Processo nº 204/2019
Data do Acórdão: 14MAIO2020
Assuntos:
Da impugnação da matéria de facto
Negócios formais
Contrato-promessa de compra e venda de imóveis
Resolução unilateral do contrato
Execução específica
Interpretação de declaração negocial
Expurgação da hipoteca
SUMÁRIO
1. A forma legal exigida pelo artº 404º/2 do CC para titular contrato-promessa de compra e venda de imóveis é formalidades ad substantiam, por necessária à própria existência das declarações negociais neles vertidas e imprescindível à própria validade do contrato. E a sua inobservância implica a nulidade do negócio.
2. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
3. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
4. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
5. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
6. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
7. A resolução do contrato é feita por manifestação de vontade de uma das partes que pretende fazer extinguir o vínculo contratual, sendo válida desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato – artº 426º/1 do CC. Assim, à excepção das situações em que a resolução é fundada na lei ou na convenção, não pode haver lugar à resolução do contrato pelo devedor, por sua iniciativa, com base no incumprimento imputável a si próprio.
8. Em regra, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente-vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente-comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa – 820º/2 do CC.
9. Na falta de convenção em contrário firmada nos contratos-promessa, os bens imóveis objecto da promessa de venda devem ser entendidos bens livres de quaisquer ónus e encargos, pois isso corresponde ao sentido com o qual um declaratário normal pode razoavelmente conta e representa o maior equilíbrio das prestações – artºs 228º e 229º do CC.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 204/2019
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
A e B, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Judicial de Base contra a C, SARL, devidamente identificada nos autos, uma acção ordinária que veio a ser registada sob o nº CV1-14-0090-CAO e correr os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base.
Na fase de instrução do processo, por despacho a fls. 370 a 371 dos p. autos, foi ordenada a realização da segunda perícia que visa ao apuramento dos valores de mercado das fracções E16, D16 e D17, que aqui estão em causa.
Inconformados com esse despacho, os Autores interpuseram o recurso ordinário dele para o Tribunal de Segunda Instância mediante o requerimento a fls. 375 dos p. autos.
Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, os Autores apresentaram as alegações, ora constantes das fls. 399 e s.s., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, às quais respondeu a Ré mediante a peça a fls. 413 e s.s., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Retomou depois a marcha processual na sua tramitação normal.
Posteriormente e ainda na fase de instrução do processo, por despacho a fls. 470 dos p. autos, foi julgada validamente realizada a segunda perícia, documentada no relatório a fls. 429 a 431 dos p. autos.
Inconformada com esse despacho, veio a Ré interpor o recurso ordinário desse mesmo despacho para o Tribunal de Segunda Instância mediante o requerimento a fls. 473 dos p. autos.
Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, a Ré apresentou as alegações, ora constantes das fls. 481 e s.s. dos p. autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, às quais respondeu a Ré mediante a peça processual a fls. 511 e s.s. dos p. autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Proferido o despacho de sustentação em relação em relação a ambos os recursos interlocutórios, a fls. 681 dos p. autos, continuou a marcha processual na sua tramitação normal.
A final, foi a acção julgada procedente e improcedentes a excepção peremptória e o pedido reconvencional, pela seguinte sentença:
A e B, casados, no regime da comunhão de adquiridos, titulares do BIRPM nº XXXX e nº XXXX, residentes em Macau, na XXXXXX.
Vêm instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra,
C, SARL, com sede em Macau, na XXXXXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº XXXX(SO).
Alegam os Autores que entre si e a Ré foram celebrados três contratos de promessa de compra e venda relativamente a três fracções autónomas que identifica, sendo que, aquando da celebração dos mesmos os Autores pagaram integralmente o respectivo preço, bem como os respectivos impostos, inscrevendo provisoriamente por natureza a seu favor a respectiva aquisição.
Em data que indica a Ré notificou os Autores para efeitos de declaração de resolução dos contratos o que os Autores não aceitaram exigindo o cumprimento do contrato, o que não sucedeu.
Concluindo pedem que:
a) Seja proferida sentença que produza os efeito das declaração negocial da Ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para os Autores das Fracções supra identificadas; e
b) Seja a Ré condenada na entrega aos Autores do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
c) Ser a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivil), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 566/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em MOP90.382.618,00 (MOP46.017.349,00 + MOP22.048.398,00 + MOP22.316.871,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso assim não entenda, deve:
d) Ser a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP11.712.598,00 = MOP2.980.820,00 + MOP1.427.580,00 + MOP1.427.580,00) x 2 + MOP40.638,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Citada a Ré para querendo contestar veio esta fazê-lo defendendo-se por excepção alegando que dos contratos consta expressamente a cláusula que querendo a Ré pode escolher entre não cumprir o contrato e pagar o sinal em dobro o que esta pretende, resolvendo os contratos de promessa de compra e venda, oferecendo-se para pagar o sinal em dobro o que a Ré fez resolvendo o contrato, do abuso de direito dos Autores quanto ao ajuste do preço de compra das fracções, do abuso de direito quanto à indemnização pelo dano excedente, da falta do interesse processual dos Autores quanto ao pedido de condenação da Ré a pagar o sinal em dobro uma vez que se ofereceu para o fazer e por impugnação.
Vem também a Ré deduzir pedido reconvencional com base nos mesmos fundamentos invocados em sede de excepção considerando os contratos resolvidos ou se assim não se entender, vem invocar o aumento de custos de construção os quais foram comunicados aos Autores, pelo que conclui pedindo que:
a) Se digne julgar procedentes, por provadas, as excepções ora alegadas, absolvendo-se a Ré da instância;
Ou, caso assim não se entenda,
b) Se digne julgar a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda e seja julgado procedente o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa,
c) Se digne julgar procedente, por provada, o pedido reconvencional ora deduzido pela Ré e, em consequência, serem os Autores condenados a pagar à Ré a quantia de MOP3.787.551,02 (três milhões, setecentas e oitenta e sete mil, quinhentas e cinquenta e uma Patacas e dois avos), com correcção monetária, mediante a aplicação sucessiva, sobre tal quantia, das taxas de inflação anuais, desde 1 de Junho de 2012 e até à data da prolação da sentença condenatória.
Os Autores replicaram respondendo à matéria das excepções impugnando-as e à da reconvenção também por impugnação, concluindo pela improcedência da mesma.
A Ré treplicou respondendo à matéria das excepções.
Pela Ré foi deduzida ampliação do pedido reconvencional o que não foi admitido.
Foi proferido despacho saneador onde foi decidida a matéria das excepções da inexigibilidade e falta do interesse processual dos Autores a qual foi julgada improcedente, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se a validade da instância.
As questões a decidir nesta sede processual consistem em conhecer da:
- Excepção peremptória da resolução dos contratos e em caso de procedência do cancelamento das inscrições do registo predial;
- Execução específica dos contratos de promessa de compra e venda e a condenação da Ré a pagar o montante devido para expurgação da hipoteca existente sobre as mesmas;
- Subsidiariamente e caso não proceda a execução específica da condenação da Ré no pagamento da indemnização pelo dano excedente ou se ainda assim não se entender no pagamento do dobro das quantias que os Autores lhe pagaram acrescidas dos valores dos impostos pagos.
