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Proc. nº 78/2020
Recurso jurisdicional em matéria cível
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Abril de 2020
Descritores:
- Responsabilidade solidária das concessionárias de jogo
- Artºs 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002

SUMÁRIO:

O espírito normativo dos artºs 29º e 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é no sentido de atribuir responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo, administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades destes, é razoável e lógico exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com eles as responsabilidades decorrentes das mesmas.




Proc. nº 78/2010

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRPM nº XXX, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau, ---
Instaurou no TJB (Proc. nº CV1-17-0030-CAO) acção declarativa em processo comum sob a forma de processo ordinária contra:
- B, Registo Comercial nº 25221SO, com domicílio de pessoal colectiva localizado na XXX. ----
-C, Registo Comercial nº 14917SO, com domicílio de pessoa colectiva localizado na XXX, ----
Pedindo a condenação solidária destas no pagamento de HKD1.000.000,00 e juros respectivos, nos termos da p.i., aqui dados por reproduzidos.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.
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Contra essa sentença vem interposto recurso jurisdicional apresentado pela 2ª ré “C”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a B no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(ii) A Sentença Recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade· das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) o depósito em numerário efectuado pelo Recorrido junto da B tinha conexão directa com o jogo; e (c) esse depósito se subsumia no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, não tendo a Sentença considerado preenchido qualquer outro segmento da previsão normativa;
(iii) O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(iv) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(v) A interpretação do referido artigo 29.º professada pelo Tribunal a quo importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(vi) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(vii) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(viii) Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(ix) Se o legislador tivesse querido instilar-Ihe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(x) A Sentença Recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.º e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xi) O Tribunal a quo não fundamenta a condenação da Recorrente na norma contida na alínea 5) do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o que se afigura correcto porque a mesma só poderia ser aplicada com apoio em matéria de facto que não se provou por não ter sido quesitada;

(xii) Aliás, a especificação de um regime de solidariedade na condenação da Recorrente sempre afastaria necessariamente a possibilidade de esta se alicerçar na aludida alínea 5) do artigo 30.º;
(xiii) Por cautela de patrocínio, na hipótese de se entender que a Sentença Recorrida se teria escorado também na omissão do dever de fiscalização consagrado nessa disposição legal, sempre se dirá que o Tribunal a quo teria então (a) violado lei substantiva por considerar que a quebra do dever imposto pela norma gera responsabilidade perante o público, e não apenas perante o regulador, e, (b) violado lei adjectiva, a saber, o artigo 562.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, por se basear, como pressuposto da condenação, no incumprimento dum dever cuja subjacente factualidade - “fiscalizou ou não fiscalizou” - não integrou a discussão da matéria de facto porque não fazia parte da Base Instrutória.
PELO EXPOSTO, e com douto suprimento
deverá julgar-se procedente este recurso e, aplicando-se o regime jurídico adequado, revogar-se a Sentença do Tribunal Judicial de Base, na parte de que se recorre, e decidir-se pela absolvição da Recorrente do pedido em que foi condenada, assim se fazendo Justiça!”
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O autor respondeu a este recurso, nos seguintes termos:
“1. O art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é mais abrangente que o art.º 23, n.º 3 da Lei n.º 16/2001.
2. Se calhar entre o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 e a Lei n.º 16/2001 existe mais do que apenas uma relação subsidiária; antes o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 estabelece normas iniciais para os assuntos não cobertos pela Lei n.º 16/2001. Portanto, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não é puramente um Regulamento Administrativo subsidiário.
3. Se os dois fossem realmente subsidiários um ao outro, então porque é que os legisladores não acrescentaram expressões como “assumir responsabilidades perante o Governo”, a fim de tirar dúvidas dos aplicadores da lei? A resposta é evidente: os legisladores esperam dispor sobre situações diferentes através das duas disposições diferentes.
4. Visto que o art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 não dispõe expressamente que se aplique somente aos casos de assumir responsabilidades perante o Governo, além disso são diferentes os âmbitos de aplicação das duas disposições acima citadas, o recorrido entende que os motivos de recurso nesta parte devem ser julgados como improcedentes.
5. Os legisladores impõem através da legislação que a C, enquanto concessionária de jogo se responsabilize por supervisionar a B, que desenrola actividades de promoção de jogos no casino. Eis porque todas as actividades de promoção de jogo desenvolvidas pela B são feitas igualmente a proveito da C.
6. Como as actividades desenvolvidas no casino pela B trazem proveito à C, basta provar que as actividades desenvolvidas pela B prejudicaram outrem e que por quanto concerne ao assunto, a C não cumpriu a obrigação de supervisão como devia ter feito, à luz da disposição acima citada, a C obriga-se a assumir responsabilidades solidárias juntamente com a sua promotora B a fim de pagar a indemnização.
