Processo nº 172/2019
Data do Acórdão: 04JUN2020
Assuntos:
Oposição por embargos à execução fiscal
Prescrição da dívida exequenda
Caducidade da liquidação
Princípio da plenitude da garantia da via judiciária
SUMÁRIO
1. A prescrição da dívida exequenda já liquidada distingue-se da prescrição da liquidação, a que se refere o artº 55º do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (RICR).
2. Se a prescrição da dívida exequenda já liquidada, extintiva da dívida, pode servir de fundamento à oposição por embargos à execução fiscal nos termos expressamente prescritos no artº 169º/-c) do Código das Execuções Fiscais, já a prescrição (que em rigor deve ser caducidade) da liquidação, a que se refere o artº 55º do RICR, extintiva do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto, conduz à anulabilidade da liquidação efectuada, pode ser invocada em sede de meios de reacção, gracioso e contencioso de anulação, previstos no próprio RICR.
3. Em nome da concretização do princípio da plenitude da garantia da via judiciária, é de aceitar que as razões de oposição à execução fiscal não devem ser restringidas às situações previstas 165º, 169º e 176º do CEF.
4. Não obstante a jurisprudência nesse sentido, a não inclusão da caducidade do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto no elenco dos fundamentos à oposição da execução fiscal nunca ofenderá o princípio da plenitude da garantia da via judiciária, uma vez que estão assegurados no RICR meios gracioso e contencioso de reacção, com fundamento na anulabilidade (do acto tributário) da liquidação, que goza de autonomia de decisão e de impugnação em relação ao acto tributário final.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 172/2019
Acórdão em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de embargos de executado nº 139/18-EF, foi proferida a seguinte sentença:
Companhia de Leilões Macau A Internacional Limitada, ora embargante, melhor identificada nos autos, vem deduzir a presente oposição por embargos à execução fiscal movida pela Direcção dos Serviços de Finanças, para pagamento da quantia global de MOP3.815.167,00, acrescida dos selo de verba, juros de mora, 3% de dívidas, selo diversos e receitas do cofre, devido pela não efectivação do imposto complementar liquidado referente aos anos de 2012 e 2013, pedindo a extinção ou suspensão dos autos pela violação da lei, prescrição da liquidação do imposto referente ao ano de 2012 e inexigibilidade da dívida exequenda.
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Na resposta devidamente apresentada, a entidade exequente vem defender a exequibilidade dos títulos e da tempestividade da liquidação em causa, bem como sustentar a aplicabilidade das disposições do《Código de Execuções Fiscais》.
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O Digno Delegado do Ministério Público junto deste Tribunal defende à legalidade da aplicabilidade transitória das normas do 《Código de Execuções Fiscais》e pronuncia-se no sentido de improceder todos os argumentos da embargante (cfr. fls. 104 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
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O Tribunal é o competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente.
O processo é o próprio e não há nulidades que enfermam todo o processo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
Acham-se regularmente representadas.
Não há excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.
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I. Factos
Da confissão das partes, dos documentos constantes dos autos e dos P.E. apensos e do registo de processos deste Tribunal resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
1.º - Em 13/10/2017, a embargante interpôs o recurso contencioso de anulação junto deste Tribunal contra a deliberação tomada pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de 27/07/2017, relativa à fixação do rendimento colectável ao exercício de 2013, autuando sob o processo de recurso contencioso fiscal n.º 2754/17-CF (cfr. fls. 37 a 61 dos autos e os autos do processo de recurso contencioso fiscal n.º 2754/17-CF).
