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Processo nº 368/2020
Data do Acórdão: 07MAIO2020


Assuntos:

Suspensão de eficácia do acto administrativo
Grave lesão do interesse público na não execução imediata
Prejuízos de de difícil reparação


SUMÁRIO

1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

2. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.


O relator


Lai Kin Hong



Processo nº 368/2020


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificada nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer com fundamentos seguintes, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 25MAR2020, do Senhor Secretário para a Segurança, que em sede de recurso hierárquico, confirmou a revogação da autorização de permanência, que lhe foi concedida na qualidade de trabalhador não residente:

  A, solteira, maior, de nacionalidade filipina, titular do Passaporte das Filipinas n.º XXX, emitido por PCG Macau, em 28 de Novembro de 2018, residente em Macau, na XXX, doravante a "Requerente",
VEM, AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 120.º, 121.º e 123.º, n.º 1, alínea a) DO CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO,
O QUAL DEVERÁ, POSTERIORMENTE, SER PROCESSADO POR APENSO AOS AUTOS DE RECURSO CONTENCIOSO CUJA ENTRADA NESSE VENERANDO TRIBUNAL SERÁ APRESENTADA, REQUERER
PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO
proferido pelo
  Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado de 25 de Março de 2020, o qual determinou a improcedência do recurso hierárquico necessário que foi interposto do despacho proferido em 03.01.2020 pelo Exmo. Sr. Comissário do CPSP (Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência / Subdivisão de Trabalhadores Não Residentes), que revogou a autorização de permanência em Macau enquanto trabalhadora não residente,
  O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I - DOS FACTOS
1. No dia 21 de Janeiro de 2020, foi a ora Requerente notificada de um despacho proferido pelo Exmo. Sr. Comissário do CPSP (Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência / Subdivisão de Trabalhadores Não Residentes), no qual foi determinada a revogação da autorização de permanência em Macau enquanto trabalhadora não residente, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, paragrafo 3) da Lei n.º 6/2004 e 15.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.
2. Nos termos do referido despacho, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Requerente terá praticado um crime de burla, p.p. pelo artigo 211.º do Código Penal.
3. A informação que serviu de base ao acto de revogação da autorização de permanência foi o ofício da polícia Judiciária n.º 29749/S/2019, no qual, fundamenta posteriormente o Exmo. Sr. Secretário, “vem relatada, entre outras, a conduta da Recorrente.”
4. Nesses termos, o Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública considerou que o alegado comportamento do Requerente constituía um perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM e, por isso, deveria ser revogada a sua autorização de permanência enquanto trabalhadora não residente, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 6/2004 e 15.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010.
5. Em 4 de Março de 2020, a Requerente recorreu hierarquicamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública da RAEM.
6. No dia 2 de Abril de 2020, foi a ora Requerente notificada da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança que negou provimento ao recurso hierárquico necessário que foi interposto do despacho proferido em 03.01.2020 pelo Exmo. Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (C.P.S.P.), despacho esse que revogou a autorização de permanência em Macau enquanto trabalhadora não residente,
7. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança vem manter a decisão de revogação da autorização de permanência da Requerente na RAEM na qualidade de trabalhadora não residente.
8. A decisão proferida pelo Exmo. Secretário para a Segurança revela, nomeadamente, que “[...] Na sua petição de recurso vem a recorrente assacar ao acto recorrido vários vícios, entre eles a falta de fundamentação e a violação de vários princípios.
Quanto à alegada falta de fundamentação, basta uma leitura atentada da citada Informação complementar para se verificar que nela estão clara e suficientemente descritos os actos praticados pela ora recorrente, de molde a concluir que objectivamente a sua conduta indicia que ela é pessoa desonesta que potencia em si perigo para a ordem e segurança públicas da região Administrativa Especial de Macau (RAEM), porquanto e em síntese, juntamente com o seu pai, a Recorrente também fez sua uma ficha de jogo (que se revelou ser falsa) no valor de 100 mil dólares de Hong Kong, sem que a tenha entregue às autoridades policiais ou sequer avisado estas, violando assim o dever de honestidade exigível a um bom cidadão, ficha essa que foi entregue a um terceiro para que este, mediante contrapartida, a trocasse num casino.
Ora, prevê-se no n.º 1 do artigo 15.º do regulamento Administrativo 8/2010 que a autorização de permanência, na qualidade de trabalhador, pode ser revogada quando se verifiquem os pressupostos previstos na lei para a revogação da autorização de permanência de quaisquer não residentes.
