Processo n.º 555/2019
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 11 de Junho de 2020
Assuntos:
- Erro nos pressupostos de facto e inexistência de indícios da prática do crime imputado
SUMÁRIO:
I – Há erro de facto quando o autor do acto ignora os pressupostos de facto realmente existentes ou tem deles uma percepção que não corresponde à realidade.
II – Na sequência da existência de indícios da prática de factos integradores da prática de um crime de burla, imputado ao Recorrente, foi instaurado o respectivo inquérito, circunstâncias factuais que serviram de base à decisão administrativa de interdição de entrada em Macau durante 5 anos, aplicada ao Recorrente (cfr. artigos 11º/1-3) e 12º/2-2) da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto).
III – Feitas as diligências investigatória, o MP veio a arquivar o processo por se concluir pela inexistência de elementos factuais da prática do crime imputado, decisão esta que deve ser respeitada pelas entidades privadas e públicas.
IV – Uma vez que foi alterado o quadro fáctico e a Entidade Recorrida mantinha a sua decisão sancionatória, verifica-se erro nos pressupostos de facto, o que justifica anular a decisão recorrida.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 555/2019
(Autos de recurso contencioso)
Data : 11/Junho/2020
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
Pelo Exmo. Senhor Juiz Relator foi apresentado à discussão e votação o projecto deste processo com o seguinte teor, que não obteve vencimento:
“Processo nº 555/2019
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Senhor Secretário para a Segurança que, em sede de recurso hierárquico necessário, manteve a decisão do Senhor Comandante da PSP que lhe determinou a interdição da entrada na RAEM por cinco anos, concluindo e pedindo:
A. 本司法上訴所針對的被訴行為是保安司司長於2019年3月12日作出第020/SS/2019號批示。
B. 經具體分析被訴行為內容,治安警察局局長指稱司法上訴人實施了詐騙行為,繼而向其採取了禁止入境澳門5年的措施。
C. 然而,司法上訴人僅是基於一時疏忽而將被害人的金錢轉帳予案件另一涉嫌人F所指定的銀行帳戶,其根本沒有與有關涉嫌人士一同侵吞被害人財產之意圖。
D. 司法上訴人並沒有參與行政卷宗內所提及的詐騙行為,亦不具有從被害人取得不正當財產之意圖。
E. 另一方面,被害人亦已向檢察院就上述事件進行澄清,但基於上述案件仍處於司法保密階段,司法上訴人無法取得有關資料以向行政當局呈交。
F. 被訴實體不能得出司法上訴人在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪的行為之結論,故司法上訴人繼續前往澳門並不會對公共安全或公共秩序構成危險,有關事實不符合第6/2004號法律第11條第1款第3項及第12條第2款第2項之事實前提,故被訴行為屬可撤銷。
(二) 被訴行為違反適度原則
G. 根據第6/2004號法律第12條第4款規定,禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例。
H. 禁止入境的決定,一方面是為了保障澳門特別行政區的安全及穩定,另一方面,同時亦令司法上訴人進入澳門特別行政區的自由遭到剝奪。
I. 行政當局在訂定禁止入境的期間上,是享有自由裁量權的,故行政當局應遵守《行政程序法典》第5條第2款所指的適度原則。
J. 被訴行為在訂定司法上訴人禁止進入澳門特別行政區的期限時,並沒有考慮到司法上訴人所作出的詐騙行為已經透過向被害人全數支付所蒙受的損失,而大大地降低了其行為的可譴責性。
K. 因此,被訴行為違反適度原則,可被撤銷。
綜上所述,請求 法官閣下裁定本司法上訴理由成立:
‒ 基於被訴行為存在事實前提錯誤的瑕疵,請求 閣下撤銷被訴行為;或
‒ 基於被訴行為違反適度原則,請求 閣下撤銷被訴行為。
Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Por despacho do Relator a fls.33 dos p. autos, foi indeferido o pedido da produção de prova testemunhal formulado pelo recorrente.
Foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Só o recorrente apresentou as alegações facultativas, reiterando aquele grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos nas conclusões da petição do recurso.
Mediante o requerimento a fls. 40 dos p. autos, o recorrente juntou aos autos cópia do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no inquérito penal de que é um dos arguidos visados.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela procedência do presente recurso essencialmente com fundamento no despacho de arquivamento entretanto proferido.