7. Como revelam os factos provados, depois de o recorrido ter depositado o dinheiro em discussão, por várias vezes o recorrido pediu à B devolver o depósito em causa. A B, não apenas não o fez, na contestação até afirmou nunca ter recebido o dinheiro depositado pelo recorrido em causa; além do mais, a C afirmou na contestação não saber se o recorrido tinha depositado o dinheiro ou não, e nunca ter notado que a B tinha o problema de falta de solvabilidade.
8. Assim, pode-se ter a certeza de que a recorrente C não cumpriu devidamente a sua obrigação legal de supervisão.
9. Eis porque se a C se tivesse esforçado por cumprir a sua obrigação legal de supervisão, então não teria ignorado o facto ou não teria deixado a B receber um grande número de depósitos durante muitos anos sem qualquer aviso ou prevenção.
10. Portanto, segundo o recorrido, no presente caso não existe o vício indicado pela recorrente B (sic – nota da tradutora) da falta de factos concretos que sustentem a decisão recorrida.
11. O recorrido também queria indicar que segundo os factos provados m) e n) os objectos depositados eram fichas, e que o objectivo com o qual as fichas foram depositadas na Sala VIP B era: quando o recorrido chegava à Sala VIP para jogar, podia tirar as fichas já depositadas para poder jogar.
12. Então, sem qualquer dúvida, o depósito em discussão estava relacionado com o jogo.
13. Então, nos termos do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, dado que a C não cumpriu adequadamente a obrigação de supervisionar a B, deve assumir a responsabilidade solidariamente com a B para devolver ao recorrido o depósito em causa de HKD1.000.000,00 bem como os juros de mora, eis porque o depósito em discussão estava relacionado com o jogo.
***
Com base em todos os factos e motivos jurídicos, pede-se aos Mm.os Juízes a habitual justiça, julgando improcedentes todos os motivos de recurso apresentados pela recorrente C e sustentando a decisão recorrida proferida pelo tribunal a quo.”
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Também a 1º ré, “B”, recorreu da sentença, nos seguintes termos conclusivos:
“1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pelo Autor contra a 1.ª Ré, da condenação ao pagamento do montante de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora.
2) A acção que deu origem ao presente recurso, fundou-se num depósito realizado a 1 de Maio de 2015 no montante de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong), na conta aberta pela esposa do Autor, H, sendo que dos autos inexiste qualquer informação nesse sentido, e apenas existe informação relativa a uma conta aberta em nome do Autor.

3) Os quesitos 4.º, 5.º e e 6.º foram quesitados da seguinte maneira: “4. No dia 1 de Maio de 2015, o Autor depositou as fichas numerárias na quantia de HKD$1,000,000.00 na referida conta (80440186) de que a sua esposa H era titular?”
“5. Depositando o dinheiro, a 1.ª Ré emitiu ao Autor o “recibo de depósito de fichas” n:º 014564, cujo teor é: “Certifica-se por este meio que A (depositante), às 137100, documento de identidade n:º 5106316(2), depositou o numerário de HKD$1,000.000.00 ?
6. O supramencionado recibo de depósito de fichas foi assinado na presença do responsável da tesouraria da sala VIP “B” e de uma testemunha dessa sala onde consta a assinatura do Autor para comprovar que o referido montante já tinha sido depositado na conta n.º 80441086?”
4) Tendo sido a resposta aos quesitos foi realizada da seguinte forma: 4. Provado apenas que no dia 1 de Maio de 2015, o Autor depositou as fichas numerárias na quantia de HKD$1,000.000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong) na referida conta n:º 80441086 e os quesitos 5.º e 6.º da base instrutória foram julgados provados.
5) A convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas do Autor, para provar que aquando do alegado depósito duas das testemunhas, amigas do Autor, acompanharam-no na realização daquele depósito. Assim como, do documento junto aos autos, que consistia num talão de depósito original que ficou na posse do Autor, constante de fls. 256 dos autos.
6) De forma a provar que os quesitos 4.º e 6.º da base instrutória deveriam ter sido dado como não provados no sentido da não realização de depósito no montante supra melhor mencionado, junto da ora Ré, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova documental, mormente, o talão de depósito junto pelo Autor, junto como doc. nº 7 da p.i., em contraposição com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pela testemunha da ora Ré, Recorrente, D, e para contra-prova dos depósitos, E e F, testemunhas do Autor.

7) Do depoimento da testemunha da Ré, ora Recorrente e das passagens transcritas, resultou que: (i) a ora Recorrente, junto da sua tesouraria, tinha procedimentos para preenchimento dos talões de depósitos, mormente, indicação do número de conta do depositante, a quantia depositada teria que ser por extenso e impressa através duma máquina e, não manuscrita; (ii) para proceder ao levantamento de quantias depositadas era necessário verificar a existência da conta, de talão de depósito original pelo cliente e só assim se procedia a devolução; (iii) que sem conta não se podia depositar montantes e que no caso em apreço, não havia dinheiro a devolver porque o talão não havia sido emitido pela Ré, ora Recorrente. 8) Ora, no caso dos autos, o talão de depósito conforme junto pelo Autor, como doc. n.º 7 da p.i., não consta número de conta e a quantia que deveria ter sido impressa, está manuscrita.
