Processo n.º 468/2019
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data: 07 de Maio de 2020
Assuntos:
- Revogação da autorização da permanência na RAEM e conceito indeterminado e sua sindicabilidade jurisdicional
SUMÁRIO:
I – Só há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto, ou em matéria de procedimento sancionatório, a Administração Pública não provou os factos que sirvam de base à uma decisão punitiva, não cumprindo assim o ónus de prova que sobre ela recai.
II - “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança pública de Macau” são conceitos indeterminados, que podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco (cfr. o artigo 12º/2 e 3 da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto).
III – Perante a existência de fortes indícios da prática de um crime de burla imputado ao Recorrente por estar envolvida uma quantia de valor elevadíssimo (trinta milhões de dólares de HK), a Entidade Recorrida concluiu que a presença do Recorrente periga a ordem e segurança pública da RAEM, juízo este que assenta nos pressupostos de facto e de direito acertados, razão pela qual é de manter a decisão administrativa recorrida.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 468/2019
(Autos de recurso contencioso)
Data : 7/Maio/2020
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 20/02/2019, veio, em 06/05/2019 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 5, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 根據《行政訴訟法典》第25條第2款b項以及第26條第1款及第2款a項,司法上訴人適時提起司法上訴。
2. 被上訴決定中雖然沒有明確指出司法上訴人觸犯刑事法律,然而從其引用的事實情節,尤其是指司法上訴人取走被害人的款項後便失去聯絡,可以使人相信被訴實體懷疑司法上訴人曾作出了詐騙的犯罪行為。
3. 司法上訴人並沒有在澳門作出任何詐騙犯罪行為。
4. 被訴實體所持之事實依據主要是引用司法警察局的公函內容,而該公函內容亦主要是引用被害人的口供。
5. 雖然被上訴決定亦有提及案發時的錄影清楚顯示司法上訴人從被害人兌碼戶口提取款項後前往新葡京某房間,並隨後由蓮花口岸離境,但這並不能顯示司法上訴人曾實施相關犯罪又或具備至少的充分或強烈跡象。
6. 除此以外,除了引用詐騙的犯罪情節作為依據,被上訴決定中再沒有對司法上訴人對公共安全或公共秩序構成危險作出其他說明。
7. 既然如此,一方面未能證明司法上訴人實施犯罪又或具備至少的充分或強烈跡象,另一方面亦沒有對司法上訴人如何對公共安全或公共秩序構成危險作出其他說明,除了表示應有的尊重外,可見未能符合第6/2004號法律第11條第1款第3項以及第12條第2款第2項之規定,而不應對司法上訴人採取禁止入境的措施。
8. 作為補充,禁止入境的措施是一種限制人身自由的措施,單純依據某人的檢舉,又沒有其他充分的客觀證據,對司法上訴人作出禁止入境的措施是不公平的對待。
9. 基於此,被上訴決定存有法律適用錯誤,根據《行政程序法典》第124條,謹請法官閣下撤銷被上訴決定。
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 17 e 18, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 上訴人針對保安司司長2019年2月20日所作出的批示提起本上訴,該批示維持治安警察局局長禁止其入境為期五年的決定。
2. 上訴人指被上訴行為存在事實前提錯誤而違反法律。
3. 上訴理由是不成立的。
4. 被上訴批示所依據的事實是:上訴人藉故提取他人巨款後逐漸失聯,事發時的錄影清楚顯示其從他人的賭場兌碼戶口提取款項後前往新葡京某房間,並隨後由蓮花口岸離境。無論是在被司警調查期間、書面聽證階段、必要訴願時均沒有交代有關款項的下落,亦沒有對拿取他人巨額款項一事作出合理解釋。行為顯示其人危害澳門的公共安全和秩序。
5. 上訴人從未否認作出上述行為。而對於提取他人巨額款項,攜款前往酒店房間後離境,之後漸與款項所有人失聯,上訴人亦從未提出辯駁,甚至沒有任何解釋,只是一味否認犯下詐騙罪,以及不認為存在犯罪的強烈跡象。
6. 正如被上訴批示所指出的那樣,上訴人是否觸犯刑事法律,以及應被歸責哪條罪行並非禁止入境決定所考慮的重點。行政當局需要考慮的是上訴人的行為 — 無故將他人巨額款項據為己有,侵犯他人財產,在客觀上經已表明其人對於澳門的公共安全、秩序及安寧構成危險,這就足夠了。
7. 因為第6/2004號法律第11條1款3項規定,“有關人士對公共安全或公共秩序構成危險,尤其在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪者”可被廢止在澳門的逗留許可。可見非居民實施犯罪或預備實施犯罪只是對公共安全或秩序構成危險的其中一種形式,但並非唯一一種形式。
8. 只有當行政行為所依據的事實不存在或對事實判斷、分析有誤,亦或法律解釋或適用出現錯誤,方屬違反法律。
9. 被上訴決定依據上訴人的行為得出其人對公共安全及公共秩序構成危險,完全符合第6/2004號法律第11條1款3項及第12條2款2項的法定前提,不存在任何事實及法律前提錯誤的瑕疵。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 74 e 75):
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 20 de Fevereiro de 2019, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, manteve a interdição de entrada do recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de cinco anos.
