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Processo nº 1317/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Abril de 2020

ASSUNTO:
- Contradição insanável entre os factos provado e não provado

SUMÁRIO:
- Tendo verificado contradição insanável entre os factos provado e não provado, é de anular, mesmo oficiosamente, a decisão de facto do Tribunal a quo nos termos do nº 4 do artº 629º do CPCM.
O Relator,
Ho Wai Neng



Processo nº 1317/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Abril de 2020
Recorrente: A (Réu)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
  Por sentença de 27/07/2019, julgou-se a acção procedente e em consequência, condenou o Réu A a pagar ao Autor B a quantia de MOP50,470.00 acrescida dos juros à taxa legal a contar da data da citação do Réu.
  Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. 於卷宗第156頁至第158頁判決之內容中,原審法院裁決中提到:“Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condena-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de MOP50.470,00 acrescida dos juros a taxa legal a contra da data da citação do Reu.”。 (參閱卷宗第158頁至第158頁背頁,以下簡稱“被上訴的判決”,為著產生適當之法律效力,在此視為全部被轉錄)
2. 我們保持一向以來對法院裁判的尊重態度。然而,鑑於上訴人對被上訴之判不服,故提請平常上訴。
3. 上訴人並不同意被上訴之判決書中指:“Da factualidade apurada resulta demonstrado que entre o Autor e o Réu foram celebrados dois contratos de mútuo os quais se regem pelo artº 1070º do C.Civ., não tendo sido convencionado juros.
  …
Destarte, considerando que do capital mutuado de HKD60.000,00 foram pagos HKD11.000,00, estando em divida HKD49.000,00 equivalente a MOP50.470,00, face a todo o exposto impõe-se julgar a acção procedente.”
4. 上訴人認為,本案中未有足夠證據證明上訴人向被上訴人借款港幣伍萬元正,並以書面簽字為據。
5. 被上訴人負有責任指出作為其欲透過訴訟保障的訴求的事實依據,並證明該等事實的存在。
6. 在本個案中,被上訴人提出賠償訴求的唯一事實理據為其與上訴人之間存在的借貸關係,分別兩次向上訴人借出兩筆貸款,總數為港幣60.000,00元。
7. 但正如本案對事實事宜之判決中裁定第三點指:“O Réu recebeu os cinquenta mil dólares de Hong Kong emprestados pelo Autor? Não Provado.” 。即案中亦未有任何證據證實上訴人收取被上訴人港幣伍萬元。
8. 故本案未有足夠證據證實被上訴人港幣伍萬元之所有權透過交付而轉移予上訴人。上訴人認為,被上訴人未能證明其確曾向上訴人作出借款,亦未有證明其作出交付,即支持被上訴人請求的主要事實。
9. 基於被上訴人未能履行舉證責任證明其在訴狀主張的借貸關係,故被上訴人的請求不可能成立。
10. 據上論結,上訴人最後請求本院裁定上訴理由成立,繼而判處被上訴人針對上訴人提起的請求理由不成立,並開釋上訴人。
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) “B1” é outro nome do Autor, B, sendo que os amigos deste o tratam normalmente por B1; (alínea a) dos factos assentes;
b) Em 09 de Junho e 09 de Agosto de 2010, o Réu restituiu ao Autor, no que respeito aos empréstimos referidos no item c), HKD6.000,00 e HKD5.000,00 respectivamente; (alínea b) dos factos assentes)
c) Em 04 de Abril de 2010, o Réu pediu emprestado ao Autor, por duas vezes e respectivamente, cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD50.000,00) e dez mil dólares de Hong Kong (HKD10.000,00), tendo sido emitido um recibo que foi assinado; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
d) As duas partes acordaram em o Réu começar a restituir ao Autor, em prestações mensais, a partir do mês seguinte ao da contracção do empréstimo, ou seja, a partir de Maio de 2010, o valor de HKD3.000,00 a HKD5.000,00, até à liquidação integral da quantia devida; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
e) O Réu quando assinou “A 04 de Abril de 2010” no espaço branco inferior do verso do BIR do Réu, constante do documento a fls. 4 dos autos, não escreveu no documento “Pedi emprestados a B1 cinquenta mil dólares de Hong Kong, que serão restituídos em prestações mensais, de 3000 a 5000, três mil a cinco mil”. (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
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III – Fundamentação
No caso em apreço, ficou provado que “Em 04 de Abril de 2010, o Réu pediu emprestado ao Autor, por duas vezes e respectivamente, cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD50.000,00) e dez mil dólares de Hong Kong (HKD10.000,00), tendo sido emitido um recibo que foi assinado” (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória).
No entanto, não se provou que “O Réu recebeu os cinquenta mil dólares de Hong Kong emprestados pelo Autor” (Resposta ao quesito 3º da base instrutória).
Verifica-se assim uma contradição insanável entre o facto provado no quesito 1º e o facto não provado no quesito 3º
Afinal de contas, os cinquenta mil dólares de Hong Kong foram emprestados ou não ao Réu?
Por outro lado, como é possível dar como não provado o quesito 3º se ficar assente sob a al. B) dos Factos Assentes que “Em 09 de Junho e 09 de Agosto de 2010, o Réu restituiu ao Autor, no que respeito aos empréstimos referidos no item c), HKD6.000,00 e HKD5.000,00 respectivamente” (o realçado e o sublinhado são nossos).
Além disso, o quesito 1º foi dado como provado com base na declaração de dívida assinada pelo Réu (documento junto a fls. 4, cujo original se encontra a fls. 140 dos autos).
No entanto, consigna-se provado que “O Réu quando assinou “A 04 de Abril de 2010” no espaço branco inferior do verso do BIR do Réu, constante do documento a fls. 4 dos autos, não escreveu no documento “Pedi emprestados a B1 cinquenta mil dólares de Hong Kong, que serão restituídos em prestações mensais, de 3000 a 5000, três mil a cinco mil” (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória).
Na fundamentação da formação de convicção, o Tribunal a quo afirmou que “não se provou também que o documento haja sido assinado em branco…” (fls. 148 dos autos), porém, não consta da base instrutória qualquer quesito com vista apurar se o documento em referência (a declaração de dívida) foi ou não assinado em branco.
Assim, não se sabe se a dita frase “Pedi emprestados a B1 cinquenta mil dólares de Hong Kong, que serão restituídos em prestações mensais, de 3000 a 5000, três mil a cinco mil” já consta do documento no momento da assinatura por parte do Réu.
Nesta conformidade e nos termos do nº 4 do artº 629º do CPC, é de anular oficiosamente o julgamento da matéria de facto em relação aos quesitos 1º e 3º da base instrutória, determinando a repetição do mesmo com ampliação da seguinte matéria de facto:

A frase “Pedi emprestados a B1 cinquenta mil dólares de Hong Kong, que serão restituídos em prestações mensais, de 3000 a 5000, três mil a cinco mil” já consta do documento no momento da assinatura por parte do Réu?
Face à anulação supra, é de anular também a sentença final, pelo que fica prejudicado o conhecimento do recurso do Réu.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- anular o julgamento da matéria de facto em relação aos quesitos 1º e 3º da base instrutória, determinando a repetição do mesmo com ampliação da matéria de facto nos termos acima consignados;
- anular a sentença final; e
- não conhecer o recurso do Réu.
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Custas a final pela parte vencida.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Abril de 2020.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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