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Processo n.º 992/2015/A
(Autos de execução para prestação de um facto)
     
Relator: Fong Man Chong
Data: 4 de Junho de 2020

Assuntos:
     
- Execução da sentença administrativa para prestação de um facto
     
SUMÁRIO:

I – Face ao disposto no artigo 175º do CPAC, existem duas circunstâncias em que o órgão administrativo competente pode deixar de executar uma sentença administrativa:
- Quando haja impossibilidade absoluta e definitiva de execução;
- Quando exista grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão.
II – Quando o órgão administrativo não invoca nenhuma causa para justificar a sua inexecução, limitando-se a informar o Tribunal que está a diligenciar para a respectiva finalidade, não revelando elementos concretos para satisfazer o pedido dos Exequentes, nomeadamente o tempo necessário para esta finalidade, justifica-se fixar um prazo razoável para que o órgão competente pratique o acto administrativo necessário à execução do decidido, visto que os Exequentes estão à espera da licença de obras há mais de oito anos.
    O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong

























Processo n.º 992/2015/A
(Autos de execução para prestação de um facto)

Data : 04 de Junho de 2020

Exequentes : - A
- B

Executado : - Secretário para os Transportes e Obras Públicas


* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A e B, Exequentes, devidamente identificada nos autos, veio em 06/12/2018 junto deste TSI pedir a execução para prestação de um facto, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 21, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A pretensão que ora se formula tem por título o douto Acórdão do Venerando TUI, de 15 de Dezembro de 2017, que anulou "o despacho de 15 de Novembro de 2012 do [1.º Requerido], que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do [2.º Requerido], que indeferiu o pedido de emissão de licença de construção e suspendeu o procedimento de licenciamento - após aprovação dos projectos de arquitectura e de especialidades, para obra de construção de edifício nos prédios sitos na Praça Lobo D`Ávila n.os 26 e 28, em Macau, em regime de propriedade perfeita, descritos sob os n.º1006 e 1007, na Conservatória do Registo Predial - com fundamento na pendência de acção judicial em que terceiros pedem a declaração de aquisição do direito de propriedade sobre o primeiro dos prédios acima identificados, com fundamento em usucapião" (cfr. preâmbulo do douto Ac.)
2. Ac. transitado em julgado em 19 de Janeiro de 2018.
3. A entidade requerida não executou tal decisão, desrespeitando a norma do artigo 174.º/1 do CPAC, nem sequer invocou qualquer causa legítima de inexecução.
4. Razão por que têm os ora Requerentes necessidade de vir pedir a sua execução, nos termos do artigo 180.°/1 do CPAC, aplicado por analogia.
5. Pedido que vai formulado tempestivamente, dado disporem, para o efeito, do prazo de 365 dias, contados nos termos do artigo 180.º/2 do CPAC, prazo que se encontra em Curso.
6. Sendo que para a sua apreciação é competente o douto TSI, nos termos dos artigos 20.º da Lei de Bases da Organização Judiciária e 21.º/1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPAC, dado ser o tribunal que julgou a causa em primeira instância.
7. Os Requerentes têm legitimidade, dado serem titulares de posições jurídicas substantivas, interessados na execução, para além de terem sido partes no processo de impugnação contenciosa.
8. Sendo que tem legitimidade passiva para figurar nesta acção o Exmo. Secretário para as Obras Públicas e Transportes, dado ter sido o autor do acto anulado, tal como estabelece a norma do artigo 174.º/2 do CPAC (cfr. Ac. do STA, de 6/2/1997, no proc. n.º 040759).
9. Além disso, com a ressalva do devido respeito por entendimento contrário, afigura-se aos Requerentes que a contra-interessada nos autos de recurso contencioso carece de interesse em contradizer a presente pretensa executiva, dado que a mesma não é susceptível de constituir fonte autónoma de prejuízos para ela (cfr. Ac. do STA de 14/3/1995, no proc. n.º 35579).
10. E isto porque não extravasa o objecto do caso julgado.
11. Razão por que o presente processo não vai dirigido também contra ela.
II – DO AC. EXEQUENDO
12. Do douto Ac. exequendo consta a seguinte fundamentação:
III - O Direito
1. Questões a apreciar
São, fundamentalmente, duas as questões a apreciar:
A primeira, a de saber se o órgão da Administração Pública competente para apreciar projectos de licenciamento de obras de construção de edifícios, pode suspender o procedimento, se se comprova a pendência de acção judicial cível, em que terceiro pretende a declaração de aquisição da propriedade sobre o prédio onde se pretende construir, não obstante o requerente do licenciamento ter comprovado, documentalmente, a inscrição definitiva, no registo predial, a seu favor, da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio.
Suposta a resposta afirmativa à questão anterior (se a resposta for negativa, o recurso jurisdicional é imediatamente procedente), cabe, ainda, apreciar se a decisão da Administração mencionada, de suspender o procedimento com fundamento em disputa judicial sobre o prédio em causa, ainda é possível depois de já ter aprovado o projecto, faltando apenas a emissão da licença de obras.
2. O procedimento de licenciamento de obras de construção civil
Apreciemos a primeira questão atrás descrita.
O procedimento de licenciamento de obras de construção civil ainda se rege pelo Regulamento Geral da Construção Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, doravante designado por RGCU, a cujas normas pertencem as a seguir citadas, sem indicação da proveniência.
O licenciamento de obras de construção de edifícios supõe a aprovação de projecto de arquitectura, elaborado por arquitecto, e dos chamados projectos de especialidades (projectos de demolição, fundações e estruturas, de abastecimento de água, drenagem e de esgotos, de electricidade, de ventilação, ar condicionado, ascensores e monta-cargas, de aquecimento e outro equipamento que utilize energia, de instalações especiais e equipamento) elaborados por engenheiros civis, engenheiros técnicos civis, engenheiros electrotécnicas, engenheiros mecânicos, engenheiros técnicos de electricidade ou engenheiros técnicos de máquinas, consoante os casos (artigos 13.° a 15.º)
Apresentados os projectos de arquitectura, de demolição, quando for este o caso, e os projectos de especialidades, já referidos, correm prazos para a DSSOPT os apreciar (artigo 36.°).
A DSSOPT profere, então, o despacho de indeferimento, fundamentado, por:
a) Inconformidade com planos de urbanização e respectivo regulamento, bem como com os alinhamentos e outros instrumentos de disciplina urbanística;
b) Falta de arruamentos e redes públicas de água e saneamento salvo quando o requerente se proponha suprir as deficiências existentes pela forma aprovada pelas entidades competentes;
c) Falta de licença de loteamento quando exigível ou inconformidade com o condicionamento da mesma licença em áreas que a ela estejam sujeitas;
d) Desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares;
e) Trabalhos susceptíveis de manifestamente afectarem valores de património arquitectónico, histórico, cultural ou paisagístico;
j) Alterações em construções ou elementos naturais classificados como valores a preservar, quando delas possam resultar prejuízo para esses valores;
g) Falta de entrega do regulamento do condomínio, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 19.°;
h) Desconformidade do regulamento do condomínio com o disposto na Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro (artigo 38.°).
Não havendo motivo para indeferimento a DSSOPT aprova o projecto.
Dispõe o n.º 2 do artigo 40.° que:
"O despacho de aprovação final caducará, se no prazo de 180 dias, após a respectiva notificação ao requerente, este não solicitar a emissão da respectiva licença de obras".
Este prazo pode ser prorrogado a requerimento do interessado, desde que invoque razão justificativa (n.º 3 do artigo 40.°).
O artigo 42.º regula a emissão da licença de obras, que permite ao interessado executar o projecto aprovado:
Artigo 42.º
(Requerimento da licença de obras)
1. Notificado o requerente da aprovação do projecto de obra ou utilizada a faculdade prevista no artigo 37.°, deverá aquele requerer a respectiva licença de obras.
2. Com o requerimento será apresentada declaração do técnico pela qual este assume a responsabilidade pela direcção da obra, bem como a declaração do construtor ou empresa de construção, assumindo a responsabilidade pela execução da mesma.
3. No prazo de 15 dias após a entrega do requerimento referido em 1, a D.S.S.O.P. T. procederá ao cálculo da taxa devida e emitirá a respectiva licença de obras, notificando o requerente para proceder ao seu levantamento.
4. Sempre que a realização de uma obra implique a execução de tapumes que ocupem a via pública, o requerente deverá fazer acompanhar o requerimento referido no n.º 2 com cópia da respectiva licença de tapumes emitida pela Câmara Municipal.
3. Prova da titularidade do prédio perante a DSSOPT, no procedimento de licenciamento de edificação
Estamos em condições de prosseguir.
O acórdão recorrido entendeu que a DSSOPT podia suspender o procedimento de licenciamento de obra de construção de edifício por estar pendente acção judicial, em que terceiro pretende a declaração de aquisição da propriedade sobre o prédio onde se pretende construir. E ainda que há incerteza sobre a titularidade do direito invocado.
Mas não é assim.
Já vimos que a aprovação do projecto é solicitada em requerimento dirigido ao Director da DSSOPT, do qual constará o nome ou denominação do requerente, a indicação da qualidade de proprietário, locatário ou mandatário, bem como o local da edificação projectada, juntando documento comprovativo da situação jurídica do terreno, do edifício ou fracção autónoma de edifício, nomeadamente título de registo de propriedade, de arrendamento, de aforamento ou de autorização de ocupação a título precário (artigo 19.º)
Quer isto dizer, que é essencial que o requerente seja o proprietário do prédio para o qual se pede o licenciamento de edifício quando esteja em causa a propriedade perfeita, como é o caso dos autos.
A comprovação da propriedade de edifício faz-se pela junção do documento que titule o registo da aquisição. Como é evidente, não é necessário que o requerente faça a prova de uma forma de aquisição originária da propriedade. Basta a comprovação do registo da aquisição mesmo derivada a seu favor, sendo que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Diz-se no acórdão recorrido "10. Também quanto à pretensa prova do direito dos recorrentes, se as inscrições prediais que foram juntas ao PA conferem uma presunção da titularidade do direito - não nos esqueçamos que se trata de uma mera presunção juris tantum -, também uma outra inscrição predial, qual seja a do registo da acção, faz abalar, ainda que provisória ou preventivamente essa presunção de titularidade, sendo exactamente esse um dos fins do registo das acções".
Ora, em primeiro lugar, não se percebe como é que tendo os recorrentes juntado aos autos certidão do registo da aquisição da propriedade dos imóveis a seu favor, se considera a prova do seu direito como pretensa, apenas por outrem se arrogar judicialmente o mesmo direito, sem haver ainda decisão judicial definitiva.
Em segundo lugar, o registo de uma acção judicial tendente à declaração da aquisição da propriedade de um imóvel não abala em nada a presunção derivada do registo, não sendo esse o fim do registo.
Enquanto não houver sentença transitada em julgado que declare a aquisição de propriedade por outrem que não o titular inscrito, este é, para todos os efeitos, designadamente para exercício dos seus direitos de proprietário perante terceiros e a Administração, o titular do direito de propriedade em causa.
O registo de uma acção real, nos termos do artigo 3.° do Código do Registo Predial, visa, por um lado, publicitar perante terceiros que alguém discute judicialmente a titularidade da propriedade, quando é este o caso, de um determinado prédio, para se poderem acautelar perante eventuais negócios que queiram realizar relativamente ao mesmo imóvel. É uma manifestação do chamado princípio da publicidade, definido por ORLANDO DE CARVALHO1, como "o princípio de que, sendo um direito erga omnes, o direito das coisas deve ser conhecido ou cognoscível das pessoas que virtualmente ele afecte, designadamente de terceiros".
Por outro lado, como refere LUÍZ GONZAGA DAS NEVES SILVA PEREIRA?2 "É através do registo das acções que o autor carreia para as tábuas a pretensão que deduziu em juízo, com o objectivo de garantir antecipadamente, nos termos sobreditos, a oponibilidade a terceiros da providência ou providências que o tribunal venha a decretar e impedir, consequentemente, que estes últimos se possam prevalecer de direitos que sobre o prédio venham a adquirir do réu (ou de outrem) ou, se adquiridos mesmo anteriormente, os não tenham registado antes do registo da acção.

