打印全文
Processo n.º 37/2020 Data do acórdão: 2020-4-2
Assuntos:
– decisão sumária do recurso penal
– por simplicidade das questões a decidir no recurso
– não por causa da jurisprudência uniforme e reiterada
– art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil
– art.o 4.o do Código de Processo Penal
– economia processual
– garantia impugnatória processual
– reclamação para conferência
– objecto da decisão da reclamação
S U M Á R I O

1. No caso dos autos, o relator lançou mão à via processual de “decisão sumária do recurso” para julgar sumariamente o recurso penal da arguida, não com citação da alínea d) do n.o 6 do art.o 407.o do Código de Processo Penal (que preceitua que o relator profere decisão sumária sempre que a “questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado”), mas já das normas conjugadas dos art.os 621.o, n.o 2, e 619.o, n.o 1, alínea g), do Código de Processo Civil (à luz das quais compete ao relator julgar sumariamente o objecto do recurso, “quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado”), aplicadas por entendida força do art.o 4.o do Código de Processo Penal.
2. Atento o sentido e alcance do advérbio “designadamente” empregue na redacção legiferante do n.o 2 do art.o 621.o do Código de Processo Civil, a existência de jurisprudência uniforme e reiterada sobre as questões a decidir no recurso é uma das situações demonstradoras da simplicidade das questões a decidir no recurso, pelo que ainda não está afastada a possibilidade de julgamento sumário do objecto do recurso, quando o relator entender que “a questão a decidir é simples”, embora não por causa da existência de jurisprudência uniforme e reiterada.
3. É possível aplicar, por força do art.o 4.o do Código de Processo Penal, a norma do n.o 2 do art.o 621.o do Código de Processo Civil ao processo penal, porque ela não é incompatível com os valores subjacentes ao processo penal (por exemplo, a economia processual) e a decisão sumária do recurso penal nos termos desta norma processual civil nem enfraquece a garantia impugnatória processual aplicável (por existir o mecanismo de reclamação para conferência).
4. E fosse como fosse, a questão de possibilidade de julgamento sumário do recurso penal nos termos do n.o 2 do art.o 621.o do Código de Processo Civil já não relevaria para o momento presente, porquanto uma vez deduzida a reclamação da decisão sumária do recurso para conferência, o recurso inicialmente julgado pelo relator tem que ser julgado pelo tribunal de recurso em colectivo.
5. Cumpre, pois, ao tribunal colectivo ad quem conhecer agora do objecto do recurso então interposto pela arguida, dado que a reclamação da decisão sumária do recurso, mesmo que deduzida pelo Ministério Público, não pode implicar a alteração do objecto desse recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng


Processo n.º 37/2020
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 790 a 798 do Processo Comum Colectivo n.° CR5-19-0040-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, como autora material de nove crimes consumados de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.º, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de sete meses de prisão por cada um desses crimes, e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na execução por três anos, sob condição de prestar, no prazo de trinta dias, dez mil patacas de contribuição pecuniária a favor de uma entidade de protecção de crianças identificada no dispositivo do próprio acórdão.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando à decisão recorrida, a título principal, a violação do art.o 29.o, n.o 2, do CP ao não se ter decidido judicialmente pela aplicabilidade da figura de crime continuado, e, subsidiariamente, a omissão de observância das disposições legais sobre a devida declaração de já prescrição do procedimento penal dela pelos quatro primeiros dos nove crimes de falsificação de documento em causa, mesmo que se entendesse que ela teria praticado nove crimes, para rogar, pois, que passasse a ser condenada como autora material de um crime continuado de falsificação de documento, com medida da pena a ser feita nos termos do art.o 73.o do CP, sem deixar de pedir, subsidiariamente, a declaração da já prescrição do procedimento por aqueles primeiros quatro crimes, com necessária feitura da nova medida da pena, com suspensão da pena a final também (cfr. em detalhes, o alegado na sua motivação apresentada a fls. 805 a 817 dos presentes autos correspondentes).
Respondeu o Ministério Público a fl. 819 a 819v, a declarar a sua concordância com a posição jurídica vertida no libelo acusatório (segundo o qual foi imputada à arguida a prática de um crime continuado de falsificação de documento).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 827 a 828v, opinando pela improcedência da questão de crime continuado, e pela devida declaração da prescrição do procedimento penal, mas somente, pelos três primeiros dos nove crimes da arguida.
Por decisão sumária de fls. 830 a 832v, tomada nos aí citados termos dos art.os 621.o, n.o 2, e 619.o, n.o 1, alínea g), do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal (CPP), dada sobretudo a simplicidade das questões a decidir, julgou o ora relator provido o pedido principal formulado pela arguida na sua motivação do recurso, passando, por conseguinte, a condená-la como autora material de um crime consumado, continuado, de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na execução por dois anos e sete meses, com manutenção da condição da suspensão da pena já determinada no dispositivo do acórdão recorrido.
Veio a Digna Procuradora-Adjunta junto deste TSI reclamar dessa decisão para conferência, através do petitório de fls. 835 a 836, alegando, no essencial, a montante, que como em questão de aplicação da figura de crime continuado ainda não há jurisprudência uniforme ou habitual sobre essa aplicação, não se deve julgar sumariamente o recurso da arguida, e, a jusante, que sobre o mérito desse recurso, não se deve julgar aplicável a figura de crime continuado ao caso concreto da arguida, devendo as restantes questões postas por essa recorrente ser tratadas nos termos já opinados no parecer então emitido.
Sobre a matéria dessa reclamação, ficou silente a arguida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido pela arguida encontrou-se proferido a fls. 790 a 798 dos autos, cuja fundamentação fáctica, não impugnada pela própria recorrente, se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. A decisão sumária do relator, ora sob reclamação pela Digna Procuradora-Adjunta, foi tomada com invocação do disposto nos art.os 621.o, n.o 2, e 619.o, n.o 1, alínea g), do CPC, ex vi do art.o 4.o do CPP, “dada sobretudo a simplicidade das questões a decidir” (cfr. o conteúdo do último parágrafo do relatório da decisão sumária do recurso, a fl. 830v dos autos).
3. E essa decisão sumária do recurso da arguida teve o seguinte conteúdo, inclusiva e materialmente, como fundamentação da própria decisão:
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, à entidade julgadora do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Veio a arguida questionar, a título principal, a qualificação jurídico-penal dada pelo Tribunal recorrido aos factos provados, entendendo ela que seria correcta a qualificação jurídico-penal dos factos então vertida no libelo acusatório no sentido de se tratar de um crime continuado de falsificação de documento, e não de nove crimes de falsificação de documento.
Pois bem, da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, vê-se que: a arguida confirmou (mormente através da aposição da sua assinatura), pela primeira vez, em Junho de 2008, a declaração, feita em papelada apresentada à Autoridade Administrativa competente em Macau, do facto, mas falso, de a ofendida B ser uma empregada de recrutamento local, para efeitos de pedido de autorização de quota para contratação de mão-de-obra não residente; conduta essa que a arguida voltou a praticar sucessivamente em datas posteriores, para efeitos de pedido(s) da quota de contratação de mão-de-obra não residente.
Daí que se pode concluir que todas as falsas declarações confirmadas pela arguida em papeladas sucessivamente apresentadas a quem de direito tinham a ver com a mesma ofendida a propósito do processo de pedido de autorização (e, ulteriormente, de pedidos de renovação da autorização) da quota de contratação de mão-de-obra não residente.
Entende-se, de acordo com a jurisprudência do TSI, que é aplicável ao caso da arguida a figura de crime continuado prevista no n.o 2 do art.o 29.o do CP, pois ela, aquando da apresentação do primeiro pedido de renovação da autorização (e também em sucessivos pedidos congéneres) da quota de contratação de mão-de-obra não residente, agiu como que ficou propensa – sob pena de não poder continuar a ver obtido o benefício ilegítimo já conseguido através da apresentação do pedido inicial de autorização da quota de contratação de mão-de-obra não residente – a reiterar a confirmação da falsidade daquele mesmo facto declarado, pela primeira vez, em Junho de 2008, em toda a papelada em causa, tudo em relação a uma mesma ofendida.
Portanto, é de passar a condenar a arguida como autora material de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano e oito meses de prisão, aqui achada ante a factualidade provada, aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, dentro da moldura penal de um mês a três anos de prisão à luz dos art.os 73.o e 41.o, n.o 1, do CP, com consideração das prementes necessidades da prevenção geral do tipo-de-ilícito em questão (não sendo de optar pela moldura penal de multa, devido às prementes necessidades da prevenção geral do tipo legal de crime em causa – cfr. o critério material vertido na parte final do art.o 64.o do CP), funcionando, frisa-se, a segunda e as posteriores condutas de falsificação de documento da arguida, já comprovadas na fundamentação fáctica do acórdão recorrido, como circunstâncias agravantes da medida da pena nos termos a relevar do art.o 65.o do CP, pena de prisão essa que se suspende no prazo de dois anos e sete meses, sob a mesma condição de prestação pecuniária já determinada no dispositivo do acórdão recorrido (porquanto tratando-se de um recurso interposto pela arguida, não é de passar a condená-la em prisão efectiva, sob o espírito do princípio da proibição da reforma para pior, consagrado no art.o 399.o do Código de Processo Penal).
O acima decidido já torna desnecessário, em face da norma do art.o 111.o, n.o 2, alínea b), do CP, o conhecimento do pedido subsidiário da arguida de já prescrição do procedimento penal pelos primeiros quatro dos crimes de falsificação de documento da arguida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Veio a Digna Procuradora-Adjunta reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foi julgado provido o pedido principal formulado pela arguida na motivação do recurso.
Observa-se que o relator lançou mão à via processual de “decisão sumária do recurso” para julgar sumariamente o recurso da arguida, não com citação da alínea d) do n.o 6 do art.o 407.o do CPP (que preceitua que o relator profere decisão sumária sempre que a “questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado”), mas já das normas conjugadas dos art.os 621.o, n.o 2, e 619.o, n.o 1, alínea g), do CPC (à luz das quais compete ao relator julgar sumariamente o objecto do recurso, “quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado”), aplicadas por entendida força do art.o 4.o do CPP.
Por aí se vê que o relator decidiu em julgar sumariamente o objecto do recurso da arguida, por entendida simplicidade das questões a decidir, e não por existência da jurisprudência uniforme e reiterada sobre as questões jurídicas nomeadamente suscitadas na motivação do recurso.
Crê-se que atento o sentido e alcance do advérbio “designadamente” empregue na redacção legiferante do n.o 2 do art.o 621.o do CPC, a existência de jurisprudência uniforme e reiterada sobre as questões a decidir no recurso é uma das situações demonstradoras da simplicidade das questões a decidir no recurso, pelo que ainda não está afastada a possibilidade de julgamento sumário do objecto do recurso, quando o relator entender que “a questão a decidir é simples”, embora não por causa da existência de jurisprudência uniforme e reiterada.
Ademais, também se afigura possível aplicar nomeadamente a norma desse n.o 2 do art.o 621.o do CPC ao processo penal, porque ela não é incompatível com os valores subjacentes ao processo penal (por exemplo, a economia processual) e a decisão sumária do recurso penal nos termos dessa norma do CPC nem enfraquece a garantia impugnatória processual aplicável (por existir o mecanismo de reclamação para conferência).
E fosse como fosse, a questão de possibilidade de julgamento sumário do recurso penal nos termos do n.o 2 do art.o 621.o do CPC já não relevaria para o momento presente, porquanto uma vez deduzida a reclamação da decisão sumária do recurso para conferência, o recurso inicialmente julgado pelo relator tem que ser julgado pelo tribunal de recurso em colectivo.
Cumpre, pois, ao presente Tribunal ad quem conhecer agora do objecto do recurso então interposto pela arguida, dado que a reclamação da decisão sumária do recurso, mesmo que deduzida pelo Ministério Público, não pode implicar a alteração do objecto desse recurso.
Pois bem, vistos todos os elementos dos autos, é de improceder a reclamação sub judice na parte referente à solução proposta para a decisão do mérito do recurso da arguida, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso sobre o mérito do recurso, por essa decisão do relator estar conforme com a matéria de facto já dada por provada em primeira instância e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da mesma decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação, mantendo a decisão sumária do relator do recurso da arguida.
Sem custas pela presente reclamação, dada a isenção subjectiva da Entidade Reclamante.
Macau, 2 de Abril de 2020.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)