- Caso seja julgada procedente a execução específica, da condenação dos Autores no pagamento de MOP3.787.551,02;
Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
a) O prédio urbano sito em Macau, no Fecho da XXXXXX, Zona A, Lote 6, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) sob o n° XXXXX, encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, a contar de 30 de Julho de 1991, conforme inscrição nº XXXX, a fls. 174 do Livro F8K da aludida Conservatória – em conformidade com o teor do Doc. 2 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido; (alínea a) dos factos assentes)
b) As fracções autónomas “E DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “E”, “D DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “D” e “D DEZESSETE”, do décimo sétimo andar “D”, para escritórios, do prédio supra identificado, encontram-se registadas a favor da Ré na CRP, sob a inscrição n° XXXX, a fls. 88 do Livro F20K, com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito definitivamente sob o n° XXXXXF. - em conformidade com o teor do Doc. 2 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido; (alínea b) dos factos assentes)
c) No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constituiu uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntária no valor de HKD250.000.000,00 a favor do “Banco XXX, S.A.” sobre o prédio identificado em a); (alínea c) dos factos assentes)
d) Por documentos escritos, que as partes intitularam de “contrato-promessa de compra e venda de imóvel”, formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e os Autores prometeram comprar, as seguintes fracções autónomas:
1. fracção “E DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “E”, pelo preço de HKD2.894.000,00, equivalente a MOP2.980.820,00;
2. fracção “D DEZESSEIS”, do décimo sexto andar “D”, pelo preço de HKD1.386.000,00, equivalente a MOP1,427,580.00; e
3. fracção “D DEZESSETE”, do décimo sétimo andar “D”, pelo preço de HKD1.386.000,00, equivalente a MOP1,427,580.00,
todas do prédio urbano identificado em a), em conformidade com o teor dos documentos nºs 3, 4 e 5, juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos; (alínea d) dos factos assentes)
e) O preço acordado para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos acordos aludidos em d); (alínea e) dos factos assentes)
f) Em 25 de Abril de 2011 e 15 de Outubro de 2014 os Autores pagaram o imposto do selo e selo do conhecimento relativo às transmissões intercalares das Fracções no valor MOP40.638,00, em conformidade com o teor dos documentos junto a fls. 67 a 72, que aqui se dão por integralmente reproduzidos; (alínea f) dos factos assentes)
g) Em 21 de Junho de 2013, os Autores requereram e obtiveram, junto da Conservatória do Registo Predial, o registo da inscrição provisória por natureza, a seu favor, das Fracções sob as inscrições n° XXXXXXG, XXXXXXG e XXXXXXG; (alínea g) dos factos assentes)
h) Em 22.05.2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa dos Autores para efeitos de declaração da resolução dos três Contratos-Promessa, em conformidade com o teor do documento nº 7 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; (alínea h) dos factos assentes)
i) Nessa data a Ré disponibilizou aos Autores os seguintes montantes:
1) HKD2.772.000,00, equivalente a MOP2.855.160,00 (dois milhões, oitocentas e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta Patacas), relativamente à fracção “D16”;
2) HKD5.788.000,00, equivalente a MOP5.961.640,00 (cinco milhões, novecentas e sessenta e uma mil, seiscentas e quarenta Patacas), relativamente à fracção “E16”; e
3) HKD2.772.000,00, equivalente a MOP2.855.160,00 (dois milhões, oitocentas e cinquenta e cinco mil, cento e sessenta Patacas), relativamente à fracção “D17”;
(alínea i) dos factos assentes)
j) Em 05.06.2014, os Autores responderam à declaração resolutiva nos termos que constam do Documento junto a fls. 101 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos; (alínea j) dos factos assentes)
k) A Ré requereu a rectificação judicial das inscrições nºs XXXXXXG, XXXXXXG e XXXXXXG, correndo termos, nesse sentido, os seguintes processos junto deste Tribunal Judicial de Base: CV2-14-0043-CRJ, do 2º Juízo Cível, quanto à inscrição nº XXXXXXG; CV3-14-0047-CRJ, do 3.º Juízo Cível, quanto à inscrição nº XXXXXXG; e CV1-14-0050-CRJ, deste 1º Juízo Cível, quanto à inscrição nº XXXXXXG; (alínea l) dos factos assentes)
l) Em 1 de Junho de 2012, a Ré solicitou, por carta, aos Autores o pagamento de um valor para correcção do preço de venda das Fracções, tendo em conta o aumento do custo de construção, em conformidade com o teor do documento junto como Doc. nº 4 com a contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida, missiva que os AA. não receberam; (alínea m) dos factos
m) O valor da fracção E16 em 2011 era de MOP3.910.000,00 e em 2014 de MOP14.091.000,00, da D16 em 2011 de MOP1.870.000,00 e em 2014 de MOP6.751.000,00 e da D17 em 2011 de MOP1.960.000,00 e em 2014 de MOP6.841.000,00; (reposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
n) As fracções autónomas a que se reportam os autos inserem-se num edifício com um processo de construção conturbado que se arrastava desde a primeira metade da década de 90; (reposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
o) A construção do edifício iniciou-se na primeira metade dos anos 90; (reposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
p) Que parou passado algum tempo; (reposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
q) A Ré retomou as obras no princípio de 2011; (reposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
r) Alguns materiais tiveram que ser substituídos. (reposta ao quesito nº 13 da base instrutória)
Cumpre apreciar e decidir.
«O contrato de promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato» - cit. João de Matos Antunes varela, Das Obrigações em Geral, 4ª Ed., pág. 264 -.
Da factualidade apurada dúvidas não há que entre Autores e Ré foram celebrados três contratos de promessa de compra e venda relativamente às fracções autónomas a que se reportam os autos.
- Da excepção peremptória da resolução dos contratos e em caso de procedência do cancelamento das inscrições do registo predial;
Vêm os Autores pedir a execução específica dos contratos de promessa de compra e venda e a condenação da Ré a pagar o montante devido para expurgação da hipoteca existente sobre as mesmas;
Pela Ré foi deduzida a excepção peremptória dos contratos de promessa de compra e venda se terem por resolvidos, pelo que, precede a apreciação desta questão, o conhecimento do pedido de execução específica dos contratos.
Sustenta a Ré a sua posição no argumento de que podia unilateralmente recusar-se a cumprir os contratos de promessa de compra e venda, baseando-se na cláusula 2 dos contratos de promessa de compra e venda dados por reproduzidos em d) cujo teor é «Após a celebração do contrato, se a parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro», pretendendo que a mesma consiste no acordo quanto à possibilidade de resolução unilateral e injustificada nos termos do nº 1 do artº 426º do C.Civ. Pelo que, tendo feito notificar os Autores da resolução dos contratos de promessa se têm os mesmos por resolvidos cabendo-lhe apenas pagar o dobro do que recebeu.
Ora, da factualidade apurada não é esse o entendimento que resulta.
A cláusula 2ª dos contratos de promessa de compra e venda a que se reportam estes autos mais não é do que uma forma tabular do disposto na parte final do nº 2 do artº 436º do C.Civ.