A função do registo da acção é, pois, a de assegurar ao autor que os efeitos materiais da sentença que lhe for favorável vincularão todos aqueles - não intervenientes na acção - que, não tendo registado a aquisição antes do registo da acção, hajam adquirido ou venham a adquirir sobre a coisa litigiosa direitos incompatíveis com aquele que o autor pretende fazer valer em juízo. Donde resulta que o registo da acção, quando prioritário, assegura desde logo a exequibilidade da decisão final
em relação a terceiros ou erga omnes”.
Não nos esqueçamos, ainda, que face ao princípio da legitimação previsto no n.º 1 do artigo 9.° do Código do Registo Predial, "não apenas o registo está vedado, enquanto não houver inscrição a favor do alienante ou onerante, mas também que é vedada a própria prática do acto de alienação ou oneração"3
4. Concessão da licença urbanística sob reserva de direitos de terceiros
A doutrina urbanística é unânime no sentido de que a licença de construção não é o instrumento adequado para verificar o respeito pelas situações jurídicas reguladas pelo Direito Privado, visto que a licença urbanística é concedida sob reserva de direitos de terceiros.
Como explica JOSÉ OSVALDO GOMES"4A licença urbanística não constitui, modifica ou extingue situações jurídicas privadas, podendo dizer-se que a cláusula «salvo o direito de propriedade e sem prejuízo dos direitos de terceiros» constitui uma condição legal da sua emissão".
Não faz sentido que a Administração aguarde pelo desfecho de acção judicial em que discute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação de projecto comprove ser o proprietário. A acção judicial pode demorar anos a ser resolvida. No caso dos autos terá começado em 2004 e ainda não está decidida por sentença transitada em julgado. Sendo que em 2006 já estavam aprovados os projectos, faltando apenas emitir a licença de obras.
Emitida a licença e sendo a acção improcedente, mantém-se tudo na mesma situação.
Emitida a licença, se a acção judicial for procedente, a situação é precisamente a mesma que aconteceria se só após a emissão da licença de obras, a acção judicial viesse a ser proposta e fosse procedente, estando já o edifício concluído.
Também aqui a Ordem Jurídica tem os meios necessários à resolução do problema.
Agora o que não parece justo é que quem comprove ser proprietário de imóvel não possa desenvolvê-lo urbanisticamente, só porque um terceiro se arroga a propriedade do imóvel. Os órgãos da Administração não têm que se imiscuir na resolução desta questão.
O terceiro tem na sua mão instrumentos jurídicos para impedir a construção da obra, designadamente, propondo providências cautelares destinadas a suspender a obra. Os tribunais decidirão, então, se é de suspender a obra (cfr. os factos 13 a 15).
Como defende ANA PEREIRA DE SOUSA,5 "A licença de construção, refere claramente Alves Correia,6 não é um instrumento adequado para verificar o respeito por situações jurídico-privadas, cuja definição não cabe à Administração Pública, mas sim aos Tribunais. A consequência imediata da submissão exclusiva da licença urbanística a regras de Direito do Urbanismo é, pois, a de que ela é concedida sob reserva de direitos de terceiros". Acrescentando, esta Autora, em nota de rodapé, que o controlo formal da legitimidade procedimento por parte da Administração "impõe a concessão da licença mesmo quando a titularidade do direito invocado é contestada por terceiros (salvo quando o requerente não faça prova da sua legitimidade ou não possua efectiva legitimidade para o efeito)", citando vários autores neste sentido.
Também FERNANDA PAULA OLIVEIRA7 abunda no mesmo sentido:
"A apreciação da titularidade do direito que confere ao particular legitimidade para requerer o licenciamento não significa, no entanto, um afastamento completo da cláusula salvo direitos de terceiros. É que a nossa legislação apenas exige que o presidente da câmara, na fase de saneamento e de apreciação liminar, se limite a fazer uma apreciação meramente formal dessa legitimidade, ou seja, se limite a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo de legitimidade (em caso do direito de propriedade, via de regra, a certidão de registo predial), sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca. E isto é assim porque, para além da submissão exclusiva da licença de construção a regras de direito do urbanismo, ela caracteriza-se também pelo facto de ser emitida tendo em consideração não o requerente mas a conformidade do projecto com as regras de urbanismo aplicáveis. É isto que se designa por carácter real da licença de construção, que significa que a licença é emanada em função das características objectivas do terreno, tendo em conta a regulamentação de urbanismo, e não em função da qualidade do requerente.8