2.º - Em 01/11/2017, foi emitida pela Recebedoria da Repartição da D.S.F. a certidão de relaxe n.º 2017-02-900086, na quantia de MOP2.810.580,00, relativa à dívida proveniente do Imposto Complementar Grupo B da embargante para o ano de 2013 e os autos de execução foram autuados em 20/11/2017 (cfr. fls. 1 a 2 do processo n.º 2017-02-900086-00, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
3.º - Pelo ofício datado de 27/12/2017 e expedido em 29/12/2017, a embargante foi notificada da decisão do indeferimento da reclamação deduzida sobre a fixação do Rendimento Colectável do Imposto Complementar de Rendimentos relativo ao exercício de 2012 (cfr. fls. 65 e 66 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
4.º - Pelo ofício datado de 27/12/2017, a embargante foi notificada sobre o pagamento da quantia de MOP1.003.080,00, respeitante da liquidação do Rendimento Colectável na quantia de MOP8.584.000.00, para efeitos do Imposto Complementar de Rendimentos relativo ao exercício de 2012 (cfr. fls. 64 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
5.º - Em 17/01/2018, a embargante apresentou reclamação sobre a fixação do Rendimento Colectável do Imposto Complementar de Rendimentos relativo ao exercício de 2012 (cfr. fls. 62 a 63 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
6.º - Em 29/01/2018, a embargante interpôs o recurso contencioso de anulação junto deste Tribunal contra a deliberação tomada pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar relativa à fixação do rendimento colectável ao exercício de 2012, autuando sob o processo de recurso contencioso fiscal n.º 2772/18-CF (cfr. fls. 14 a 36 dos autos e os autos do processo de recurso contencioso fiscal n.º 2772/18-CF).
7.º - Em 01/03/2018, foi emitida pela Recebedoria da Repartição da D.S.F. a certidão de relaxe n.º 2018-02-900026, na quantia de MOP1.003.080,00, relativa à dívida proveniente do Imposto Complementar Grupo B da embargante para o ano de 2012 e os autos de execução foram autuados em 27/03/2017 (cfr. fls. 1 a 2 do processo n.º 2018-02-900026-00, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
8.º - Pelo ofício expedido em 17/05/2018, foi a embargante citada para pagar as quantias exequendas, a que acresce selo de verba, juros de mora à taxa de 1% por mês, 3% de dívidas e receitas do cofre, quantias que se reportam aos autos de processo n.º 2017-02-900086-00 e 2018-02-900026-00, respectivamente (cfr. fls. 5 do processo n.º 2017-02-900086-00).
9.º - Em 28/05/2018, a embargante apresentou o requerimento de embargos à execução junto deste Tribunal (cfr. fls. 2 a 3 dos autos).
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II. Fundamentação
Cumpre decidir.
Relativamente ao argumento da revogação do《Código das Execuções Fiscais》(C.E.F.) referido pelo n.º 4 do art.º 4.º da Lei n.º 1/1999 《Lei de Reunificação》, de 20 de Dezembro, e a sua não aplicabilidade por não corresponder à legislação enumerada no Anexo II da 《Lei de Reunificação》, salvo o respeito por entendimento diverso, o Tribunal não se alinha com a conclusão supra mencionada.
Sem dúvida, desde a transferência de soberania para a República Popular da China e o estabelecimento da R.A.E.M., momentaneamente, não estabeleceu um regime jurídico específico para regular os assuntos relativos à execução fiscal estipulados neste C.E.F..
Todavia, é disposto na alínea 8) do n.º 1 do art.º 4.º da 《Lei de Reunificação》, aprovada pela Lei n.º 1/1999, de 20 de Dezembro, que “As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau.”
De outro lado, o Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho, reza que “À Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950.”
E conforme o art.º 30.º da《Lei de Bases da Organização Judiciária》(L.B.O.J.), aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro, preceitua que “No âmbito do contencioso fiscal, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer:… 6) Dos recursos dos actos praticados pela entidade competente dos serviços da administração fiscal nos processos de execução fiscal; 7) Dos embargos, oposição à execução, verificação e graduação de créditos, anulação de venda e de todos os incidentes da instância previstos na lei de processo que se suscitem nos processos de execução fiscal;…” (cfr. al. 6) e al. 7) do n.º 3 do art.º 30.º respectivamente).