Sem que a autorização de permanência de uma pessoa não residente pode ser revogada, nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da lei n.º 6/2004, quando essa pessoa constitua perigo para a segurança e ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou a sua preparação, a na RAEM. Sempre se diga que a prática de crimes, ou a sua preparação, constitui apenas uma das formas possíveis da demonstração, e não a única forma, da existência de perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM, pois o legislador utilizou a palavra “nomeadamente””.
Na referida decisão é ainda descrito o seguinte:
“[...] Na sua petição de recurso, vem a Recorrente trazer à colação o "inquérito n.º 12049/2017, que corre termos pelo Ministério Público". Ora tal afirmação é inexacta, pois em concreto o que desencadeou o acto ora impugnado foi o Ofício n.º 29749/S/2019, da Polícia Judiciária, onde vem relatada, entre outras, a conduta da Recorrente.
A recorrente argumenta também que o acto é ilegal porque, não tendo sido julgada nem condenada, tem a Administração a obrigação de observar o princípio da presunção da inocência. O Argumento não procede, pois estamos no domínio de u procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatário), onde não relevam considerações sobre a efectiva punição criminal dos factos subjacentes, nem está em causa a apreciação da responsabilidade penal da Recorrente.
O que está em causa, repete-se, é a adopção de medidas securitárias - que não têm natureza penal, nem sequer sancionatória -, tendentes a assegurar a boa ordem e tranquilidade públicas, afastando-se da RAEM pessoas que constituem perigo para esses bens jurídicos.
Deste modo, tudo ponderado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo, decido negar provimento ao recurso hierárquico, confirmando o acto de revogação de autorização de permanência, por entender que o mesmo está bem motivado e devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito." (Doc. 1).
9. É desta decisão que a Requerente pretende agora recorrer contenciosamente, apresentando previamente à interposição de recurso o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, em virtude de entender que a decisão, além de não se encontrar devidamente fundamentada - como já foi alegado anteriormente -, se encontra ainda inquinada pelo vício de Violação de Lei, consubstanciado na violação dos Princípios da Legalidade, da Protecção dos Direitos e Interesses dos Residentes, da Proporcionalidade - nas vertentes da adequação, necessidade e proporcionalidade strictu senso - e da Justiça, apresentando, sobretudo, uma enorme e total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários por parte da Administração Pública, aos quais a Administração não está vinculada, estando contudo vinculada, “de mera interpretação de lei, com base nos instrumentas da ciência jurídica” no que respeita ao preenchimento de conceitos indeterminados, como é o presente caso.
10. Na vertente do Principio da legalidade, “Os órgãos da administração devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos,” (art. 3.º, n.º 1 do CPA).
11. Por referência ao Princípio da prossecução do interesse público e dos direitos e interesses dos residentes, compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público respeitando os direitos e os interesses legalmente protegidos (art. 4.º CPA)
12. Dispõe ainda o artigo 5.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
13. Também o artigo 7.º do CPA determina que “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”.
  Sucede que,
14. Conforme melhor se explanará no recurso contencioso a apresentar e ao qual serão apensos os presentes autos, a medida de revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente que é aplicada à Requerente, salvo o devido respeito, para além de não se encontrar fundamentada, é manifestamente desproporcional, tudo acrescido pelo facto do preenchimento do conceito indeterminado de “perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” ter sido preenchido de uma forma pela qual se fez um mau uso dessa mesma actividade vinculada, devendo este tribunal, nesse sentido, controlar esta actividade vinculada da Administração, respeitando o Principio da separação de poderes, não devendo contudo permitir um “erro manifesto” nem “uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários” .
15. Ou seja, a Administração no preenchimento de um conceito indeterminado - sendo uma actividade vinculada - apresenta uma faceta de total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, consubstanciado, assim, numa clara violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, o que constitui uma ilegalidade por vício de violação de lei e determina, por conseguinte, a anulabilidade da decisão proferida pela Administração nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
16. Na verdade considerou a Administração que a aqui requerente é um “perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” apenas com base numa informação que foi providenciada pela Polícia Judiciária, elaborando um juízo de prognose que em muito extravasa o preenchimento do conceito indeterminado e, bem assim, o âmbito de discricionariedade em que deveria ter actuado, sem sequer ter efectuado uma investigação própria no âmbito do processo administrativo por forma a poder concluir que assim era de facto, ou seja, que a interessada era, na verdade, um “perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM”.