Segundo afirma Huges Perinet Marquet, a consequência imediata que resulta do controlo meramente formal da legitimidade do requerente do licenciamento é a de que a licença de construção deve ser emanada mesmo que o direito do requerente seja contestado por terceiros. Com efeito, existindo um litígio entre o requerente do licenciamento e terceiros no que concerne à titularidade do direito de propriedade, não deve a Administração resolvê-lo sob pena de usurpação de poderes, já que a resolução de litígios jurídico-privados cabe aos tribunais judiciais e não à administração9". Assim, não obstante aquele litígio e aquela contestação, a licença deve considerar-se, no entendimento deste Autor, legalmente emitida. Não pertence à autoridade administrativa imiscuir-se em litígios de ordem privada susceptíveis de ocorrer entre particulares. A Administração não pode basear-se nesses litígios para se recusar a examinar o pedido de licenciamento. Apenas o terceiro que contesta aquele direito tem legitimidade para pedir a intervenção do tribunal (tribunal comum) para fazer valer o seu pretenso direito.
Resulta assim, do que vem de dizer-se, no que concerne à questão da titularidade do direito que confere legitimidade ao requerente, que, desde que este tenha apresentado o documento exigido para prova de legitimidade, a Administração deve avançar com o procedimento de licenciamento, mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha, precisamente, por objecto, a titularidade do direito que foi invocado, e mesmo que tal litígio esteja a ser resolvido no tribunal competente. O procedimento apenas não deverá prosseguir, devendo ser rejeitado o pedido de licenciamento, quando o requerente não faça prova da legitimidade ou quando resulte claramente dos documentos entregues que ele não é, efectivamente, o titular do direito que invoca.
Concluindo, desde que o particular apresente documento comprovativo da legitimidade, não cabe à Administração questionar ou duvidar dela, nem lhe cabe esclarecer essa dúvida quando tal questão é suscitada. O lugar adequado para resolver tal questão e tais dúvidas são os tribunais comuns".
É que não está em causa qualquer questão prejudicial que caiba resolver, nos termos do artigo 33.º do Código do Procedimento Administrativo, já que a decisão do licenciamento da obra não depende da resolução do litígio entre particulares.
Merece, pois, provimento o recurso, ficando prejudicado o conhecimento da outra questão.
III - DA NÃO EXECUÇÃO DO JULGADO
13. Nos termos do artigo 574.°/1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPAC, "transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele (...)"
14. E constitui, de acordo com o artigo 576.°/1 do CPC, caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
15. Sendo que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades (artigo 8.°/2 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
16. Para além de que, nos termos da norma do artigo 174.°/2 do CPAC, "...as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias" (sublinhado nosso).
17. Dever que consiste, no caso dos presentes autos, em a Administração estar obrigada a extrair as devidas consequências da anulação, dado tratar-se de uma sentença anulatória.
18. Em geral, tal dever traduz-se: 1) na reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado; 2) no cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este a dispensava disso; e 3) na eventual substituição do acto ilegal por outro, sem reincidir nas ilegalidades cometidas e que determinaram a anulação do acto substituído.
19. Sendo que a determinação do conteúdo da execução do julgado não está dependente do juízo discricionário da Administração, estando, antes, estritamente vinculada à lei nesta matéria.
20. Ora, no caso dos autos, a Administração incumpriu e mantém-se em incumprimento de tal dever.
21. Na verdade, não executou espontaneamente o douto Ac. exequendo no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do mesmo.
22. Nem sequer invocou qualquer razão fundamentada para não cumprir.
23. Situação que se mantém ainda hoje, muitos meses volvidos do trânsito em julgado daquele Ac.
24. E isto apesar de os Requerentes terem vindo ao processo, por várias vezes, actualizar dados e documentos do processo (Docs. n.º 1 e 2) e requerer reuniões para a resolução do problema junto da DSSOPT (Docs. n.º 3,4 e 5).
25. Limitando-se este Serviço a informa, por ofício, de 9/7/2018, que a emissão da licença de obra se encontra em fase de análise jurídica (Doc. n.º 6).
26. Mas a verdade é que a Administração não pode bastar-se com tal informação.
27. Com efeito, era já essa situação do processo em 2006 quando, depois da aprovação do projecto de obra, nada mais faltava para a emissão da licença, tal como se afirma no douto Ac. exequendo.
28. Informação que nada mais serve do que justificar a absurda e incompreensível situação de total passividade que vem desde aquele momento.
29. Tal como, de resto, aconteceu com a prática do acto anulado, que apenas serviu para dar cobertura à referida situação de inactividade.
30. Que muito judiciosamente o Venerando TUI anulou, eliminando-o da ordem jurídica, afirmando peremptoriamente que a Administração não podia suspender o procedimento de licenciamento de obra de construção em causa nos presentes autos com o fundamento de estar pendente acção judicial, em que terceiro pretende a declaração de aquisição da propriedade sobre parte do prédio onde se pretende construir, existindo incerteza quanto à titularidade do direito invocado.
31. Na verdade, com se afirma, no douto Ac. exequendo, pp. 26, "não faz sentido que a Administração aguarde pelo desfecho de acção judicial em que discute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação de projecto comprove ser o proprietário. A acção judicial pode demorar anos a ser resolvida. No caso dos autos terá começado em 2004 e ainda não está decidida por sentença transitada em julgado. Sendo que em 2006 já estavam aprovados os projectos, faltando apenas emitir a licença de obras" (sublinhado nosso).
32. Afirmando-se ainda que não se justifica que a pendência da acção judicial possa impedir a emissão da licença, e isto quer acção venha a ser improcedente, tudo se manteria na mesma, quer venha a ser procedente, dado que a situação seria precisamente a mesma que aconteceria se só após a emissão da licença de obras, a acção judicial viesse a ser proposta e fosse procedente, estando já o edifício construído, afirmando que a ordem jurídica tem meios necessários à resolução desse problema, que não passam pela intervenção da Administração (cfr. pp. 26).
33. E acrescentando que "o que não parece justo é que quem comprove ser proprietário de imóvel não possa desenvolvê-lo urbanisticamente, só porque um terceiro se arroga a propriedade do imóvel. Os órgãos da Administração não têm que se imiscuir na resolução desta questão".
34. E concluindo, citando autores, afirma que "o controlo formal da legitimidade procedimento por parte da Administração «impõe a concessão da licença mesmo quando a titularidade do direito invocado é contestada por terceiros (salvo quando o requerente não faça prova da sua legitimidade ou não possua efectiva legitimidade para o efeito)»" (cfr. pp. 27).
35. No entanto e apesar de claramente se afirmar no douto Ac. o que se acaba de expor, a Administração, desrespeitando o julgado e ofendendo os direitos dos Requerentes, continua inerte, em situação de total rebeldia, violando o dever que a lei lhe impõe, limitando-se a informar, respondendo a requerimentos dos Requerentes e apenas cerca de 7 meses depois do referido douto Ac., que o procedimento de emissão da licença se encontra em fase de análise jurídica.
36. Mantendo, sem fundamento, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado.
37. Razão por que não têm os Requerentes outra forma de pôr cobro a esta situação de absurda, ilegal e injusta passividade da Administração, recusando a emissão da licença de obra, que se mantém desde 2006, altura em foram aprovados os projectos, faltando apenas a emissão daquela licença (pp. 26), que não a de recorrer a esta via com vista a obter a imposição judicial à Administração do cumprimento dos deveres que para ela resultam do julgado anulatório exequendo.
IV - DOS ACTOS EM QUE A EXECUÇÃO DEVE CONSISTIR
38. Nos termos do artigo 180.°/2 do CPAC, quando não tenham sido fixados na decisão, deve o requerimento executivo especificar os actos e operações em que, no entender do interessado, a execução deve consistir.
39. Especificação esta que naturalmente não vincula o douto Tribunal na decisão que tiver de proferir, determinando os actos e as operações que impõe à Administração com vista à execução do julgado.
40. Tendo em vista o cumprimento de tal ónus, importa começar por atentar no tipo de sentença exequenda aqui em causa e nos seus efeitos.
41. Na verdade, trata-se de uma decisão de provimento proferida num processo de recurso contencioso de anulação.
42. E o efeito directo destas decisões é o efeito constitutivo, "que se traduz na invalidação do acto impugnado, eliminando-o desde o momento em que se verificou a ilegalidade, isto é, (...), desde a sua prática (eficácia "ex tunc" da sentença) (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2.a ed., Almedina, 1999, pp. 276).