Por força das disposições acima transcritas, se anota ainda que o C.E.F. seja uma legislação portuguesa promulgada antes da transferência de soberania, dado que os assuntos regulados não põem em causa a soberania da República Popular da China nem violam algum disposto da Lei Básica da R.A.E.M., deve-se admitir que certas disposições ou princípios consagrados neste Código, podem, transitoriamente, continuar a ser aplicadas, como referência, pela Repartição das Execuções Fiscais e pelos tribunais competentes em matéria de execuções fiscais no processo de execução fiscal.
Efectivamente, é pacífica já na jurisprudência vigente na R.A.E.M. a aplicabilidade transitória do C.E.F., por força da alínea 8) do n.º 1 do art.º 4.º da《Lei de Reunificação》1.
Nesta conformidade, é de indeferir o presente argumento à oposição.
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Reza no 《Código das Execuções Fiscais》(C.E.F.), de 12 de Dezembro de 1950, o seguinte:
“Art. 164.º O executado em vez de pagar pode opor-se à execução por simples requerimento ou embargos.
§ 1.º Não pode usar-se, simultaneamente, dos dois meios de oposição.
… … …
Art. 165.º A oposição só pode ter os fundamentos previstos por este código.
Em caso algum poderá versar matéria que, segundo os respectivos regulamentos, deva constituir objecto de reclamação ou recurso contencioso.
§ 1.º Se a oposição não tiver por fundamento qualquer dos mencionados nos números dos artigos 169.º e 176.º e se não for acompanhada dos documentos de prova ou indicação de testemunhas, será logo rejeitada in limine pelo juiz, que mandará prosseguir na execução.
O despacho que rejeitar a oposição será notificado ao executado no prazo de quarenta e oito horas.
§ 2.º A ilegalidade da contribuição a que se refere o n.º 1.º do artigo 176.º diz respeito apenas à não existência, em absoluto, de uma contribuição ou imposto ou qualquer outro rendimento, ou ao facto de não ter sido autorizada a sua cobrança pela lei orçamental do ano a que for referida, não podendo, portanto, em oposição à execução, discutir-se e julgar-se, à sombra desse fundamento, se as contribuições, impostos ou outros rendimentos que existam nas leis em vigor e cuja cobrança tenha sido autorizada por lei orçamental ou autorização posterior foram bem ou mal lançados ou liquidados ao executado, ou se existem ou não para ele, ou se os autos de transgressão das leis e regulamentos foram bem ou mal levantados.
Art. 169.º A oposição por simples requerimento só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Ilegitimidade da pessoa citada, por esta não ser o próprio devedor nem o responsável pelo pagamento da dívida exequenda, seja qual for a sua proveniência;
b) Pagamento da dívida exequenda ou sua anulação devidamente comprovada;
c) Prescrição da dívida exequenda;
d) Duplicação de colecta por, estando paga por inteiro uma contribuição ou imposto, se exigir, da mesma ou de diferente pessoa, uma outra de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo;
e) Falta ou nulidade de primeira citação para a execução, quando o executado não tenha intervindo no processo.
§ 1.º O fundamento da alínea d) deste artigo só é admissível se o executado o não tiver anteriormente invocado em qualquer recurso, e, da mesma forma, não poderá ser invocado em recurso se anteriormente tiver sido alegado em oposição à execução.
§ 2.º Para observância do disposto no parágrafo anterior, o secretário de Fazenda dará, por escrito, a sua informação, que será junta aos autos.
Art. 176 .º Além dos fundamentos mencionados no artigo 169.º, a oposição por meio de embargos poderá ter mais os seguintes:
1.º Ilegalidade da contribuição lançada ao executado, por essa espécie de contribuição não existir nas leis em vigor ou por não estar autorizada a sua cobrança na lei orçamental;
2.º Falsidade do documento que servir de base à execução;
3.º Litígio pendente ou instaurado depois da penhora acerca dos bens penhorados;
4.º Não pertencerem ao executado os bens penhorados.”