9) Por outro lado, do depoimento das duas testemunhas do Autor, E e F, resulta que, dificilmente, poderão ter estado ambos com o Autor, aquando da realização do depósito realizado pelo Autor, e dificuldades há também em crer que tal tenha sido realizado junto da tesouraria da Ré, ora Recorrente.
10) Isto porque a linha temporal apresentada pela testemunha E, coloca apenas a testemunha e o Autor na tesouraria da 1.ª Ré, por volta do “meio dia e tal”. Já a testemunha F, colega do Autor, afirma que naquele dia estava no 1.º turno, que começava às 8 da manhã e acabava às 4 da tarde, que teriam saído por volta das 11h45 e regressado às 12h45 e, que teriam ido os três almoçar.
11) Ora, tais depoimentos colidem, e quando confrontados com a hora aposta no alegado talão de depósito emitido pela 1.ª Ré, também não coincidem porque a hora lá aposta é 13h00.
12) Pelo que não é crível, sequer, se pode aceitar estes depoimentos como verosímeis, na medida em que, como supra melhor referido, os depoimentos destas testemunhas está inquinado porque pejado de inconsistências graves, as quais não podemos ignorai.
13) Pese embora, o princípio da livre apreciação de prova impere, com o devido respeito, é claro e notório que nos presentes autos, a conjugação da prova testemunhal com a prova documental não foi feita de uma forma congruente.

14) Entendemos, que face à matéria produzida nos autos, outra solução não restaria dar uma resposta no sentido de dar como não provado o depósito alegadamente realizado pelo Autor junto da ora Ré.
15) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
16) Com o devido respeito, mal andou o tribunal a quo ao dar como provado o depósito da quantia peticionada pelo Autor e que a 1.ª Ré, ora Recorrente não havia restituído tal quantia, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
17) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que nunca esteve consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
18) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010t reza o seguinte: “- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado”
19) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitost i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar aquilo que já foi restituído.

20) Não pode a ora Recorrente devolver aquilo que não está em seu poder, não porque se tenha locupletado de tal quantia, mas porque tal quantia nunca foi depositada junto da ora Recorrente!
21) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da 1.ª Ré, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor ao autor, ora Recorrido.
22) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alterados as resposta aos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória no sentido de ser dado como não provado o depósito alegadamente realizado pelo Autor junto da 1.ª Ré, ora Recorrente, no montante de HKD$1,000,000.00 (um milhão de dólares de Hong Kong); (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e que seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido da condenação da Recorrente.”.
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O autor igualmente respondeu a este recurso, nos seguintes termos:

“1. A razão principal pela qual a B interpôs o presente recurso é apenas para apresentar impugnação em relação aos factos 4 a 6 da base instrutória.
2. São dois os motivos principais: o primeiro é que a testemunha da B indica que o certificado do depósito em causa não tinha o número de conta; e que segundo a prática normal da caixa dela, o montante em maiúsculas no certificado era gerado e impresso com uma impressora, em vez de escrito à mão; além disso, não devia haver qualquer selo no certificado. O outro motivo é que segundo a B, existem divergências entre os depoimentos das 2 testemunhas arroladas pelo autor. Portanto, não se deve acreditar nos depoimentos deles.
3. A B não devia ter levantado a primeira questão. Eis porque a B não apresentou qualquer impugnação sobre os factos 14 a 15 da base instrutória.
4. Segundo as respostas aos factos 14 a 15 da base instrutória, como não estão provados os seguintes: o certificado de depósito em causa devia ter o número de conta; segundo a prática normal da caixa, o montante em maiúsculas no certificado devia ter sido gerado e impresso com uma impressora; não devia haver qualquer selo no certificado; não havia registo do certificado de depósito em causa no sistema informático da B.
5. Portanto, basta o facto de que os factos 14 a 15 da base instrutória não foram provados para ter a certeza de que o primeiro motivo da impugnação deve ser julgado como improcedente.
6. Por outro lado, de acordo com o certificado de depósito em causa constante dos autos a fls. 256, na prática real, os funcionários da caixa podiam preencher ou com "o número de cliente" ou com "o número de documento" de quem depositava.
7. Além disso, segundo o conteúdo do certificado do tribunal constante dos autos a fls. 257 e as seguintes, num outro processo, foram escritas à mão todas as maiúsculas no certificado de depósito com o número de referência DA006337. Então é por isso que se pode ter a certeza que o certificado de depósito não foi emitido pela caixa da B? A resposta é negativa. Eis porque segundo a página 112 do certificado, havia registo do certificado de depósito com o número de referência DA006337 em causa no sistema informático da B!!!
