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Processo n.º 642/2017
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data: 14 de Maio de 2020

Assuntos:
     
- Fortes de indícios da prática de crime e fundamento para revogar a autorização de permanência
     
SUMÁRIO:

I – Em matéria de revogação da autorização da permanência em Macau, ao abrigo do disposto na alínea 3) deste n.º 1 do artigo 11º da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto, o legislador atribui ao Chefe do Executivo um poder discricionário (delegável), pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode ser revogada (a autorização da permanência)” ( norma interpretada a contrário significa “pode não ser revogada”).
     
II – Os “fortes indícios” da prática de um crime de emprego ilegal são circunstâncias subsumíveis na alínea 3) do nº 1 do artigo 11º da citada Lei e como tal não há erro nos pressupostos de facto.

III – A decisão administrativa tomada no exercício de um poder discricionário só poderá ser judicialmente sindicável quando o exercício de tal poder represente um erro manifesto, ou constitui uma total desrazoabilidade. Mas não é caso do autos, o que impõe à manutenção da decisão recorrida.



      O Relator,
_______________
              Fong Man Chong

















Processo n.º 642/20171
(Autos de recurso contencioso)

Data : 14/Maio/2020

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, veio, em 03/07/2017 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 37, tendo formulado as seguintes conclusões:
Da nulidade da decisão de revogação da autorização de permanência e do Despacho recorrido
A. Antes da prolação da decisão final do processo-crime em que o ora Recorrente é arguido, ou mesmo antes da dedução da sua acusação, a Administração já se tinha vinculado (antecipadamente) à prolação da decisão condenatória do Recorrente, ao revogar a autorização de permanência do mesmo-com base no alegado facto de que este tinha praticado um crime de-emprego ilegal;
B. A decisão de revogação de autorização de permanência do Recorrente viola o principio da presunção de inocência, violando, portanto, um direito fundamental previsto no artigo 29.º da Lei Básica, de onde resulta a respectiva nulidade por força do artigo 122.º, n.º 2, alínea d), do CPA - nulidade essa que se deixa invocada para todos os efeitos;
C. Na medida em que o Despacho recorrido consubstancia um acto consequente da decisão de revogação da autorização de permanência, sendo nula esta última, também o Despacho recorrido tem de ser considerado nulo, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPA - nulidade que se deixa invocada para todos os efeitos legais;
D. A decisão de revogação da autorização de permanência do Recorrente é nula, pelo que não pode produzir qualquer efeito jurídico (cf. n.º 1 do artigo 123.º do CPA);
E. Mesmo que o Despacho recorrido não esteja ferido de nulidade - o que apenas por hipótese ora se admite, sem conceder -, sempre haverá que concluir que o Despacho recorrido foi proferido em erro sobre os pressupostos de facto, já que a decisão nele plasmada foi tomada com base num acto que, afinal, não produz efeitos, pelo que o Despacho recorrido será ainda assim anulável, nos termos do disposto no artigo 125.º do CPA;
Da ilegalidade do Despacho recorrido
(i) Por erro nos pressupostos de facto
F. ln casu, não se verificam os fortes indícios de o Recorrente ter praticado qualquer crime, uma vez que apenas existe a mera suspeita da prática de um crime pelo Recorrente, e, em qualquer caso, este não praticou quaisquer factos a que seja atribuída relevância penal;
G. Até se deduzida a acusação em sede do Processo de Inquérito n.º 6756/2016, nem sequer se pode dizer que existiam "indícios suficientes" de o ora Recorrente ter cometido um crime de emprego ilegal, e muito menos "indícios fortes", mas apenas a suspeita de tal facto;
Acresce que, quanto ao fundo da questão,
H. A prestação dos serviços de consultoria e apoio técnico pelo Senhor C, em causa no Processo de Inquérito n.º 6756/2016, está abrangida pela norma excepcional prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea 1), e n.os 2, 3 e 4 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004;
I. Quanto ao Senhor B, este nunca prestou qualquer tipo de serviços e/ou actividade por conta e a mando dos funcionários e/ou responsáveis da X Macau;
J. Com efeito, o Senhor B limitava-se a aprender a forma como funcionava o novo sistema informático adquirido pelo Grupo X;
K. Nesta medida, impõe-se concluir que os serviços prestados pelos Senhores C e B não constituem a prestação de trabalho ilegal - ou, dito de outra forma, que estes indivíduos não necessitavam de autorização específica para prestar os referidos serviços -, pelo que não se mostra preenchido (pelo menos) um dos elementos objectivos do crime previsto no artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, pelo qual o Recorrente vem indiciado;
L. Termos em que erra o Despacho recorrido, ao considerar que o Recorrente praticou o crime em questão, uma vez que, no momento da proferição do Despacho recorrido, não existiam, nem existem ainda hoje, indícios suficientes da prática pelo Recorrente de quaisquer factos a que seja atribuída relevância penal;
(ii) Por violação do princípio da proporcionalidade
M. O Despacho recorrido é ainda ilegal - e, por essa via, anulável (cf· artigo 125.º do CPA)- por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que, ao fixar um período de interdição de três anos, o Despacho recorrido é manifestamente desproporcional perante a situação fáctica dos autos e perante os objectivos que o mesmo visa alcançar;