Dos elementos constantes dos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* O recorrente é cidadão chinês e residente da RPC;
* Em 16AGO2018, encontrava-se na RAEM com a autorização da permanência com validade até 21AGO2018;
* Na sequência da participação feita por um indivíduo alegadamente ofendido de um ilícito penal, pela PJ foram levadas a cabo diligências com vista ao apuramento dos factos e à identificação dos seus agentes;
* No âmbito das diligências realizadas, a PJ apurou e concluiu nos termos seguintes:
於2018年08月16日,A等人以配碼可加大賭本為由,吸引被害人交出港幣700,000.00元現金用作兌換籌碼,而A及同伙將總數港幣1,500,000.00元交予被害人在XXX娛樂場賭博,被害人在賭博中勝出港幣226,000.00元並將款項交予A之同伙兌換現金,但A之同伙在收取籌碼後聯同A將籌碼存入貴賓會戶口後逃去無蹤,事件中被害人損失港幣926,000.00元,經調查後,根據錄影片段及貴賓會的戶口記錄,清楚顯示A與同伙作出上述行為之情況。
* A mesma notícia de crime, deu lugar quer à abertura de um inquérito criminal pelo Ministério Público e o início de um procedimento administrativo no seio da PSP;
* No âmbito do procedimento administrativo, foi determinada a revogação da autorização de permanência ao abrigo do no artº 11º/1), 3 da Lei nº 6/2004;
* E após a audição prévia do ora recorrente, o Senhor Comandante da PSP determinou-lhe a interdição de entrar na RAEM, pelo período de cinco anos, nos termos do disposto nos artºs 11º/1-3) e 12º/2-2) e 4 da Lei nº 6/2004*;
* Inconformado com essa decisão, interpôs dela recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;
* Em sede de recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Segurança, por despacho seu datado de 15NOV2012, negou-lhe provimento e manteve a interdição de entrada nos mesmos termos**;
* Inconformado com esse despacho, o recorrente interpôs o recurso contencioso para o TSI; e
* Na pendência do presente recurso contencioso, foi proferido o despacho de arquivamento no inquérito, em que o ora recorrente foi constituído arguido, conforme se vê no despacho do Ministério Público a fls. 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Tendo em conta a pretensão a que visa com a junção da cópia do despacho de arquivamento do inquérito penal e em face das conclusões na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Do valor do despacho do arquivamento do inquérito penal;
2. Dos erros nos pressupostos de facto; e
3. Da violação do princípio da proporcionalidade.
Então vejamos.
1. Do valor do despacho do arquivamento do inquérito penal
O recorrente juntou, na pendência do presente recurso, o despacho de arquivamento do inquérito de que foi co-arguido e que se reporta aos factos que deram lugar ao procedimento administrativo que culminou com a prática do acto ora recorrido.
O despacho de arquivamento tem o seguinte teor:
歸檔批示
本案所述之事實如獲證實,可構成澳門《刑法典》第199條第1款結合第4款b項所規定的「信任之濫用罪」。
涉嫌人“Bˮ收款的銀行帳戶涉及中國內地銀行,而案件所需的重要資訊須中國內地警方配合提供,惟現時搜集到的資料有限。此外,三名嫌犯在調查期間互相推卸責任,而被害人C及D聲稱嫌犯A及E已返還涉案的款項,彼等相信事件是因三名嫌犯的自身問題而引致的,故二人在收取還款後決定不追究案件的刑事責任。經分析卷宗資料,尤其是三名嫌犯F、E及A的口供,被害人C、D及G的聲明,以及卷宗的書證,同時考慮到至今未能截獲涉嫌人“Bˮ及“Fˮ到案調查,案中事實未能得以查清,因此,未具充份跡象顯示出三名嫌犯曾作出上述行為。目前無其他必要之措施需要採用。
基於此,本院決定根據澳門《刑事訴訟法典》第259條第2款之規定,將本案歸檔。
依法通知(澳門《刑事訴訟法典》第259條第3及4款)。
Com a junção desse documento superveniente, o recorrente pretende reforçar a tese, já defendida na petição de recurso, de que a determinação da interdição de entrada foi alicerçada nos errados pressupostos de facto.