Por outro lado, e se outra fosse a intenção das partes haveria que nos termos do nº 1 do artº 820º do C.Civ. se ter excluído a possibilidade de execução específica consagrada no nº 3 do artº 436º do C.Civ. aplicável, também, por força do disposto na cláusula 15ª dos contratos sub judice sem que haja qualquer referencia ao seu afastamento.
A possibilidade que a lei consagra no nº 2 do artº 436º do C.Civ. não é um direito do promitente vendedor se desonerar do cumprimento do contrato pagando o dobro do que recebeu, mas sim, uma penalização para o inadimplente de em caso de incumprimento ter de pagar o dobro do que recebeu, sem prejuízo de, a parte que não deu causa ao incumprimento poder sempre optar pela execução específica nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
Por outro lado e sem prejuízo do disposto no nº 2 do artº 436º do C.Civ., no caso da parte que cumpriu não optar pela execução específica ou não ser esta possível, poderá haver lugar à indemnização pelo dano excedente nos termos do nº 4 deste mesmo preceito, possibilidade que também não foi excluída.
Ou seja, no caso dos autos, se a intenção das partes fosse a de conceder ao promitente vendedor o direito de escolha entre cumprir ou não cumprir, mediante o pagamento em dobro do que havia sido prestado, haveria que ter expressamente excluído a possibilidade de execução específica e de pagamento de indemnização pelo dano excedente, tal como autorizam o nº 4 do artº 436º C.Civ. quando refere “na ausência de estipulação em contrário” e o nº 1 do artº 820º C.Civ. quando diz “…na falta de convenção em contrário…”.
Destarte, não se tendo convencionado que estavam excluídas aquelas duas hipóteses para o caso de incumprimento – execução específica e indemnização pelo dano excedente – e face ao disposto na primeira parte do nº 2 do artº 820º do C.Civ. não se pode aceitar o entendimento da Ré de que a cláusula 2ª dos contratos por si só as excluía remetendo para o pagamento do sinal em dobro.
Não sendo possível a resolução unilateral e injustificada dos contratos de promessa de compra e venda, há que julgar improcedente a excepção peremptória de que os contratos de promessa de compra e venda a que se reportam os autos foram resolvidos.
- Da execução específica dos contratos de promessa de compra e venda e a condenação da Ré a pagar o montante devido para expurgação da hipoteca existente sobre as mesmas;
Improcedendo a excepção peremptória de haverem sido validamente resolvidos os contratos de promessa de compra e venda cabe agora apreciar o pedido de execução específica dos contratos.
Nos termos do artº 820º do C.Civ. se alguém se obrigou a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa pode a outra parte, na falta de convenção em contrário obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
No caso sub judice a vontade de não cumprir os contratos por banda do promitente vendedor está demonstrada nos autos uma vez que este pretende resolver os mesmos, mas pagando apenas o sinal em dobro.
Por banda do promitente comprador já foi pago integralmente o preço.
Destarte, sem necessidade de outras considerações face ao já antes exposto, nos termos do nº 3 do artº 436º e nº 1 do artº 820º ambos do C.civ. impõe-se concluir pelo direito dos Autores à execução específica.
Mais pede a Autora a condenação da Ré a pagar o montante do débito garantido pela hipoteca correspondente às fracções objecto destes autos.
De acordo com o disposto nos nºs 4 e 5 do artº 820º do C.Civ. havendo a hipoteca sido constituída antes da promessa, para garantia de débito do promitente faltoso a terceiro e não se mostrando esta extinta deve este pedido ser julgado procedente.
Contudo, a hipoteca em causa foi constituída sobre todo o prédio incluindo todas as fracções autónomas, desconhecendo-se o valor correspondente às fracções autónomas a que correspondem estes autos, pelo que, no que respeita ao quanto deve a Ré ser condenada no que se vier a apurar em execução de sentença.
Destarte, devem proceder os pedidos principais formulados pelos Autores ficando prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários por si formulados.
- Caso seja julgada procedente a execução específica, da condenação dos Autores no pagamento de MOP3.787.551,02.
Para o caso de vir a ser julgada procedente a execução específica vem a Ré pedir a condenação dos Autores a pagar um valor pelo aumento dos custos do preço de construção.
Porém, no que a esta matéria concerne não se provaram os factos dos quais emerge o pedido, nomeadamente de que houvesse sido acordado entre as partes que o preço de compra e venda ficava sujeito a ajustes caso os custos de construção viessem a ser superiores ao estimado pela Ré.
Pelo que, não se tendo provado os pressupostos de que emergia e na falta de fundamento legal, só pode este pedido improceder.
Finalmente apenas uma nota para esclarecimento no que concerne ao direito que consta do pedido e àquele relativamente ao qual virá a ser proferida a decisão de execução específica, uma vez que, fazendo as fracções autónomas a que se reportam os autos parte de prédio construído em terreno concedido por arrendamento, não se pode proferir decisão no sentido em que é pedido de ser transmitida a “propriedade”, sob pena de se violar o artº 7º da Lei Básica.
É nosso entendimento neste tipo de situações notificar os Autores para esclarecer que direito pede, sob pena da acção poder vir a ser julgada improcedente uma vez que o direito pedido não cabe no caso sub judice.
Contudo, no caso dos autos tendo já sido registada a favor dos Autores a aquisição provisória do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção, entendemos ser tal esclarecimento desnecessário uma vez que resulta evidente ser este o direito relativamente ao qual os Autores pretendem a execução específica, sendo a referência a propriedade no pedido um mero lapso.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Julga-se improcedente a excepção peremptória invocada de que os contratos de promessa de compra e venda foram resolvidos;
- Julga-se a acção procedente porque provada e em consequência em substituição da Ré C SARL declara-se transmitido para os Autores A e B o direito resultante da concessão por arrendamento incluindo a propriedade de construção sobre as fracções autónomas “E16”, “D16” e “D17” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX a fls. 81 do Livro B8K e inscrito na matriz sob o nº XXXXXX, condenando-se a Ré a pagar aos Autores o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação da hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às fracções autónomas objectos destes autos.
- Julga-se improcedente o pedido reconvencional da Ré absolvendo os Autores do mesmo.
Custas a cargo da Ré.
Registe e notifique.
Não se conformando com o decidido, veio a Ré recorrer da mesma concluindo e pedindo:
A. O douto Tribunal a quo julgou não provado o facto vertido no artigo 2.º da base instrutória;
B. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal e documental nos autos, designadamente os depoimentos de E, F e D, maxíme, nos excertos transcritos nesta alegação, cuja reapreciação ora se requer;
C. Considerando os aludidos meis de prova, ficou demonstrado que “A Ré decidiu estipular um preço de favor nos acordos aludidos em D) porque conhecia os Autores, e como atenção aos mesmos”. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, ser julgado provado o facto vertido no artigo 2.º da base instrutória.