Do vício de forma por falta de fundamentação
N. O Recorrente considera que o Despacho recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação previstos no artigo 115.º do CPA;
O. Equivalendo legalmente a deficiência de fundamentação à sua falta, e constituindo a falta de fundamentação do acto motivo legalmente previsto para a sua anulação, poucas dúvidas poderão restar de que o Despacho recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 64 a 78, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A decisão de interdição de entrada na RAEM tem subjacente a decisão da Administração de revogação da autorização de permanência do ora recorrente, fundada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004;
II. O facto de não ter sido deduzida até ao momento acusação em sede de processo penal não impede a administração de valorar autonomamente os factos para efeitos de procedimento administrativo;
III. Verifica-se total independência face ao procedimento criminal que possa vir a ter origem nos mesmos factos;
IV. À regulação da entrada e permanência de não-residentes está subjacente o interesse comum da tranquilidade securitária da RAEM e dos seus residentes e não os interesses fundamentais de que cuida o direito criminal;
V. A interdição de entrada consiste numa medida que tem consequências desfavoráveis para o recorrente, traduz-se na privação, através de acto de autoridade pública, do seu acesso e circulação na RAEM;
VI. Não é um acto punitivo porque não visa a aplicação de uma sanção, de uma multa, de privação de liberdade ou outra, nem é um acto judicial, proferido em sede de processo penal;
VII. Não existe violação do princípio da presunção de inocência;
VIII. A revogação da autorização de permanência é fundamentada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004, por se entender que a sua presença constitui um risco para a segurança ou ordem públicas da RAEM;
IX. O perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas traduz um conceito indeterminado, pelo que o juízo de perigosidade efectivo formulado é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes;
X. O despacho recorrido não está ferido de nulidade, por não se tratar de um acto consequente de uma decisão nula, in casu a revogação de autorização de permanência;
XI. O recorrente deveria ter impedido a imediata produção de efeitos do acto originário que determinou a sua expulsão, por forma a suster o conjunto de actos consequentes, que formam um acto complexo e cujo corolário é o acto de interdição de entrada;
XII. Não se aceita que o acto recorrido tenha sido proferido em erro sobre os pressupostos de facto, com base em factos inexistentes, e que a decisão da administração de revogação da autorização de permanência não produziu efeitos;
XIII. Não se pode imputar à ora recorrida um errada interpretação do conceito de "fortes indícios", previsto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, e que daí possa resultar um erro de direito, consubstanciado numa violação de lei;
XIV. Os elementos de facto que fundamentam a verificação dos fortes indícios e a formulação do juízo de perigosidade são os constantes do processo instrutor e que fundamentam a revogação da autorização de permanência e a aplicação da medida de interdição de entrada;
XV. O resultado das diligências efectuadas pelo CPSP está documentado no auto de participação n.º 045/2016-Pº.225.47, no processo administrativo junto aos autos de Recurso Contencioso n.º 475/2017 deste TSI;
XVI. Os factos relatados pelo ora recorrente baseiam-se em documentos do punho da empresa X Macau ou de outra empresa do mesmo grupo, sem intervenção de terceiros, tendo um valor probatório limitado;
XVII. Não existe violação dos princípios gerais que limitam ou condicionam a discricionariedade da decisão da Administração, pelo que não se pode aceitar que a medida aplicada viole o princípio da proporcionalidade;
XVIII. Não se pode imputar à medida aplicada um manifesto erro ou uma total desrazoabilidade que a faça sair da esfera do poder discricionário da Administração e entrar no âmbito do controlo judicial;
XIX. A declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto é adequada à fundamentação da decisão da administração;
XX. Refuta-se completamente a falta de fundamentação do acto recorrido, por alegada obscuridade de fundamentos, sua contradição, insuficiência ou não motivação;
XXI. O perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, avaliado administrativamente no âmbito da Lei n.º 6/2004, demarca-se dos critérios legais e princípios que assistem à aplicação de medidas de natureza penal como as penas privativas de liberdade ou medidas de coacção;
XXII. O comportamento da Administração não enferma de nenhum dos vícios que lhe são imputados ou de quaisquer outros que devam ser sindicados por este Venerando Tribunal.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 182 a 184):
Na petição inicial e nas alegações facultativas, o recorrente pediu a anulação do despacho exarado na Comunicação n.º 2727/2017-Pº.229.01 pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, invocando reiteradamente a nulidade da decisão de revogação da autorização de permanência, o erro nos pressupostos de facto, a violação do princípio da proporcionalidade e o vício de forma por falta de fundamentação.
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Note-se que é manifestamente errada a referência na petição inicial à Comunicação n.º2727/2017-Pº.229.01, pois, o despacho recorrido não vê exarado nessa Comunicação, mas na Proposta n.º981/2017-Pº.222.18 pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança (doc. de fls.76 a 77 do P.A.).
