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Processo n.º 207/2020 Data do acórdão: 2020-4-23
Assuntos:
– recurso manifestamente improcedente
– reclamação para conferência
– objecto da decisão da reclamação
S U M Á R I O

1. O recurso deverá ser rejeitado por decisão sumária do relator quando for manifestamente improcedente, nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, podendo o recorrente reclamar da decisão de rejeição para conferência.
2. A reclamação da decisão sumária do recurso não pode implicar a alteração do objecto do recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 207/2020
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)

Recorrente arguido reclamante: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 595 a 605v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-19-0181-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o 2.o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como co-autor material de um crime tentado de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, e 21.o, n.o 1, alínea 7, da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), na pena de sete anos e seis meses de prisão, com pena acessória de interdição de entrada em Macau por oito anos.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, o seguinte, na sua motivação de fls. 618 a 650 dos presentes autos correspondentes, para pretender a alteração do julgado a seu favor:
– há erro notório na apreciação da prova a respeito do crime por que vinha condenado em primeira instância, devendo ele ser absolvido desse crime;
– para além de existir falta de fundamentação da decisão condenatória feita no aresto recorrido;
– e seja como for, há excesso na medida da pena (principal e acessória) desse crime, devendo ele ser condenado a final em pena de prisão não superior a quatro anos.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 667 a 670v dos autos, no sentido de não provimento do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 683 a 684, opinando pela manutenção do julgado.
Por decisão sumária do ora relator de fls. 686 a 689, foi rejeitado o recurso, por manifestamente improcedente.
Veio o arguido recorrente reclamar dessa decisão para conferência, através do petitório de fls. 696 a 703, alegando que o seu recurso não podia ter sido rejeitado atentas as questões colocadas na motivação do recurso, e rogando que sobre a matéria do recurso recaísse um acórdão tirado em conferência.
Sobre a matéria dessa reclamação, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 706 a 706v no sentido de improcedência.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido encontrou-se proferido a fls. 595 a 605v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. A decisão sumária do relator, ora sob reclamação, teve o seguinte conteúdo, inclusiva e materialmente, como fundamentação da própria decisão:
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Por lógica processual das coisas, debruça-se, antes do mais, sobre o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs congruentemente, e até com minúcia, as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos probandos respeitantes ao crime por que condenou o arguido ora recorrente – cfr. o teor da fundamentação probatória da decisão recorrida, sobretudo tecida nas páginas 16 (a partir da 11.a linha) e 17 (até à 7.a linha) do texto do aresto impugnado, a fl. 602v a 603 dos autos.
Como esse resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo arguido ora recorrente, o qual andou a fazer tentar impor o seu ponto de vista pessoal sobre a factualidade assente no aresto recorrido, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.o 114.o do CPP.
Por outro lado, da leitura atenta de toda a fundamentação da decisão recorrida, não se patenteia qualquer falta de fundamentação da decisão condenatória (incluindo da decisão na medida da pena) nos termos assacados pelo recorrente.
E agora da problemática da medida da pena:
Vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundmentação fáctica do aresto recorrido com pertinência à medida da pena aos padrões vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, tendo em conta as inegáveis exigências, muito elevadas, da prevenção geral, sobretudo em relação a infractor vindo do exterior de Macau, do seu crime de tráfico de estupefacientes (apesar de ser condenado a título de tentativa), não se afigura que haja injustiça notória na aplicação da pena de prisão e da pena acessória de interdição de entrada nos casinos de Macau nos termos aplicados concretamente no acórdão recorrido.
É de louvar mesmo, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, toda a decisão já tomada pelo Tribunal recorrido na matéria da medida da pena.
Há que rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Veio o arguido reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foi rejeitado o seu recurso, por manifestamente improcedente.
Uma vez deduzida a reclamação dessa decisão sumária, o recurso inicialmente julgado pelo relator tem que ser julgado agora pelo tribunal de recurso em colectivo.
Cumpre, pois, ao presente Tribunal ad quem conhecer do objecto do recurso então interposto pelo arguido, dado que a reclamação da decisão sumária do recurso não pode implicar a alteração do objecto desse recurso.
Pois bem, vistos todos os elementos dos autos, é de improceder a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária de rejeição do recurso, por essa decisão do relator estar conforme com a matéria de facto já dada por provada (sem qualquer erro notório na apreciação da prova) em primeira instância e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da mesma decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação, mantendo a decisão sumária do relator de rejeição do recurso.
Para além das custas, taxa de justiça e sanção pecuniária referidas no dispositivo da decisão sumária, pagará ainda o arguido recorrente as custas da sua reclamação, com três UC de taxa de justiça correspondente.
Macau, 23 de Abril de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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