Conforme as normas transcritas, “Vigora na oposição/embargos à execução fiscal o princípio da taxatividade de fundamentos, daí que os fundamentos que poderiam ser invocados em sede de impugnação contenciosa do acto subjacente à dívida apresentada à execução, não podem servir de fundamentos à oposição, salvo aqueles que determinam a nulidade ou inexistência do acto, visto que o acto nulo ou inexistente, por natureza, não produz qualquer efeito, pelo que não é executório – artºs 123º, nº 1 e 136º, nº 2 do CPA.”2
Na esteira deste entendimento, em termos de satisfação dos direitos do interessado e seu posicionamento perante a Administração, nomeadamente pela salvaguarda e desenvolvimento do princípio da garantia da via judiciária, a questão alheia à própria substancialidade da dívida e relativa à exequibilidade do título deve-se incluir na matéria de impugnação em sede de execução fiscal.3
Posto isto, não parece que se merece acolhimento o segundo argumento da embargante, no que toca à prescrição da liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2012, visto que se diz respeito à ilegalidade do acto de liquidação em si que mesmo a prescrição se verificasse, não viria enfermar esse acto por vício de nulidade ou até inexistência.
Nestes termos, é de improceder o presente argumento da embargante.
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No r.i., a embargante pugna também à inexigibilidade das quantias exequendas por entender que as deliberações de fixação tomadas pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos estão a ser revistas em sede dos autos de recurso contencioso correndo junto deste Tribunal, pois o “lançamento” dos impostos devidos será concluir apenas com o proferimento da decisão judicial naqueles autos e se implica a dívida exequenda é incerta e ilíquida.
Vejamos.
A boa doutrina ensina que o acto administrativo pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”4, e daí “goza da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”5.
Diz o art.º 22.º do《Código de Processo Administrativo Contencioso》(C.P.A.C.): “O recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, excepto quando, cumulativamente, esteja apenas em causa o pagamento de quantia certa, sem natureza de sanção disciplinar, e tenha sido prestada caução por qualquer das formas previstas na lei de processo tributário ou, na sua falta, pela forma prevista na lei de processo civil para prestação de caução no procedimento cautelar comum.”
Pois, a norma citada se alinha com a regra que a interposição do recurso contencioso do acto administrativo com vista à declaração da sua invalidade não traduz qualquer efeito suspensivo.
Todavia, se reside na mesma disposição o “princípio da tutela jurisdicional efectiva” a que se alude o art.º 2.º do C.P.A.C., que possibilita a salvaguarda da utilidade da sentença que venha a ser proferida em face da regra do efeito não suspensivo do recurso contencioso através de um meio processual de natureza cautelar que reviste de carácter urgente6.
Anota-se uma excepção da regra do efeito não suspensivo do recurso contencioso quando em causa se toca ao “ mero pagamento de quantia certa, sem natureza de sanção disciplinar” e “tenha prestada caução adequada”, justificando já “a execução do acto se suspenda na pendência da discussão contenciosa sobre a respectiva legalidade, já que assim se salvaguardam de forma eficaz os diversos interesses em jogo”.7
Relativamente ao momento em que a entidade recorrida ficar impedida de executar o acto recorrido, no decurso dos autos de recurso contencioso, a doutrina entende que: “A pretensão do recorrente no sentido da suspensão da eficácia do acto ao abrigo deste dispositivo legal origina, segundo pensamos, um incidente processual que deverá correr por apenso ao processo de recurso contencioso e não nos autos deste. Nesse incidente, a entidade recorrida deverá ser ouvida previamente à decisão, possibilitando-se-lhe, dessa forma, o exercício do contraditório e o tribunal apreciará se a caução prestada é ou não adequada e se, portanto, o efeito suspensivo da eficácia do acto derivado da interposição do recurso se produzirá ou não.
Parece-nos que será de aplicar aqui, analogicamente, o regime que decorre do disposto no artigo 126.º deste Código e assim, uma vez notificada a entidade recorrida do pedido de suspensão da eficácia formulado pelo recorrente ao abrigo do artigo 22.º, ficará a mesma impedida, a partir daí, de proceder à execução do acto administrativo.