A interdição, tal como decorre do despacho impugnado, foi sustentada nas normas dos artigos 12.°, n.º 2, alínea 2), e 11.°, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, devido a ter-se entendido que o recorrente constituía perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de atentado relevante contra o património do ofendido, independentemente de estar ou não em causa um crime de burla.
O recorrente põe em causa a existência de fortes indícios de ter praticado o crime de burla em que se baseou a interdição de entrada determinada pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública e confirmada pelo despacho recorrido, o que aponta para o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, e acrescenta que o despacho impugnado, que manteve aquela determinação não especificou detalhadamente quais foram as leis por si violadas, nem apontou em pormenor como é que os actos por si praticados integram perigo para a segurança e ordem públicas. Argumenta, com efeito, que a Administração ter-se-ia baseado em informação da Polícia Judiciária para chegar à existência de fortes indícios de crime de burla, quando é certo que ainda nem sequer foi julgado, pelo que deve presumir-se inocente, sendo certo que não há provas ou indícios suficientes de que tenha cometido um acto de burla ou qualquer outro crime contra bens patrimoniais de outrem, o que leva à conclusão de não estarem preenchidos os requisitos de que depende a decretada interdição.
Vejamos.
Perante a fundamentação adoptada, quer no despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, quer no procedimento de 2.° grau, o perigo para a segurança ou ordem públicas deriva da prática de facto ilícito contra património de valor consideravelmente elevado do ofendido (HKD$30.000.000).
Nesta matéria, o recorrente verbera o juízo administrativo sobre a suposta prática de crime ou a existência de indícios bastantes dessa prática, escudando-se na inexistência de julgamento penal. Mas este argumento afigura-se-nos irrelevante. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, de realidades e conceitos ligados ao cometimento de ilícitos, como sejam a prática ou a preparação de crimes, a existência de indícios ou de fortes indícios, é uma tarefa que o legislador, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração, porque indispensável à actividade administrativa na prossecução do interesse público. O facto de realidades e conceitos atinentes à prática de crimes merecerem, por via de regra, tratamento em sede judicial, não impede que a Administração, adentro das suas competências, possa lidar com os mesmos conceitos e realidades. Se assim não fosse, ficaria a Administração condicionada por um necessário julgamento penal, que nem sempre tem lugar - basta atentar nos crimes particulares e semi-públicos, cuja prossecução está dependente de iniciativas reservadas para os ofendidos - e, por vezes, conhece dilações manifestamente incompatíveis com uma defesa célere do interesse público em matéria administrativa.
O que interessa é que o juízo administrativo sobre a existência de ilícito ou de indícios bastantes não assente em erro. E, no caso em análise, nenhum erro se detecta, nem o recorrente, em bom rigor, o identifica. Conforme elementos recolhidos, que incluem a versão do ofendido e a retirada do recorrente para a China continental, após receber daquele um montante elevadíssimo para aposta em jogos, que pressupunha uma contrapartida, que o recorrente não satisfez, estando a maior parte desta factualidade confirmada por gravação de vídeo, resulta assim suficiente ou fortemente indiciado um crime grave contra o património, cuja prática foi invocada como pressuposto da interdição de entrada, não se divisando, neste particular, razão para dirigir qualquer censura ao acto. Além disso, a partir da gravidade do facto, e ponderando que se produz num círculo de interesses fundamentais da actividade económica de Macau, é evidente que o juízo de prognose que considera haver perigo para a segurança e ordem públicas tem toda a razão de ser, não necessitando de maior pormenorização ou explicitação.