De qualquer modo, não há margem para dúvida de que o despacho de revogação da autorização de permanência não constitui objecto do presente recurso contencioso, nem acto-pressuposto do despacho impugnado nestes autos, pese embora ambos os despacho se estribem na mesma base de factos. Sendo assim, os vícios assacados pelo recorrente ao despacho de revogação da autorização de permanência são irrelevantes em relação ao despacho em escrutínio.
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Ora bem, proclama o Venerando TSI (Acórdãos nos Processos n.º759/2007 e n.º647/2012): A interdição da entrada na RAEM, sendo uma medida policial destinada a assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência, previsto nos arts.29° e 43° da Lei Básica. Na verdade, eis a posição assente do TSI.
Por sua vez, o Venerando TUI assevera peremptoriamente (cfr. Acórdão no Processo n.º28/2014): 2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de "fortes indícios" da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito. 3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Em esteira, e atendendo ao conteúdo da Participação n.º045/2016- Pº.225.47 (doc. de fls.1 a 4 do P.A.), temos por certo que o despacho em questão não infringe o princípio da presunção da inocência ou o disposto na alínea d) do n.o2 do art.122° do CPA, não sendo nulo.
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Antes, cabe relembrar que se os "fortes indícios" forem reportados à preparação para a prática de crimes, bem como àquelas outras situações em que o conceito está vocacionado para a convicção de um prejuízo para a ordem e segurança públicas, onde o juízo de prognose é, naturalmente, "ex ante" a respeito da possibilidade de actuação futura antijurídica por parte do administrado, a Administração detém alguma margem de liberdade e apreciação na respectiva factualidade.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º484/2017)
Importa também ter presente brilhante inculca de que "II. A constatação da existência de fortes indícios de o recorrente ter praticado crime insere-se nos poderes discricionários da Administração, não sindicável pelos tribunais, salvo havendo erro grosseiro e manifesto. III. Não se toma necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art.4º, nº2, al. 3), da Lei nº4/2003 se possa aplicar, "ex vi" art.12°, nº3, da Lei nº 6/2004." (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º94/2015)
Na nossa óptica, é válida ao caso sub judice a sábia jurisprudência que proclama que mesmo nos casos da administração ablativa, impositiva e agressiva, ao recorrente cumpre provar o erro nos pressupostos de facto invocado quando o respectivo procedimento contém todos os factos que permitem o sancionamento disciplinar (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º206/2013).
No caso sub judice, a Participação n.º045/2016-Pº.225.47 acima referida demonstra que existem fortes indícios de o recorrente ter cometido o crime de emprego ilegal, e de a sua entrada constituir perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
E os arestos proferidos pelos Venerandos TSI e TUI julgaram peremptoriamente não verificado o erro nos pressupostos de facto assacado pelo ora recorrente no recurso do despacho de recusa de entrada aplicada a ele, despacho que se angulou também nos factos constantes da sobredita Participação (vide. Acórdãos nos Processos n.º475/2017 do TSI e n.º21/2019 do TUI).
Tudo isto aconselha-nos a colher que o recorrente preenche a condição (da interdição de entrada) consignada na alínea 2) do n.º2 do art.4º da Lei n.º4/2003 e na alínea 1) do n.º2 do art.12° da Lei n.º6/2004, não se verifica in casu o arrogado erro nos pressupostos de facto.
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Ponderando os factos constantes da referida Participação, e à luz da jurisprudência constante e pacífica dos Venerandos TUI e TSI, parece-nos que o período de três anos à interdição de entrada fixado no despacho recorrido não padece de erro grosseiro ou total desrazoabilidade.
Na convicção de a segurança e ordem públicas da RAEM sobrepor absolutamente os interesses privados do recorrente, temos por irrefutável que não se verifica, no caso sub iudice, a assacada violação do princípio da proporcionalidade consagrado no n.°2 do art.5° do CPA.
Afinal, convém referir que o Alto TUI asseverou incansavelmente que «Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração; e o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.» (vide. a título exemplificativo, Acórdãos nos Processos n.º13/2012 e n.º112/2014)
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A jurisprudência mais autorizada inculca (a título exemplificativo, vide. Acórdão do STA no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair 'da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não germina a falta de fundamentação.
Neste caso, o acto recorrido reza (cfr. fls.77 do P.A.): Face a factualidade contida na informação Proposta n.º981/2017-Pº.222.18, a fls.76 e 77 do processo, decido aplicar a A a medida de interdição de entrada na RAEM pelo prazo de 3 (três) anos, considerando o grau de perigosidade e as características e moldura penal do crime sobre o qual existe suspeita da sua prática pelo visado, nos termos da alínea 2) do n.º2 do artigo 12.° da Lei n.º6/2004, conjugada com a alínea 1) do n.º1 do artigo 11.° da mesma Lei.
Avaliando tal despacho nos termos do n.º1 do art.115° do CPA e de acordo com a brilhante jurisprudência supra aludida, e considerando também a audiência e a petição, parece-nos que esse despacho permite o recorrente a conhecer os seus fundamentos de facto e de direito.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

