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Processo n.º 169/2020
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Junho/2020
Descritores:
- Inventário para partilha de bens dos cônjuges
- Legitimidade

SUMÁRIO
Tanto o inventário para partilha dos bens do casal, após decretado o divórcio, a separação judicial de bens ou a anulação do casamento, como o inventário em virtude de convenção pós-nupcial, o artigo 1028.º do CPC determina que só o/a cônjuge é que tem legitimidade para requerer o inventário.

       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 169/2020
(Autos de recurso cível)

Data: 4/Junho/2020

Recorrente:
- XX Entertainment International Company Limited

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
XX Entertainment International Company Limited, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”) intentou junto do Tribunal Judicial de Base processo de inventário contra B e C, melhor identificados nos autos (doravante designados por “requeridos”), pedindo que se proceda à partilha do direito de crédito em participação de cada um dos requeridos.
Foi proferido despacho liminar, sendo indeferida liminarmente a petição inicial.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. B (B) e C C (0*** 6*** 2***) casaram-se em 13 OUT 2003 sem estipulação de regime de bens e, por conseguinte, sob o regime supletivo da participação nos adquiridos (art. 1579º do CC) e, posteriormente, em 24 NOV 2015, B (B) e C C (0*** 6*** 2***) estipularam, mediante convenção pós-nupcial dessa data, o regime da separação de bens.
2. Segundo o disposto no Código Civil, decorre da primeira parte do n.º 4 do art. 1578º do CC, que se deveria, logo que foi celebrada a referida convenção pós-nupcial, ter procedido à determinação (judicial ou extrajudicial) do montante do crédito na participação.
3. O B (B) e a C C (0*** 6*** 2***) nunca o fizeram no momento próprio, definido explícita e expressamente determinado na lei – ou seja, “logo” -, nem o fizeram em qualquer data posterior.
4. Permanecer em estado de indivisão corresponde ao interesse quer do B (B) quer da C C (0*** 6*** 2***) em resguardarem o seu património perante os seus credores, frustrando a satisfação dos respectivos créditos destes.
5. A fim de acautelar integralmente e por inteiro a futura satisfação dos seus créditos contra o B (B), seria necessário à recorrente arrestar o crédito na participação que o referido B (B) terá e que poderá incidir, designadamente e pelo menos, em relação às fracções “A2-74” (estacionamento), “I23” e “B19”, sem prejuízo de outros bens, direitos ou posições jurídicas que devam ser levados ao cálculo do património em participação de cada cônjuge.
6. Não é juridicamente possível à recorrente determinar quais os concretos bens e/ou direitos e/ou dinheiro a atribuir à titularidade do B (B), no que respeita ao crédito na participação que assiste ao B (B), sem ter intentado a acção especial de inventário sub judice e sem conseguir a recorrente fazer essa determinação, logo – por definição – não poderá obter o arresto adicional desses outros bens e/ou direitos a atribuir à titularidade do B (B).