17. A Requerente foi apenas indiciada pelo crime de burla, não tendo sequer sido acusada ou julgada (ainda) conforme melhor descrito no procedimento administrativo, nomeadamente na nota enviada pela Policia Judiciária, contudo, a parca fundamentação no âmbito do procedimento administrativo - que culminou com o despacho que agora é colocado em causa - começa por referir que “basta uma leitura atentada da citada informação complementar para se verificar que nela estão clara e suficientemente descritos os actos praticados pela ora recorrente, de molde a concluir objectivamente que a sua conduta indicia que ela é uma pessoa desonesta que potencia em si perigo para a ordem e segurança públicas da RAEM, porquanto e em síntese, juntamente com o seu pai, a Recorrente fez sua uma ficha e jogo (que se revelou ser falsa) no valor de 100 mil dólares de Hong Kong, sem que a tenha entregue às autoridades policiais ou sequer avisado estas, violando assim o dever de honestidade exigível a um bom cidadão, ficha essa que foi entregue a um terceiro para que este, mediante contrapartida, a trocasse num casino.”
18. Ora, esta fundamentação, além de parca, porque apenas se baseia num relatório elaborado pela Policia judiciária no âmbito de um processo-crime, não indicia a prática de um crime de burla, mas antes, sem conceder, na prática de um alegado crime de "apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada", p. e p. no arrigo 200.º do Código Penal.
19. A tudo isto acresce o facto de não ter sido a aqui Recorrente, como a mesma declarou na Policia Judiciária, que não foi ela quem achou a respectiva ficha de jogo, nem tão pouco sabia que a mesma era falsa, não tendo sequer a obrigação de saber.
20. Mas acresce ainda que o processo-crime vem sendo investigado pelo Ministério Público desde o ano de 2017, e que é de todo credível que a ficha tenha sido encontrada pelo pai da requerente, como o próprio confirmou, mas no qual a requerente tem um escasso envolvimento, daí que a medida agora proposta seja desproporcional à actuação da aqui Requerente.
21. Alem de se entender que existe falta de fundamentação, não pode o Exmo. Secretário para a Segurança alterar os factos do processo-crime para o processo administrativo, e só o fez, acredita-se, porque não procedeu a uma investigação no âmbito do processo administrativo, para vir explanar o que explanou no despacho colocado em causa.
22. Acresce a tudo isto que a honestidade, quer se goste, quer não, é um dever moral, não sendo crime, em determinadas situações, o facto de se ser desonesto.
23. Pelo que, quando se afirma que a requerente violou o "dever de honestidade", esta fundamentação tem um carácter moral, que sim, pode ser uma conduta reprovável mas não constituiu um crime na forma como é fundamentado.
24. Acresce a tudo isto que a Requerente tem o seu centro de vida na RAEM, onde vive com o irmão, desempenhando a sua actividade profissional como empregada de limpeza, auferindo mensalmente pouco mais de 7.000,00 patacas (Doc. 2).
25. Sendo, contudo, um elemento fundamental no sustento dos pais que residem nas filipinas, efectuando uma transferência bancária, mensalmente, de valor superior a MOP$ 4.000,00 (Docs. 3 a 6).
26. De resto, o pai da aqui requerente, também ele trabalhador importado, viu o seu visto de trabalho ser cancelado pela entidade patronal na sequencia deste mesmo processo crime, tendo regressado às filipinas em Janeiro de 2020.
27. Sendo que o encargo mensal de apoio à família nas filipinas, dispensado pela aqui Requerente, bem como, por vezes, pelo irmão da mesma, recai agora, quase de forma única e exclusiva sobre a aqui requerente.
28. A isto acresce, como é natural e óbvio, a intenção e desejo da Requerente continuar a querer residir e a trabalhar na Região Administrativa Especial de Macau.
29. Deste modo, a presença na Região é essencial para que possa continuar a desempenhar a sua actividade laboral e assim prover ao seu sustento, bem como ao sustento de seus pais nas Filipinas.
II - DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
30. Como resulta dos factos supra expostos, a interessado no processo administrativo em causa, a ora Requerente, é a destinatária directa do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
31. Resulta ainda que o acto recorrido produz efeitos em relação à Requerente.
32. Por conseguinte, se a ora Requerente tem legitimidade activa para impugnar contenciosamente o acto em causa praticado pela Entidade Requerida, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ser lesada do acto em crise nos autos do recurso contencioso de anulação a que estes autos serão apensos, também tem necessariamente legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do acto recorrido, como resulta do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, doravante designado por CPAC.
33. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, autor do acto recorrido, é a entidade recorrida de acordo com o preceituado no artigo 37.º do CPAC.