43. Com efeito, o Venerando TUI, com o douto Ac. exequendo, não se limitou a declarar a ilegalidade do acto recorrido, mas antes procedeu à sua anulação, eliminando-o da ordem jurídica, desde o momento da sua prática.
44. Por tal efeito ser auto-exequível, poder-se-ia pensar que a Administração não estaria obrigada a executar tal decisão.
45. Mas tal não é assim.
46. Uma vez que a Administração está sempre obrigada a retirar as consequências fácticas das decisões anulatórias com eficácia retroactiva.
47. Razão por que a doutrina e a jurisprudência falam no efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença.
48. Do qual decorre o dever para a Administração de reconstituir a situação que teria existido se não tivesse sido praticado o acto ilegal (princípio da reconstituição da situação hipotética actual) (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 277).
49. E ainda no efeito conformativo.
50. A impor à Administração o dever de respeitar o julgado, conformando-se com o mesmo, impedindo-a de reproduzir o acto com os mesmos vícios que determinaram a anulação do acto recorrido, sob pena de ofensa do caso julgado (cfr. id.,ib pp. 277).
51. Ora, no caso dos autos, eliminado que foi o acto recorrido da ordem jurídica desde o momento da sua prática, isto é, 15 de Novembro de 2012, está a Administração, por força do efeito reconstitutivo ou reconstrutivo das sentenças de anulação, constituída no dever de pôr a situação de facto dos ora Requerentes, desde aquela data, de acordo com a situação de direito, reconstituindo essa situação sem a ilegalidade cometida (cfr. id., ib., pp. 279).
52. Ora, não podendo a Administração suspender o procedimento de licenciamento, tal como fez, estando aprovados, em 2006, os projectos, faltando apenas a emissão da licença (tal como se afirma no douto Ac. exequendo, pp. 26), só resta à Administração vir emitir, ainda que tardiamente, a referida licença.
53. É o que resulta para a Administração do efeito reconstrutivo ou reconstitutivo das sentenças administrativas anulatórias.
54. Na verdade, se não o fizer, mantendo-se na situação de reiterado incumprimento em que se encontra, a Administração nada mais faz do que perpetuar no tempo os efeitos do acto recorrido que o Venerando TUI censurou eliminando-o da ordem jurídica, desde 15 de Novembro de 2012.
55. O que se traduz numa grave ofensa do caso julgado e dos direitos dos Requerentes, que foram obrigados a reagir contra tal acto, que apenas veio dar cobertura à posição da Administração de não emissão da licença de obra, que se vinha mantendo desde 2006, altura em que o anteprojecto e o projecto de obra foram aprovados, apesar dos inúmeras pedidos formulados pelos Requerentes, a partir de 13 de Outubro desse ano, a solicitar a emissão da licença.
56. Significa isto que a Administração se mantém, inexplicavelmente, há cerca de 12 anos, sem emitir tal licença de obra aos Requerentes, estando vinculada a fazê-lo.
57. Sendo que se encontra, desde Janeiro de 2017, em claro desrespeito do douto Ac. do Venerando TUI, que anulou tal acto e, consequentemente, o eliminou da ordem jurídica deste o momento da sua prática.
58. Não lhe bastando prestar a informação que prestou, afirmando que o processo se encontra em fase de análise jurídica.
59. Razão por que deve ser a entidade requerida determinada à prática dos actos necessários à emissão da referida licença pelo director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, órgão que lhe é hierarquicamente subordinado.
60. Dado que no procedimento de licenciamento dê obra nada mais há a fazer.
61. Sendo que nenhuma razão válida existe, do ponto de vista legal, que justifique a longa inércia da Administração na emissão de tal licença.
62. Na verdade, de acordo com a lei, após a aprovação do projecto de obra, o interessado deverá requerer a respectiva licença de obras (cfr. artigo 42.°/1 do RGCU).
63. E a Administração está vinculada à sua prática nos termos apertados dos artigos 42.° e ss. do RGCU, o que só não sucederá nos casos de extemporaneidade na apresentação do pedido de emissão de tal licença e que apenas decorre da caducidade da aprovação do projecto de obra (cfr. artigos 42.° e 40.°/2 do RGCU).
64. Com efeito, requerida oportunamente a emissão da licença (no prazo máximo de 180 dias nos termos do artigo 40.°/2 do RGCU), apresentadas as declarações de assunção de responsabilidade pela direcção e pela execução da obra, respectivamente pelo técnico e pelo construtor, e, se for o caso, junta a licença de tapumes, está a DSSOPT adstrita a proceder, no prazo de 15 dias a contar daquele pedido, ao cálculo da taxa devida e à emissão da respectiva licença de obra, notificando o requerente para proceder ao seu levantamento (cfr. artigo 42.° do RGCU).
65. E isto assim fundamentalmente porque a licença de obra não é mais do que o documento ou título que patenteia ou evidencia o direito de construir, constituído na esfera jurídica do particular, através do acto de aprovação do projecto de obra, e cuja emissão apenas depende da observância das exigências acabadas de referir.
66. Estando o seu levantamento dependente do pagamento da taxa (v. artigo 43.°/1 do diploma referido).
67. Do que resulta que a emissão da licença de obra, para o legislador, visa apenas e tão-só garantir a execução da obra logo após a aprovação do respectivo projecto, a identificação dos responsáveis pela direcção e execução da mesma e ainda o pagamento da taxa devida.
68. Veja-se que é a própria lei a admitir mesmo o início da execução da obra sem prévia emissão da licença, nos casos em que não tenha sido determinado o cálculo da taxa nem emitida esta (cfr. artigo 43.°/2 do RGCU).
69. Para além de que, como afirma o douto Ac. exequendo, o que se repete:
"Não faz sentido que a Administração aguarde pelo desfecho de acção judicial em que discute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação de projecto comprove ser o proprietário. A acção judicial pode demorar anos a ser resolvida. No caso dos autos terá começado em 2004 e ainda não está decidida por sentença transitada em julgado. Sendo que em 2006 já estavam aprovados os projectos, faltando apenas emitir a licença de obras.
Emitida a licença e sendo a acção improcedente, mantém-se tudo na mesma situação.
Emitida a licença, se a acção judicial for procedente, a situação é precisamente a mesma que aconteceria se só após a emissão da licença de obras, a acção judicial viesse a ser proposta e fosse procedente, estando já o edifício concluído.
Também aqui a Ordem Jurídica tem os meios necessários à resolução do problema.
Agora o que não parece justo é que quem comprove ser proprietário de imóvel não possa desenvolvê-lo urbanisticamente, só porque um terceiro se arroga a propriedade do imóvel. Os órgãos da Administração não têm que se imiscuir na resolução desta questão.
O terceiro tem na sua mão instrumentos jurídicos para impedir a construção da obra, designadamente, propondo providências cautelares destinadas a suspender a obra. Os tribunais decidirão, então, se é de suspender a obra (...)".
70. Razão por que, outra coisa não podem fazer os Requerentes, perante a reiterada inércia da Administração, desafiando o douto Ac. exequendo, senão impetrar junto desse douto Tribunal a condenação da Administração no cumprimento dos deveres necessários ao correcto cumprimento do douto Ac. exequendo.
V - DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA IMPOSSIBILIDADE PARCIAL DA EXECUÇÃO DO JULGADO
71. Mas mesmo que a Administração, tal como se espera, venha a emitir a licença de obra em falta, ainda assim há-de verificar-se uma situação de impossibilidade parcial de execução do julgado.
72. Com efeito, não se pode voltar atrás no tempo para apagar uma situação real substituindo-a por uma outra! É uma impossibilidade naturalística.
73. E não podendo a Administração, no caso dos autos, voltar atrás no tempo para, em vez do acto anulado, emitir a licença de obra em falta, será impossível executar o julgado no que respeita ao tempo decorrido entre a emanação do acto recorrido e anulado com efeitos ex tunc e o momento em que for emitida a licença.
74. É que, como se afirmou já, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.
75. Pelo que têm direito os Requerentes a uma indemnização destinada a compensá-los pela impossibilidade dessa reconstituição natural e pela consequente frustração de não poder ser colocados na situação que teriam se o acto anulado não tivesse sido praticado e, em vez, dele tivesse sido emitida a licença.
76. O que se justifica plenamente dado o facto de ter sido a Administração quem, praticando o acto ilegal censurado pelo douto Ac. exequendo, deu origem à situação que agora, por razões naturalísticas, é impossível remover.
77. Indemnização que deve corresponder ao benefício ou vantagem que os Recorrentes retirariam se tivessem podido construir o prédio objecto do projecto de obra.
78. Tratando-se, no entanto, de pedido de grande complexidade tal pedido, pressupondo o mesmo uma ampla indagação factual e produção de prova testemunhal e pericial, nomeadamente para averiguação dos danos efectivamente verificados, requerem, de seguida, os Requerentes que o douto Tribunal remeta as partes para a correspondente acção de indemnização.