Improcedem, pois, os fundamentos do recurso, pelo que deve ser-lhe negado provimento.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Conforme o teor do relatório da PJ, em 21/11/2016 a vítima levantou da sua conta da sala VIP (casino) a quantia de HK$30,000,000.00 e entregou ao Recorrente, tendo este se deslocado com tal quantia à tesouraria do Casino do Hotel Lisboa, conforme as filmagens captadas;
- Depois, o Recorrente saiu de Macau;
- Na sequência da queixa apresentada pelo vítima, foi aberto inquérito, durante o qual o Recorrente não chegou a indicar o destino a que foi dada tal quantia e nem explicou por que razões é que actuou de tal maneira;
- O Recorrente negou a prática de crime de burla, nem o de se apropriar de quantia alheia.
- Depois, o Secretário para a Segurança proferiu a decisão, no sentido de proibir o Recorrente de entrar em Macau durante 5 ano;
- Contra esta decisão foi interposto recurso hierárquico necessário, tendo neste o Secretário para a Segurança proferido o seguinte despacho, objecto deste recurso:
批示
事項:必要訴願
利害關係人:A
利害關係人針對治安警察局局長禁止其入境為期五年的決定提起本訴願,訴願內容在此予以完全轉載。
經分析卷宗所載資料,特別是司法警察局第27004/S號公函,利害關係人於2016年11月21日向有關案件的被害人聲稱有賭客來澳門賭博,要求其從兌碼戶口簽出三千萬港元,被害人應允。然而,利害關係人在取得有關款項後漸與被害人失去聯絡。
案發時的錄影清楚顯示利害關係人從被害人的兌碼戶口提取款項後前往新葡京某房間,並隨後由蓮花口岸離境。
利害關係人在被司警調查時、書面聽證期間,以及本次訴願,均沒有交代有關款項的下落,亦沒有對拿取他人鉅額款項一事作出合理解釋。
利害關係人的上述行為是否觸犯刑事法律,以及應被歸責哪條罪行並非本個案考慮的重點,目前主要考慮的是其行為在客觀上表明其人對於澳門的公共安全、秩序及安寧構成危險,因此治安警察局局長根據第6/2004號法律第12條2款2項及第11條1款3項規定禁止其入境的決定合法,並且有適當的動機,因此,根據《行政程序法典》第161條1款規定,決定訴願理由不成立,維持被訴願決定,並以以上所述對於被訴願決定的理由說明部分作出調整。
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IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso o Recorrente assaca à decisão recorrida 2 vícios:
1) – Erro nos pressupostos de facto; e
2) – Erro nos pressupostos de direito (erro na aplicação do artigo 11º/1-3), 12º/2-2), todos da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto.
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Comecemos pelo primeiro vício invocado.
São assentes os seguintes factos imputados ao Recorrente:
- Conforme o teor do relatório da PJ, em 21/11/2016 a vítima levantou da sua conta da sala VIP casino levantou a quantia de HK$30,000,000.00 e entregou ao Recorrente, tendo este se deslocado com tal quantia à tesouraria do Casino do Hotel Lisboa, conforme as filmagens captadas;
- Depois, o Recorrente saiu de Macau;
- Na sequência da queixa apresentada pelo vítima, foi aberto inquérito, durante o qual o Recorrente não chegou a indicar o destino a que foi dada tal quantia e nem explicou por que razões é que actuou de tal maneira;
- O Recorrente negou a prática de crime de burla, nem o de se apropriar de quantia alheia.
- Depois, o Secretário para a Segurança proferiu a decisão, no sentido de proibir o Recorrente de entrar em Macau durante 5 ano.
Com base neste quadro factual foi proferida a seguinte decisão pela Entidade Recorrida:
利害關係人的上述行為是否觸犯刑事法律,以及應被歸責哪條罪行並非本個案考慮的重點,目前主要考慮的是其行為在客觀上表明其人對於澳門的公共安全、秩序及安寧構成危險,因此治安警察局局長根據第6/2004號法律第12條2款2項及第11條1款3項規定禁止其入境的決定合法,並且有適當的動機,因此,根據《行政程序法典》第161條1款規定,決定訴願理由不成立,維持被訴願決定,並以以上所述對於被訴願決定的理由說明部分作出調整。
Ou seja, decidiu-se manter a decisão da interdição durante 5 anos.