8. Portanto, a forma de preenchimento dos certificados de depósito emitidos pela caixa da B não era sempre consistente.
9. Segundo o recorrido, a forma de preenchimento dos certificados de depósito dependia da preferência da prática dos funcionários da caixa!!!
10. Segundo o recorrido, evidentemente não se deve julgar procedente o motivo apresentado pela B, de que como a forma de preenchimento do certificado de depósito em causa não corresponde à forma entendida pela B, por isso os factos 4 a 6 da base instrutória devem ser considerados não provados.
11. Quanto ao segundo motivo apresentado pela B, apesar das divergências entre os depoimentos prestados durante o julgamento pelas duas testemunhas da parte do autor sobre quando tinham acompanhado o autor depositar o dinheiro em causa. (sic – nota da tradutora)
12. As duas testemunhas não são partes do processo, a isso acresce o facto de que entre o acto de depósito em causa e o dia de julgamento tinham passado cerca de 4 anos!!! Pergunta-se como é que as testemunhas conseguiam indicar minuciosamente a hora concreta do começo do almoço e a do depósito???
13. Segundo o recorrido, apenas com a divergência acima mencionada, não se pode derrubar a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos factos 4 a 6 da base instrutória, porque a diferença não foi óbvia nem grave, e em todo o caso não obstava completamente ao tribunal a quo dar como assentes os factos através das outras provas constantes dos autos!!!
14. Portanto, segundo o recorrido, o motivo de que existe diferença entre as horas indicadas pelas testemunhas nos depoimentos por si só não é suficiente para negar completamente e duvidar da livre apreciação do tribunal a quo. Portanto, o motivo também deve ser julgado como improcedente.
15. Com o pressuposto de que a matéria de facto se mantém inalterada, segundo todos os factos provados, o recorrido depositou efectivamente o dinheiro em causa na Sala VIP explorada pela B. Depois pediu à B por múltiplas ocasiões devolver o dinheiro, mas foi recusado.
16. Então com os factos provados no processo, nos termos do art.º 1111.º e do art.º 1113.º, alínea c) do CC, a B tem realmente a obrigação de devolver o dinheiro depositado pelo recorrido quando interpelada pelo recorrido.
17. Igualmente, com os pressupostos factuais inalterados, nos termos do art.º 793.º e do art.º 795.º do CC, a B tem também a obrigação de pagar os juros legais referentes ao período da mora enquanto indemnização.
18. Portanto, deve-se julgar improcedentes todos os motivos de recurso apresentados pela B.
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Com base em todos os factos e motivos jurídicos, pede-se aos Mm.os Juízes a habitual justiça, julgando improcedentes todos os motivos de recurso apresentados pela recorrente B e sustentando a decisão recorrida proferida pelo tribunal a quo.”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença sindicada deu por provada a seguinte factualidade:
“a) A 1ª Ré foi constituída em Macau a 12 de Julho de 2006 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau no dia 22 de Agosto de 2006 sob nº 25221(SO); (alínea a) dos factos assentes)
b) Dedicando-se à actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea b) dos factos assentes)
c) A 2ª Ré foi constituída em 17 de Outubro de 2001, efectuando esta mesma data o registo comercial junto da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob nº 14917(SO); (alínea c) dos factos assentes)
d) E dedica-se à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea d) dos factos assentes)
e) No dia 24 de Junho de 2002, a 2ª Ré e o Governo da RAEM celebraram o “contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino da RAEM”; (alínea e) dos factos assentes)
f) No dia 8 de Setembro de 2006, a 2ª Ré e o Governo da RAEM efectuaram “a primeira alteração ao contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino da RAEM”; (alínea f) dos factos assentes)
g) A 1ª Ré é promotora de jogos desde 2005, sob nº E089; (alínea g) dos factos assentes)
h) Por a 1ª Ré e a 2ª Ré terem celebrado o “contrato de promotor de jogos” e o “acordo de autorização de crédito”, a 1ª Ré foi autorizada pela 2ª Ré a dedicar-se à promoção de jogos e à actividade de concessão de crédito; (alínea h) dos factos assentes)
i) A 1ª Ré estabeleceu o “B VIP Club” nas instalações da 2ª Ré; (alínea i) dos factos assentes)
j) No dia 1 de Maio de 2015, a 1ª Ré tinha um único sócio e administrador que é G; (alínea j) dos factos assentes)
k) O Autor é cliente do “B VIP Club”, explorado pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
l) O Autor tinha uma conta no “B VIP Club” com o nº 80440186; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
m) A razão pela qual o Autor abriu a conta era o depósito do numerário e das fichas de jogo de fortuna ou azar, para que procedesse ao seu levantamento durante o jogo; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
n) No dia 1 de Maio de 2015, o Autor depositou as fichas numerárias na quantia de HKD1.000.000,00 na referida conta nº 80440186; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
o) Depositando o dinheiro, a 1ª Ré emitiu ao Autor o “recibo de depósito de fichas” nº 014564, cujo teor é: “Certifica-se por este meio que A (depositante), às 13h00, documento de identidade nº 5106316(2), depositou o numerário de HKD1.000.000,00”; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
p) O supramencionado recibo de depósito de fichas foi assinado na presença do responsável da tesouraria da sala VIP “B” e de uma testemunha dessa sala onde consta a assinatura do Autor para comprovar que o referido montante já tinha sido depositado; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
q) O supracitado montante de HKD1.000.000,00 jamais foi levantado desde o dia 1 de Maio de 2015, data em que este foi depositado no B VIP Club, explorado pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
r) Após 8 de Setembro de 2015, o Autor solicitou à 1ª Ré para que lhe restituísse este montante de HKD1.000.000,00; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
s) A 1ª Ré não autorizou que o Autor levantasse o montante depositado de HKD1.000.000,00; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
t) Posteriormente, o Autor deslocou-se várias vezes ao B VIP Club solicitando o levantamento da quantia depositada de HKD1.000.000,00, mas foi recusado pelo(s) funcionário(s) do B VIP Club; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
u) Desde aí o Autor jamais conseguiu levantar o HKD1.000.000,00 em causa. (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)”.