* * *
Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Executado, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 90 a 95, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Os Requerentes interpõem os presentes autos na sequência de terem obtido provimento no recurso jurisdicional n.º 34/2017 e recurso contencioso nº 21/2013 no processo, tendo em consequência sido anulado o acto recorrido, bem como absolvida da instância a Entidade Recorrida quanto ao pedido de condenação à emissão de licença de obras, em virtude de tal pedido competir ao Tribunal Administrativo, nos termos da alínea 7) do n.º 5 do artigo 30.° da Lei de Bases da Organização Judiciária, sendo assim a cumulação ilegal, nos termos dos artigos 391.°, n.º 1 e 65.° do Código de Processo Civil (CPC).
DA EXECUÇÃO DE DECISÃO DE ANULAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO
2. A DSSOPT, com fundamento em litígio relativo ao direito de propriedade sobre o terreno onde os Recorrentes pretendem construir, suspendeu ao abrigo do artigo 33.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA) o procedimento de licenciamento da construção até que fosse proferida decisão judicial que dirimisse aquele litígio.
3. O TUI, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 34/2017, entendeu que não faz sentido que a Administração aguarde pelo desfecho da acção judicial em que se dispute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação do projecto comprove ser o proprietário.
4. E que não é justo que quem comprove ser proprietário do imóvel não possa desenvolvê-lo urbanisticamente, só porque um terceiro se arroga a propriedade do imóvel, uma vez que esse terceiro tem na sua mão instrumentos para impedir a construção da obra, designadamente propondo providências cautelares destinadas a suspender a obra.
5. Pelo que, considerando que não está em causa qualquer questão prejudicial que caiba resolver, nos termos do artigo 33.° do CPA, já que a decisão do licenciamento da obra não depende da resolução do litígio entre particulares, anulou o acto recorrido (de suspensão do procedimento de licenciamento).
6. Alegam os Requerentes, nos n.ºs 3 e 4 dos autos, que "a Entidade Requerida não executou a decisão do TUI desrespeitando a norma do artigo 174.º, n.º 1 do CPAC, razão por que têm necessidade de vir pedir a sua execução nos termos do 180.º, n.º 1 do CPAC, aplicado por analogia."
7. Alegam ainda que nos termos do artigo 574.°, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPAC "transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele e constitui, de acordo com o artigo 576.º, n.º 1 do CPC, caso julgado nos precisos limites e termos em que julga" (n.ºs 13 e 14 dos autos).
8. A Entidade Requerida sabe que as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades, nos termos do artigo 8.°, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária.
9. Tanto assim é que declarada a anulabilidade do acto recorrido - de suspensão do procedimento de licenciamento - o processo seguiu a sua tramitação, tal bastando para que se considere o acórdão do TUI automaticamente executado.
10. Com efeito, após a anulação do acto recorrido, o processo de licenciamento deixou de estar suspenso e prosseguiu os seus ulteriores trâmites, pelo que, contrariamente ao invocado pelos Requerentes, foi dado espontâneo cumprimento à decisão judicial.
11. Disso mesmo dão os requerentes conta no na 25 dos autos, quando afirmam que foram notificados, por ofício de 9/7/2018, de que a emissão de licença de obra se encontra em fase de análise, juntando para o efeito o Doc. nº 6.
12. Pelo que não têm razão os Requerentes quando alegam que a Entidade Requerida não executou a decisão, desrespeitando a norma do nº 1 do artigo 174º do CPAC.
13. Como também não lhes assiste razão ao invocar a não execução do julgado por não ter sido emitido a licença de obra de construção, afirmando que a Administração se encontra vinculada à emissão daquela licença, por se encontrar obrigada a extrair as devidas consequências da anulação, dado tratar-se de uma sentença anulatória.
14. Porquanto o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 34/2017 clara e expressamente absolve da instância a Administração quanto ao pedido de condenação da entidade recorrida à emissão de licença de obras, em virtude de este pedido competir ao Tribunal Administrativo. Senão veja-se:
"Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional e ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido (suspensão do procedimento de licenciamento).
Absolvem da instância os recorridos quanto ao pedido de condenação da entidade recorrida à emissão de licença de obras, em virtude de este pedido competir ao Tribunal Administrativo, nos termos da alínea 7) do n.º 5 do artigo 30.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, sendo assim, a cumulação ilegal, nos termos dos artigos 391.º, n.º 1 e 65.º do Código de Processo Civil." (negrito nosso).
15. É pois por demais evidente e cristalino, face à parte final da decisão judicial expendida, que se os Requerentes consideram que a Administração está em falta e se encontra obrigada à emissão da licença de obra devem interpor a competente acção junto do Tribunal Administrativo.
16. Não sendo os presentes Autos de Execução para prestação de um facto a sede própria para fazer valer o direito que se arrogam.
17. Nem o Executado - Secretário para os Transportes e Obras Públicas - a entidade competente para praticar o acto pretendido.
18. Com efeito, os poderes no âmbito do procedimento de licenciamento, designadamente para a emissão da referida licença, são da competência própria do Director da DSSOPT, não cabendo ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ora Executado, emitir licenças de obras de construção.
19. Donde não faz qualquer sentido impor à Administração a prática dos actos necessários à emissão da referida licença, alegando-se o dever de respeitar o julgado conforme pretendem os Requerentes, quando a Entidade Requerida foi especifica e expressamente absolvida da instância nesta parte.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
20. Os Requerentes pedem que lhes seja atribuída indemnização por impossibilidade parcial da execução do julgado.
21. Segundo alegam no n.º 72.º do seu requerimento "(...) não se pode voltar atrás no tempo para apagar uma situação real substituindo-a por uma outra! É uma impossibilidade naturalística."
22. Contudo, a Entidade Requerida não encontra disposição legal onde se acolha tal pretensão.
23. Efectivamente, o n.º 4 do artigo 184.° do CPAC dispõe que "Quando o tribunal declare a existência de uma causa legítima de inexecução, o interessado pode pedir, até ao trânsito em julgado da decisão, afixação de indemnização".
24. Contudo nos presentes autos não se coloca sequer essa questão, porquanto o Acórdão foi cumprido na íntegra.
25. De qualquer forma, os Requerentes não têm que ser indemnizados pelo tempo do decurso do dissídio enquanto a questão foi resolvida judicialmente, indemnização com esse fundamento não se encontra legalmente prevista.
26. De facto, o TUI até poderia ter decidido no mesmo sentido que decidiu o TSI, que deu provimento ao entendimento da Administração.