Ora, nesta matéria o legislador estipula um regime constante da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto. No seu artigo 11º estabelece:
Revogação da autorização de permanência
1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente:
1) Trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal;1
2) Manifestamente se desvie dos fins que justificam a autorização de permanência, pela prática reiterada de actos que violem leis ou regulamentos, nomeadamente prejudiciais para a saúde ou o bem-estar da população;
3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.
2. A pessoa a quem tenha sido revogada a autorização de permanência tem de abandonar a RAEM no mais curto prazo possível, não superior a 2 dias, excepto se:
1) Permanecer legalmente na RAEM por mais de 6 meses, caso em que dispõe de um prazo para abandoná-la não inferior a 8 dias, sem prejuízo do disposto na alínea seguinte;
2) Constituir grave ameaça para a segurança ou ordem públicas, caso em que pode ser decretado o abandono imediato.
3. O despacho de revogação da autorização de permanência fixa a data até à qual a pessoa tem de abandonar a RAEM.
4. A competência prevista no n.º 1 é delegável.
Depois, o artigo 12º (Interdição de entrada) manda:
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
Subjacente à estatuição do acto está o perigo, para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, representado pela possibilidade de cometimento de novos factos criminalmente ilícitos e pelo potencial de ameaça latente que isso representa para aqueles valores.
O Recorrente questiona a legalidade da decisão da interdição de entrada, considerando-a infundada, com a invocação de pressupostos de facto e de direito.
Ora, nesta matéria, é do entendimento uniforme que há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto, ou em matéria de procedimento sancionatório, a Administração Pública não provou os factos que sirvam de base à uma decisão punitiva, não cumprindo assim o ónus de prova que sobre ela recai.
No caso dos autos, os factos que serviram da base da decisão ficaram provados – aliás, nem o próprio Recorrente veio a impugná-los - e sobre eles a Entidade Recorrida formou o seu juízo conclusivo com base nas normas jurídicas aplicáveis.
Por outro lado, constata-se que, no confronto dos interesses do recorrente – de normal entrada e permanência na RAEM – e do interesse público de salvaguarda dos valores inerentes à segurança e ordem pública – uma vez que o legislador utiliza a expressão “existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem pública da RAEM”, conceito indeterminado, cujo preenchimento cabe à Administração Pública - o despacho recorrido atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável, face ao potencial de ameaça latente que a prática de crime de burla pode representar para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau. “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança pública de Macau” constituem também conceitos indeterminados, os quais podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco (…) (cfr. Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 137/2016).
Uma nota final, uma vez que o Recorrente não invocou nos termos muito claros: parece que o Recorrente pretende imputar também à decisão recorrida o vício de falta de fundamentação, mas improcede este argumento, visto que, nesta matéria, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender a relatividade do conceito da fundamentação da decisão administrativa, destacando que o que releva é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra. No caso, um destinatário normal fica a perceber claramente quais os motivos que determinaram que a Entidade Recorrida decretou a medida de interdição, estando claramente demonstradas as razões de facto e de direito subjacentes à decisão ora posta em crise, com o que fica cumprido o dever de fundamentação da decisão administrativa nos termos fixados no artigo 115º do CPA.
Pelo expendido, conjugados todos os elementos acima elencados, não se verificam erros nos pressupostos de facto, nem de direito, pelo contrário, a decisão recorrida assenta nos pressupostos acertados e como tal não merece censura, improcedendo deste modo o recurso no seu todo.
Como não foi expressamente invocado o princípio de proporcionalidade, ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
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Síntese conclusiva:
I – Só há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto, ou em matéria de procedimento sancionatório, a Administração Pública não provou os factos que sirvam de base à uma decisão punitiva, não cumprindo assim o ónus de prova que sobre ela recai.
II - “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança pública de Macau” são conceitos indeterminados, que podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco (cfr. o artigo 12º/2 e 3 da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto).
III – Perante a existência de fortes indícios da prática de um crime de burla imputado ao Recorrente por estar envolvida uma quantia de valor elevadíssimo (trinta milhões de dólares de HK), a Entidade Recorrida concluiu que a presença do Recorrente periga a ordem e segurança pública da RAEM, juízo este que assenta nos pressupostos de facto e de direito acertados, razão pela qual é de manter a decisão administrativa recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 7 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 07 de Maio de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Alterado pela Lei n.º 21/2009
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