D. O douto Tribunal a quo julgou não provado o artigo 6.º da base instrutória;
E. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal e documental nos autos, designadamente os depoimentos de E, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, cuja reapreciação ora se requer;
F. Considerando os aludidos meis de prova, ficou demonstrado que “A Ré decidiu estipular os preços aludidos em D) porque ficou expressamente acordado entre as partes que a mesma teria o direito de não celebrar o contrato definitivo”. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, ser julgado provado o facto vertido no artigo 6.º da base instrutória.
G. O douto Tribunal a quo julgou não provados os factos vertidos nos artigos 7.º, 8.º e 14.º a 17.º da base instrutória;
H. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer;
I. Considerando o depoimento das testemunhas E, F e G, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, bem como os Docs. juntos aos autos pela Recorrente, ficaram demonstrados os factos vertidos nos artigos 7.º, 8.º e 14.º a 17.º da base instrutória. Consequentemente, deve a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada, quanto a estes artigos da base instrutória, sendo os facos aí vertidos julgados provados.
J. O douto Tribunal a quo julgou não provado o facto vertido no artigo 20.° da base instrutória;
K. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer;
L. Considerando o depoimento da testemunha D, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, bem como os Docs. juntos aos autos pela Recorrente, ficou demonstrado que os Autores se recusaram pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela Ré. Consequentemente, deve a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada, quanto ao citado artigo da base instrutória, devendo, em resposta ao artigo 20.º da base instrutória, julgar-se “provado apenas que os Autores se recusaram pagar o aumento dos custos de construção solicitado pela Ré”.
M. O pedido principal dos Recorridos é a execução específica dos Contratos-Promessa, tendo a Recorrente alegado em sede excepção, na sua contestação, que tal não poderia proceder, desde logo, porque os Contratos-Promessa se encontram resolvidos. Como resulta da simples leitura dos Contratos-Promessa dos autos, designadamente a respectiva cláusula 2.2, as partes acordaram expressamente em atribuir à Recorrente o direito de não celebrar o contrato definitivo, fixando-se uma indemnização aos Recorridos, com referência ao dobro do sinal pago;
N. E foi precisamente esse direito, potestativo, que a Recorrente exerceu em 22 de Maio de 2014, quando requereu a notificação judicial avulsa dos Recorridos para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426.º do CC, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, tendo na mesma notificação disponibilizado aos Recorridos as indemnizações que lhe são devidas pelas aludidas;
O. Face ao teor da cláusula 2.2. dos Contratos Promessa, os Recorridos não têm o direito de se opor àquela resolução, que é válida, nem o direito de requerer a execução específica dos Contratos-Promessa, na medida em que por um lado, os mesmos foram resolvidos, e, por outro, o direito à execução específica dos Contratos-Promessa foi expressamente afastado pelas partes. A aludida cláusula 2.2 constitui uma convenção que, por conferir direito de arrependimento à promitente-vendedora, a ora Recorrente, afasta o funcionamento da execução específica. Trata-se da “convenção em contrário” a que alude o artigo 820.º do cc.
P. Ao decidir em sentido contrário, indeferindo a excepção de resolução, a douto Tribunal a quo violou na sentença em crise os artigos 399.º, 426.º, n.º 1, e 430, n.º 1, todos do CC, pelo que deve esta ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a presente excepção, julgue improcedente a presente acção.
Q. Prevendo a improcedência do pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, os Recorridos peticionam, a título subsidiário, uma indemnização pelo dano excedente, alegadamente a coberto da norma do n.º 4 do artigo 436.º do CC;
R. Porém, esta norma apenas se aplica perante o “não cumprimento do contrato” e, como ficou demonstrado supra, os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela ora Recorrente sem que se verificasse qualquer incumprimento da sua parte;
S. Em todo o caso, os Recorridos nunca teriam direito a ser indemnizados pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436.º do CC, não podendo, caso o presente recurso seja julgado procedente e indeferido o direito dos Recorridos à execução específica dos Contratos-Promessa, ser-lhes reconhecido o direito à alegada indemnização pelo dano excedente.
T. Em 22 de Maio de 2014, a Recorrente requereu a notificação judicial avulsa da Autora para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426.º do CC, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, pelo que, julgando-se procedente o presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por violar o artigo 399.º do CC (princípio da autonomia privada e liberdade contratual das partes - pois a Recorrente fez operar uma causa de resolução fundada em convenção, nos termos do n.º 1 do artigo 426.º do CC, mediante declaração à contraparte, nos termos do n.º 1 do artigo 430.º do mesmo diploma) e substituída por outra, que declare que os Contratos-Promessa foram resolvidos através da sobredita notificação judicial avulsa.
U. Ainda que o fosse procedente o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, o que não se concede, não pode deixar de se reconhecer o direito da Recorrente de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções;
V. A douta sentença recorrida, na medida em que indefere o pedido reconvencional subsidiário da Recorrente, de condenação dos Recorridos no pagamento do aumento dos custos de construção, viola o n.º 2 do artigo 752.º do CC, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta sentença recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-la por outra, que condene os Recorridos a pagar à Recorrente os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
W. Ao abrigo do pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, os Recorridos peticionaram ainda que a Recorrente fosse “condenada na entrega aos Autores do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.”;
X. Decorre expressamente do n.º 5 do artigo 820.° do CC que o promitente comprador não tem esse direito quando a constituição de hipoteca seja posterior à promessa de venda;
Y. In casu, a hipoteca é anterior aos Contratos-Promessa, não existindo nestes sequer o compromisso de vender as Fracções livres de ónus ou encargos;
Z. Pelo que, ao deferir tal pretensão dos Recorridos, a douta Sentença em crise viola os n.os 4 e 5 do artigo 820.º do CC, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta sentença recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-la por outra que indefira o pedido de condenação da Recorrente a pagar aos Recorridos o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação de hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às Fracções.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão de fls. 569 e seguintes, ora recorrida, por violar os artigos 399.°, 426.°, n.º 1, 430, n.º 1, todos do Código Civil, e substituída por outra que:
a) Julgue procedente, por provada, a excepção peremptória de resolução dos Contratos-Promessa, absolvendo a Recorrente dos pedidos;
b) Confirme que os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela Recorrente, mediante notificação judicial avulsa; e, consequentemente,
c) Ordene o cancelamento, junto da Conservatória do Registo Predial, dos registos, a favor dos Recorridos, constituídos por via das Apresentações n.os 142, 143 e 145 de 21/06/2013, da aquisição dos direitos resultantes da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção, das Fracções “D16”, “E16” e “D17”, respectivamente, do prédio ali descrito sob o n.º XXXXX, a fls. 81 do Livro B8K, todos titulados pelos Contratos-Promessa resolvidos, que deram origem às seguintes inscrições:
i) inscrição n.º XXXXXXG, relativa à fracção “D16”;
ii) inscrição n.º XXXXXXG, relativa à fracção “E16”; e
iii) inscrição n.º XXXXXXG, relativa à fracção “D17”;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda e seja confirmada a douta sentença recorrida na parte em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta Sentença em crise, por violar o n.º 2 do artigo 752.º e os n.os 4 e 5 do artigo 820.º, ambos do Código Civil, e substituída por outra que:
a) julgue procedente, por provado, o pedido reconvencional da Recorrente e, em consequência, condene os Recorridos a pagar à Recorrente a quantia de MOP3.787.551,02 (três milhões, setecentas e oitenta e sete mil, quinhentas e cinquenta e uma Patacas e dois avos), com correcção monetária, mediante a aplicação sucessiva, sobre tal quantia, das taxas de inflação anuais, desde 1 de Junho de 2012 e até à data da prolação da decisão condenatória; e
b) indefira o pedido de condenação da Recorrente na entrega aos Recorridos do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos Contratos-Promessa, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca,
sendo os Recorridos, em qualquer caso, condenados no pagamento de custas e procuradoria condigna, seguindo-se os ulteriores termos até final,
assim se fazendo a costumada,
JUSTIÇA!