7. Sendo credora do B (B), a recorrente tem, assim, legitimidade e interesse processual em agir para, à luz do art. 964º, aplicável ex vi do n.º 5 do art. 1028º do CPC, intentar contra o B (B) e a esposa, a C C (0*** 6*** 2***), os presentes autos de inventário.
8. O n.º 5 do art. 1028º do CPC manda aplicar, com as necessárias adaptações, o regime dos capítulos anteriores e, por isso, o art. 964º deve ser interpretado como dando legitimidade a todos os que tenham “interesse direito na determinação e subsequente partilha do direito de crédito em participação de cada um dos recorridos”.
9. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes do n.º 5 do art. 1028º e do art. 964º, ambos do CPC, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 598º do CPC.
10. A recorrente pretende que do património conjugal presentemente em vigor entre o B (B) e a esposa, a C C (0*** 6*** 2***) – actualmente ainda sob o regime da participação nos adquiridos – sejam destacados ou extraídos bens, direitos e/ou dinheiro que fiquem afectos ou da titularidade exclusiva do seu devedor, B (B) e, que, por essa via, possam ser agredidos pela recorrente através do competente arresto adicional.
11. Ao promover a recorrente tal determinação e subsequente partilha do direito de crédito em participação de cada um dos recorridos, naturalmente desconhece, não sabe, não pode saber nem sequer fazer um juízo de prognose quanto à atribuição final que, finda tal partilha, venha a caber ao seu devedor, B (B).
12. O que a recorrente pretende é ultrapassar tal estado de indefinição e indistinção actuais que não permite apreender que concretos bens, direitos e/ou dinheiro devem ser atribuídos à esfera do B (B).
13. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos n.ºs 4 e 5 do art. 1578º, 1582º, n.º 2, e 1593º, todos do CC e do art. 1028º, n.º 5 do CPC, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598º do CPC.
14. Do art. 1028º do CPC só se aplicam ao inventário previsto no art. 1578º do CC, os seus n.ºs 1 a 3.
15. A norma invocada pelo Tribunal para fundamentar a omissão de apensação ao divórcio está prevista no n.º 4 do art. 1028º e, assim sendo, não se aplica in casu.
16. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação da norma jurídica constante do n.º 5 do art. 1028º do CPC, o Tribunal a quo procedeu à violação da mesma norma jurídica, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598º do CPC.
17. Em face dos vícios que antecedem, deverá, por conseguinte, ser revogado o despacho de indeferimento liminar de 7 DEZ 2018 e determinado que deve ser admitida a petição inicial e ordenado o ulterior e normal prosseguimento dos autos.
Termos em que se solicita a V. Ex.as seja julgado procedente o recurso, seja revogado o despacho recorrido e, destarte, seja o mesmo substituído por outro que se conforme com os termos ora acima expostos.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em causa a seguinte decisão recorrida:
    “XX娛樂國際一人有限公司(聲請人),依據《民法典》第1556條、第1578條第4及第5款,以及《民事訴訟法典》第1028條第5款規定,針對B及C(被聲請人)提起本財產清冊案,旨在就被聲請人之間因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額進行確定,以便聲請人確定何等財產屬於第一被聲請人B所有,從而透過該等財產滿足聲請人的債權。
    聲請人尤其主張,第二被聲請人為“B19”、“I23”及“A2-74”獨立單位的所有人(卷宗第33頁至第69頁),其在取得上述獨立單位時申報與第一被聲請人之間採用分別財產制;而實際上,兩名被聲請人當時是採用取得財產分享制。聲請人表示,兩名被聲請人後於2015年11月24日才透過婚後協定採用分別財產制,但彼等一直沒有依據《民法典》第1578條第4款規定,就因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額進行確定,以致聲請人無法確定對應第一被聲請人債權數額的財產。