34. A Requerente foi notificada em 02.04.2020 do acto recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, conforme se comprova através do Doc. 1, bem como da verificação do respectivo processo administrativo, que a final se irá requerer que seja presente a este Venerando Tribunal pela entidade recorrida,
35. Pelo que o recurso contencioso a apresentar, e ao qual estes autos serão apensos, é (será) tempestivo.
III-DOS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PROCEDIMENTO CAUTELAR
36. O acto administrativo de revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhadora não residente confere à Requerente o direito a recorrer contenciosamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o que será agora feito, correndo o respectivo recurso contencioso os seus termos legais nos autos a que este procedimento cautelar será apenso,
37. Assim como lhe confere o direito de requerer a suspensão da eficácia de tal acto por apenso aos mesmos autos, o que ora se faz.
38. O recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo.
39. E, como se sabe, o recurso levará algum tempo a ser julgado definitivamente, pelo que, in casu, a execução imediata do acto prejudica irremediavelmente a Requerente e, consequentemente, todas as demais pessoas que, ainda que nas Filipinas, dependem da requerente nomeadamente para o sustento das mesmas, uma vez que aa aqui requerente transfere para os pais nas Filipinas mais de metade do escasso salário que aufere mensalmente.
40. O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos é um procedimento cautelar conservatório, destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso e assim assegurar a permanência da situação existente aquando da ocorrência do litígio a dirimir no recurso contencioso,
41. Tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso, acautelando a situação, de facto ou de direito, e evitando alterações prejudiciais,
  Isto é,
42. A não produção de efeitos do despacho que declarou a revogação da autorização de permanência da Requerente na qualidade de trabalhadora não residente.
43. Nomeadamente, evitando que esta seja obrigada a deixar de trabalhar e a abandonar a RAEM, podendo aqui permanecer até que seja decidido o recurso contencioso de anulação.
44. A revogação da autorização de permanência causa um grave prejuízo à Requerente, impossibilitando-a de exercer a sua actividade laboral e assim prover ao seu sustento e ao sustento de seus pais nas Filipinas.
45. De acordo com o artigo 121.º, n.º 1 do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a)A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b)A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c)Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.” - destacado nosso.
  Ora,
46. Salvo o devido respeito, consideramos que no caso em apreço se encontram preenchidos todos os requisitos previstos na lei, como passaremos a demonstrar infra.
A) Do periculum in mora - artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do CPAC
47. No que respeita ao requisito do periculum in mora, o mesmo determina que a providência deva ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar um prejuízo de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal.
  Pois bem,
48. A Requerente tem a sua vida estabilizada na RAEM, onde reside, juntamente com o irmão, trabalhando honestamente e auferindo um salário, como empregada de limpeza, de pouco mais de MOP$ 7.000,00.
49. Conforme já referido supra, através da sua actividade laboral enquanto empregada e limpeza, a Requerente aufere um escasso salário mensal com o qual se sustenta e contribui para o sustento de seus pais.
50. De facto, a Requerente tem como despesas mensais, aqui na região, a habitação que partilha com o irmão e outros cidadãos filipinos, as despesas inerentes a essa habitação (água e electricidade) a alimentação e vestuário, conseguindo, com o dinheiro que lhe resta após transferir grande parte para os pais nas Filipinas, ainda assim, uma vida digna e condigna na Região.
51. Salienta-se que a actividade profissional desenvolvida pela Requerente na RAEM constitui a sua única fonte de rendimento, não possuindo a mesma nenhuma poupança nem nenhum bem de que possa dispor.
52. A Requerente é natural das Filipinas, encontra-se a residir e a trabalhar na RAEM há vários anos, pelo que caso a sua autorização de trabalho seja revogada não será fácil para a Requerente encontrar trabalho, de um momento para o outro fora da RAEM, nomeadamente nas filipinas, país de origem, ou noutro país, sem que isso lhe acarrete um prejuízo de difícil reparação.
53. A esta situação acresce a presente pandemia internacional, na Ásia, Continente Americano e Europeu do novo covid 19, uma situação que fechou países, paralisou economias sem se saber quando é que terminará, ou se alguma vez terminará.
54. Ora, neste cenário, de conhecimento geral e oficioso, não será certamente fácil à Requerente encontrar um novo posto de trabalho fora da Região, como se alegou, quer seja no país de origem, quer seja noutro país qualquer do mundo.
55. Mais ainda, regressando ao seu país de origem - o que não é de todo certo que o posso fazer num futuro imediato devido às restrições aéreas entre a RAEM e as Filipinas, por imposição dos respectivos Estados -, não só a Requerente terá dificuldade em encontrar emprego, como, se o arranjar, se desconhece quanto tempo o levará a fazer, ficando em sério risco a própria subsistência da ora Requerente, bem assim, a de seus pais.