Ao recurso responderam os Autores pugnando pela improcedência.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Vimos supra que foram validamente interpostos dois recursos interlocutórios, de subida diferida, um pelos Autores e o outro pela Ré.
No entanto, a utilidade de ambos os recursos interlocutórios ficará condicionada pela sorte do recurso final da sentença e do sentido das soluções jurídicas dadas ao recurso.
Portanto, para já abstemo-nos de os apreciar e só iremos abordá-los consoante a solução a ser dada ao recurso final.
Passemos então a apreciar primeiro o recurso final da sentença.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Não há questões que nos cumpre apreciar ex oficio.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, para além da impugnação da matéria de facto tida por assente na primeira instância, são tidas por colocadas as questões de:
i) de saber se, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, a promitente-vendedora, ora Ré, pode resolver o contrato-promessa mediante simples notificação da recusa de cumprir e simples restituição do sinal em dobro e a da execução específica dos contratos-promessa;
ii) do pedido reconvencional; e
iii) da condenação da Ré a pagar aos Autores o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação da hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às fracções autónomas objectos destes autos;
Então apreciamos as questões.
1. Da impugnação da matéria de facto
Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela Ré, que esta pretende, com a impugnação da resposta negativa dada aos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 17º, 18º, 19º e 20º da base instrutória, ver provada a matéria neles vertida.
A matéria neles quesitada tem o seguinte teor:
……
2.º
A Ré decidiu estipular um preço de favor nos acordos aludidos em D) porque conhecia os Autores, e como atenção aos mesmos?
……
6.º
A Ré decidiu estipular os preços aludidos em D) porque ficou expressamente acordado entre as partes que a mesma teria o direito de não celebrar o contrato definitivo?
7.º
No momento da celebração dos acordos aludidos em D), a Ré sabia que iria ter de solicitar aos Autores um ajuste do preço de compra das Fracções, tendo em conta um aumento dos custos de construção?
8.º
E desde logo avisou os Autores de que iria entrar em contacto com os mesmos, oportunamente, quanto a esse ajuste do preço de compra?
……
14.º
E os custos dessa substituição foram sendo apurados durante o ano de 2011?
15.º
Quando os Autores assinaram os acordos aludidos em D) sabiam que os preços de compra eram de favor?
16.º
E que seriam corrigidos em função do aumento dos custos da respectiva construção?
17.º
Durante o ano de 2011, a Ré apurou que o aumento do custo de construção de fracções para escritórios (em relação aos custos de 1995) aumentou em HKD649,00 por pé quadrado?
18.º
Depois da data aludida em M) os Autores foram contactados telefonicamente e reuniram com a Ré para que esta lhes comunicasse e explicasse tais montantes adicionais que deveriam ser pagos?
19.º
Apesar de conscientes do baixo preço das fracções, os Autores recusaram-se a colaborar com a Ré?
20.º
Preferindo que fosse apenas esta a suportar o aludido acréscimo de custos?
Tal como vimos na sentença ora recorrida, estes quesitos mereceram in totum resposta negativa.
Ora, se bem entendemos a estratégia da argumentação vertida no petitório do recurso, o que pretende a recorrente com a impugnação da matéria de facto é, no caso de êxito da impugnação, procurar, com base na matéria alterada nos termos pretendidos, convencer este Tribunal de recurso de que o texto do nº 2 da cláusula 2ª (簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償給乙方。) deve ser interpretado no sentido de que o promitente-vendedor tem sempre o direito potestativo ao arrependimento, resolvendo unilateralmente o contrato promessa ou deixar de o cumprir mediante a simples restituição do sinal em dobro, sem alternativa à execução específica, uma vez que, na sua óptica, aquela matéria, a provar, demonstra que o preço estipulado no contrato promessa é um preço de favor, acordado entre o promitente-vendedor e o promitente-comprador com a condição resolutiva segunda a qual o promitente-vendedor tem sempre o direito de não celebrar o contrato definitivo, se o promitente-comprador não satisfizer a eventual exigência pelo promitente-vendedor para o ajuste dos preços da compra e venda por razões do aumento de custos da construção das fracções em causa.
In casu, estão em causa contratos-promessa de compra e venda de imóveis, que são negócios formais – artº 404º/2 do CC.
Como se sabe, as formalidades exigidas por essa norma são formalidades ad substantiam, por necessárias à própria existência das declarações negociais e imprescindíveis à própria validade do contrato. E a sua inobservância implica a nulidade do negócio – nesse sentido, cf. Acórdãos da Relação de Lisboa, de 07OUT1986, in CJ, 1986, 4º - 143 e s.s., aqui citado a título de doutrina no direito comparado.
Assim sendo, as provas que a Ré pretende ver renovadas por esta instância nunca podem ter a potencialidade de nos levar a aceitar, para além do conteúdo do texto do nº 2 da cláusula 2ª dos contratos-promessa, a existência de uma outra cláusula que estipula uma tal condição resolutiva e/ou confere ao promitente-vendedor, ora Ré e recorrente, a prerrogativa de resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a simples restituição do sinal em dobro.
De qualquer maneira, mesmo inútil para nós a reapreciação da matéria de facto nos termos requeridos, vamos demonstrar também a sem razão da recorrente na impugnação da matéria de facto.
Senão vejamos.
Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada não provada.
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são os documentos juntos aos autos, nomeadamente os contratos-promessa em causa, e os depoimentos de algumas das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
Não obstante a deficiência na identificação dos documentos para ser reapreciados, pela recorrente foram indicadas e transcritas exaustivamente as passagens da gravação dos depoimentos que a recorrente entendeu mal valoradas pelo Tribunal a quo.
De qualquer maneira, por razões que passemos a expor infra, este Tribunal de recurso não é permitido pela lei processual a proceder à reapreciação das tais provas nos termos requeridos.
Como se sabe, na matéria da valoração das provas, documental e testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
O Colectivo da 1ª instância fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
A convicção do tribunal quanto ao item 1º resulta da avaliação da DSF a fls. 351 conjugado com o depoimento da testemunha G o qual alicerçou o seu depoimento numa análise feita com base em publicações onde constam os valores de venda para escritório nos anos em causa em Macau, sendo que os valores indicados por esta testemunha de forma fundamentada e os valores constantes da indicada avaliação da DSF são semelhantes e mostram-se adequados com aqueles que resultam das regras da experiência e foram já considerados por este tribunal em processos referentes ao mesmo prédio e anos, tais como o CV1-14-0091-CAO, sendo certo que os valores indicados na avaliação de fls. 430 são bastante dispares destes e por falta de fundamentação não convencem o tribunal da sua credibilidade.
