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Processo n.º 798/2019 Data do acórdão: 2020-4-16
Assuntos:
– confissão integral e sem reservas do arguido
– julgamento da matéria de facto
– art.o 325.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– art.o 325.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– condução em estado de embriaguez
– pedido de não transcrição da condenação no registo criminal
– antes do decurso integral do período da inibição de condução
– art.o 27.o, n.o 2, do Decreto-Lei n.o 27/96/M
S U M Á R I O

1. Uma vez decidida em admitir, na audiência de julgamento, a confissão integral e sem reservas dos factos feita pelo arguido, com renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados, e sendo o crime de condução em estado de embriaguez em causa acusado ao arguido punível com pena de prisão até um ano, o tribunal não pôde vir retroceder, aquando da feitura da sentença, no sentido de dar por não provados os factos então acusados pertinentes à aferição do dolo na prática do crime, sob pena da violação do disposto na alínea a) do n.o 2 do art.o 325.o do Código de Processo Penal, por não ter ocorrido qualquer das excepções previstas no n.o 3 deste artigo.
2. Antes do decurso integral do período da sanção de inibição de condução imposta pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, é inviável decidir do pedido de não transcrição da decisão condenatória no registo criminal do arguido (cfr. o n.o 2 do art.o 27.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 798/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 54 a 56v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR1-19-0045-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou absolvido da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
Veio o Digno Procurador-Adjunto recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquela decisão, na motivação apresentada a fls. 63 a 65 dos presentes autos correspondentes, o vício de erro notório na apreciação da prova, por violação do art.o 325.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), para rogar a condenação do arguido no crime por que vinha acusado, com aplicação da punição correspondente.
Ao recurso, respondeu o arguido a fls. 73 a 79, no sentido de manutenção do julgado, ou, no caso de condenação no crime, de aplicação da punição leve, com possível autorização da não transcrição da decisão condenatória no registo criminal.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 88 a 89, opinando pela procedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O arguido ficou acusado da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriagueza, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR (cfr. a acusação de fls. 22 a 23).
2. Na audiência de julgamento realizada perante o Tribunal recorrido, o arguido, livre de qualquer coacção, de modo voluntário confessou integralmente e sem reservas os factos descritos na acusação, confissão essa que foi admitida pelo Tribunal recorrido, o qual por isso determinou a não produção da prova relativa aos factos imputados e a consequente consideração destes como provados (cfr. o teor sobretudo do despacho judicial ditado na página 3 da acta da audiência de julgamento de fls. 52 a 53v).
3. A Defesa pediu, na mesma audiência de julgamento, a não transcrição da decisão condenatória no registo criminal (cfr. a 17.a linha da mesma página 3 da referida acta, a fl. 53).
4. O arguido vinha acusado da seguinte factualidade:
– em 17 de Outubro de 2018, cerca das três horas da madrugada, o arguido chegou a tomar bebida alcoólica, durante a refeição num restaurante na zona da Alameda Dr. Carlos D’Assumpção;
– cerca das cinco horas da madrugada do mesmo dia, o arguido, depois da refeição, conduziu o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.o MX-34-XX, saindo do local, e quando chegou ao poste de iluminação n.o 292B06 da Travessa da Encosta, dormiu no assento de condutor, sem ter desligado o motor do veículo;
– cerca das seis horas e vinte minutos da manhã desse mesmo dia, o pessoal policial recebeu participação e foi fazer investigação, e descobriu que o corpo do arguido tinha cheiro de bebida alcoólica e foi-lhe fazer teste de alcoolemia por sopro, do qual resultou a taxa de álcool de 1,6 gramas por litro de sangue;
– o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tendo ele próprio tomado bebida alcoólica conduziu veículo em via pública sem condições de segurança;
– o arguido soube que a sua conduta referida era proibida e punível por lei de Macau.
5. O Tribunal recorrido acabou por dar por provados os factos descritos na acusação com excepção dos seguintes:
– o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tendo ele próprio tomado bebida alcoólica conduziu veículo em via pública sem condições de segurança;
– o arguido soube que a sua conduta referida era proibida e punível por lei de Macau.