56. Sendo que, na eventualidade de conseguir arranjar emprego, qualquer salário que receba nunca será muito elevado, a Requerente é empregada de limpeza na Região, não é uma trabalhadora especializada.
57. Salienta-se que a Requerente tem apenas uma autorização de permanência na RAEM - enquanto turista - e será forçada a deixar a Região dia 22/04/2020, caso exista a verdadeira possibilidade em poder apanhar um avião de regresso às Filipinas, cenário pouco provável de momento.
58. Daí que, por um lado, considerando que a Requerente contribui mensalmente para o sustento de seus pais, tal situação determinará obrigatoriamente um agravamento das condições de vida da Requerente e da sua família, causando-lhes, como é bom de ver, um prejuízo de difícil reparação.
59. Esse prejuízo de difícil reparação pode ser, desde já, contabilizado com a perda de rendimento no montante mensal de MOP$7.000,00, o escasso salário da Requerente.
60. Contudo, a mudança brusca, forçada e estável da vida pessoal da Requerente, além de acarretar um prejuízo de difícil reparação, acarreta, por outro lado, um prejuízo que jamais poderá ser contabilizado em termos pessoais, nomeadamente na vertente emocional e psicológica.
61. Caso à Requerente seja revogada ou não validada a sua autorização de trabalho na RAEM, a mesmo será obrigada a sair da RAEM quase de imediato, sem que possa aguardar pela decisão do recurso contencioso a interpor, com todas as consequências que a execução deste acto acarretará para a vida profissional e pessoal da Requerente,
62. O que, por razões de óbvia imprevisibilidade, criará consequências gravosas uma vez que o trabalho da Requerente constitui a sua única fonte de sustento e rendimento, e também a principal fonte de sustento de seus pais.
63. A efectivar-se a obrigação de abandonar a RAEM num curto período, os custos pessoais, sociais e emocionais suportados pela Requerente serão demasiado elevados, incalculáveis e de impossível contabilização no seu todo.
64. A Requerente ficará sem emprego, sem salário, sem sustento, sem meios económicos para satisfazer as suas necessidades mais básicas e prementes, um verdadeiro direito fundamental de qualquer ser humano.
65. Falamos pois da consequência nefasta que é quando um suporte e apoio dos pais fica, de repente, e de certa forma sem saber porquê, sem qualquer possibilidade de se poder sustentar.
66. Sendo certo que a decisão a proferir por esse Venerando Tribunal sobre o recurso contencioso da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar as elevadas perdas supra assinaladas para a Requerente e respectiva família.
67. Por esse motivo, mostra-se imperioso suspender a decisão de revogação da autorização de permanência para que o Tribunal possa julgar a presente matéria, ficando a eventual obrigação de abandono do território a aguardar a prolação da decisão final.
68. Caso não se suspenda a decisão de revogação da autorização de permanência do Requerente, estaremos perante um prejuízo de reparação impossível e com consequências devastadoras, como é bom de ver.
69. Conforme já alegado supra, a decisão de revogação da autorização de permanência do Requerente na qualidade de trabalhadora não residente encontra-se inquinada do vício de falta de fundamentação e de violação de Lei, por violação dos Princípios da Legalidade, prossecução do Interesse Público e da Protecção dos Direitos dos Residentes, Proporcionalidade e da Justiça, previstos nos artigo s 3.º, 4.º, 5.º, 7.º n.º 2, todos do CPA, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC e 4.º, n.º 2, alínea 3) da Lei 4/2003.
70. Na verdade não basta que se alegue que o Requerente cometeu um crime, não tendo sequer ainda sido acusado ou sequer condenado, para se concluir, sem quaisquer outros factos, que a mesma constitui perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM.
71. A tudo isto acresce que esta alegação da Administração, neste caso em apreço, nos termos e modos como foi efectuada, traduz-se no vício de falta de fundamentação, o que, desde já, se invoca e a final se reitera.
72. Os vícios supra indicados têm como consequência a anulabilidade do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretario para Segurança, como resulta do artigo 124.º do CPA.
73. E é essa decisão de revogação da autorização de permanência da Requerente que nos reconduz ao prejuízo de impossível reparação que a mesma provoca.
74. A verdade é que ao recorrer contenciosamente da decisão do Exmo. Secretário para a Segurança, a Requerente não vislumbra um resultado que não seja a revogação do acto da entidade recorrida, sendo da mais elementar justiça que isso aconteça perante o quadro concreto actual e comprovado.
75. Caso venha a ser proferida uma sentença favorável à Requerente, a mesma poderá continuar a residir e a trabalhar na RAEM e assim continuar a prover ao seu sustento e de seus pais.
76. A suspensão da decisão de revogação da autorização de permanência terá a virtualidade de permitir à Requerente continuar a residir e a trabalhar na RAEM, pelo menos até existir uma decisão final em sede de recurso contencioso.
77. Pelo exposto, se por mera hipótese não for decretada a providência requerida, o que não se concede e apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, quando vier a ser decidido no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