Sobretudo em razão do princípio da tutela judicial efectiva consagrado no artigo 2.º, parece que nada obsta a que o recorrente venha a prestar caução e a requerer a consequente suspensão da eficácia do acto na pendência do recurso contencioso.”8
Voltando ao caso em apreço, é provado que em 13/10/2017 a embargante interpôs o recurso contencioso de anulação junto deste Tribunal contra a deliberação tomada pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de 27/07/2017, relativa a fixação do rendimento colectável ao exercício de 2013, cujos autos são autuados sob o processo n.º 2754/17-CF. Após de ter notificado sobre decisão do indeferimento da reclamação deduzida sobre a fixação do rendimento colectável do imposto complementar de Rendimentos relativo ao exercício de 2012, a embargante apresentou em 17/01/2018 a reclamação sobre a deliberação e interpôs o recurso contencioso de anulação junto deste Tribunal contra a deliberação em 29/01/2018 cujos autos são autuados sob o processo n.º 2772/18-CF.
Estipula o《Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos》o seguinte:
“Artigo 80.º
(Normas especiais relativas à fixação do rendimento colectável)
1. Da fixação do rendimento colectável não haverá reclamação graciosa nem recurso hierárquico, mas somente reclamação para a Comissão de Revisão, pela forma e nos prazos referidos no artigo 44.º
2. Da deliberação da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso.
Artigo 81.º
(Garantia contenciosa)
É garantido ao contribuinte recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra as deliberações da Comissão de Revisão do Imposto Complementar, as multas aplicáveis e demais actos definitivos e executórios.
Artigo 82.º
(Jurisdição competente)
O recurso contencioso é interposto para o Tribunal Administrativo de Macau, que decidirá em primeira instância.
Artigo 83.º
(Interposição do recurso)
1. O recurso contencioso interpõe-se por meio de petição assinada pelo interessado, ou por advogado ou solicitador com poderes bastantes, e entregue na secretaria do Tribunal Administrativo.
2. A petição exporá os factos e as razões de direito, formulará o pedido de anulação do acto impugnado e oferecerá toda a prova.
3. A entrada da petição fixa a data da interposição do recurso.
Artigo 84.º
(Prazo de interposição)
1. O prazo para a interposição do recurso contencioso é de trinta dias contados da notificação ou, quando esta não deva por lei ser feita, da data em que o interessado teve conhecimento da decisão ou deliberação.
2. A reclamação graciosa e o recurso hierárquico referidos nos artigos 76.º e 77.º não interrompem o prazo do recurso contencioso.
Artigo 85.º
(Efeito do recurso)
O recurso contencioso tem efeito meramente devolutivo.
Artigo 86.º
(Remissão)
Em todas as matérias relativas ao recurso contencioso não expressamente previstas nos artigos anteriores, observar-se-ão os diplomas legais que neste território especialmente as regulem.”
Da leitura das disposições citadas, se pode concluir tal como acontece para os actos administrativos definitivos e executáveis aludidos no n.º 1 do art.º 28.º do C.P.A.C. e na primeira parte do n.º 2 do art.º 150.º do《Código do Procedimento Administrativo》(C.P.A.), os referidos recursos contenciosos interpostos e a reclamação facultativa deduzida não se tratam de “questões prejudiciais”, nem vêm alterar ou tirar a natureza “definitiva” das deliberações em causa. Daí a sua força executiva se mantém visto que não há prova da prestação de caução efectuada naqueles dois processos de recurso contencioso fiscal correndo neste Tribunal nem pagamento dos impostos devidos.
Embora que se admite a hipótese que as deliberações impugnadas viessem a ser anuladas em sede judicial por qualquer ilegalidade apurada, o dever de reposição da situação actual hipotética para à reintegração efectiva da ordem jurídica violada por actos ilegais que se reporta em cumprimento de decisão judicial (cfr. art.º 174.º, n.º 3 do C.P.A.C.) não se faz o fundamento legal justificativo da suspensão da produção dos efeitos (cfr. art.º 117.º do C.P.A.)
De outro lado, é manifestamente errado o entendimento da embargante relativa à aplicação do disposto dos art.º 678.º do《Código do Processo Civil》(C.P.C.) atento, in casu, não se respeita ao título executivo revestido na modalidade de “sentenças condenatórias”.