    根據《民法典》第1578條第4款第一部分規定:“四、婚姻財產制因婚後協定而導致停止採用取得財產分享制時,須就因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額進行確定,但所改用之制度為一般共同財產制者除外;(…)”
    同一條文第5款規定:“五、對因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額進行確定,以及對共同財產進行分割,均可透過非訴訟途徑處理,亦可透過司法上之財產清冊程序處理。”
    《民事訴訟法典》第1028條第5款規定:“五、如因婚後協定而依據《民法典》第一千五百七十八條第四款及第五款之規定進行財產清冊程序,則按經作出必要配合之以上各章規定及本條第一款至第三款之規定處理。”
    同一條文第1款至第3款規定:“一、經法院宣告離婚或裁定分產,又或撤銷婚姻後,任一配偶得聲請進行財產清冊程序以分割財產,但婚姻財產制為分產制者除外。二、如婚姻財產制為取得財產分享制,則按下列規則處理:a)夫妻任一方得聲請進行旨在羅列及評估供分享之財產之財產清冊程序,以確定因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額;b)因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額確定後,法官須依據《民法典》第一千五百九十八條第一款至第三款之規定召集夫妻雙方進行會議並判處債務人向夫妻另一方支付金錢或交付財產以清償債權。三、待分割財產管理人之職務由較年長之配偶擔任。”
    聲請人援引《民事訴訟法典》第1028條第5款規定準用第964條,認為其具有正當性及訴之利益。
    根據《民事訴訟法典》第964條規定:“一、旨在終結遺產之共同擁有狀況之財產清冊程序,得由對分割財產有直接利害關係之人聲請,如屬強制性財產清冊程序,應由檢察院聲請。”
    經作出必要配合後,似乎就旨在羅列及評估供分享之財產之財產清冊程序,亦得由對債權數額有直接利害關係之人聲請。
    然而,作為特別情況下之財產清冊程序,應優先準用《民事訴訟法典》第1028條第1款至第3款規定進行處理;換言之,僅夫妻任一方具有正當性聲請進行羅列及評估供分享之財產之財產清冊程序,以確定因取得財產分享制所生債權之擁有人及債權數額。
    基於此,作為聲稱為第一被聲請人債權人的聲請人,不具有提起本財產清冊程序之正當性。
    還必須指出,根據《民法典》第1582條第1款、第2款及第5款規定:“一、採用取得財產分享制時,夫妻各自對結婚前或選用該財產制前屬其所有之財產及其後基於任何原因而取得之財產具擁有權及收益權,並得自由處分之,但屬法律規定之例外情況則不可自由處分。二、停止採用取得財產分享制時,為着使夫妻各自在該制度之有效期內所增加之財產相等,財產增加數額較少之一方有權從他方財產所增加數額與其本人財產所增加數額之差額中取得一半,此權利為因取得財產分享制所生之債權。(…)五、夫妻各自擁有之財產,不論是否構成供分享之財產,均視為其個人財產。”
     根據上述規定,夫妻各自擁有之財產,不論是否構成供分享之財產,均視為其個人財產。而在停止採用取得財產分享制時,為着使夫妻各自在該制度之有效期內所增加之財產相等,財產增加數額較少之一方有權從他方財產所增加數額與其本人財產所增加數額之差額中取得一半,此權利為因取得財產分享制所生之債權。
    也就是說,即使第二被聲請人在取得“B19”、“I23”及“A2-74”獨立單位(卷宗第33頁至第69頁)時實際上是採用取得財產分享制(但其申報為分別財產制),該等獨立單位亦應視為第二被聲請人之個人財產,在該等獨立單位構成供分享財產的情況下亦然。而在兩名被聲請人停止採用取得財產分享制時,僅會產生為着使夫妻各自在該制度之有效期內所增加之財產相等而生之債權,始終不會在各自擁有的財產上直接地產生任何效力。
    聲請人沒有陳述也無法斷定第一被聲請人必然為因取得財產分享制所生債權之擁有人,且即使第一被聲請人為因取得財產分享制所生債權之擁有人,第二被聲請人亦得透過支付金錢而非交付財產以清償倘有的債權。因此,就聲請人提起本財產清冊案的正當性及訴之利益而言,聲請人表示無法確定對應第一被聲請人債權數額的財產以滿足其債權的說法,不具有任何說服力。
    另一方面,根據聲請人提交的載於卷宗第32頁兩名被聲請人的婚姻登記證明顯示,透過初級法院家庭及未成年人法庭於2018年2月28日作出並於2018年4月4日確定之離婚判決,兩名被聲請人的婚姻已被解銷。
    根據《民事訴訟法典》第1028條第4款規定:“四、財產清冊程序以附文方式併附於離婚、由法院裁定分產或撤銷婚姻之程序進行,且按經作出必要配合之以上各章規定處理。”
    因此,本財產清冊案應併附於兩名被聲請人的離婚程序中進行,而非另立一案獨立處理。
    綜合以上所述,根據《民事訴訟法典》第372條第1款準用第394條第1款c項及第3款規定,決定初端駁回聲請人的最初聲請。
    訴訟費用由聲請人承擔。
    作出登錄及通知。”
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A questão que se coloca no presente recurso é saber se a recorrente, sendo credora do cônjuge requerido, tem legitimidade para intentar o presente processo de inventário para partilha dos bens dos mesmos.
Estatui o n.º 1 do artigo 963.º do Código de Processo Civil que “O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária, podendo também servir, nos termos dos artigos 1028.º e seguintes, para a partilha de bens entre os cônjuges.” – sublinhado nosso
Por sua vez, preceitua o n.º 1 do artigo 1028.º do CPC que “Decretado o divórcio ou a separação judicial de bens, ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação.” – sublinhado nosso
Ora bem, o processo de inventário emprega-se no caso de óbito do autor da herança ou nos casos de divórcio, separação judicial de bens ou anulação do casamento, e tem como objectivo a partilha duma massa de bens pelos respectivos titulares.
