Processo n.º 409/2020 Data do acórdão: 2020-5-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 201.o, n.o 2, do Código Penal
– crime de burla em valor consideravelmente elevado
– restituição parcial do prejuízo causado
– atenuação especial da pena
– art.o 66.o, n.o 1, do Código Penal
– suspensão da execução da pena
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
– exigências da prevenção geral
S U M Á R I O
1. Do disposto no n.o 2 do art.o 201.o, aplicável por força do art.o 221.o, ambos do Código Penal (CP), resulta que a atenuação especial da pena do crime de burla em valor consideravelmente elevado praticado pelo arguido recorrente não é obrigatória no caso de ser parcial a restituição ou a reparação do prejuízo causado.
2. Atentas as inegáveis prementes exigências da prevenção geral desse delito penal, especialmente quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau (como é o caso), é de aplicar a pena dentro da correspondente moldura penal ordinária (cfr. o critério material exigido no n.o 1 do art.o 66.o do CP).
3. No tocante à rogada suspensão da execução da pena de prisão, as elevadas exigências da prevenção geral do delito cometido pelo recorrente não acoselham a suspensão da execução da pena (cfr. o critério material plasmado no n.o 1 do art.o 48.o do CP).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 409/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.o arguido): B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 228 a 238v do Processo Comum Colectivo n.° CR3-19-0327-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o 1.o arguido B, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. sobretudo pelo art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de três anos de prisão efectiva, para além da obrigação de pagar MOP4.000,00 ao ofendido, a título de indemnização (destinando-se a quantia pecuniária apreendida nos autos também a pagar a restante parte da indemnização ao ofendido).
Inconformado, veio recorrer esse arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 247 a 253 dos presentes autos correspondentes, que houve excesso na medida da pena (porquanto, desde já, foi desatendida pelo Tribunal sentenciador a circunstância de o prejuízo patrimonial do ofendido, no valor equivalente a MOP519.000,00, ser já praticamente ressarcível através da quantia de meio milhão de dólares de Hong Kong então apreendida ao próprio recorrente, o qual também estava disposto a pagar o remanescente ao ofendido, e, por outro lado, o próprio recorrrente, como delinquente primário, já confessou todos os factos, com demonstração da postura de arrependimento da prática do crime, para além de ter uma filha menor a seu cargo) para pedir, finalmente, a suspensão da execução da sua pena de três anos de prisão, ou a atenuação especial da pena, para poder ele passar a ter que cumprir pena de prisão não superior a dois anos e seis meses.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 261 a 263, no sentido de improcedência da pretensão do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 276 a 278, opinando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão recorrido consta de fls. 228 a 238v, cuja fundamentação (incluindo a fáctica, não impugnada pelo arguido recorrente) se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação do recurso, começou o arguido recorrente por alegar o mecanismo de atenuação especial da pena, invocando, para o efeito, a circunstância de a quantia de meio milhão de dólares de Hong Kong apreendida já daria para ressarcir praticamente o prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido.
Pois bem, o crime por que ficou o recorrente condenado em primeira instância é punível com a moldura penal de dois a dez anos de prisão.
Da fundamentação jurídica do acórdão recorrido na parte respeitante à medida da pena, vê-se que o Tribunal recorrido já ponderou inclusivamente o facto de a quantia pecuniária apreendida dar para pagar a maior parte da indemnização (cfr. o teor das 3.a a 9.a linhas da página 18 do texto do aresto recorrido, a fl. 236v).
Do disposto no n.o 2 do art.o 201.o, aplicável por força do art.o 221.o, ambos do CP, resulta que a atenuação especial da pena do crime de burla em valor consideravelmente elevado praticado pelo recorrente não é obrigatória no caso de ser parcial a restituição ou a reparação do prejuízo causado.
Atentas as inegáveis prementes exigências da prevenção geral desse delito penal, especialmente quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau (como é o caso), é de aplicar a pena dentro da correspondente moldura penal ordinária – cfr. o critério material exigido no n.o 1 do art.o 66.o do CP para efeitos da decisão sobre a atenuação ou não da pena.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
E quanto à justeza da própria pena de prisão concretamente fixada pelo Tribunal recorrido, entende o presente Tribunal de recurso que perante todas as circunstâncias fácticas já apuradas e como tal descritas no aresto recorrido, a pena de três meses de prisão achada no acórdão recorrido, dentro da moldura de dois a dez anos, não é excessiva ao recorrente, aos padrões dos art.os 40.o, n.o 1, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP.
Por fim, no tocante à rogada suspensão da execução da pena de prisão, as elevadas exigências da prevenção geral do delito cometido pelo recorrente não acoselham a suspensão da execução da pena (cfr. o critério material plasmado no n.o 1 do art.o 48.o do CP, para efeitos da decisão sobre a suspensão da pena).
Improcede, assim, o recurso no seu todo, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 28 de Maio de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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