*
O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer (fls. 140 e 141):
A e B, devidamente identificados nos autos, vêm requerer execução do julgado anulatório de 15 de Dezembro de 2017 exarado nos autos de recurso contencioso n.º 992/2015, o que fazem contra o Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Alegam, em suma, que o acórdão exequendo, que anulou o despacho de 15 de Novembro de 2012, transitou em julgado em 19 de Janeiro de 2018 e que o requerido não lhe deu execução espontânea, nem no prazo de 30 dias de que legalmente dispunha para o fazer, nem posteriormente, não tendo também invocado qualquer razão fundamentada para não cumprir.
Notificado o executado, para os fins previstos no artigo 181.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, veio dizer que se devia considerar executado o acórdão anulatório, porquanto estando em causa a anulação do acto de suspensão do procedimento administrativo, o processo já havia retomado a sua tramitação, o que dava execução ao julgado.
Fosse o direito mera forma e teríamos que dar razão ao executado. Mas não é apenas uma questão formal que está em causa.
A principal consequência, se não mesmo a única, da suspensão do procedimento administrativo avalizada pelo executado, foi a de obviar à emissão da licença de construção, que se perfilava como o passo normal seguinte do procedimento. Pois bem, reabrir ou retomar formalmente o procedimento sem que, em substância, se providencie pela efectiva evolução da tramitação em vista da finalidade última do procedimento, é o mesmo, em termos de efeitos práticos, que mantê-lo suspenso. Ora o que se constata é que, decorridos dois anos sobre o trânsito em julgado do acórdão anulatório, o procedimento não conheceu evolução digna desse nome, tendo-se o executado limitado a comunicar aos exequentes que a emissão da licença está em análise.
Neste contexto, crê-se que não pode considerar-se que a Administração deu execução ao acórdão. Posto isto, e porque nenhum entrave à execução foi suscitado, não tendo, nomeadamente, sido invocado prejuízo grave para o interesse público ou causa legítima de inexecução, que aliás não se divisam, é de concluir pela viabilidade plena da execução.
Aqui chegados, importa fixar as obrigações a observar em sede de execução.
Os exequentes entendem que deve ser fixado o prazo de 15 dias para que a entidade executada pratique todos os actos necessários à emissão da licença de obras pelo Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que lhe é hierarquicamente subordinado, e que, além disso, lhes seja reconhecido o direito a lançar mão de acção ressarcitória pela impossibilidade de execução parcial do julgado, pugnando ainda pela fixação de sanção pecuniária compulsória.
Crê-se que é de deferir a primeira das pretensões, pois no entendimento que deixámos subentendido sobre o alcance da execução do julgado, não basta à Administração fazer cessar formalmente a suspensão do procedimento. Impõe-se-lhe que avance no sentido da sua finalidade substancial, que é a da emissão da licença. Temos, todavia, por mais adequado, para o efeito, a fixação de um prazo de 30 dias.
Não vislumbramos fundamento para o pretendido reconhecimento da impossibilidade parcial de execução de julgado e sequente envio das partes para a acção de indemnização, o que, salvo melhor juízo, não impede os exequentes de recorrerem à referida acção.
Igualmente não vislumbramos, por ora, a necessidade de imposição de sanção pecuniária compulsória.
Nestes termos, deve julgar-se parcialmente procedente a execução e ordenar-se a ultimação, em 30 dias, de todas as diligências necessárias à emissão da licença de obras em falta, bem como a efectiva emissão dessa licença pela entidade competente, que depende hierarquicamente do executado.

* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do pedido, conforme os elementos juntos no processo:
- Em 15/12/2017 pelo TUI foi proferido o acórdão com o seguinte teor:
“(…) anulou o despacho de 15 de Novembro de 2012 do [1.º Requerido], que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho do [2.º Requerido], que indeferiu o pedido de emissão de licença de construção e suspendeu o procedimento de licenciamento - após aprovação dos projectos de arquitectura e de especialidades, para obra de construção de edifício nos prédios sitos na Praça Lobo D`Ávila n.os 26 e 28, em Macau, em regime de propriedade perfeita, descritos sob os n.º1006 e 1007, na Conservatória do Registo Predial - com fundamento na pendência de acção judicial em que terceiros pedem a declaração de aquisição do direito de propriedade sobre o primeiro dos prédios acima identificados, com fundamento em usucapião" (cfr. preâmbulo do douto Ac.)”.
- Tal decisão transitou em julgado em 15/01/2018;
- Até 06/12/2018, data em que os Requerentes/Exequentes não obtiveram nem obtêm mesmo hoje a respectiva licença de obras referente ao prédio em causa, intentaram o presente processo executivo.
* * *
    IV – FUNDAMENTOS

Está em causa a execução ao acórdão proferido pelo venerando TUI no âmbito do processo de recurso contencioso nº 34/2017, em que aquele Tribunal fundamentou a decisão nos seguintes termos:
“(…)
4. Concessão da licença urbanística sob reserva de direitos de terceiros
A doutrina urbanística é unânime no sentido de que a licença de construção não é o instrumento adequado para verificar o respeito pelas situações jurídicas reguladas pelo Direito Privado, visto que a licença urbanística é concedida sob reserva de direitos de terceiros.
Como explica JOSÉ OSVALDO GOMES (in Manual dos Loteamentos Urbanos, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, p. 162) “A licença urbanística não constitui, modifica ou extingue situações jurídicas privadas, podendo dizer-se que a cláusula «salvo o direito de propriedade e sem prejuízo dos direitos de terceiros» constitui uma condição legal da sua emissão”.
Não faz sentido que a Administração aguarde pelo desfecho de acção judicial em que discute o direito de propriedade, desde que o requerente do pedido de aprovação de projecto comprove ser o proprietário. A acção judicial pode demorar anos a ser resolvida. No caso dos autos terá começado em 2004 e ainda não está decidida por sentença transitada em julgado. Sendo que em 2006 já estavam aprovados os projectos, faltando apenas emitir a licença de obras.
Emitida a licença e sendo a acção improcedente, mantém-se tudo na mesma situação.
Emitida a licença, se a acção judicial for procedente, a situação é precisamente a mesma que aconteceria se só após a emissão da licença de obras, a acção judicial viesse a ser proposta e fosse procedente, estando já o edifício concluído.
(…)
IV –Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional e ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
Absolvem da instância os recorridos quanto ao pedido de condenação da entidade recorrida à emissão da licença de obras, em virtude de este pedido competir ao Tribunal Administrativo, nos termos da alínea 7) do n.º 5 do artigo 30.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, sendo assim, a cumulação ilegal, nos termos dos artigos 391.º, n.º 1 e 65.º do Código de Processo Civil. (…)”.

Na sequência disto, vieram os Exequentes a instaurar o presente processo executivo nos termos do disposto no artigo 174º e seguintes do CPAC.
Trata-se de uma questão simples, até o próprio Secretário para os Transportes e Obras Públicas confessou que estava a diligenciar para dar cumprimento ao arresto, só que passaram mais do que 2 anos, contados a partir da data de trânsito em julgado do acórdão, desde 15/01/2018, ainda não foi executada a decisão, nem foram invocadas causa legítimas para justificar este atraso nos termos do artigo 175º do CPAC.
O artigo 175º do CPAC prevê a possibilidade de invocar pelo órgão competente causa legítima da inexecução da decisão judicial, mas não o se fez, o que nos permite concluir que o órgão competente confia ao Tribunal decidir a causa em conformidade com todos os elementos disponíveis.
Bem observou o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI quando emitiu o seguinte douto parecer:
“A e B, devidamente identificados nos autos, vêm requerer execução do julgado anulatório de 15 de Dezembro de 2017 exarado nos autos de recurso contencioso n.º 992/2015, o que fazem contra o Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Alegam, em suma, que o acórdão exequendo, que anulou o despacho de 15 de Novembro de 2012, transitou em julgado em 19 de Janeiro de 2018 e que o requerido não lhe deu execução espontânea, nem no prazo de 30 dias de que legalmente dispunha para o fazer, nem posteriormente, não tendo também invocado qualquer razão fundamentada para não cumprir.
Notificado o executado, para os fins previstos no artigo 181.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, veio dizer que se devia considerar executado o acórdão anulatório, porquanto estando em causa a anulação do acto de suspensão do procedimento administrativo, o processo já havia retomado a sua tramitação, o que dava execução ao julgado.
Fosse o direito mera forma e teríamos que dar razão ao executado. Mas não é apenas uma questão formal que está em causa.
A principal consequência, se não mesmo a única, da suspensão do procedimento administrativo avalizada pelo executado, foi a de obviar à emissão da licença de construção, que se perfilava como o passo normal seguinte do procedimento. Pois bem, reabrir ou retomar formalmente o procedimento sem que, em substância, se providencie pela efectiva evolução da tramitação em vista da finalidade última do procedimento, é o mesmo, em termos de efeitos práticos, que mantê-lo suspenso. Ora o que se constata é que, decorridos dois anos sobre o trânsito em julgado do acórdão anulatório, o procedimento não conheceu evolução digna desse nome, tendo-se o executado limitado a comunicar aos exequentes que a emissão da licença está em análise.
Neste contexto, crê-se que não pode considerar-se que a Administração deu execução ao acórdão. Posto isto, e porque nenhum entrave à execução foi suscitado, não tendo, nomeadamente, sido invocado prejuízo grave para o interesse público ou causa legítima de inexecução, que aliás não se divisam, é de concluir pela viabilidade plena da execução.
Aqui chegados, importa fixar as obrigações a observar em sede de execução.
Os exequentes entendem que deve ser fixado o prazo de 15 dias para que a entidade executada pratique todos os actos necessários à emissão da licença de obras pelo Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que lhe é hierarquicamente subordinado, e que, além disso, lhes seja reconhecido o direito a lançar mão de acção ressarcitória pela impossibilidade de execução parcial do julgado, pugnando ainda pela fixação de sanção pecuniária compulsória.
Crê-se que é de deferir a primeira das pretensões, pois no entendimento que deixámos subentendido sobre o alcance da execução do julgado, não basta à Administração fazer cessar formalmente a suspensão do procedimento. Impõe-se-lhe que avance no sentido da sua finalidade substancial, que é a da emissão da licença. Temos, todavia, por mais adequado, para o efeito, a fixação de um prazo de 30 dias.
Não vislumbramos fundamento para o pretendido reconhecimento da impossibilidade parcial de execução de julgado e sequente envio das partes para a acção de indemnização, o que, salvo melhor juízo, não impede os exequentes de recorrerem à referida acção.
Igualmente não vislumbramos, por ora, a necessidade de imposição de sanção pecuniária compulsória.
Nestes termos, deve julgar-se parcialmente procedente a execução e ordenar-se a ultimação, em 30 dias, de todas as diligências necessárias à emissão da licença de obras em falta, bem como a efectiva emissão dessa licença pela entidade competente, que depende hierarquicamente do executado.”

