Processo n.º 411/2020 Data do acórdão: 2020-5-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tratamento da toxicodependência
– incumprimento reiterado da obrigação de sujeição ao tratamento
– revogação da suspensão da execução da pena
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal
S U M Á R I O
O incumprimento reiterado, por parte do arguido recorrente, da obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência faz desaparecer a base da esperança, subjacente à então decisão decretadora da suspensão da execução da sua pena de prisão, de que ele pudesse cumprir aquela obrigação fixada como condição da suspensão da execução da pena, pelo que é de revogar essa suspensão, nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 411/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 358 a 358v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR5-19-0137-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da sua pena de quatro meses de prisão (então aplicada por um crime de consumo ilícito de estupefacientes), veio o arguido condenado A, já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a invalidação da decisão revogatória da suspensão da pena, alegando, para o efeito, e no seu essencial, que: discorda dos fundamentos dessa decisão revogatória; é desproporcional e demasiado excessivo o internamento, sugerido no parecer técnico, no centro de reabilitação de toxicodependentes pelo período de um ano, pois com esse internamento ficaria ele desligado da sociedade, e longe das duas filhas menores, o que nitidamente iria afectar, de certa forma, o crescimento e aprendizagem das duas meninas, que necessitam do carinho e amor dos pais (cfr. o teor da motivação de fls. 393 a 406).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 409 a 410v), no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 422 a 423), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
1. Por acórdão proferido em 24 de Julho de 2019 a fls. 237 a 244v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR5-19-0137-PCC do TJB, o arguido A ora recorrente ficou condenado na pena de quatro meses de prisão (pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes), suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova e com obrigação de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência e de não voltar a contactar droga, como condição da suspensão da execução da pena.
2. Suspensão da execução essa que veio a ser revogada por decisão judicial (ora recorrida) de 17 de Março de 2020 de fl. 358 a 358v (com texto disponibilizado desde 30 de Março de 2020, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido), com citação do disposto no art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP, com fundamento, nomeadamente, em que o próprio recorrente recusou firmemente o seu internamento para efeitos de tratamento da toxicopedência.
3. Essa decisão revogatória da pena suspensa foi tomada após a audição do recorrente no próprio dia 17 de Março de 2020 (cfr. o teor do auto dessa diligência lavrado a fls. 357 e seguintes), o qual declarou ao Tribunal ora recorrido o seguinte: por ter dívidas por causa da falência dos negócios e dos jogos em casino, ficou mal disposto mentalmente e foi consumir então, por três vezes, a cocaína; e para se escapar a dívidas, não teve coragem de sair da casa, faltou, assim, por quatro vezes, à realização de testes de urina; a última vez em que consumiu droga foi em Dezembro de 2019, e desde 2020 até agora, por causa da situação epidémica, chegou a ir por duas vezes a testes de urina e a faltar por duas vezes a testes de urina; agora já sente remorso, esperando que o Tribunal lhe possa conceder oportunidade para se corrigir; precisa ele de cuidar das suas duas filhas menores, pelo que não quer ficar internado para efeitos de tratamento da sua toxicopedência.
4. E essa audição foi realizada na sequência da junção a fls. 323 a 324v dos autos, da Informação de Janeiro de 2020 do Instituto de Acção Social, na qual o Senhor Técnico, responsável pela elaboração da mesma, sugeriu que o Tribunal fizesse advertência sobre o recorrente e determinasse o internamento do mesmo, por um ano, para efeitos de tratamento da toxicopedência.
5. Segundo essa Informação:
– detectou-se a existência de cocaína nos testes de urina do recorrente, realizados em 5, 13 e 19 de Novembro de 2019;
– o recorrente faltou injustificadamente ao teste de urina de 26 de Novembro de 2019;
– não se detectou a presença de estupefaciente no teste de urina de 6 de Dezembro de 2019;
– o recorrente faltou injustificadamente ao teste de urina de 13 de Dezembro de 2019;
– não se detectou a presença de estupefaciente no teste de urina de 19 de Dezembro de 2019;
– o recorrente faltou injustificadamente aos testes de urina de 27 e 30 de Dezembro de 2019;
– além dos problemas de consumo de estupefaciente, o recorrente não mostrou colaboração ao processo de acompanhamento, tendo faltado por várias vezes a entrevistas do pessoal técnico social, e também faltado a actividades organizadas para o seu acompanhamento.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Dos elementos processuais acima coligidos dos autos, sabe-se que antes de Janeiro de 2020, o recorrente:
– teve mau resultado nos primeiros três testes de urina (por ter sido detectada a presença de cocaína), em Novembro de 2019;
– faltou depois ao subsequente teste de urina de 26 de Novembro de 2019;
– faltou depois também aos testes de urina de 13, 27 e 30 de Dezembro de 2019;
– teve bom resultado nos dois testes de urina de 6 e 19 de Dezembro de 2016;
– além disso, não mostrou colaboração ao processo de acompanhamento, tendo faltado por várias vezes a entrevistas do pessoal técnico social, e também faltado a actividades organizadas para o seu acompanhamento.
Aos olhos do presente Tribunal ad quem: a falada falta de coragem de sair da casa, por causa da questão de dívidas, não dá para justificar a falta aos quatros testes de urina acima identificados, ao arrepio da obrigação de sujeição ao tratamento da toxicopendência como condição da suspensão da execução da pena; a alegada má disposição mental por causa da falência de negócios e dos jogos em casino também não dá para justificar o não cumprimento, na grande parte do tempo de Novembro de 2019, da obrigação de não voltar a contactar droga como condição da suspensão da execução da pena.
Assim sendo, não se mostrou desrazoável nem desproporcional nem tão-pouco excessiva a medida de internamento para efeitos de tratamento da toxicodependência por um ano, sugerida pelo Senhor Técnico autor da Informação acima referida.
Entretanto, recusou o recorrente a aceitação dessa medida, com argumentos alegados, relativos ao seu não querer desligar-se da sociedade, e a necessidades de cuidar das suas duas filhas menores.
Desde já, as alegadas necessidades de cuidar das duas filhas menores não podem servir de razão para ele não aceitar a medida de internamento, pois há sempre outras maneiras para se cuidar do crescimento e da educação dessas duas meninas (por exemplo, através de outros familiares das mesmas, e no caso de necessidade, através do Instituto de Acção Social). E no tocante ao desligamento da sociedade, é claro que o internamento poderia implicar essa situação, mas também tudo para o bem do internado, para o internado poder tirar o vício de droga de modo mais eficaz.
Portanto, a não aceitação, pelo recorrente, da medida desse internamento acarretou já, e por mais uma vez, o não cumprimento da sua obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, sendo certo que ele já chegou a não cumprir, antes, a sua obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência (fazendo-se lembrar aqui o mau resultado nos três primeiros testes de urina de Novembro de 2019, e a falta injustificada a quatro dos testes de urina no período compreendido entre 26 de Novembro de 2019 e 30 de Dezembro de 2019, para além da sua falta, por várias vezes, a entrevistas do pessoal técnico social, e da sua falta a actividades organizadas para o seu acompanhamento).
Esse incumprimento reiterado da obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, que culminou na não aceitação da medida da internamento, já fez desaparecer, seguramente (e por isso, sem necessidade de abordagem da situação dele depois de Dezembro de 2019), a base da esperança, subjacente à então decisão decretadora da suspensão da execução da pena, de que o recorrente pudesse cumprir a sua obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, como condição da suspensão da execução da pena.
É, pois, de revogar mesmo a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP (que determina, nomeadamente, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado infringir repetidamente os deveres impostos, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas), sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 21 de Maio de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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