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Processo n.º 1235/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 21/Maio/2020

Descritores: Marcas; Imitação

SUMÁRIO
As marcas postas em confronto são as seguintes:
Marca registanda da recorrida
Marcas da recorrente


N/11XXXX

N/55XXX


N/69XXX

Para averiguar se há ou não reprodução ou imitação, devem ser analisadas as marcas no seu todo, no conjunto dos elementos que as compõem, e não dissecada ou isoladamente.
A nosso ver, aquilo que mais se perdura na memória do público é o desenho no seu todo, e não apenas as letras “C” contidas na própria marca.
Em relação à marca registanda, aquilo que é retida na memória do público é a conjugação de todos os seus elementos, e não apenas as letras “C” em particular.
Por não se achar verosímil que o consumidor médio possa confundir as duas marcas ou que só dificilmente as consiga distinguir após exame atento ou confronto, conclui-se que a marca registanda não é uma reprodução nem imitação da marca de que a recorrente é titular.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 1235/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 21/Maio/2020

Recorrente:
- A Ltd

Recorrida:
- B Limited (parte contrária)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Ltd, sociedade comercial com sede na Singapura, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que concedeu a favor de B Limited, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrida” ou “parte contrária”), o registo da marca com o número N/11XXXX, para produtos na classe 21ª.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso.
Inconformada, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A marca concedida é uma marca mista cujo elemento nominativo reproduz a parte característica – “C” – da firma e denominação social da recorrente – A LTD – uma sociedade constituída em Singapura, e da firma da parte contrária não faz parte a expressão “C”.
2. “O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”, nos termos do artigo 8º da Convenção de Paris.
3. “(…) basta, como sucede no caso presente, que parte da marca contenha parte da firma para que possa ocorrer o fundamento de recusa do registo previsto no art. 214º n.º 1 alínea e) do RJPI.” – cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 398/2006; Assim,
4. A utilização de firma ou parte dela numa dada marca, por outra empresa, e a não apresentação do documento complementar de autorização, é factor impeditivo da realização do registo da marca N/11XXXX e, nos termos dos artigos 214º, n.º 2, alínea e) e do 207º, n.º 1, alínea d), ambos do RJPI, e do artigo 8º da Convenção da União de Paris de 1883.
5. A Recorrente granjeou prestígio e reputação internacional e em Macau nesta actividade pelo que existe assim o perigo de engano do consumidor quanto à proveniência dos produtos.
6. A protecção das marcas de prestígio impede o registo de marcas iguais ou semelhantes impede de registo de marcas iguais ou semelhantes.
7. Quando o confronto é feito entre uma marca mista (a da recorrente) e uma marca figurativa (a da parte contrária), entende a Doutrina que “Dada a coexistência de elementos nominativos e gráficos a comparação das marcas mistas com marcas posteriores mistas, nominativas e gráficas, coloca a questão de saber qual dos elementos é prevalecente: se o nominativo se o gráfico.
O critério correcto parece ser o de, a priori, não privilegiar nenhum dos elementos embora, por regra, o elemento nominativo deva ser considerado o elemento predominante.” Assim,
8. A marca em crise coincide na expressão “C”, o seu elemento prevalente.
9. Incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes, ou seja, sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público, não deverão tomar-se em linha de conta os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor.
10. Os três requisitos de recusa de registo previstos no artigo 214º, n.º 2, alínea b) do RJPI, verificam-se.
11. As marcas da recorrente gozam de prioridade face à da marca concedida.
12. Os produtos da marca N/11XXXX são idênticos e afins dos das marcas N/55XXX e N/69XXX da recorrente, face à natureza, necessidades que satisfazem e circuitos de distribuição e tal afinidade aumenta face à relação de substituição, complementaridade, acessoriedade e derivação entre os mesmos.
13. Nos termos do artigo 215º, n.º 2 do RJPI “Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, …” sendo desnecessária a verificação da possibilidade psicológica de indução em erro.
14. A marca N/11XXXX reproduz a parte característica das marcas anteriores N/55XXX e N/69XXX da recorrente, destina-se a produtos afins podendo induzir em erro ou confusão o consumidor e compreende o risco de associação com a marca registada.
15. A douta sentença viola, assim, as normas do artigo 8º da Convenção da União de Paris de 1883, dos artigos 207º, n.º 1, alínea d), 214º, n.º 1, alínea a), c) e n.º 2, alínea e) do RJPI, pelo que deve ser revogada.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso por provado e, consequentemente, revogar-se a Douta Sentença recorrida, e recusar o pedido de registo da marca N/11XXXX.
Como é de Justiça.”
*
A entidade administrativa ofereceu o merecimento dos autos, enquanto a recorrida não respondeu ao recurso.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
於2016年09月07日,對立當事人向經濟局提出編號N/11XXXX的商標註冊申請,並於同年12月01日提交商標圖樣更正,更正後該標記的構成為:

上述申請是用於標示屬第21 類之以下產品:玻璃器皿;陶器;瓷器;非電咖啡過濾器;手動磨咖啡器;非電咖啡滲濾壺; 咖啡具(餐具),非電咖啡壺。
上述申請於2016年11月03日在第44期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
於2017年03月03日,上訴人針對上述申請提出聲明異議,該聲明異議於2017年04月05日在第14期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
對立當事人沒有提交答辯書。
透過2017年11月24日的批示,經濟局知識產權廳廳長作出聲明異議不成立及批准編號N/11XXXX之商標註冊申請之決定,其內容見附案之行政卷宗第248及256頁,在此視為獲完全轉錄。
上述批示於2017年12月21日在第51期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
上訴人是以下商標之權利人:
編號
N/69XXX
N/55XXX
類別
21
21
標記構成


註冊日期
12/09/2013
19/08/2011
對立當事人同時是以下商標之權利人:
編號
N/ 43XXX
N/ 63XXX
類別
29
32
標記構成


註冊日期
29/10/2009
29/11/2012
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Da notoriedade e do prestígio da marca
Invoca a recorrente notoriedade e reputação reconhecida das suas marcas, pugnando pela recusa do pedido de registo da marca formulado pela recorrida com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
Dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 214º do RJPI que “o registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”.
Por sua vez, preceitua a alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI que é recusado o registo de marca que, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca.
Segundo Pinto Coelho1, “para que a marca se qualifique como notoriamente conhecida não é necessário que o conhecimento da marca de que ela pertence a certa entidade constitua facto público e notório, com as características que a esta fórmula se atribui na nossa legislação processual. A opinião dominante é no sentido de que a marca pode assim ser qualificada desde que alcançou notoriedade ou conhecimento geral no círculo dos produtores ou dos comerciantes ou no meio dos consumidores mais em contacto com o produto a que respeita a marca; basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por meios interessados”.
Para Carlos Olavo2, marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, enquanto a marca de prestígio goza de protecção que ultrapassa o princípio da especialidade das marcas.
Em primeiro lugar, para se poder beneficiar de protecção como marca notória, é necessário que os sinais distintivos postos em confronto se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins ― é o chamado princípio da especialidade da marca.
Enquanto a marca de prestígio merece uma protecção reforçada que vai além daquele princípio, ou seja, é recusado o registo de uma marca que constitui reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, bastando que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca.
O Acórdão do TSI, proferido no âmbito do Processo 873/2009, decidiu no mesmo sentido:
“As marcas notórias são as marcas muito conhecidas pelo público interessado, constituem assim excepções aos princípios do registo e da territorialidade. No entanto, por serem apenas muito conhecidas pelo público interessado, e não público em geral, ficam sempre sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, só beneficiam da protecção determinada em função do produto ou serviço especificamente comercializado – cf. artº 214º/1-b) do RJPI.
Ao passo que para ser apelidada marca de grande prestígio, é preciso que goze não só um maior grau de notoriedade em comparação com as marcas notórias, como também seja símbolo de grande qualidade e de boa imagem, junto do público em geral. Assim, as marcas de grande prestígio, enquanto tais, já fogem aos princípios do registo, da territorialidade e da especialidade, pois, além de não precisar de registo anterior num determinado território para beneficiarem de tutela jurídica, merece ainda a protecção alargada a produtos ou serviços não semelhantes ou afins – cf. artº 214º/1-c) do RJPI.”
Entende a recorrente que a marca “C” é uma marca notória ou de grande prestígio.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não logrou a recorrente demonstrar, como lhe competia, que as suas marcas, registadas sob os números N/55XXX e N/69XXX, pertencem ao universo das marcas notórias, muito menos são marcas de grande prestígio junto de consumidores da RAEM.
Acresce ainda o facto de que os elementos que se podem relevar para se concluir pelo prestígio da marca, prende-se, por exemplo, com a quota de mercado, alcance geográfico, investimento na promoção, atenção da comunicação social, duração da utilização, etc…3, sendo certo que, no caso vertente, não logrando a recorrente apresentar qualquer prova de que a marca “C” é uma marca bem conhecida pelo público interessado, muito menos uma marca que goza de elevada reputação junto de consumidores da RAEM, improcedem as razões da recorrente nesta parte.
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Da imitação
Alega ainda a recorrente que a marca registanda constitui reprodução ou imitação das marcas de que ela é titular.
Salvo o devido respeito, julgamos não lhe assistir razão.
No que à questão de imitação ou reprodução da marca respeita, a alínea c) do nº 1 do artigo 215º define como sendo aquela situação em que a marca tenha tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa, fonética com outra que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.
Segundo Carlos Olavo, “a imitação deve, pois ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados ou separadamente. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas”4.
No fundo, para averiguar se há ou não reprodução ou imitação, devem ser analisadas as marcas no seu todo, no conjunto dos elementos que as compõem, e não dissecada ou isoladamente.
No nosso caso, as marcas postas em confronto são as seguintes:
Marca registanda da recorrida
Marcas da recorrente