78. Também por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido, isto é, a suspensão da revogação da autorização de permanência da Requerente na Região, até decisão final do recurso contencioso.
B) A suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente seguido pelo acto - artigo 121º, nº 1, alínea b) do CPAC
79. A adopção da providência requerida será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam do seu provimento se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
  Ora,
80. Para além da possibilidade de constituição de facto consumado, requisito comum para as providências cautelares conservatórias, também não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse da Requerente.
  Senão vejamos:
81. Foi a Requerente indiciada pelo crime de burla, sem sequer ter sido acusada ou condenada, num processo que está em investigação desde 2017.
82. Contudo, a medida de revogação da autorização de permanência na RAEM, enquanto medida preventiva, tem por fim impedir que da eventual actividade de certos particulares provenham danos para a sociedade ou para outros particulares.
83. Porém, e conforme já foi referido, no presente caso, não se vislumbra que a Requerente venha a pôr em risco a ordem pública da RAEM, nem tão pouco a segurança dos que aqui residem e trabalham.
84. A Recorrente encontra-se inserida profissional e socialmente na RAEM, tendo sempre cumprido as normas vigentes no Território, sendo que os factos que foram relatados no Oficio da Policia Judiciária não estão sequer provados, mas mais, nem sequer integram ainda uma acusação formal, como tem de acontecer, necessariamente, em processo-crime.
85. Como tal, a suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança em causa nos presentes autos jamais poderá determinar a grave lesão do interesse público.
86. Ao invés, os danos na esfera jurídica da Requerente que resultam da recusa da providência requerida são demasiado elevados e evidentes.
87. Mesmo que se entenda que eventualmente possa existir alguma lesão do interesse público, a verdade é que seria absolutamente desproporcional o prejuízo irreparável da Requerente, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público, que jamais poderia ser entendida como grave, e cuja avaliação sempre haveria de ser feita com recurso ao disposto no artigo 121.º, n.º 4 do CPA,
88. Na certeza de que o prejuízo causado à Requerente com a não suspensão da eficácia do acto será sempre manifesta e desproporcionalmente superior àquele que possa resultar para o interesse público.
89. Assim sendo, ponderados os interesses em jogo, nomeadamente o facto de a Requerente ter o seu centro de vida na RAEM e o trabalho aqui desenvolvido constituir a sua única fonte de sustento e de seus pais, é legítimo concluir que a suspensão de eficácia do acto não causará qualquer lesão do interesse público, mostrando-se desse modo preenchido o requisito ora em análise.
C) Do Fumus Boni luris - artigo 121.º, n.º 1, alinea c) do CPAC
90. Nas providências cautelares, a exigência do fummus boni iuris quanto às condições de interposição do recurso contencioso de anulação ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento do mesmo, bastando um juízo negativo de que "não seja manifesta" a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
91. O recurso contencioso de anulação a apresentar é tempestivo e encontra-se devidamente fundamentado, uma vez que o acto em causa é evidentemente ilegal, padecendo de vários vícios de violação de Lei.
92. Por conseguinte, ainda que não se entenda que a procedência do recurso contencioso de anulação é evidente, o que não se concede, não se pode entender igualmente, salvo o devido respeito, ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nessa demanda.
93. Deste modo, mesmo que não estejamos perante uma situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, é de considerar que não é manifesta a falta de fundamento do recurso contencioso de anulação a correr os seus termos.
94. Atendendo aos vícios de que padece o acto administrativo, pode afirmar-se que é provável que a pretensão formulada pela Requerente, em sede de recurso contencioso de anulação a interpor, venha a ser julgada procedente.
95. Termos em que estão assim preenchidos os requisitos para a suspensão da eficácia do acto recorrido, previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPA, e bem assim se mostram verificados todos os pressupostos para a suspensão da decisão de revogação da autorização de permanência da Requerente, na qualidade de trabalhadora não residente, até decisão final do recurso contencioso de anulação.
  Nestes termos, deverá o presente procedimento cautelar ser julgado procedente, por provado, decretando-se em conformidade a suspensão de eficácia do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança relativamente à revogação da autorização de permanência da Requerente na qualidade de trabalhadora não residente.
  Para tanto, requer a V. Exa. se digne ordenar o mais brevemente possível a citação da Entidade Requerida, o Exmo. Senhor Secretario para a Segurança, para, querendo, contestar nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 3 do CPAC, e com a indicação que deverá juntar a estes autos o respectivo processo administrativo.