Parece que esta tese é acolhida pelo Ministério Público, pois foi justamente com base no arquivamento do inquérito penal que o Ministério Público opinou, no parecer emitido em sede de vista final, no sentido de procedência do presente recurso.
Então vamos averiguar se, no presente caso em que correram em paralelo o procedimento administrativo e o processo-crime, que tiveram origem na mesma notícia de crime, os efeitos do arquivamento do inquérito penal se podem repercutir naquele procedimento administrativo.
Diz o artº 259º/1 e 2 do CPP que:
1. O Ministério Público procede ao arquivamento do inquérito logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.
2. O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.
3. ……
4. ……
Como se sabe, por força do princípio da acusação, caracterizador do nosso direito processual penal, cabe ao Ministério Público a direcção do inquérito bem como o encerramento deste através do arquivamento ou da dedução da acusação – artºs 246º, 259º e 265º do CPP.
Vistas as coisas sob outro prisma, ao Ministério Público compete as funções de investigar a notícia de crime para decidir se há lugar ao julgamento e em caso afirmativo definir e fixar o objecto do processo que delimita as funções instrutórias e decisórias do Tribunal na subsequente fase de julgamento.
Qualquer que seja o sentido da decisão a tomar no encerramento do inquérito, a decisão do Ministério Público não é mais do que um juízo conclusivo formulado numa fase processual prévia ao julgamento, caracterizada pela exclusão da publicidade e pela não sujeição ao contraditório, sobre a suficiência ou não de indícios de se verificarem factos integráveis de um determinado tipo de crime.
Ao contrário do que sucede com uma sentença condenatória e absolutória, a decisão que o Ministério Público faz no encerramento do inquérito é apenas uma decisão precária, pois passível do controlo judicial por via de instrução, e mesmo não desafiada por sujeito processual interessado através do requerimento da abertura da instrução, não forma caso julgado, formal ou material, nem tem a mesma força probatória que tem uma sentença, em que os factos são fixados, com a rigorosa observância dos princípios da publicidade e da contraditoriedade e o princípio in dubio pro reo.
Dai que, in casu, embora o despacho do arquivamento do inquérito tenha concluído que até ao encerramento do inquérito não tenham sido recolhidos indícios suficientes de se verificar o crime de abuso de confiança, o tal juízo do Ministério Público vertido no seu despacho do arquivamento não se pode impor à Administração e a outras jurisdições como se fosse uma sentença absolutória em que o Tribunal de julgamento comprovou a não verificação do crime ou concluiu pela inocência do arguido.
Assim, se o que pretende o recorrente com a invocação do arquivamento do inquérito é afastar a veracidade dos factos em que se encontra alicerçada a determinação da interdição de entrada, temos de dizer que é demasiado ambicioso.
Para nós a questão que nós encaramos, no caso sub judice, deve ser a de averiguar se tem e em caso afirmativo, qual é a relevância do arquivamento do inquérito penal na sorte do indivíduo visado no âmbito do procedimento administrativo.
Admitindo embora que o juízo conclusivo vertido no arquivamento do inquérito penal poderá ter algum valor adjuvante na apreciação da questão de erro nos pressupostos de facto, suscitada no presente recurso, cremos que, atendendo aos fundamentos do arquivamento, este de per si não é capaz de fazer cessar os fundamentos de facto subjacentes ao juízo conclusivo da Administração, de que ao ora recorrente deve ser imputada a prática dos factos tidos por assentes no procedimento administrativo.
E por isso mesmo, nós não consideramos pertinentes os dois Acórdãos do TSI citados pelo Ministério Público no seu Douto parecer, para sustentar a procedência da tese do erro nos pressupostos de facto defendida pelo recorrente, uma vez que nesses Acórdãos tirados em 12MAIO2016 e 22SET2016, nos proc. nºs 769/2015 e 770/2015, respectivamente, o arquivamento do inquérito penal fundou-se na comprovação de que os dois recorrentes não tiveram intervenção na prática dos factos integráveis do tipo de crime de tráfico de estupefacientes.
No caso sub judice, tendo em conta os fundamentos do arquivamento do inquérito, (quais são a imputação recíproca da responsabilidade entre os arguidos, as dificuldades de realizar mais diligências investigatórias advenientes do desconhecimento do paradeiro de alguns dos agentes dos factos e da necessidade de recurso à cooperação das autoridades fora da RAEM, assim como a entretanto efectuada restituição da quantia ao ofendido) e as actividades instrutórias realizadas no procedimento administrativo que culminou com a determinação da interdição de entrada, não cremos que o juízo conclusivo vertido no despacho do Ministério Público, de per si, tem a virtualidade de invalidar de todo em todo os fundamentos de facto da decisão da interdição de entrada, ora recorrida.