***
III – O Direito
Recurso da ré “C”
1 - Pretende ela, no essencial, e em termos que acima já reproduzimos, insurgir-se contra a sua condenação solidária com a ré “B”.
Vejamos o teor da sentença:
«Cumpre assim apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artº 1070º do C.Civ. «mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
Segundo o artº 1111º do C.Civ. «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida». «Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis» - cf. artº 1131º do C.Civ. -, aplicando-se ao depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo.
Por sua vez o Código Comercial sob o título de contratos bancários, nos artigos 840º e seguintes regula o depósito bancário como sendo o depósito de uma quantia em dinheiro num banco mediante a obrigação por banda deste de a restituir em moeda da mesma espécie.
Ora, da factualidade apurada nas alíneas k) a p) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre o Autor e a 1ª Ré aquele entregou a esta o valor de HKD1.000.000,00.
Resulta das regras da experiência ser prática corrente nas salas VIP os clientes constituírem contas que segundo o acordado tanto podem permitir ao cliente obter empréstimos em fichas de jogo até determinado valor, como também permitir ao cliente depositar as fichas que comprou ou ganhou nessa mesma conta até voltar a jogar ou decidir levantá-las.
Embora esta actividade tenha semelhanças e ande próxima dos contratos bancários, quando feita através de fichas de jogo, ela não se confunde com a actividade bancária, tal como também acontece com os empréstimos a que alude a Lei nº 5/2004.
Assim sendo, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do artº 1132º do C.Civ..
No caso dos autos alegava-se na p.i. ser a conta titulada pela esposa do Autor mas ter sido este quem fez o depósito e quem movimentava a conta, o que motivou que a 1ª Ré viesse suscitar a questão da legitimidade do Autor para reclamar o depósito – excepção que em termos adjectivos foi julgada improcedente -. Contudo, o que resultou demonstrado é que a conta era titulada pelo próprio Autor e que o depósito foi feito por si, pelo que, em termos substantivos está afastada a dúvida colocada quanto à titularidade da mesma.
O Autor reclama a entrega da coisa depositada acrescida de juros a contar da citação.
Quanto ao prazo da entrega segundo o nº 2 do artº 1075º do C.Civ. (aqui aplicado “ex vi” artº 1132º do C.Civ.) não se tendo fixado prazo pode qualquer das partes pôr termo ao contrato desde que o denuncie com a antecedência de trinta dias.
Das alíneas r) e t) resulta que após 08.09.2015 o Autor reclamou da 1ª Ré a devolução da quantia depositada, pelo que, aceitando-se que tal facto haja ocorrido durante o mês de Setembro, se impõe concluir que a 1ª Ré havia de ter entregue ao Autor o valor do depósito pelo menos até 30 de Outubro, uma vez que não se apurando o dia mas apenas o mês o prazo não pode começar a contar antes de 30 de Setembro de 2015.
Não o tendo feito incorreu a 1ª Ré em incumprimento.
De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. o devedor que falte ao cumprimento da sua obrigação incorre na obrigação de indemnizar o que, no caso de obrigações pecuniárias (como é o caso dos autos) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 795º do C.Civ. –, sendo certo que, no caso em apreço apenas foram pedidos juros a contar da data da citação a qual foi posterior a 30.10.2015.
Concluindo deve ser ordenada a restituição ao Autor da quantia de HKD1.000.000,00 acrescida de juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
Da responsabilidade solidária das Rés.
A este respeito invoca o Autor a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
De entre as obrigações das concessionárias nos termos do artº 30º do Regulamento Administrativo 6/2002 consta informar factos que possam afectar a solvabilidade dos promotores de jogo e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais dos promotores de jogo, entre outras.