A matéria dos itens 3º, 9º, 10º, 12º e 13º resultou dos depoimentos das testemunhas E e F, para além de ser facto notório e público dada a localização do edifício.
Relativamente aos demais factos, não foi feita prova que com a certeza jurídica necessária permita ao tribunal concluir pela sua veracidade, tal é a situação da matéria dos itens 2º a 6º, versão esta que ainda se torna menos credível quando os valores porque se prometeu vender são muito próximos aos valores de mercado indicados pelas Finanças para aquela data – cf. fls. 351 – não se considerando que se tratava de uma obra que estava parada há mais de 20 anos e cuja conclusão, ou pelo menos data de conclusão se torna incerta aumentando exponencialmente o risco do investimento uma vez que o edifício ainda não havia sido concluído. Quanto aos itens 7º e 8º a testemunha D, o qual também outorgou contrato igual aos dos autos no mesmo tempo e local que estes, vem dizer que aquando da celebração dos contratos de compra e venda nada se falou quanto ao futuro ajuste do preço de venda das fracções em função do custo de construção, o que, aliás, nem se mostra razoável nem de acordo com as regras da experiência, sendo certo que a única testemunha da Ré – E – ouvido a esta matéria também não se recorda se na celebração destes contratos falou ou não. Para além de não ser verossímil que alguém prometesse comprar uma fracção autónoma, pagando integralmente o preço cujo valor foi de milhões e ficar sujeito a uma nova fixação do preço quase aleatória e de acordo com critérios/custos a definir apenas pelo promitente vendedor.
No mais prova alguma se produziu, sendo que, não foram carreados elementos para se concluir que a diferença de preço de construção entre 1995 e 2011 é a que consta do item 17º, pese embora, hajam sido juntos dois contratos de empreitada relativos a este prédio, sendo um de 1995 e outro de 2010 – cf. fls. 443 a 461 -, de onde abstractamente resulta um custo de construção por pé quadrado diferente, mas não o que se pergunta neste item, sendo certo que, os documentos juntos não permitem comparar os custos de trabalho/tarefas num período e noutro, destinando-se dado se reportarem a fases diferentes da construção e trabalhos distintos.
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.
Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
Segundo o ensinamento de H, a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.
O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.
A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.
A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos. – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69 e s.s.
Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.
Na esteira dessa doutrina autorizada sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.
Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.
Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
In casu, nada disso foi alegado.
O que fez a recorrente não é mais do que valorar, ela própria as provas em causa, e formar a sua convicção, diversa da formada pelo Colectivo a quo, sem que tenha sido apontado o erro manifesto na apreciação da prova.
Nestas circunstâncias, nada temos para legitimar este Tribunal de recurso para sindicar a decisão de facto de primeira instância.
Improcede in totum a impugnação da matéria de facto.
Então passemos à apreciação da questão de direito.
Os Autores formularam na petição inicial
2. Da resolução unilateral e da execução específica dos contratos-promessa
Conforme se vê no relatório da sentença ora recorrida, os Autores formularam, os seguintes pedidos, uns cumulativamente e outros numa relação de subsidiariedade, pedindo que:
* Seja proferida sentença que produza os efeito das declaração negocial da Ré faltosa, designadamente os efeitos translativos da propriedade para os Autores das Fracções supra identificadas; e
* Seja a Ré condenada na entrega aos Autores do montante do débito garantido correspondente às fracções objecto dos contratos, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos até integral pagamento para o efeito de expurgação da hipoteca.
Subsidiariamente
* Seja a Ré condenada por não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, bem como a indemnização pelo dano excedente – correspondente à diferença entre o preço acordado entre as partes na data da celebração dos Contratos-Promessa e o valor de mercado das fracções prometidas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (artigo 560/5 do CCivil), i.e., no momento do encerramento da discussão e julgamento (artigo 566/1 do CPC) – mais o valor dos impostos pagos pelas respectivas transmissões intercalares, o que, à data da proposição da presente acção, se cifra já em MOP90.382.618,00 (MOP46.017.349,00 + MOP22.048.398,00 + MOP22.316.871,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Ainda subsidiariamente,
* Seja a Ré condenada pelo não cumprimento dos Contratos-Promessa a pagar aos Autores o dobro das quantias que este lhe pagou, mais o valor dos impostos pagos pelas transmissões intercalares das Fracções ora em causa (MOP11.712.598,00 = MOP2.980.820,00 + MOP1.427.580,00 + MOP1.427.580,00) x 2 + MOP40.638,00), tudo com juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Citada para contestar a Ré veio defender-se, a título principal, por excepção peremptória alegando que dos contratos consta expressamente a cláusula que querendo a Ré pode exercer o direito potestativo de não cumprir o contrato e pagar o sinal em dobro, resolvendo os contratos-promessa de compra e venda, e que mediante a notificação judicial avulsa dirigida aos Autores, ora recorridos, já exerceu o tal direito potestativo de resolver os contratos, tendo-se para o efeito, oferecido para pagar o sinal em dobro.
Só que a tese da resolução unilateral defendida pela Ré não foi acolhida pelo Tribunal a quo, que fundamentou a sua decisão nos termos seguintes:
Ora, da factualidade apurada não é esse o entendimento que resulta.
A cláusula 2ª dos contratos de promessa de compra e venda a que se reportam estes autos mais não é do que uma forma tabular do disposto na parte final do nº 2 do artº 436º do C.Civ.
Por outro lado, e se outra fosse a intenção das partes haveria que nos termos do nº 1 do artº 820º do C.Civ. se ter excluído a possibilidade de execução específica consagrada no nº 3 do artº 436º do C.Civ. aplicável, também, por força do disposto na cláusula 15ª dos contratos sub judice sem que haja qualquer referencia ao seu afastamento.
A possibilidade que a lei consagra no nº 2 do artº 436º do C.Civ. não é um direito do promitente vendedor se desonerar do cumprimento do contrato pagando o dobro do que recebeu, mas sim, uma penalização para o inadimplente de em caso de incumprimento ter de pagar o dobro do que recebeu, sem prejuízo de, a parte que não deu causa ao incumprimento poder sempre optar pela execução específica nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
Por outro lado e sem prejuízo do disposto no nº 2 do artº 436º do C.Civ., no caso da parte que cumpriu não optar pela execução específica ou não ser esta possível, poderá haver lugar à indemnização pelo dano excedente nos termos do nº 4 deste mesmo preceito, possibilidade que também não foi excluída.
Ou seja, no caso dos autos, se a intenção das partes fosse a de conceder ao promitente vendedor o direito de escolha entre cumprir ou não cumprir, mediante o pagamento em dobro do que havia sido prestado, haveria que ter expressamente excluído a possibilidade de execução específica e de pagamento de indemnização pelo dano excedente, tal como autorizam o nº 4 do artº 436º C.Civ. quando refere “na ausência de estipulação em contrário” e o nº 1 do artº 820º C.Civ. quando diz “…na falta de convenção em contrário…”.
