não há dúvida de o MMº Juiz a quo nunca confirmar que a prescrição de dívida fiscal é invocável a todo o tempo, afirmando apenas e “sendo excepção peremptória e de conhecimento oficioso”.
Para os devidos efeitos, importa frisar que o conhecimento oficioso significa tão-só que o conhecimento por juiz não dependem da invocação por litigantes, e a decisão judicial sobre uma matéria que não tenha sido suscitada por litigantes e seja susceptível do conhecimento oficioso não germina o excesso da pronúncia, por isso, se distingue da invocabilidade a todo o tempo, devendo esta ser entendida no sentido de a invocação não ficar sujeita ao prazo peremptório nem ao da caducidade. Não é raro que uma matéria passível do conhecimento oficioso tem de ser invocada no prazo legalmente fixado, não podendo invocá-la a todo o tempo.
Convém ainda realçar que por força do princípio da autonomia da vontade, do princípio do dispositivo e do princípio da tutela da segurança jurídica, tanto o conhecimento oficioso como a invocabilidade a todo o tempo não se presumem, mas exigem a consagração legal expressa; em regra, os direitos de natureza patrimonial e as excepções peremptórias não são do conhecimento oficioso, nem da invocação a todo o tempo.
Nesta linha de vista, e por não se divisar, no CEF, nenhuma norma que estabeleça a invocação a todo o tempo, não podemos deixar de colher que a prescrição arrogada no simples requerimento da oposição à execução, mesmo houvesse, não poderia ser invocada a todo o tempo.
Sendo assim, resta-nos concluir que a douta sentença em questão é impecável e sá, não infringe nem as disposições nos arts. 164º e 251º do Código das Execuções Fiscais, nem o princípio de plenitude da garantia da via judiciária.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte matéria de facto:
Em 6/11/2000, foi emitida a certidão de relaxe n.º 2000-05-900046 da dívida de imposto profissional e selo de conhecimento de cobrança relativo ao ano de 1996, no valor de MOP114,348.00 (vide. fls. 2 do processo n.º R/2000-05-900046) e em 5/1/2001 foi autuado o processo executivo n.º R/93-4-01289.
Em 5/1/2001 foi emitida a certidão de relaxe n.º 2001-05-900009 da dívida de imposto profissional e selo de conhecimento de cobrança relativo ao ano de 1997, no valor de MOP80,671.00 (vide. fls. 2 do processo n.º R/2001-05-900009), e em 18/1/2001 foi autuado o processo executivo n.º R/2001-05-900009.
Em 5/1/2001 foi emitida a certidão de relaxe n.º 2001-05-900014 da dívida de imposto profissional e selo de conhecimento de cobrança relativo ao ano de 1998, no valor de MOP13,276.00 (vide. fls. 2 do processo n.º R/2001-05-900014), e em 18/1/2001 foi autuado o processo executivo n.º R/2001-05-900014.
Em 12/07/2001, foi apenso os processos executivos n.º R/2001-05-900009 e n.º R/2001-05-900014 ao processo n.º R/2000-05-900046 (vide. fls. 4 do processo n.º R/2001-05-900046).
Em 06/3/2006, foi o executado citado para pagar a quantia exequenda no de MOP208,295.00, a que acrescem os encargos decorrentes do processo (vide fls.9 do processo n.º R/2001-05-900046).
Em 16/3/2006, o executado, através do seu mandatário, dirigiu ao Chefe da Repartição das Execuções Fiscais da DSF, para verificar a legalidade da fixação da matéria colectável a que diz respeito o processo executivo processo (vide fls. 10 do processo n.º R/2001-05-900046).
Em 5/12/2016, o mandatário do executado foi notificado do processamento a favor da Repartição das Execuções Fiscais do montante de MOP24,000.00 referente à restituição de Imposto Profissional dos anos de 2013 e 2014, bem como da penhora da comparticipação pecuniária no montante de MOP9,000.00 (vide fls. 70 do processo n.º R/2001-05-900046).
Em 16/12/2016, o executado deduziu foi junto na R.E.F. a oposição por simples requerimento (cfr. fls. 3 dos autos).
Coloca-se a questão de saber se a prescrição da dívida tributária é de conhecimento oficioso e se a oposição à execução foi apresentada fora do prazo.
Vejamos.
Ao abrigo do disposto nos artigos 164.º e 169.º, alínea c) do Código das Execuções Fiscais, no âmbito da execução fiscal, o executado pode opor-se à execução por simples requerimento, podendo esta oposição basear-se na prescrição da dívida exequenda.
Por outro lado, prevê o n.º 2 do artigo 251.º do Código das Execuções Fiscais que “Correndo o processo à revelia até terminar o prazo da prescrição, poderá esta ser julgada oficiosamente a favor do devedor.”
Qual será a melhor interpretação dessas normas?
A nosso ver, entendemos que, nos processos em que o executado é revel, cabe ao Tribunal assegurar os interesses do mesmo, procedendo ao conhecimento oficioso da prescrição da dívida tributária, se for o caso.
Mas no caso de o executado ser citado pessoalmente, cabe a ele próprio opor-se à execução por simples requerimento, podendo esta oposição basear-se na prescrição da dívida exequenda. E não parece que, neste caso, a prescrição seja de conhecimento oficioso.
Mais precisamente, não correndo os autos de execução fiscal à revelia do executado, antes pelo contrário, o executado foi citado pessoalmente para pagar a quantia exequenda, opor-se à execução por simples requerimento ou por meio de embargos (fls. 9 do processo administrativo), o disposto no n.º 2 do artigo 251.º não é aplicável ao caso.
A nosso ver, foi clara a intenção do legislador ao estabelecer os dois regimes diferentes. Em boa verdade, desde que o executado tenha sido citado pessoalmente, ele pode e deve invocar todos os meios de defesa que melhor entender, mas sendo o executado revel, este não tem condições para invocar meios de defesa, pelo que o legislador impõe ao Tribunal o conhecimento oficioso da questão (de prescrição da dívida tributária), com vista a proteger os interesses do mesmo.
Em suma, tendo o executado sido citado pessoalmente, para além de que foi constituído mandatário para o representar, a prescrição não é de conhecimento oficioso.
Vejamos agora se a oposição foi apresentada fora do prazo.
Conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 164.º do CEF, a oposição é deduzida no prazo de 10 dias, a contar da citação, salvo se o facto que servir de fundamento for superveniente, porque neste caso será deduzida nos dez dias posteriores àquele em que ocorrer o respectivo facto.
No caso em apreço, o executado foi citado em 6.3.2006 e a oposição por simples requerimento foi deduzida em 16.12.2016 (ou seja, decorridos mais de 10 anos), pelo que há muito ter decorrido o prazo para o efeito.
Por outro lado, mesmo que se considere aquela prescrição como fundamento superveniente, o executado terá que deduzir a oposição no prazo de 10 dias posteriores à data em que aquela ocorreu.
Alegando o executado que a dívida exequenda em causa a que se refere nos autos de execução fiscal se encontrava prescrita desde 5.1.2016 e 18.1.2016, respectivamente, dúvidas não restam de que a oposição à execução deduzida em 16.12.2016 também foi deduzida fora do prazo legalmente previsto.
Aqui chegados, andou bem a sentença recorrida ao julgar extemporânea a oposição apresentada pelo executado, devendo, assim, negar-se provimento ao recurso jurisdicional.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 23 de Abril de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
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