Ou seja, de acordo com as alegadas disposições legais a concessionárias têm o poder dever de fiscalizar toda a actividade dos promotores de jogo que exercem a sua actividade nos seus casinos. Veja-se a propósito a alínea 6) do artº 22º da Lei 16/2001 que impõe às concessionárias a instalação nas salas de jogo do sistema electrónico de vigilância e controlo, o qual, como resulta das regras da experiência, permite inclusivamente visionar a entrega de dinheiro e fichas nas tesourarias das salas.
Tal como já se referiu supra, subjacente a esta acção está um contrato de depósito realizado por um cidadão num promotor de jogo que funcionava junto da 2ª Ré.
A actividade conexa com os jogos de fortuna e azar não se limita ao jogo propriamente dito, compra e troca de fichas, mas também, à concessão de crédito – a qual igualmente está condicionada a licença para o efeito – bem como a estes contratos de depósito de fichas.
Não estando os concessionários nem os promotores de jogo autorizados a exercer a actividade bancária, o crédito concedido e os depósitos recebidos apenas o podem ser em fichas de jogo, sendo certo que, no caso do depósito a materialização do mesmo se confunde um pouco entre a entrega do numerário e/ou o uso de numerário para comprar fichas de jogo que são imediatamente depositadas, o que se revela ser a prática corrente1 .
Contudo, compra, venda, empréstimo e recebimento em depósito de fichas de jogo, são por natureza actividades conexas com os jogos de fortuna e azar.
Ora, se o cliente entrega uma quantia em numerário que é imediatamente trocada em fichas de jogo que são depositadas (ainda que não haja o acto material de entregar as fichas ao cliente e este devolver as fichas para serem depositadas) ou se o cliente entrega as fichas que tem na sua posse proveniente do resultado de apostas ou porque as comprou, na tesouraria da sala VIP para ai ficarem em depósito o que ocorre é que esta acção envolve fichas de jogo e está directamente relacionada com o jogo.
Mais ainda nos termos da alínea 1) do nº 1 do artº 7º da 2/2006, alínea 2) do nº 1 do artº 3º do Regulamento Administrativo nº 7/2006 e artº 10º da Instrução nº 1/2006 da DICJ, no que concerne aos Relatórios de Operações de Valor Elevado, o que resulta é que todas as operações – compras de fichas, apostas, crédito e reembolso/depósitos de fichas – que num período de 24 horas excedam o valor de MOP500.000,00 têm obrigatoriamente que ser declaradas situação pela qual o próprio concessionário é também responsável para além do promotor de jogo.
Destarte, se nos termos da legislação aplicável, como vimos supra, o concessionário (ou subconcessionário) está obrigado a fiscalizar a actividade do promotor de jogo – alínea 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 – e se são responsáveis pela actividade desenvolvida por estes – nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 -, não há como não se entender que estas operações de tesouraria, pagamentos, empréstimos, depósitos, para além das relacionadas com apostas e compra e troca de fichas, não caibam dentro do âmbito da responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Neste sentido se entendeu no Acórdão do Venerando tribunal de Segunda Instância de 11.10.2018 proferido no Processo 475/2018.
Pese embora tenhamos inicialmente defendido posição contrária, viemos posteriormente a aderir aos argumentos do indicado Acórdão.
Destarte, estando provada a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo – e sendo de entender face a todo o exposto que os depósitos de fichas realizados nas promotoras de jogo é uma actividade conexa com a actividade de jogos de fortuna e azar, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é a 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pelo Autor na 1ª Ré.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condenam-se as Rés solidariamente a devolver ao Autor a quantia de MOP1.030.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar da data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.»
A sentença impugnada é de manter inteiramente, nos termos do art. 631º, nº5, do CPC.
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2 - Em todo o caso, e com a devida vénia, não deixamos de transcrever parte de um outro aresto (entre vários) que sobre o assunto teve oportunidade de se debruçar. Referimo-nos, concretamente, ao Ac. deste TSI, de 24/10/2019, Proc. nº 790/2019, o qual, na parte que aqui interessa, afirmou o seguinte:
“Teve este TSI oportunidade de se confrontar com um caso em que se responsabilizava o promotor do jogo em solidariedade com o casino, que por acaso era o mesmo que aqui está em conflito com o autor da acção. Referimo-nos ao Ac. do TSI, de 11/10/2018, Proc. nº 475/2018.
Foi dito nesse aresto:
“Dispõe o artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 que “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”. Por seu turno, a al. 5) do artº 30º do mesmo Regulamento Administrativo prevê que a concessionária tem obrigação de “fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais”. Conjugando estes dois preceitos, achamos que o espírito normativo é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas. Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala de VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária. Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do artº 29º do citado Regulamento Administrativo.”
A mesma solução de solidariedade ficou patente no recente Ac. deste TSI, de 10/10/2019, no Proc. nº 749/2019, que estabeleceu o seguinte:
“Com efeito, nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.” 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 2a Recorrente/Ré a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 1.a Recorrente/1.ª Ré, promotora de jogo que a 2a Recorrente/Ré contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos;
Nos termos do n.º 3 do artigo 410.º do CPC: “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento [...].”
