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Processo n.º 934/2018 Data do acórdão: 2020-5-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– contradição insanável da fundamentação
– art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Há contradição insanável da fundamentação como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea b), do Código de Processo Penal, quando o 1.o arguido não chegou a prestar declarações na audiência de julgamento sobre os factos de usura para jogo, mas o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão probatória (sobre a condenação nesse crime) também com “as declarações” desse arguido.

O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 934/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.o arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 380 a 386v (com rectificação de erros de escrita por despacho judicial de fl. 392) do Processo Comum Colectivo n.° CR3-17-0015-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo, p. e p. sobretudo pelo art.o 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, na pena de sete meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com interdição efectiva de entrada nos casinos de Macau pelo período de dois anos, veio o 1.o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), apontando a essa decisão condenatória, no seu essencial, os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação, para rogar a sua absolvição penal (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 404 a 420v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fls. 424 a 427v dos autos) no sentido de improcedência do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 443 a 444), opinando pelo reenvio do processo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Sobre o crime de usura para jogo, todos os três arguidos (incluindo o 1.o arguido ora recorrente) do processo penal ora subjacente à presente lide recursória não chegaram a prestar declarações na audiência de julgamento em primeira instância (cfr. o teor da correspondente acta, lavrada a fls. 378 e seguintes).
2. Na fundamentação probatória da decisão condenatória do crime de usura para jogo ora recorrida, o Tribunal sentenciador chegou a afirmar, em chinês, nas 13.a a 14.a linhas da página 8 do texto do seu acórdão (a fl. 383v), que o 1.o arguido exerceu o direito ao silêncio sobre os factos de usura para jogo, e também a afirmar, no 4.o parágrafo da página 9 do mesmo texto (a fl. 384), o seguinte (também em chinês):
Sobre os factos de usura para jogo por que vinham acusados os três arguidos: segundo as provas obtidas dentro dos autos, em especial, as declarações do 1.o arguido e do ofendido e o teor da livrança, e conforme as regras da experiência, o Tribunal Colectivo considera que as provas obtidas dos autos são suficientes, e susceptíveis de comprovar os factos, por que vinham os três arguidos acusados, de eles terem emprestado capital ao ofendido para jogar, a fim de ganharem, como vantagens, as comissões por troca de fichas de jogo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da leitura da motivação do recurso, resulta nítido que o 1.o arguido assacou principalmente à decisão condenatória recorrida os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação.
Procede o vício de contradição insanável da fundamentação, a que alude a alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), porquanto se o 1.o arguido não chegou a prestar declarações na audiência de julgamento sobre os factos de usura para jogo, não pode o Tribunal recorrido ter fundamentado a sua decisão probatória (sobre a condenação nesse crime) também com “as declarações” “do 1.o arguido”, sob pena de fazer surgir o problema de contradição insanável da fundamentação.
A existência desse vício prejudica já a necessidade de conhecimento do outro vício de julgamento da matéria de facto suscitado na motivação do recurso.
Assim sendo, é de reenviar, nos termos do art.o 418.o, n.os 1 e 3, do CPP, o processo para novo julgamento por um novo Tribunal Colectivo no Tribunal Judicial de Base, mas apenas na parte respeitante ao crime de usura de jogo então imputado aos três arguidos do processo a título de co-autoria material (é que a procedência do recurso do 1.o arguido ora recorrente nos termos acima vistos aproveita aos outros dois arguidos, não recorrentes – cfr. o art.o 392.o, n.o 2, alínea a), do CPP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, reenviando o processo para novo julgamento, na parte somente concernente ao crime de usura para jogo por que vinham acusados os três arguidos a título de co-autoria material.
Sem custas no presente recurso.
Comunique a presente decisão aos outros dois arguidos, não recorrentes.
Macau, 28 de Maio de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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