Subscrevemos inteiramente os doutos argumentos tecidos pelo Digno. Magistrado do MP que se dão por reproduzidos aqui para todos os efeitos, vai assim julgado procedente o pedido da execução deduzido pelos Exequentes e o Executado vai ser condenado nos precisos termos peticionados na primeira parte da pretensão.
Relativamente à 2ª parte (indemnização) não é este o momento adequado para o reconhecimento de direito à indemnização, o qual só se justificará quando se invoca a causa legítima da inexecução (cfr. artigos 175º e 180º/3 e 4 e 185º, todos do CPAC), o que nos autos não aconteceu.
Se os Exequentes entendem que têm direito a uma indemnização, para além da emissão da respectiva licença, crê-se que, fora do contexto atrás referido, apenas a poderão obter em sede da acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual.
*
Síntese conclusiva:
I – Face ao disposto no artigo 175º do CPAC, existem duas circunstâncias em que o órgão administrativo competente pode deixar de executar uma sentença administrativa:
- Quando haja impossibilidade absoluta e definitiva de execução;
- Quando exista grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão.
II – Quando o órgão administrativo não invoca nenhuma causa para justificar a sua inexecução, limitando-se a informar o Tribunal que está a diligenciar para a respectiva finalidade, não revelando elementos concretos para satisfazer o pedido dos Exequentes, nomeadamente o tempo necessário para esta finalidade, justifica-se fixar um prazo razoável para que o órgão competente pratique o acto administrativo necessário à execução do decidido, visto que os Exequentes estão à espera da licença de obras há mais de oito anos.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os Juízes do TSI acordam em:
1) - Julgar procedente o pedido da execução formulado pelos Exequentes e consequentemente ordenar à Entidade Recorrida para, em 30 dias, fazer com que a Entidade competente emita a respectiva licença de obras em falta.
*
2) - Julgar improcedente o pedido indemnizatório formulado pelos Exequentes.
*
Custas pelos Exequentes que se fixam em 3 Ucs por decaimento parcial dos pedidos.
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Registe e Notifique.
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                  Macau, 04 de Junho de 2020.
                  Fong Man Chong
                  Ho Wai Neng
                  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Joaquim Teixeira de Sousa
1 ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, Coimbra Editora, 2012, p. 219.
2 LUÍZ GONZAGA DAS NEVES SILVA PEREIRA, Do Registo das Acções, Boletim dos Registos e Notariado, n.o 2/1004, Fevereiro de 2004, p. 3 e 4.Tamnbém em www.Irn.mj.pt
3 ARMINDO SARAIVA MATIAS, Registo Predial: Princípios Estruturantes e Efeitos, Estudos em Memória do Professor Dias Marques, Coimbra, Almedina, 2007, p. 36.
4 JOSÉ OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, Coimbra Editora, 2.a edição, 1983, p.162.
5 ANA PEREIRA DE SOUSA, A Natureza Jurídica do Acto de Licenciamento Urbanístico. Contributos para um Estudo da Natureza Jurídica da Licença Urbanística, na obra colectiva «O Urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais», Coordenação de Fernanda Paula Oliveira, Almedina, Coimbra, 2010, p. 400 e 410 e 411.
6 Cfr. Alves Correia, As Grandes Linhas ... , cit. p. 109
7 FERNANDA PAULA OLIVEIRA, As Licenças de Construção e os Direitos de Natureza Privada de Terceiros, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001, p. 1027 a 1029. Omitir-se-ão as notas de rodapé irrelevantes para a questão em apreço.
8 Jacqueline Morand-Deviller, Lotissements. Procédure d'Autorization, in Urbanisme, cit., p. 460.
Em França, no mesmo sentido de uma apreciação meramente formal da legitimidade do requerente da licença de construção, a doutrina refere a teoria do proprietário aparente. Esta teoria tem o sentido de que a Administração deve bastar-se com a aparência da titularidade do direito sem ter de efectuar quaisquer outras diligências no sentido de apurar se o requerente é mesmo, de facto, titular da qualidade que invoca. Se o pedido provém do proprietário basta que ele declare essa qualidade, não sendo necessária a prova do seu título de propriedade.
Aplicando doutrina do "proprietário aparente" considera-se que a licença deve ser atribuída àquele que apresente toda a aparência de proprietário. Cfr. Y. Jegouzo, Permis de Construire. Procédure, Délivrance, in Urbanisme, cit.. p. 607.
9 Robert Savy, ob. cit., p. 536, Y. Jegouzo, afirma que a Administração não pode recusar-se a aceitar um pedido de licenciamento com base na contestação que o direito do requerente sofre de terceiros, nem pode imiscuir-se em litígios privados que opõem o requerente a terceiros que contestam os seus direitos. Apenas o deverá fazer quando a Administração disponha de elementos sérios que colocam em dúvida a qualidade de proprietário do requerente. Cfr. Y. Jegouzo, Permis de Construire. Procédure, Délivrance, in Urbanisme, cit., p. 607.
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2015-992-A-execução-sentença-anulatória