1. O Recorrente é sócio da C Grupo Limitada (“C Macau”), sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis, sob o nº XXXXX(SO).
2. Numa operação policial realizada no dia 14/06/2016, pelas 10H45, foram encontrados dois indivíduos de nome B e D, ambos não residentes da RAEM, a trabalharem na C Grupo Limitada (“C Macau”).
3. O B declarou perante o agente da PSP que era assessor-gerente, contratado pelo A, com o vencimento mensal no montante de USD$9,500.00, prestando serviço semanalmente 4 ou 5 dias, com a carga horária diária por volta de 3 horas.
4. Em 08/03/2017, foi determinada a recusa de entrada do Recorrente pela PSP.
5. Em 14/03/2017, o Recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário contra a decisão da sua recusa de entrada.
6. Em 06/04/2017, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:

“…
於2017年01月18日,本局警員在氹仔客運碼頭邊境站查獲利害關係人。根據本局調查資料,利害關係人為一宗【僱用】案件的嫌犯,並將案件移交檢察院處理。案情顯示於2016年06月14日本局警員在氹仔XXXXXX(C物流公司)進行稽查工作,行動中查兩名非法工作人士,該兩名非法工作人士承認在該公司分別擔任顧問經理的工作,月薪為9500美元及學員,沒有收取額外薪金,但由公司提供其住宿、交通及膳食津貼。利害關係人為C物流公司之東主,根據案中證人口供,其中一名非法工作人士是由利害關係人直接聘請的。考慮到有關行為對本地區公共安全或公共秩序構成危險,因此,根據第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,並行使治安警察局局長透過第3/CPSP/2016P號批示轉授予的權限,本人決定廢止利害關係人的逗留許可,並著令其於2017年01月21日或之前離開澳門特別行政區…”。