N/11XXXX

N/55XXX


N/69XXX

Salta à vista que o único elemento comum nessas marcas é a expressão “C” e, em consequência disso, vem defender a recorrente que a marca registanda constitui reprodução ou imitação das suas marcas registadas.
Não podemos acompanhar a posição defendida pela recorrente.
A nosso ver, aquilo que mais se perdura na memória do público é o desenho no seu todo, e não apenas as letras “C” contidas na própria marca.
Além disso, também não podemos deixar de assinalar especial relevância a denominação de fantasia adoptada na marca registanda, isto é, para além do elemento gráfico, contém ainda elemento nominativo “C Coffee Connoisseurs Academy”.
Sendo assim, em relação à marca registanda, aquilo que é retida na memória do público é a conjugação daqueles elementos todos, e não apenas as letras “C” em particular.
Nesta conformidade, por não acharmos verosímil que o consumidor médio possa confundir as duas marcas ou que só dificilmente as consiga distinguir após exame atento ou confronto, demonstrado ficou que a marca registanda não é uma reprodução nem imitação da marca de que a recorrente é titular, improcedem, assim, as razões por esta aduzidas quanto a esta parte.
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Da utilização indevida de firma
Por último, alega a recorrente que a marca registanda contém a expressão “C”, a qual se confunde com a firma de que ela é titular, devendo a sua firma ficar protegida independentemente do registo na RAEM, desde que seja protegida na jurisdição de origem pertencente à União de Paris, ao abrigo do artigo 8.º da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.
Dispõe o artigo 8.º da Convenção de Paris o seguinte:
“O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio.”
Por sua vez, prevê a alínea e) do n.º 2 do artigo 214º do Regime Jurídico de Propriedade Industrial que “o registo de marca é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha a firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.”
Ora bem, não obstante a marca registanda conter algum elemento da firma da recorrente, a verdade é que não se vislumbra que a marca registanda em si terá susceptibilidade de induzir o consumidor em erro ou confusão conforme dito acima, ao que acresce o facto de que a recorrida é também titular de marcas as quais também contêm a expressão “C”, a saber, as marcas registadas sob os números N/43XXX e N/63XXX, respectivamente, em 29/10/2009 e 29/11/2012, pelo que não se vislumbra a alegada violação da alínea e) do n.º 2 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Tudo visto e ponderado, há-de julgar improcedentes as razões invocadas pela recorrente, negando provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A Ltd e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 21 de Maio de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Pinto Coelho, in RLJ, 89/23
2 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Volume I, 2ª edição, pág 97
3 Cfr. Jorge Gonçalves, A Marca Prestigiada no Direito Comunitário das Marcas, Direito Industrial, Vol. V, Coimbra, Janeiro 2008, pág. 339 a 341
4 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Volume I, 2ª edição, pág 102
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