De facto, as certidões de relaxe foram emitidas depois do prazo da cobrança ou pagamento voluntário das quantias exequendas aos quais a embargante não se refuta, significa por isso que as liquidações das quantias exequendas lhe tiveram notificado efectivamente e as dívidas indicadas são certas e exigíveis, sendo assim legítima a remessa para efeitos da execução. Pelo que, nem o argumento da inexistência de lançamento ou indefinição da matéria colectável se deve merecer provimento.
Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o argumento da inexequibilidade dos títulos por serem líquidas e exigíveis as dívidas exequendas.
***
III. Decisão
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal decide-se negar provimento a presente oposição à execução fiscal por embargos e julga-se improcedente o pedido da extinção ou suspensão da presente instância.
Custas pela embargante, à taxa de justiça de 8UC.
Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, veio a executada recorrer da mesma concluindo que:
1. O presente recurso restringe-se à invocação da prescrição da liquidação do imposto complementar relativo ao ano de 2012.
2. Entende o Tribunal a quo que os embargos não são a sede própria para invocar a prescrição da liquidação do imposto complementar.
3. A Recorrente entende que não se trata de uma questão de natureza substantiva ou de ilegalidade, antes sim de inexigibilidade da dívida.
4. A prescrição pode ser invocada pelo seu beneficiário a todo o tempo e por qualquer modo (cf. artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil).
5. A aplicação do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil tem inteira razão de ser, sobretudo porque o Código das Execuções Fiscais não está em vigor, servindo apenas de referência para o processo de execução fiscal.
6. Tendo a liquidação do imposto complementar para o ano de 2012 sido notificada à Recorrente em 3 de Janeiro de 2018, só a partir deste momento pode aquela considerar-se efectiva.
7. Tendo passado mais de cinco anos sobre a verificação do facto tributário na origem da liquidação, tem-se a mesma por prescrita, por força do disposto no artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar.
Termos em que deve o presente recurso ser procedente, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
Notificada das alegações, a Administração fiscal exequente respondeu pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.
Em face do teor das conclusões tecidas nas alegações do recurso jurisdicional, a recorrente vem insistir apenas na questão na chamada “prescrição da liquidação” como fundamento para a oposição por embargos.
A propósito da susceptibilidade de a prescrição da liquidação, invocada nos termos do requerimento inicial dos embargos e reiterados agora em sede de recurso, o Ministério Público emitiu em sede da vista o seu parecer:
Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que proclama: A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589º, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios pró-prios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º98/2012 e, a nível do direito comparado, acórdão do STA de 23/06/1999 no processo n.º039125)
Em esteira, e tendo em conta as conclusões nas alegações do recur-so jurisdicional em apreço, basta-nos indagar se for ou não errada a douta sentença recorrida na parte quanto à prescrição? pese embora a recorrente invocasse três fundamentos no sem embargo à execução fiscal.
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Com efeito, sabe-se que as doutrinas e jurisprudências tradicionais entendiam que eram taxativos os fundamentos da oposição à execução fiscal, e não podiam ser causa de pedir desta oposição as ilegalidades con-cretas do acto administrativo subjacente à dívida exequenda.
À luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, a jurisprudência de Macau vêm evoluindo no sentido de que a ineficácia do acto-base por falta de notificação e a consequente inexigibilidade da dívida exequenda pode servir do fundamento da oposição à execução fiscal (a título exemplifica-tivo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º130/2003, n.º171/2003, n.º527/2006 e n.º587/2017). E o Venerando TUI tomou posição de que “Quaisquer fundamentos respeitan-tes à ilegalidade da dívida fiscal ou a vícios do procedimento tributário são suscitados na execução fiscal, desde que o interessado ainda não tenha tido a oportunidade de o fazer anteriormente.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º28/2012)
Em sintonia com a doutrina propugnada pelo ex-TSJM (cfr. Acórdão no Pr«ocesso n.º927, in Jurisprudência 1998, II Tomo, pp.13 a 24), o prazo para a Administração Fiscal proceder à liquidação tem a natureza de caducidade, pelo que se distingue da “prescrição da dívida exequenda”, que pressupõe e incide na dívida fiscal já liquidada. Na ordem jurídica de Portugal, divisamos que constitui doutrina consolidada a tese de que só a prescrição da dívida exequenda, e não também a caducidade do direito à liquidação do im-posto, pode servir de fundamento de oposição à execução. (Alfredo José da Sousa, José da Silva Paixão: Código de Processo Tributário - Comentado e Anotado, 2ª ed., Coimbra 1994, p.574)
Para o vertente caso, é impertinente a brilhante concepção no sen-tido de que “O fundamento invocado – a prescrição da liquidação –, caso subsista, implica simplesmente o vício da violação da lei, o que determina a anulação, e não nulidade, do acto, pelo que não pode servir de fundamento à oposição.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º458/2016).
Temos por certo que se aplica ao caso sub judice a sensata tese, se-gundo a qual “Nos termos dos artigos 91º do Regulamento do Imposto do Selo e 165º do Código das Execuções Fiscais, não é possível deduzir oposi-ção à execução fiscal se o que estiver na origem da execução for um acto de que caiba impugnação contenciosa.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º458/2016)
No caso em apreço, a MMª Juiz a quo deu como provado, e bem, o facto de a embargante e ora recorrente ter sido notificado da liquidação e ela vir sucessivamente apresentar a reclamação graciosa e interpor recurso contencioso (vide. os factos provados 4º a 6º da douta sentença em escrutínio).
O que torna indisputável que na devida altura, era eficaz a referida liquidação e, em consequência, susceptível da cobrança coerciva a dívida fiscal exequenda, e a recorrente/embargante teve efectiva oportunidade de invocar a caducidade (prescrição) dessa liquidação em sede própria.
Tudo isto leva-nos a concluir tranquilamente que é sã e inatacável a douta sentença da MMª Juiz a quo que afirmou conclusivamente e com toda clareza: Posto isto, não parece que se merece o acolhimento o segundo argumento da embargante, no que toca à prescrição da liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2012, visto que se diz respeito à ilega-lidade do acto de liquidação em si que mesmo a prescrição se verificasse, não viria enfermar esse acto por vício de nulidade ou até inexistente.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.
Ora, como observou e bem o Ministério Público nesse seu douto parecer, uma coisa é a prescrição da dívida exequenda já liquidada, outra coisa é a caducidade da liquidação.
Na verdade, a embargante, ora recorrente, está a confundir as duas coisas distintas.
Pois, no requerimento dos embargos, diz a recorrente que “o artigo 176º do CEF permite que seja invocada a prescrição da dívida exequenda em sede de embargos”.
Se bem entendemos, a embargante, ora recorrente, pretende invocar ai a prescrição da dívida exequenda como fundamento dos embargos.
Só que, logo a seguir, para concretizar a invocada prescrição da dívida exequenda, vem dizer que “……, a liquidação do imposto complementar de rendimentos relativos ao exercício de 2012 já prescreveu, por força do disposto no nº 1 do artº 55º do RICR” – vidé o artº 12º do r. i. dos embargos.
Embora a lei designe este prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade – cf. Acórdão do TSJ tirado em 17NOV1998, no proc. 927.
Se a prescrição da dívida exequenda já liquidada, extintiva da dívida, pode servir de fundamento à oposição por embargos à execução fiscal nos termos expressamente prescritos no artº 169º/-c) do Código das Execuções Fiscais, já a caducidade da liquidação, a que se refere o artº 55º do RICR, extintiva do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto que implica a anulabilidade da liquidação efectuada, pode ser invocada em sede de meios de reacção, gracioso e contencioso de anulação, de que a executada teve toda a oportunidade de se socorrer.
Pela letra da lei, é da enumeração taxativa as razões de oposição à execução fiscal indicadas nos artºs 165º, 169º e 176º do Código das Execuções Fiscais.