Destarte, não se tendo convencionado que estavam excluídas aquelas duas hipóteses para o caso de incumprimento – execução específica e indemnização pelo dano excedente – e face ao disposto na primeira parte do nº 2 do artº 820º do C.Civ. não se pode aceitar o entendimento da Ré de que a cláusula 2ª dos contratos por si só as excluía remetendo para o pagamento do sinal em dobro.
Não sendo possível a resolução unilateral e injustificada dos contratos de promessa de compra e venda, há que julgar improcedente a excepção peremptória de que os contratos de promessa de compra e venda a que se reportam os autos foram resolvidos.
Concordamos.
Na verdade, à excepção das situações em que a resolução é fundada na lei ou na convenção, não pode haver lugar à resolução do contrato pelo devedor, por sua iniciativa, com base no incumprimento imputável a si próprio.
Como in casu não foi demonstrada a existência de uma cláusula convencional que permite a resolução do contrato-promessa nos termos queridos pela Ré enquanto promitente vendedora, o Tribunal a quo entende que ela não podia resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a restituição às Rés do sinal em dobro e acabou por julgar inválida a resolução unilateral dos contratos e deferir a pretensão da execução específica dos contratos-promessa nos termos requeridos pelos Autores.
A Ré, por sua vez, continua em sede do recurso a insistir na mesma tese, tendo repetido o alegado direito potestativo de resolver unilateralmente os contratos mediante a simples restituição do sinal em dobro, de modo a impedir a efectivação da execução específica dos contratos-promessa.
Então vejamos.
Como se sabe, a resolução do contrato é feita por manifestação de vontade de uma das partes que pretende fazer extinguir o vínculo contratual, sendo válida desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato – artº 426º/1 do CC.
In casu, estão em causa três contratos-promessa da compra e venda de imóveis e a tentativa, por parte da promitente vendedora, de resolver unilateralmente e ficar desvinculada à promessa de vender, com fundamento numa cláusula convencional alegadamente constante dos contratos que permite a resolução do contrato-promessa nos termos queridos pela Ré enquanto promitente vendedora, isto é, resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a restituição aos Autores do sinal em dobro
Antes de mais, tal como foi fundada e sensatamente salientado pelo Tribunal a quo, é de afastar a existência da tal cláusula convencional.
Pois, em primeiro lugar, o nº 2 da cláusula 2ª tem esta redacção em chinês: 簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償給乙方。
Trata-se de uma cláusula inserida nos contratos-promessa de compra e venda de imóvel, que é um negócio formal em face do do disposto nos artºs 404º/2 e 866º do CC.
Para a interpretação da declaração negocial nos negócios formais, a lei dispõe que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artº 230º/1 do CC.
Para nós, tal como frisou e bem o Tribunal a quo, esta cláusula não é mais do que uma forma tabular do disposto na parte final do artº 436º/2 do CC, e se outra fosse a intenção das partes haveria que nos termos do artº 820º/1 do CC se ter excluído a possibilidade de execução específica consagrada no artº 436º/3 do CC aplicável, também, por força do disposto na claúsula 15ª dos contratos sub judice sem que haja qualquer referência ao seu afastamento.
Por sua vez, o artº 820º/2 do CC reza ainda que a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário.
Por outro lado, nem é invocável a norma do artº 230º/2 do CC, à luz do qual esse sentido (o sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso) pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Tal como dissemos supra na impugnação da matéria de facto, a exigência da forma legal é formalidades ad substantiam, cuja falta implica nulidade, e não meras formalidades ad probationem, que admitem outros meios de prova.
Portanto, quer face à lei quer face ao teor dos contratos, não é conferido à Ré, ora recorrente, qualquer direito potestativo de não cumprir voluntária e definitivamente os contrato, e/ou resolver unilateralmente os contratos-promessa mediante a simples restituição do sinal em dobro..
E ante os elementos fácticos assentes e conjugando os normativos acima citados, nomeadamente os artºs 436º e 820º do CC e supracitados, é de concluir que, in casu, não obstante a existência do sinal, que por força do disposto no artº 820º/2, primeira parte, do CC, não pode ser interpretada como afastamento da execução específica, pois, em regra, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente-comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa.
Isto é, o promitente-comprador, autor do sinal, pode optar ou pelo recebimento do sinal em dobro, ou pelo recurso à execução específica.
Assim, se nós reconhecêssemos a validade da resolução unilateral a iniciativa da promitente vendedora mediante a simples comunicação da intenção de recusar o cumprimento da sua promessa e a restituição do sinal em dobro, estaríamos a derrogar, injustificadamente, o direito à execução específica, que a lei confere ao promitente-comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens” – palavras utilizadas pelo Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 380, embora usadas em contexto algo diferente, são-nos igualmente pertinentes para explicar a mens legislatoris do artº 820º/2, primeira parte do nosso CC.
Portanto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo ao decidir como decidiu, não reconhecendo in casu à Ré, ora recorrente, a prerrogativa de revogar unilateralmente os contratos-promessa nos termos pretendidos, e julgando procedente do pedido de execução específica, tendo em conta as circunstância concretas do caso e que nada temos a censurar a sentença recorrida.
3. Do pedido reconvencional
A Ré deduziu pedido reconvencional da condenação dos Autores no pagamento de um valor pelo aumento dos custos do preço de construção das fracções em causa, caso viesse a ser julgado procedente o pedido de execução específica.
O pedido reconvencional foi julgado improcedente nos termos seguintes:
Porém, no que a esta matéria concerne não se provaram os factos dos quais emerge o pedido, nomeadamente de que houvesse sido acordado entre as partes que o preço de compra e venda ficava sujeito a ajustes caso os custos de construção viessem a ser superiores ao estimado pela Ré.
Pelo que, não se tendo provado os pressupostos de que emergia e na falta de fundamento legal, só pode este pedido improceder.
No pedido reconvencional, a Ré apoia-se essencialmente na matéria levada à base instrutória, nomeadamente nos quesitos 2º, 6º, 7º, 8º, 14º a 17º, 18º, 19º e 20º e na invocada violação do princípio da boa fé.
Só que, como vimos, a não demonstração da matéria vertida nesses quesitos na primeira instância foi mantida por este Tribunal ad quem, cai por terra toda a argumentação, ora reiterada pela recorrente em sede do presente recurso, alicerçada na matéria de facto.
Quanto à invocada violação do princípio da boa fé, é de dizer que, ante a matéria de facto tida por assente na 1ª instância e ora mantida intacta em sede do presente recurso, e não se vê em que termos podemos acusar os Autores de terem actuado em violação do princípio da boa fé.
Talvez, por recusa dos Autores à exigência do pagamento dos preços adicionais alegadamente resultantes do aumento dos custos da construção das fracções autónomas em causa, que a Ré tivesse entendido que os Autores agiram de má fé.
Não tem razão a recorrente.
A recusa nunca pode traduzir-se num acto violador do princípio da boa fé, pois é inexigível aos Autores o cumprimento daquilo que não foi consensualmente estipulado nos contratos, nos termos prescritos no artº400º/1 do CC, à luz do qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
De qualquer maneira, já chegamos à conclusão de que, no caso sub judice, os Autores, enquanto promitentes-compradores, podem optar, alternativamente, ou pelo recebimento do sinal em dobro, ou pelo recurso à execução específica.