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    IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso o Recorrente imputa à decisão os seguintes vícios:
1) - Erro nos pressupostos de facto;
2) – Vício de forma por falta de fundamentação;
3) – Violação do princípio de proporcionalidade.
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Comecemos pela primeira questão:
1) - Erro nos pressupostos de facto
O acto atacado tem o seguinte teor:
“…
於2017年01月18日,本局警員在氹仔客運碼頭邊境站查獲利害關係人。根據本局調查資料,利害關係人為一宗【僱用】案件的嫌犯,並將案件移交檢察院處理。案情顯示於2016年06月14日本局警員在氹仔XXXXXX(C物流公司)進行稽查工作,行動中查兩名非法工作人士,該兩名非法工作人士承認在該公司分別擔任顧問經理的工作,月薪為9500美元及學員,沒有收取額外薪金,但由公司提供其住宿、交通及膳食津貼。利害關係人為C物流公司之東主,根據案中證人口供,其中一名非法工作人士是由利害關係人直接聘請的。考慮到有關行為對本地區公共安全或公共秩序構成危險,因此,根據第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,並行使治安警察局局長透過第3/CPSP/2016P號批示轉授予的權限,本人決定廢止利害關係人的逗留許可,並著令其於2017年01月21日或之前離開澳門特別行政區…”。
Conforme o relatório da PSP, o Recorrente está indiciado da prática de um crime de emprego de trabalhador não autorizado para laborar na sua empresa, facto este que foi detectado numa operação de inspecção ao seu estabelecimento mercantil e com base nisso a Entidade Recorrida entende que a permanência do Recorrente constitui um perigo para a ordem pública, por não respeitar as leis de Macau.
Nesta óptica não nos parece que faltem pressupostos de facto para tomar a decisão em causa, pelo contrário, foi justamente por motivo destes factos ilícitos imputados ao ora Recorrente é que a Entidade Recorrida formou o juízo negativo sobre a continuada permanência do Recorrente em Macau.
Não se deve esquecer que o legislador atribui nesta matéria um poder discricionário à entidade competente para decidir nos termos que veremos a seguir.
Improcede assim o argumento do Recorrente nesta parte do recurso.

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2 - Vício de forma por falta de fundamentação:

Analisados os factos pertinentes, resta ver os comandos legais que regulam a matéria em causa.
A este propósito, o artigo 11º (Revogação da autorização de permanência ) da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto, prescreve:
     1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
     1) Trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal;2
     2) Manifestamente se desvie dos fins que justificam a autorização de permanência, pela prática reiterada de actos que violem leis ou regulamentos, nomeadamente prejudiciais para a saúde ou o bem-estar da população;
     3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
     2. A pessoa a quem tenha sido revogada a autorização de permanência tem de abandonar a RAEM no mais curto prazo possível, não superior a 2 dias, excepto se:
     1) Permanecer legalmente na RAEM por mais de 6 meses, caso em que dispõe de um prazo para abandoná-la não inferior a 8 dias, sem prejuízo do disposto na alínea seguinte;
     2) Constituir grave ameaça para a segurança ou ordem públicas, caso em que pode ser decretado o abandono imediato.
     3. O despacho de revogação da autorização de permanência fixa a data até à qual a pessoa tem de abandonar a RAEM.
     4. A competência prevista no n.º 1 é delegável.
O Recorrente imputa à decisão o vício da forma motivado pela falta de fundamentação.
Ora, em matéria de fundamentação da decisão administrativa, o artigo 115.º (Requisitos da fundamentação) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prescreve:
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados

Nestes termos, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação formal distingue-se da fundamentação material. À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Como ensina Vieira de Andrade (O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.), o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a relatividade do conceito da fundamentação da decisão administrativa, destacando que o que releva é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
No caso dos autos, atendendo à matéria sobre que versou o acto recorrido, de 06/04/2017, e ao teor do mesmo, referenciando-se inequívoca e expressamente o enquadramento legal em que se move, ou seja, o previsto no artigo 11º da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto, com o que fica satisfeita a exigência de fundamentação de direito, o acto também arregimenta os fundamentos fácticos essenciais levados em conta para denegar a pretendida autorização de residência.