Se o inventário se destina a pôr termo à comunhão hereditária, qualquer interessado directo na partilha ou o Ministério Público tem legitimidade para requerer o inventário (artigo 964.º, n.º 1 do CPC).
Mas se o inventário se destina a realizar a partilha dos bens do casal, após decretado o divórcio, a separação judicial de bens ou a anulação do casamento, o n.º 1 do artigo 1028.º do CPC determina que só o/a cônjuge é que tem legitimidade para requerer o inventário.
E não se diga que o n.º 5 do artigo 1028.º teria conferido legitimidade a qualquer interessado directo na partilha para requerer o inventário, para além dos próprios cônjuges.
Dispõe o n.º 5 do artigo 1028.º do CPC que “Quando, em virtude de convenção pós-nupcial, haja lugar a inventário nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 1578.º do Código Civil, seguem-se, com as necessárias adaptações, os termos prescritos nos capítulos anteriores e nos n.ºs 1 a 3 deste artigo.” – sublinhado nosso
Ora bem, é verdade que o n.º 5 do artigo 1028.º do CPC manda seguir, com as necessárias adaptações, “os termos prescritos nos capítulos anteriores”, e isso significa, a nosso modesto ver, que o legislador vem fixar a tramitação processual que o processo deve seguir, no caso de haver lugar a inventário em virtude de convenção pós-nupcial; e quanto à questão da legitimidade, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 1028.º do CPC.
Ou seja, havendo lugar a inventário em virtude de convenção pós-nupcial, apenas têm legitimidade para requerer a partilha os próprios cônjuges, conforme se estipula no n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do artigo 1028.º, ex vi do n.º 5 do mesmo artigo.
No caso vertente, a recorrente é apenas credor de um dos cônjuges. Portanto, não tem legitimidade para requerer o inventário para partilha de bens do casal.
Por outro lado, e conforme dito na decisão recorrida, e bem, os bens adquiridos por cada cônjuge, na constância do regime da participação nos adquiridos, são considerados bens próprios. Ou seja, até ao momento em que se procede à determinação do património em participação e à satisfação do crédito na participação, cada um dos cônjuges têm o domínio e fruição dos seus bens. E a lei atribui ao cônjuge menos favorecido o direito a um acréscimo patrimonial aquando da cessação daquele regime de bens. Daí que, a nosso ver, o credor do cônjuge não viu frustrada a sua expectativa na medida em que bem sabia os bens adquiridos na constância do regime da participação nos adquiridos serem bens próprios do respectivo cônjuge, nem nada impede que o credor do cônjuge venha accionar junto do cônjuge devedor, sempre que este venha receber em qualquer altura algum acréscimo patrimonial.
Aqui chegados, não tendo a recorrente legitimidade para intentar o presente processo de inventário, andou bem o Tribunal recorrido ao indeferir liminarmente a petição inicial.
Por tudo o que se disse, não merece provimento o recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente XX Entertainment International Company Limited, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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 RAEM, 4 de Junho de 2020
 
(Relator)
Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto) Fong Man Chong



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