Improcede esta parte de recurso.
4. Da expurgação da hipoteca
Finalmente, a recorrente veio reagir contra a condenação no pagamento aos Autores o montante do débito garantido pela hipoteca acrescido dos juros respectivos vencidos e vincendos no valor que se vier a apurar em execução de sentença para expurgação da hipoteca incidente sobre o prédio na parte correspondente às fracções autónomas objectos destes autos.
Para o efeito alegou em síntese que ela não se obrigou a vender as fracções livres de ónus ou encargos, nem foi estipulada a obrigação de expurgar, distratar ou cancelar quaisquer ónus ou encargos vigentes sobre as fracções e que sendo estes ónus anteriores aos contratos-promessa, não tem aplicação o artº 820º/4 e 5 do CC.
Ora, para nós, na falta de convenção em contrário estabelecida nos contratos-promessa, os bens imóveis objecto da promessa de venda devem ser entendidos bens livres de quaisquer ónus e encargos, pois isto corresponde ao sentido com o qual um declaratário normal pode razoavelmente conta e representa o maior equilíbrio das prestações – artºs 228º e 229º do CC.
Vimos supra que é de proceder execução específica peticionada pelos Autores.
Assim, se o objecto da promessa da compra e venda for os três imóveis, livres de quaisquer ónus e encargos e a solução jurídica ao caso sub judice for no sentido de deferir a execução específica pretendida pelos Autores, não faz sentido agora revogar a condenação nos termos requeridos pela Ré.
Na verdade, o que fez o Tribunal a quo não é mais do que fazer operar os efeitos de sub-rogação a que se refere a parte final do artº 586º do CC, à luz do qual, fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.
Estando onerados os bens imóveis, objecto da promessa de compra e venda, obviamente os Autores, enquanto promitentes-compradores, estão directamente interessados na satisfação do crédito para expurgar a hipoteca.
E não faz muito sentido obrigar os Autores a pagar primeiro ao credor hipotecário e só depois vir de novo aos tribunais instaurar uma outra acção contra a ora Ré pedindo que os coloque na titularidade dos créditos de que é devedora a ora Ré com fundamento no pagamento do débito, em lugar da ora Ré, ao credor hipotecário.
Caso esta fosse a solução a adoptar, estaríamos a tolerar e aprovar injustificadamente um grande atropelo à justiça, ou pelo menos à celeridade da justiça, pois estaríamos a penalizar e dificultar a vida dos promitentes-compradores não faltosos e fechar os olhos à atitude censurável da promitente-vendedora faltosa.
Por outro lado, a condenação da Ré nos termos definidos na parte dispositiva da sentença ora recorrida não põe em perigo nem ofende o bem jurídico consistente nos direitos e interesses do credor hipotecário, que os normativos do invocado artº 820º/4 e 5-a) do CC visa tutelar.
Como costumamos dizer: ao aplicar uma norma, o intérprete-aplicador de direito está a aplicar todo o sistema.
Não poucas vezes, não se pode pegar de uma norma isoladamente, ignorando o resto do sistema.
In casu, estão em causa as várias normas, todas válidas, que visam tutelar bens jurídicos e alcançar finalidades diferentes, em certa medida inconciliáveis.
Nós, enquanto intérpretes-aplicadores de direito, se estivermos confrontados com uma situação concreta, como sucede no caso sub judice, em que, estão presentes diferentes bens jurídicos, todos dignos da protecção jurídica mas merecedores dos meios de tutela inconciliáveis, temos a obrigação de procurar harmonizar tanto quanto possível esses meios de tutela inconciliáveis mediante a concordância prática dos valores em causa.
Para nós, o que foi decidido na primeira representa a concordância prática dos valores em conflito, pois a condenação nos termos determinados assegura os direitos e interesses quer do credor hipotecário quer dos promitentes-compradores e não representa gravame à Ré que sendo o verdadeiro responsável pelo débito garantido pela hipoteca e promitente-vendedora dos bens livres de quaisquer ónus e encargos, tem sempre a obrigação de fazer extinguir o débito.
Portanto, o invocado obstáculo, apoiado no disposto no artº 820º/4 e 5-a) do CC, não deve ser considerado impeditivo da condenação nos termos determinados na parte dispositiva da sentença recorrida.
Assim, cremos que bem andou o Tribunal a quo e é de manter a condenação.
5. Dos recursos interlocutórios
Ora, dada a confirmação da sentença recorrida, o recurso interlocutório interposto pelos Autores não de conhecer nos termos disposto no artº 628º/2 do CPC, à luz do qual os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.
Já em relação ao recurso interlocutório interposto pela Ré, também não é de o conhecer por inutilidade superveniente, uma vez que, conforme decidimos supra quanto ao recurso da sentença, se torna desnecessária a prova pericial, que visa o apuramento dos preços de mercado das fracções autónomas em causa que não tem qualquer relevância para a boa decisão do recurso.
Concluindo e resumindo:
10. A forma legal exigida pelo artº 404º/2 do CC para titular contrato-promessa de compra e venda de imóveis é formalidades ad substantiam, por necessária à própria existência das declarações negociais neles vertidas e imprescindível à própria validade do contrato. E a sua inobservância implica a nulidade do negócio.
11. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
12. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
13. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
14. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
15. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
16. A resolução do contrato é feita por manifestação de vontade de uma das partes que pretende fazer extinguir o vínculo contratual, sendo válida desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato – artº 426º/1 do CC. Assim, à excepção das situações em que a resolução é fundada na lei ou na convenção, não pode haver lugar à resolução do contrato pelo devedor, por sua iniciativa, com base no incumprimento imputável a si próprio.
17. Em regra, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente-vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente-comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa – 820º/2 do CC.
18. Na falta de convenção em contrário firmada nos contratos-promessa, os bens imóveis objecto da promessa de venda devem ser entendidos bens livres de quaisquer ónus e encargos, pois isso corresponde ao sentido com o qual um declaratário normal pode razoavelmente conta e representa o maior equilíbrio das prestações – artºs 228º e 229º do CC.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam não tomar conhecimento dos recursos interlocutórios e julgar improcedente o recurso interposto pela Ré, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 14MAIO2020
Lai Kin Hong
Ho Wai Neng
Fong Man Chong
Com declaração de voto vencido em anexo
Processo nº 204/2019 (recurso em matéria cível)
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
Sendo idênticas as questões discutidas neste processo e as no processo nº 327/2017, cujo acórdão foi proferido em 04/04/2019, salvo o melhor respeito, mantenho a minha posição constante deste último, sendo reproduzido, aqui e para todos os efeitos, os argumentos nesse acórdão tecidos, assim, deveria julgar-se procedente o recurso interposto pela Ré (C SA), considerando resolvidos os contratos-promessas em discussão.
*
RAEM, aos 14 de Maio de 2020.
*
Primeiro Juiz-Adjunto
_________________________
Fong Man Chong
Ac. 204/2019-37