A 2a Recorrente tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que foi celebrado contrato de depósito entre o Recorrido e a 1.ª Recorrente e se esta recebeu e não devolveu as quantias indicadas pelo Recorrido, pelo que, a alegação de desconhecimento de tais factos equivale à respectiva confissão;
*
O artigo 30.º (Obrigações das concessionárias) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 Abril, dispõe:
“Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1) Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2) Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3) Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4) Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5) Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6) Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7) Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8) Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9) Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.”
Luís Pessanha, in “O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau” (publicado na Revista de Administração, n.” 77, Vol. XX, 2007/3, 847-888, páginas 878 e 879), defende:
“Importa ainda referir que os promotores de jogo apenas podem desempenhar a sua actividade em associação com um casino, o qual promovem junto do público e para o qual procuram angariar apostadores endinheirados (designados no jargão do sector do jogo como os “premium players”), o que leva a que se tenha considerado que se deva exigir que após o licenciamento, o promotor de jogo se deva registrar, anualmente, perante, pelo menos, um determinado sub/concessionário (vd. artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), formalizando-se por escrito a relação entre o promotor e o respectivo sub/concessionário e dando-se cópia de tal contrato (e de qualquer outro entre estas partes que tenha um valor económico de pelo menos 1 milhão de patacas), à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vd. artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
[ ... ]
Os sub/concessionários devem submeter anualmente, até 31 de Outubro do ano em curso, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte (vd. artigo 28.º n.º 1 do Regulamento Administrativo nº 6/2002). O que implica também que os sub/concessionários tenham a obrigação de manter uma lista actualizada dos promotores de jogo, respectivos administradores, principais empregados e colaboradores, que estejam registados junto deles (vd. artigo 28.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
Este registo anual dos promotores de jogo junto do respectivo sub/concessionário não é uma mera formalidade, mas determina antes, uma verdadeira responsabilidade solidária dos sub/concessionários pela actividade desenvolvida nos casinos, pelos “seus” promotores de jogo, respectivos administradores e colaboradores (vd. artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.o 6/2002. Os sub/concessionários devem proceder a uma fiscalização activa e diligente da actividade dos promotores de jogo e assegurar que estes dão o devido cumprimento às suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, comunicando às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa (nomeadamente, branqueamento de capitais por parte dos promotores de jogo) e assegurar a necessária correcção e urbanidade de relacionamento entre os promotores de jogo registados no mesmo sub/concessionário [ ... ]. (destaque nosso)”2
Neste contexto, a 2a Recorrente C Resort S.A. na sua qualidade de concessionária, não pode alegar que desconhece, sem obrigação de conhecer, a actuação dos promotores de jogo que contratou, sobretudo, quando as promotoras cessaram a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes.
Mais, quando o que está em causa são actos praticados e contratos celebrados dentro dos casinos que explora - como é o caso dos autos.
Não só a 2a Recorrente tem a obrigação legal de fiscalizar toda a actuação dos promotores de jogo nos seus casinos,
Como, doutro passo, tem a obrigação de, perante um litígio ou potencial litígio, aferir os termos em que um promotor de jogo actuou nos seus casinos, tendo ao seu dispor todos os mecanismos contratuais e legais (e práticos, como sejam os sistemas de vigilância e segurança) para o efeito.
O que a 2a Recorrente/Ré nunca pode é, na qualidade de concessionária, alegar que desconhece sem obrigação de conhecer a actuação dos promotores de jogo que contrata, dentro dos seus casinos.
Ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regula a actividade dos promotores de jogo, estabelece, de forma mais abrangente, que as concessionárias (e subconcessionárias) são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade destes nos casinos.”.
Não vemos motivo para alterar a posição manifestada no acórdão acabado de transcrever.
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3 - Finalmente, e em reforço da nossa opinião, vale a pena transcrever parte de um outro acórdão recente deste mesmo TSI, que, versando sobre a mesma questão principal que a recorrente C suscita no presente recurso a propósito da correlação normativa entre a Lei nº 16/2001 e o Regulamento Administrativo nº 6/2002, para defender a sua exclusão da responsabilidade solidária, disse o seguinte:
«No entendimento da 3ª Ré, tendo em conta o carácter complementar do Regulamento Administrativo nº 6/2002, o artº 29º do mesmos deve ser interpretado em conformidade com a Lei nº 16/2001, no sentido de que tal responsabilidade solidária só existe perante o Governo da RAEM, e não perante terceiros.
Temos entendido no acórdão de 11/102018, proferido no Proc. nº 451/2018, que o espírito normativo do artº 29º do Regulamente Administrativo é no sentido de “atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas”.
Por ora, não se vê razão plausível para alterar a jurisprudência já fixada.
Repare-se, os depósitos das fichas dos Autores foram feitos na sala de VIP do casino da 3ª Ré, e não na própria pessoa da 1ª Ré.