編號:第37/2020號 (刑事上訴案)
上訴人: (A)

表決聲明

本人並不同意上述裁判書的決定,並表決如下:

根據《刑事訴訟法典》第407條第6款規定,在初步審查後,當出現下列情況,裁判書製作人須作出簡要裁判。
本案中,簡要裁判裁定上訴人的上訴理由成立,換言之,並非屬於應駁回上訴的情況,同時亦明顯不屬於前指條款a)項及c)項所指的情況。
另一方面,雖然,上訴人所作出的偽造文件行為,手法相同,但是,上訴人首次作出虛報行為的成功並沒有為其作出第二次及後續各次行為提供便利條件,從案中事實中也不能看出上訴人所作出的不法事實是在便於犯罪的實行和相當減輕行為人罪過的同一外在情況的誘發下作出的。事實上,上訴人每次申請外勞配額或者續期都要向相關部門申報其員工情況,亦必須面對相關部門的審批。事實表明上訴人在第一次犯案後獲得成功後,仍不斷產生新的犯罪決意並加以實施,顯示出其犯罪故意不斷加強,罪過程度有增無減。因此,並不符合《刑法典》第29條第2款所規定的“連續犯”的要件。

2020年4月2日

______________________________
譚曉華 (第一助審法官)




Processo n.º 37/2020 Pág. 14/14