Citada, veio a entidade requerida invocar o grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução acto e contestou pugnando pelo indeferimento do pedido com fundamento na inverificação no caso sub judice dos requisitos exigido pelo artº 121º/1-a) e b) do CPAC.

Em relação à invocação de a não execução imediata do acto, de cuja suspensa ora se requere, ser determinativa da grave lesão do interesse público que tem em vista o acto, foi proferido pelo Relator o seguinte despacho, não aceitando como fundamentada a invocação:

Citada para contestar, a entidade requerida vem, mediante o ofício que deu entrada na secretaria do TSI em 24ABR2020, fazer chegar aos autos o seu despacho datado da mesma data, onde se declara a não suspensão provisória com fundamento no grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução.

Sobre a suspensão provisória, diz o artº 126º do CPAC que:
1. Recebida a citação ou notificação, o órgão administrativo não pode iniciar ou prosseguir a execução, devendo impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução.
2. Excepto na hipótese prevista no n.º 2 do artigo 121.º, não é aplicável o disposto no número anterior quando o órgão administrativo reconheça, fundamentadamente e por escrito, no prazo de 3 dias, grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução.
3. O reconhecimento previsto no número anterior é imediatamente comunicado ao tribunal.


Ora, sobre os requisitos materiais de não suspensão provisória, este Tribunal já chegou a pronunciar-se, no seu Acórdão de 21JUL2011 no proc. nº 464/2011, nos termos seguintes:
  ……, o Tribunal gostaria de deixar algumas observações quanto aos requisitos formal e substancial da não suspensão provisória.
  Nos termos do artº 126º do CPAC, recebida a citação ou notificação, o órgão administrativo não pode iniciar ou prosseguir a execução, devendo impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução, a não ser que reconheça, fundamentadamente e por escrito, no prazo de 3 dias, grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução.
  ……
  Além deste requisito formal, o legislador exige ainda que a não imediata execução do acto iria causar grave prejuízo para o interesse público.
  Isto é, tem de executar imediatamente, sem qualquer demora, senão iria lesar gravemente o interesse público.
  A expressão “grave prejuízo para o interesse público” é um conceito indeterminado, que cabe ao julgador concretizar o seu alcance caso a caso.
  Salvo o devido respeito do entendimento diverso, entendemos que não basta dizer simplesmente que a não execução imediata do acto põe em causa a autoridade e imagem da Administração, por criar na população a ideia de que poderia desobedecer, não acatando as ordens da autoridade.
  Como bem notou o Ac. deste Tribunal de 07/07/2011, proferido no Proc. nº 268/2011, que “Se esse argumento fosse bastante por si só, então para nada serviria a contemplação legal e possibilidade da efectivação judicial de suspensão dos actos administrativos legalmente consagrada”.
  É necessário, portanto, ter outros factos concretos para o efeito.

Sou da minha opinião o entendimento defendido no segmento desse Acórdão.

In casu, salvo o devido respeito, ao fundamentar a pretendida não suspensão provisória, a entidade administrativa não fez mais do que se apoiar nos juízos exclusivamente valorativos e conclusivos, sem que tenham sido alegados quaisquer factos concretos para os sustentar.

Na verdade, os termos em foram redigidos os dois parágrafos do despacho não encerram os fundamentos de facto que nos permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para optar pela não suspensão provisória da execução do acto.

No segmento do Acórdão acima por nós citado, é salientado que a expressão “grave prejuízo para o interesse público” é um conceito indeterminado, que cabe ao julgador concretizar o seu alcance caso a caso.

Como se sabe, os conceitos indeterminados, não se tratam de conceitos consistentes em descrições puramente fácticas, cujo sentido e alcance são facilmente captáveis por quem domina mais ou menos a língua utilizada para a redacção da lei, mas sim conceitos cujo preenchimento requer um juízo valorativo da situação concreta, feito pelo aplicador de direito, com vista à sua integração na previsão da norma.

Pois a captação do seu sentido e do seu alcance e a integração desses requisitos previstos no artº 126º do CPAC, pressupõem efectivamente um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão decisor.

E ao contrário do que sucede com a discricionariedade, que é um poder derivado da lei que se consubstancia na liberdade reconhecida à Administração de escolher uma solução de entre várias soluções juridicamente admissíveis, o legislador, quando empregar conceitos indeterminados na previsão da norma, não está a conferir ao aplicador de direito qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento.

O preenchimento do conceito indeterminado constitui portanto a actividade estritamente vinculada à lei, e consequentemente sindicável por via judicial.

Por tudo quanto foi dito supra, é de concluir que o exposto no despacho da entidade requerida não se pode considerado como um reconhecimento fundamentado, nos termos exigidos pelo artº 126º/2 do CPAC.

Assim sendo e sem mais delonga, não aceitamos, para todos os efeitos legais, como fundamentada a invocada não suspensão provisório.

Notifique, por via da fax, a entidade requerida.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer no qual opinou no sentido de indeferimento do pedido da suspensão de eficácia.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexiste nulidades.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do presente procedimento cautelar.

De acordo com os elementos constantes doa autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

* A requerente é cidadã filipina, a quem foi deferida a autorização de permanência, enquanto trabalhadora não residente em Macau;

* Por despacho do Senhor Comandante da PSP, foi-lhe revogada a autorização de permanência, por ter sido considerada autora dos factos de ter achado e feito sua uma ficha de jogo (que se revelou ser falsa) no valor de 100 mil dólares de Hong Kong e por isso reputada como pessoa desonesta;

* Inconformada com este despacho, a requerente interpôs dele recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;

* Por despacho datado de 25MAR2020, o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o recurso hierárquico, tendo mantido a decisão da revogação da autorização de permanência; e

* De novo inconformada, a requerente formulou o presente pedido de suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização de permanência na RAEM, na qualidade de trabalhador e dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante o requerimento datado de 04ABR2020.

Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.