No entender da entidade recorrida, os indícios fortes de prática de um crime imputado ao Recorrente constituem uma ameaça potencial à segurança pública e ordem social de Macau. Há falta de confiança na capacidade do Recorrente para o cumprimento da lei de Macau, pelo que, ao abrigo da alínea 3) do n.º1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, decidiu revogar a sua autorização da permanência em Macau.
Perante este quadro (mesmo sem necessidade de atender à mais pormenorizada fundamentação constante informação complementar do PA), um destinatário normal fica a perceber claramente quais os motivos que determinaram que a Entidade Recorrida revogou a autorização da permanência, estando claramente demonstradas as razões de facto e de direito subjacentes à decisão ora posta em crise.
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De realçar aqui, que nesta matéria, o legislador reconhece à entidade administrativa um amplo poder de decisão, de natureza discricionária, declarando expressamente no preceito legal do artigo 11º da citada Lei, “pode ser revogada … (a autorização da permanência)…”. Ensinava o Prof. Rogério Soares nesta matéria:
(…)
40. Depois do que se disse, parece-nos legítimo sustentar que a discricionariedade pode ser atribuída por diversas vias:
a) Os poderes discricionários do administrador são eventualmente resultado duma remissão para conceitos-tipo, sem se curar de saber se a indeterminação reside na hipótese ou na estatuição.
b) A discricionariedade surgirá ainda porque se impôs ao agente o dever de utilizar padrões de valoração de qualidade de pessoas ou coisas dos quais tem o monopólio legal. É o que se passa com o funcionamento de júris de exame, que se apoia na suposição de que os seus membros usufruem dos conhecimentos técnicos suficientes – que poderiam ser também encontrados em outros órgãos equivalentes – mas, além disso, duma capacidade incontrolável de apreciação da importância relativa dos conhecimentos ou da habilidade demonstrada para o desempenho duma tarefa específica, da atribuição duma habilitação genérica ou de concessão dum status. Quer dizer: não se trata apenas de decidir se está certo ou errado, bem ou mal feito, mas se os resultados positivos são bastantes para preencher um estalão incontrolável ou alcançar um dos seus sucessivos degraus. Identicamente acontece com a classificação de coisas do ponto de vista artístico, histórico, paisagístico ou ecológico.
A estes casos deve somar-se o conjunto das situações caracterizadas por uma avaliação de circunstâncias futuras (“decisões de prognose”).
É isto que, sem o querer, a corrente do controlo total acabar por ter de aceitar quando se afasta duma revisão judicial nos casos de prerrogativa de avaliação.
c) E, naturalmente, por fim, a discricionariedade surge ainda nas situações em que o legislador directamente concede ao agente uma “faculdade de acção”, isto é, em que remete para duas ou mais soluções à escolha.

Chegarmos às conclusões anteriores não invalida contudo o trabalho de análise do material jurídico posto à disposição do administrador, que as várias correntes representam. É que compreender o sentido de cada grau de vinculação não satisfaz um desejo bizantino. Convém não esquecer que qualquer discricionariedade que se atribua não equivale à aceitação do arbítrio, não permite uma solução de moeda ao ar. Nem sequer vale como uma remissão para uma responsabilidade moral do agente. Ora, se há encargo jurídico que pesa sobre o agente, ele careceria de sentido caso não se previsse a existência de um controlo. (in Direito Administrativo, Rogério Soares, lições ao alunos do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 61 e seguintes).

No caso em análise, como está em causa o exercício de poder discricionário, poderá discutir-se se a decisão ora recorrida viola ou não os princípios gerais de Direito Administrativo, nomeadamente o princípio de justiça e de proporcionalidade, com isso entramos na análise da 3ª questão suscitada pelo Recorrente.
Pelo que, nesta parte do recurso, julga-se igualmente improcedente o argumento invocado pelo Recorrente.
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3 – Violação do princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5º do CPA, ao estabelecer que
«2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar”.
Entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
É ideia dominante que não cabe ao Tribunal decidir se revogaria ou não a autorização da permanência em Macau, se lhe competisse decidir. Essa é uma avaliação que a lei pôs a cargo da Administração.
Ao Tribunal apenas cabe avaliar se houve um erro evidente, escandaloso, no exercício de poderes discricionários.
E no caso dos autos, não nos parece que tenha havido violação do princípio da proporcionalidade, erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Assim, basta a verificação dos pressupostos da alínea 3) deste n.º 1 do artigo 11.º da Lei nº 6/2004 (existir perigo para a segurança e ordem social de Macau, exemplo: preparação ou prática de crime) - como foi o caso dos autos – para fundamentar a revogação da autorização de permanência.
Tudo isto demonstra que não houve violação da lei.
Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na tomada da respectiva decisão e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro (não manifesto), é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I – Em matéria de revogação da autorização da permanência em Macau, ao abrigo do disposto na alínea 3) deste n.º 1 do artigo 11º da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto, o legislador atribui ao Chefe do Executivo um poder discricionário (delegável), pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode ser revogada (a autorização da permanência)” ( norma interpretada a contrário significa “pode não ser revogada”).
II – Os “fortes indícios” da prática de um crime de emprego ilegal são circunstâncias subsumíveis na alínea 3) do nº 1 do artigo 11º da citada Lei e como tal não há erro nos pressupostos de facto.
III – A decisão administrativa tomada no exercício de um poder discricionário só poderá ser judicialmente sindicável quando o exercício de tal poder represente um erro manifesto, ou constitui uma total desrazoabilidade. Mas não é caso do autos, o que impõe à manutenção da decisão recorrida.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixa em 8 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 14 de Maio de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 Processo redistribuído em 11/04/2019, conforme a deliberação do CMJ, de 04/04/2019.
2 Alterado pela Lei n.º 21/2009
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