2. Dos erros nos pressupostos de facto
Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.
In casu, o recorrente alegou que, tanto na audição prévia como no recurso hierárquico necessário, já tinha exposto à Administração que não participou nos factos de burla nem tinha qualquer intenção de se apropriar ilegitimamente dos bens do ofendido. Portanto, a Administração não podia concluir pela verificação dos pressupostos de facto, exigidos na previsão das normas dos artºs 11º/1-3) e 12º/2-2) da Lei nº 6/2004, de que depende a emanação da ordem de interdição de entrada na RAEM.
Assim, na óptica do recorrente, ao reputar como verdadeiros os factos susceptíveis de serem integrados naqueles pressupostos de facto e determinar a interdição com base nesses factos não verdadeiros, a Administração errou nos pressupostos de facto.
Não tem razão o recorrente.
Ora, dos autos do procedimento administrativo consta um ofício da Polícia Judiciária dirigido ao Senhor Comandante da PSP, em que foram relatados os seguintes factos ocorridos no casino XXX, tidos por comprovados através do visionamento das imagens gravadas no vídeo:
於2018年08月16日,A等人以配碼可加大賭本為由,吸引被害人交出港幣700,000.00元現金用作兌換籌碼,而A及同伙將總數港幣1,500,000.00元交予被害人在XXX娛樂場賭博,被害人在賭博中勝出港幣226,000.00元並將款項交予A之同伙兌換現金,但A之同伙在收取籌碼後聯同A將籌碼存入貴賓會戶口後逃去無蹤,事件中被害人損失港幣926,000.00元,經調查後,根據錄影片段及貴賓會的戶口記錄,清楚顯示A與同伙作出上述行為之情況。
Ora, como se sabe, na fase de instrução do procedimento administrativo, uma das funções que a Administração desempenha é praticar actos e realizar operações que consistem na valoração de elementos de prova, produzidos ex ofício e/ou a requerimento, adquiridos ex ofício e/ou trazidos pelos interessados, a fim de formar a sua convicção tendente à fixação dos factos relevantes para a decisão a produzir – cf. artºs 85º e 86º do CPA.
Assim, à semelhança do que sucede nos processos judiciais, cabe à Administração tanto a função probatória que consiste na recolha de factos e da respectiva prova como a função de decidir de facto.
E antes de produzir a sua decisão final do procedimento com base na matéria de facto tida por assente, há que assegurar ao interessado visado a oportunidade de se pronunciar sobre os aspectos relevantes para a decisão final, nas matérias de facto e de direito e de, querendo, requerer a realização de diligências probatórias complementares com vista a abalar a convicção formada pela Administração e questionar a matéria tida por assente por ela – cf. artºs 93º e s.s. do CPA.
In casu, apoiando-se nos factos recolhidos pelo pessoal da PJ a Administração deu como assente a matéria de facto necessária à emanação da ordem de interdição de entrada e procedeu à audição do ora recorrente quanto à factualidade tida por assente e ao eventual sentido e conteúdo da decisão a produzir.
Tal como bem observou o Ilustre Magistrado do Ministério Público no parecer emitido em sede de vista acerca do pedido de produção testemunhal, o ora recorrente teve toda a oportunidade de requerer a produção de prova testemunhal e não fez, quer no procedimento de 1º grau quer no de 2º grau.
E, conforme se vê nos autos de procedimento administrativo, o ora recorrente limitou-se a insistir na versão de factos por ele alegados, não tendo encetado quaisquer tentativas probatórias com vista a abalar a matéria de facto tida por assente pela Administração.
Já aqui em sede de recurso contencioso de anulação, para além da simples insistência na versão dos factos já defendida mas não acolhida no procedimento administrativo, nada mais foi dito pelo recorrente para nos tentar convencer de que não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração os factos em que se baseou a ordem de interdição da entrada.
Pelo que inexiste erro de facto e improcede o recurso nesta parte.