Todavia, em nome da concretização do princípio da plenitude da garantia da via judiciária, a nossa jurisprudência tende a aceitar que as razões de oposição à execução fiscal não devem ser restringidas às situações previstas 165º, 169º e 176º do Código das Execuções Fiscais – vidé os Acórdãos do TSI, de 04DEZ2003 nos proc. nºs 94/2003 e 13/2003, de 30NOV2006 no proc. 527/2006, e de 10N0V2016 no proc. nº 458/2016.
Não obstante a jurisprudência nesse sentido, o certo é que, por um lado, a caducidade do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto não se integra em qualquer das situações taxativamente elencadas no Código das Execuções Fiscais como invocáveis para a oposição da execução fiscal.
E por outro lado, a sua não inclusão no elenco dos fundamentos expressamente enumerados na lei para a oposição à execução fiscal nunca ofenderá o princípio da plenitude da garantia da via judiciária, uma vez que estão assegurados no RICR meios gracioso e contencioso de reacção, como fundamento na anulabilidade (do acto tributário) da liquidação, que goza de autonomia de decisão e de impugnação em relação ao acto tributário final.
Vistas as coisas sob outro prisma, se admitíssemos a invocação, em sede de oposição à execução fiscal, do vício da anulabilidade derivada (derivada porque vem da liquidação, antecedente lógico do acto tributário final) do acto tributário final, os prazos de caducidade dos meios gracioso e contencioso previstos no RICR já não fariam qualquer sentido – nesse sentido, cf. o acima citado Acórdão do TSI, de 10N0V2016, no proc. nº 458/2016.
Em conclusão:
1. A prescrição da dívida exequenda já liquidada distingue-se da prescrição da liquidação, a que se refere o artº 55º do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (RICR).
2. Se a prescrição da dívida exequenda já liquidada, extintiva da dívida, pode servir de fundamento à oposição por embargos à execução fiscal nos termos expressamente prescritos no artº 169º/-c) do Código das Execuções Fiscais, já a prescrição (que em rigor deve ser caducidade) da liquidação, a que se refere o artº 55º do RICR, extintiva do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto, conduz à anulabilidade da liquidação efectuada, pode ser invocada em sede de meios de reacção, gracioso e contencioso de anulação, previstos no próprio RICR.
3. Em nome da concretização do princípio da plenitude da garantia da via judiciária, é de aceitar que as razões de oposição à execução fiscal não devem ser restringidas às situações previstas 165º, 169º e 176º do Código das Execuções Fiscais.
4. Não obstante a jurisprudência nesse sentido, a não aceitação da caducidade do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto como fundamento à oposição da execução fiscal nunca ofenderá o princípio da plenitude da garantia da via judiciária, uma vez que estão assegurados no RICR meios gracioso e contencioso de reacção, com fundamento na anulabilidade (do acto tributário) da liquidação, que goza de autonomia de decisão e de impugnação em relação ao acto tributário final.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso mantendo na íntegra a sentença de 1ª instância.
Custas pela recorrente.
Notifique.
RAEM, 04JUN2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
1 Cfr. acórdãos do Tribunal de Segunda Instância dos processos n.º 1153/A, 01/02/2001, e n.º 94/2003, de 04/12/2003.
2 Cfr. acórdão do Tribunal de Segunda Instância do processo n.º 614/2012, de 18/10/2012.
3 Cfr. acórdãos do Tribunal de Segunda Instância dos processo n.º 672/2010, de 17/11/2011, e n.º 527/2006, de 30/11/2006.
4 Cfr.《Manual de Direito Administrativo》, Marcello Caetano, Vol. I, Almedina, Coimbra, pág. 463 e 464.
5 Cfr. obra citada, pág. 562.
6 Cfr. 《A Justiça Administrativa (Liçoes)》, José Carlos Vieira de Andrade, Almedian, 5.ª Edição, pág. 305 e segs.
7 Cfr.《Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado》, Viriato Lime e Álvaro Dantas, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, pág. 65, 4).
8 Obra supra referida, pág. 67, 7) e 8).
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Ac. 172/2019-23