6. O Tribunal recorrido deu também provado o seguinte:
– o arguido é delinquente primário;
– o arguido tem por rendimento mensal cinquenta mil patacas, tem a mãe e a namorada a seu cargo;
– o arguido tem por habilitações académicas o 2.o ano universitário.
7. O Tribunal recorrido justificou a sua livre convicção sobre os factos de modo seguinte, a respeito dos factos dados por não provados: apesar da confissão integral do arguido, apenas se provou que o arguido dormiu no assento de condutor sem ter desligado o motor do veículo, pelo que in dubio pro reo deve ele ser absolvido (cfr. o último parágrafo da página 4 do texto da sentença recorrida e o primeiro parágrafo da página seguinte do mesmo, a fls. 55v a 56).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, o Digno Procurador-Adjunto imputou à decisão absolutória penal recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, por alegada violação do disposto no art.o 325.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
Atendendo a que o próprio Tribunal recorrido já decidiu, por despacho ditado na acta da audiência de julgamento, que admitia a confissão integral e sem reservas dos factos feita pelo arguido, com renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados, e sendo o crime de condução em estado de embriaguez acusado ao arguido punível com pena de prisão até um ano, o mesmo Tribunal não pôde vir retroceder, à moda de venire contra factum proprium, aquando da feitura da sentença sobre o mérito da causa penal em questão, no julgamento da matéria de facto objecto do tema probando, no sentido de dar por não provados aqueles dois últimos factos então acusados ao arguido sobre o dolo na prática do crime, sob pena de violação directa do disposto na alínea a) do n.o 2 do art.o 325.o do CPP, por não ter ocorrido qualquer das excepções previstas no n.o 3 deste artigo.
Procede o esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova.
E tendo em conta o sentido e alcance da norma da alínea a) do n.o 2 do art.o 325.o referido, já não é mister reenviar o processo para novo julgamento no Tribunal de Primeira Instância, por ser possível ao presente Tribunal de recurso julgar directamente o mérito da causa penal, passando a considerar também provados aqueles dois últimos factos acusados, em observância do julgado já feito na audiência de julgamento em face do art.o 325.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
É, pois, de passar a condenar o arguido como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da LTR, que estatui o seguinte: “Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal”.
No caso, é de 1,6 gramas por litro de sangue a alcoolemia apresentada (aliás, não leve) pelo arguido cerca das seis horas e tal na manhã do dia dos factos, depois de ter saído, cerca das cinco horas da madrugada desse dia, do restaurante (onde tinha tomado refeição com bebida alcoólica), em veículo automóvel por ele conduzido.
Assim, aos padrões da medida da pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, levando em conta mormente as inegáveis prementes necessidades da prevenção geral do crime em causa, e a postura da confissão integral e sem reservas dos factos da conduta de condução bêbada por parte do arguido, que é delinquente primário, é de impor-lhe um ano e seis meses de inibição de condução (que não se suspende na execução, por não se vislumbrar, no caso, qualquer motivo atendível para a eventual suspensão da execução desta sanção – cfr. o critério material exigido no n.o 1 do art.o 109.o da LTR) e quatro meses de prisão, pena de prisão essa que não se substitui por igual tempo de multa devido às necessidades de prevenção geral do crime (cfr. o critério material vertido no art.o 44.o, n.o 1, do CP, para efeitos de decisão sobre a substituição, ou não, da pena de prisão), mas se suspende por um ano e seis meses, em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Por fim, quanto à pretensão do arguido de não transcrição da decisão condenatória no registo criminal, é ainda prematuro esse pedido, porque antes do decurso integral do período da inibição de condução dele, é inviável decidir sobre esse pedido (cfr. o n.o 2 do art.o 27.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando a condenar o arguido A como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, em um ano e seis meses de inibição efectiva de condução, e quatro meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e seis meses, bem como não conhecer, por prematuro, o pedido do arguido de não transcrição da condenação no seu registo criminal.
Custas do recurso, com três UC de taxa de justiça, pelo arguido recorrido, por ele ter defendido, a título principal, a manutenção da sentença recorrida.
Macau, 16 de Abril de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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