2. Da violação do princípio da proporcionalidade
Final e subsidiariamente, o recorrente vem questionar a dosimetria temporal da medida de interdição de entrada.
Para ele, a fixação em cinco anos da duração da ordem de interdição de entrada é desproporcional à gravidade, ao grau de perigosidade e à censurabilidade dos factos determinantes da interdição, em face do disposto no artº 12º/4 da Lei nº 6/2004 e do princípio da proporcionalidade consagrado no artº 5º/2 do CPA.
Ao exigir para a interdição de entrada a constituição do perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM, na redacção do artº 11º/1-3) da Lei nº 6/2004, o legislador está a empregar um chamado conceito indeterminado.
Com efeito, a aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM depende da verificação da situação que preenche este conceito indeterminado, o que não representa o exercício de poderes discricionários – nesse sentido, cf. Acórdão do TSI, de 26MAR2020, no proc. nº 162/2019.
Se à Administração não é conferida qualquer liberdade de escolher de entre várias soluções legalmente admissíveis, mas sim a ela a lei fixar um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento, para emanar a ordem de interdição de entrada a um indivíduo não residente, já lhe é reconhecida a certa discricionariedade na fixação do seu quantum, ou seja, da duração de tempo em que vigora a interdição.
Tradicionalmente falando, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.
In casu, tendo em conta a perigosidade, demonstrada pelos factos imputados ao recorrente, para a segurança e a ordem públicas da RAEM que a medida de interdição de entrada visa alcançar, a fixação em cinco anos do período de interdição não se mostra exagerada, muito menos inaceitável e intolerável, pois os interesses públicos que a Administração pretende tutelar estão em manifesta superioridade em relação aos interesses de entrar livremente na RAEM, ora reclamados pelo recorrente.
Não há violação do princípio da proporcionalidade.
Resumindo e concluindo:
1. Qualquer que seja o sentido da decisão a tomar no encerramento do inquérito penal, a decisão do Ministério Público não é mais do que um juízo conclusivo formulado numa fase processual, prévia ao julgamento, caracterizada pela exclusão da publicidade e não sujeita ao contraditório, sobre a suficiência ou não de indícios de se verificarem factos integráveis de um determinado tipo de crime.
2. Ao contrário do que sucede com uma sentença condenatória e absolutória, a decisão que o Ministério Público faz no encerramento do inquérito é apenas uma decisão precária, pois passível do controlo judicial por via de instrução, e mesmo não desafiada por sujeito processual interessado através do requerimento da abertura da instrução, não forma caso julgado, formal ou material, nem tem a mesma força probatória que tem uma sentença, em que os factos são fixados, com a rigorosa observância dos princípios da publicidade e da contraditoriedade e o princípio in dubio pro reo.
3. Admitindo embora que o juízo conclusivo vertido no arquivamento do inquérito penal poderá ter algum valor adjuvante na apreciação da questão de erro nos pressupostos de facto, só se pode analisar caso a caso se o arquivamento do inquérito penal tem a virtualidade de invalidar, de per si, os fundamentos de facto para a prática de um acto administrativo.
4. Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.
5. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 04JUN2020.”
Nestes termos, passou o juiz (primeiro-adjunto) a relatar o presente processo nos termos do disposto no artigo 19º/1 do Regulamento Interno de funcionamento do TSI.
*
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 12/03/2019, dela veio, em 23/05/2019 interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 5, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. 本司法上訴所針對的被訴行為是保安司司長於2019年3月12日作出第020/SS/2019號批示。
B. 經具體分析被訴行為內容,治安警察局局長指稱司法上訴人實施了詐騙行為,繼而向其採取了禁止入境澳門5年的措施。
C. 然而,司法上訴人僅是基於一時疏忽而將被害人的金錢轉帳予案件另一涉嫌人F所指定的銀行帳戶,其根本沒有與有關涉嫌人士一同侵吞被害人財產之意圖。
D. 司法上訴人並沒有參與行政卷宗內所提及的詐騙行為,亦不具有從被害人取得不正當財產之意圖。
E. 另一方面,被害人亦已向檢察院就上述事件進行澄清,但基於上述案件仍處於司法保密階段,司法上訴人無法取得有關資料以向行政當局呈交。
F. 被訴實體不能得出司法上訴人在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪的行為之結論,故司法上訴人繼續前往澳門並不會對公共安全或公共秩序構成危險,有關事實不符合第6/2004號法律第11條第1款第3項及第12條第2款第2項之事實前提,故被訴行為屬可撤銷。
(二) 被訴行為違反適度原則
G. 根據第6/2004號法律第12條第4款規定,禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例。
H. 禁止入境的決定,一方面是為了保障澳門特別行政區的安全及穩定,另一方面,同時亦令司法上訴人進入澳門特別行政區的自由遭到剝奪。
I. 行政當局在訂定禁止入境的期間上,是享有自由裁量權的,故行政當局應遵守《行政程序法典》第5條第2款所指的適度原則。
J. 被訴行為在訂定司法上訴人禁止進入澳門特別行政區的期限時,並沒有考慮到司法上訴人所作出的詐騙行為已經透過向被害人全數支付所蒙受的損失,而大大地降低了其行為的可譴責性。
K. 因此,被訴行為違反適度原則,可被撤銷。
* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 22 a 27, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. o acto recorrido, ao contrário do que alega o Recorrente, não padece de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou, sequer, de direito.