Nos termos do nº 1 do artº 3º da Lei 16/2001, “a exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como de jogos de máquina eléctricos ou mecânicos, por entidade distinta da Região Administrativa Especial de Macau, é sempre condicionada a prévia concessão”.
Por sua vez, o nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001 prevê que “é nula a transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, bem como de outras actividades que constituam obrigações legais ou contratuais da concessionária, sem prévia autorização do Governo”.
Além disso, como promotor de jogo, a sua actividade visa simplesmente “promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária” (cfr. artº 2º do RA nº 6/2002) e não a exploração de jogos de fortuna ou azar em si mesmo.
Nesta conformidade, a sala de VIP em referência, não obstante ser explorada de facto pela 1ª Ré, deve ser vista, no plano jurídico e sob pena de violar o nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001, como um prolongamento da actividade do casino da própria concessionária, daí que ela não deixa também de ser responsável pela esta actividade.» (Ac. do TSI, de 2/04/2020, Proc. nº 1162/2019).
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4 - Por estas razões, o recurso da ré “C” é de considerar improvido.
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Recurso da ré “B”
5 - Esta recorrente insurge-se contra as respostas dadas aos quesitos, 4, 5 e 6 da base instrutória e contra a sua condenação nos autos.
No que respeita à matéria de facto, o teor daqueles quesitos era o seguinte:
“4º. No dia 1 de Maio de 2015, o Autor depositou as fichas numerárias na quantia de HKD$1.000,000.00 na referida conta (80440186) de que a sua esposa H era titular? “
“5º. Depositando o dinheiro, a 1ª Ré emitiu ao Autor o "recibo de depósito de fichas" nº 014564, cujo teor é: "Certifica-se por este meio que A (depositante), às 13h.00, documento de identidade nº 5106316(2), depositou o numerário de HKD$1.000,000.00 ?”
“6. O supramencionado recibo de depósito de fichas foi assinado na presença do responsável da tesouraria da sala VIP "B" e de uma testemunha dessa sala onde consta a assinatura do Autor para comprovar que o referido montante já tinha sido depositado na conta nº 80441086?”
O primeiro foi provado assim: “Provado apenas que no dia 1 de Maio de 2015, o Autor depositou as fichas numerárias na quantia de HKD$1.000,000.00 na referida conta (80440186)”
Os restantes foram dados como totalmente provados.
Porém, este TSI não está em condições de rejeitar a prova obtida na 1ª instância.
Como este tribunal tem dito repetidamente ”O princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita, em regra, o tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o tribunal “a quo” tiver atribuído ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. A partir do momento em que o julgador respeita o espaço de liberdade que é próprio da sua livre convicção e não ultrapassa os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser efectuada” (entre outros, o Ac. do TSI, de 7/11/2019, Proc. nº 811/2019).
Ou então “A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.
A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 17/01/2018, Proc. nº 60/2018).
No caso em apreço, não vemos que o TJB tenha feito uma má, apressada e insustentável apreciação da prova, de nada valendo com o objectivo de a demonstrar o esforço que a recorrente colocou na transcrição parcial de alguns depoimentos testemunhais.
*
6 - Quanto ao mérito da sentença, basicamente acha a recorrente que não pode proceder o argumento do enriquecimento sem causa em virtude de ela não poder devolver aquilo que não possui (o valor do alegado deposito em dinheiro). E por isso, não podia ser condenada.
Parece a recorrente estar equivocada. A sentença não a condenou com fundamento no enriquecimento sem causa, mas no incumprimento do contrato de depósito que o autor tinha feito na sala de jogo “B Vip Club”.
E, face à matéria de facto dada por provada, não entendemos que a decisão ora sindicada tenha incorrido em algum erro de direito ou má interpretação e aplicação de normas e princípios jurídicos.
Assim, vai improvido o recurso da recorrente.
***

IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento a ambos os recursos, confirmado a sentença impugnada.
Custas pelas recorrentes.
T.S.I, 29 de Abril de 2020
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong





1 A não ser assim e se os depósitos fossem/forem feitos em numerário então teríamos as salas de jogo a realizar operações bancárias o que salvo melhor opinião não pode ser permitido. No mesmo sentido veja-se comunicação da DCIJ de 21.09.2015 publicada no sítio da internet da respectiva Direcção: “A DICJ esclarece, uma vez mais, que, nos termos do "Regime jurídico do sistema financeiro" só as instituições de crédito previamente autorizadas podem receber depósitos do público e que a recepção ilegal destes depósitos constitui actividade criminosa.”
2 Em sentido próximo, pode ver-se o artigo de Alexandre Dias Pereira, in "Law, Regulation and Control Issues of tbe Asian Gaming Industry", publicado pelo lnstitute for the Study of Commercial Gaming da Universidade de Macau, páginas 152 e 153.
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Proc. nº 78/2010 30