Tratando-se in casu de revogação de uma autorização de permanência antes do terminus do prazo da sua validade previamente determinado e tendo em conta que a revogação implica efectivamente a alteração de uma realidade preexistente e que da execução do acto da revogação decorre um efeito ablativo de um bem jurídico detido pela requerente, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.

Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.

Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c).

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a data em que a requerente foi pessoalmente notificada do despacho de cuja eficácia se requer a suspensão (03ABR2020), a data em que a petição de recurso contencioso deu entrada na Secretaria do TSI (04ABR2020, segundo informações ex oficio obtidas junto da Secretaria do TSI) e a manifesta legitimidade da requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), tendo em conta o decidido no despacho do Relator quanto à eventual suspensão ser determinativa da grave lesão do interesse público que a prática do acto recorrido tem em vista, nem existindo elementos nos autos que nos levam a crer que a grave lesão do interesse público será manifesta ou ostensiva se não for imediatamente executado o acto suspendendo, é de considerar a sua verificação face ao disposto no artº 129º/1 do CPAC.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

Essencialmente falando, para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, a requerente alega o forçado abandono da RAEM, que implica a perda imediata do seu emprego em Macau, a perda imediata do rendimento mensal no valor de MOP$7.000,00, o que lhe impossibilita a continuação do seu contributo económico para a sua família nas Filipinas – cf. os artºs 47º a 89º do requerimento da suspensão, ora integralmente transcrito supra.

Em síntese, os alegados prejuízos de difícil reparação são todos de ordem económica e consistem na perda do seu emprego, e na perda da mais oportunidades para trabalhar na RAEM, na perda do rendimento para contribuir para a subsistência da sua família, todas resultantes quer do forçado abandono da RAEM, quer da dificuldade de encontrar outro emprego, agravada pelas medidas restritivas da circulação de pessoas por causa da pandemia Convid-19.

Ora, como se sabe, o instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

In casu, se é certo que se pode dar por provado o forçoso abandono da RAEM, não é menos verdade que a alegação das “perdas” não passa de ser expressões vagas e meramente conclusivas, pois a requerente limita-se alegar as tais perdas para concluir pela existência dos prejuízos de difícil reparação, no entanto, nada foi dito em que termos as “perdas” gerarão os tais prejuízos de difícil reparação nem meios probatórios apresentados para sustentar os factos demonstrativos da probabilidade da verificação daqueles prejuízos e o nexo de causalidade entre as “perdas” e os alegados prejuízos.

Portanto o presente requerimento não pode deixar de ser condenado ao insucesso.

Mesmo assim, tecemos algumas considerações antes de decidir.

É verdade que com execução imediata do acto suspendendo, o requerente perderá o seu direito de permanecer em Macau.

Ora, não podemos esquecer que aqui está em causa a revogação de uma autorização de permanência concedido a um não residente para trabalhar em Macau como mão-de-obra importada não especializada.

Tal autorização administrativa justifica-se pelas necessidades do mercado de trabalho e dos diversos sectores da economia da RAEM – artº 8º/2 da Lei nº 21/2009, não tendo em vista assegurar aos não residentes na RAEM a oportunidade de ganhar aqui a sua vida e ganhar o suficiente para manter a subsistência dos seus familiares não residentes aqui.

É verdade embora que com a autorização de permanência para trabalhar em Macau, a requerente podia aproveitar para ganhar a sua vida e para manter a subsistência dos seus familiares não residentes aqui, o certo é que não podia esperar que o seu estatuto de trabalhador não residente lhe pudesse assegurar sempre uma estável oportunidade de trabalho em Macau, antes devia saber que a situação era meramente precária e sempre contar com a possibilidade de não renovação de autorização de permanência, por razões que se prendem pura e simplesmente com condições do mercado de trabalho de Macau.

No que respeita à perda do emprego, é de lembrar a doutrina autorizada do Venerando Tribunal de Última Instância reafirmada no seu Acórdão de 10JUL2013 no processo nº 37/2013, que dita que é de considerar como de difícil reparação o prejuízo consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.

Ora, se é certo que a execução imediata do acto que determinou o revogação da autorização de permanência implica a cessação do seu direito de trabalhar na RAEM e da sua relação laboral com a entidade patronal em Macau, não é menos verdade que a requerente, jovem e de idade activa, poderá perfeitamente trabalhar e ganhar a sua vida em outros sítios do mundo, nomeadamente nas Filipinas, donde é proveniente e onde tem direito de residir e trabalhar.

Naturalmente a execução imediata do acto suspendendo não tem, de per si, a virtualidade de implicar a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementar.

Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.

Em conclusão:

1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.

2. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.

Resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho, datado de 25MAR2020, do Senhor Secretário para a Segurança que determinou a revogação da autorização de permanência anteriormente concedida à requerente.

Custas pela requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.

Registe e notifique.

RAEM, 07MAIO2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
Susp.ef. 368/2020-31