II. Os fundamentos de facto reportam-se à conduta do Recorrente tal como resulta provada dos documentos constantes do Processo Instrutor.
III. Por outro lado, não tem fundamento válido a alegação de desproporcionalidade, uma vez que a base legal invocada no acto recorrido justifica plenamente a medida aplicada.
IV. O Tribunal de Última Instância tem reafirmado que “a intervenção dos tribunais na anulação de actos exercidos no exercício de poderes discricionários, com fundamento em violação de princípios como da proporcionalidade ou da justiça, só deve ter lugar naqueles casos flagrantes, evidentes, de violações intoleráveis destes princípios", tendo-o feito, aliás, no julgamento de processo em que se apreciou situação essencialmente semelhante (processo de Recurso Jurisdicional n.º 46/2018).
VI. Deste modo, o acto administrativo recorrido não padece de qualquer ilegalidade.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 46):
在起訴狀中,司法上訴人請求撤銷被上訴批示,為此提出兩個瑕疵:其一是被訴實體不能得出司法上訴人在澳門特別行政區實施犯罪或預備實施犯罪的行為之結論,故司法上訴人繼續前往澳門並不會對公共安全或公共秩序構成危險,有關事實不符合第6/2004號法律第11條第1款第3項及第12條第2款第2項之事實前提;其二是違反《行政程序法典》第5條第2款規定之適度原則。
*
卷宗及行政卷宗內資料表明,被上訴批示之內容是對司法上訴人科處5年內禁止入境之措施,其依據是:鑑於利害關係人作出上述的行為,除有可能負上刑事責任外,亦表明其對公共安全及公共秩序構成危險。為了維護本地區的公共利益以及履行治安警察局的特定職責,根據第6/2004號法律第11條第1款3項及第12條第2款第2項、第4款之規定,著令禁止他在5年內(由2018年08月21日起計)進入澳門特別行政區。
本案待決期間,司法上訴人提交了檢察院的歸檔批示(卷宗第42頁),歸檔之理由在於未具有充分跡象。根據法律體系一致性原則(princípio da unidade do ordenamento jurídico),第6/2004號法律第11條及第12條的解釋與適用,不應抵觸《刑事訴訟法典》第259條第2款之規定。
鑑於此,並且依循中級法院在第769/2015號和第770/2015號程序中確立之精闢司法見解,我們認為被上訴批示存在事實前提錯誤。
***
綜上所述,建議司法上訴理由成立。
* * *
Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1) - O recorrente é cidadão chinês e residente da RPC;
2) - Em 16AGO2018, encontrava-se na RAEM com a autorização da permanência com validade até 21AGO2018;
3) - Na sequência da participação feita por um indivíduo alegadamente ofendido de um ilícito penal, pela PJ foram levadas a cabo diligências com vista ao apuramento dos factos e à identificação dos seus agentes;
4) - No âmbito das diligências realizadas, a PJ apurou e concluiu nos termos seguintes:
於2018年08月16日,A等人以配碼可加大賭本為由,吸引被害人交出港幣700,000.00元現金用作兌換籌碼,而A及同伙將總數港幣1,500,000.00元交予被害人在XXX娛樂場賭博,被害人在賭博中勝出港幣226,000.00元並將款項交予A之同伙兌換現金,但A之同伙在收取籌碼後聯同A將籌碼存入貴賓會戶口後逃去無蹤,事件中被害人損失港幣926,000.00元,經調查後,根據錄影片段及貴賓會的戶口記錄,清楚顯示A與同伙作出上述行為之情況。
5) - A mesma notícia de crime, deu lugar quer à abertura de um inquérito criminal pelo Ministério Público e o início de um procedimento administrativo no seio da PSP;
6) - No âmbito do procedimento administrativo, foi determinada a revogação da autorização de permanência ao abrigo do no artº 11º/1), 3 da Lei nº 6/2004;
7) - Após a audição prévia do ora recorrente, o Senhor Comandante da PSP determinou-lhe a interdição de entrar na RAEM, pelo período de cinco anos, nos termos do disposto nos artºs 11º/1-3) e 12º/2-2) e 4 da Lei nº 6/2004;
8) - Inconformado com essa decisão, interpôs dela recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para a Segurança;
9) - Em sede de recurso hierárquico, o Senhor Secretário para a Segurança, por despacho seu datado de 15NOV2012, negou-lhe provimento e manteve a interdição de entrada nos mesmos termos;
10) – Foi proferido o seguinte despacho pela Entidade Recorrida:
DESPACHO N.º 020/SS/2019
Recurso hierárquico - Medida de interdição de entrada.
Recorrente: A, titular do passaporte n.º XXXXXX.
Processo n.º 8971/2018
O presente recurso hierárquico, apresentado por A, titular do passaporte n.º XXXXXX, impugna o acto administrativo praticado pelo Comandante do CPSP em 17.12.2018, no processo supra indicado, a f1s. 24, que se funda no parecer constante da informação n.º 599/2018-Pº.229.04, de 30.11.2018, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido por via de remissão para o processo, despacho esse que lhe aplica uma medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 (cinco) anos.
O identificado despacho do Comandante do CPSP considera necessário aplicar a referida medida de interdição de entrada ao recorrente, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), e 12º, n.º 2, alínea 2), e n.º 4), da Lei n.º 6/2004, em face dos fortes indícios que demonstram a participação do mesmo em crime de burla, p. e p. no artigo 211.º do Código Penal (factos constantes da informação da Polícia Judiciária a fls. 7 do processo), posição reforçada no seu parecer de 07.03.2019, concluindo que face à perigosidade para a segurança e ordem públicas que a presença do recorrente na RAEM poderia significar não existe inadequação ou desproporcionalidade da medida, propondo a improcedência do recurso.
Pelo que,
Afigura-se que o acto recorrido, praticado pelo Comandante do CPSP em 17.12.2018, no processo n.º 8971/2018, está devidamente fundamentado, inexistindo qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, razão pela qual decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso hierárquico.
11) – Em 20/11/2019 o inquérito foi arquivado nos termos constantes do seguinte despacho do magistrado do MP titular do respectivo processo:
歸檔批示
本案所述之事實如獲證實,可構成澳門《刑法典》第199條第1款結合第4款b項所規定的「信任之濫用罪」。
涉嫌人“Bˮ收款的銀行帳戶涉及中國內地銀行,而案件所需的重要資訊須中國內地警方配合提供,惟現時搜集到的資料有限。此外,三名嫌犯在調查期間互相推卸責任,而被害人C及D聲稱嫌犯A及E已返還涉案的款項,彼等相信事件是因三名嫌犯的自身問題而引致的,故二人在收取還款後決定不追究案件的刑事責任。經分析卷宗資料,尤其是三名嫌犯F、E及A的口供,被害人C、D及G的聲明,以及卷宗的書證,同時考慮到至今未能截獲涉嫌人“Bˮ及“Fˮ到案調查,案中事實未能得以查清,因此,未具充份跡象顯示出三名嫌犯曾作出上述行為。目前無其他必要之措施需要採用。
基於此,本院決定根據澳門《刑事訴訟法典》第259條第2款之規定,將本案歸檔。
依法通知(澳門《刑事訴訟法典》第259條第3及4款)。
* * *
IV – FUNDAMENTOS
Neste recurso o Recorrente imputa à decisão recorrida os seguintes vícios:
1) - Erro nos pressupostos de facto;
2) -Violação do princípio da proporcionalidade.
Inicialmente o Recorrente foi indiciado da prática de crime de burla, o que levou a autoridade policial competente a instaurar um inquérito e proceder às averiguações (fls. 7 do PA).
Durante essa fase de investigação, o Recorrente chegou a explicar a razão porque ele entregou as fichas a um “parceiro” seu para este ir depositar numa conta da sala de casino no valor total de HK$926,000.00 (que incluia uma verba de HK$226,000.00 que o denunciante (do crime) ganhou no jogo, depois esse parceiro seu desapareceu, o que causou prejuízo ao denunciante, o Recorrente fê-lo porque desconhecia que essa soma da quantia englobava uma parte da quantia que o denunciante tinha ganhado no jogo. Mas depois ele chegou a devolver tal quantia ao denunciante conforme o que foi alegado na sua defesa na fase de audiência administrativa.
Só que tal explicação não foi aceite pela PSP, o que levou o Senhor Comandante da PSP a aplicar ao Recorrente a medida da interdição de entrar em Macau durante 5 anos.
Relativamente aos factos imputados ao Recorrente, depois de feitas as diligências investigatórias, o Magistrado do MP titular do inquérito veio a proferir o seguinte despacho:
歸檔批示
本案所述之事實如獲證實,可構成澳門《刑法典》第199條第1款結合第4款b項所規定的「信任之濫用罪」。
涉嫌人“Bˮ收款的銀行帳戶涉及中國內地銀行,而案件所需的重要資訊須中國內地警方配合提供,惟現時搜集到的資料有限。此外,三名嫌犯在調查期間互相推卸責任,而被害人C及D聲稱嫌犯A及E已返還涉案的款項,彼等相信事件是因三名嫌犯的自身問題而引致的,故二人在收取還款後決定不追究案件的刑事責任。經分析卷宗資料,尤其是三名嫌犯F、E及A的口供,被害人C、D及G的聲明,以及卷宗的書證,同時考慮到至今未能截獲涉嫌人“Bˮ及“Fˮ到案調查,案中事實未能得以查清,因此,未具充份跡象顯示出三名嫌犯曾作出上述行為。目前無其他必要之措施需要採用。
基於此,本院決定根據澳門《刑事訴訟法典》第259條第2款之規定,將本案歸檔。
依法通知(澳門《刑事訴訟法典》第259條第3及4款)。
É de verificar que o arquivamento se deveu à falta de indícios da prática dos factos integradores do crime de burla, ou seja, foram afastados completamente os indícios da prática do crime em causa, factualidade esta que serviu da base à aplicação da medida da interdição de entrada em Macau. Melhor dito, caindo os pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida da interdição, esta deixa de ter suporte material e conduz à sua ilegalidade da existência, o que gera o vício do erro nos pressuposto da decisão ora posta em crise (vidé o acórdão do TSI, Proc. nº 863/2017, de 04/10/2018).
Situação diferente será a em que o arquivamento do inquérito foi feito por outras causas, por exemplo: prescrição do procedimento.
Compreende-se que assim seja, pois, há diferença significativa entre a situação da existência de fortes indícios da prática de determinada infracção penal e a da condenação, senão cairíamos numa situação de que, uma vez alguém estava indiciado de cometimento de certa infracção penal, passa a estar permanentemente indiciado, ainda que o órgão competente judicial decidiu que inexistem elementos indiciários da prática do ilícito penal. No caso, foi o MP que emitiu tal juízo valorativo, que deve ser respeitado por órgãos administrativos. A decisão administrativa deve ser tomada com base nas circunstâncias concretamente apuradas no momento da decisão.
No caso em apreciação, o Digno. Magistrado do MP emitiu o seguinte douto parecer:
“(…) 卷宗及行政卷宗內資料表明,被上訴批示之內容是對司法上訴人科處5年內禁止入境之措施,其依據是:鑑於利害關係人作出上述的行為,除有可能負上刑事責任外,亦表明其對公共安全及公共秩序構成危險。為了維護本地區的公共利益以及履行治安警察局的特定職責,根據第6/2004號法律第11條第1款3項及第12條第2款第2項、第4款之規定,著令禁止他在5年內(由2018年08月21日起計)進入澳門特別行政區。
本案待決期間,司法上訴人提交了檢察院的歸檔批示(卷宗第42頁),歸檔之理由在於未具有充分跡象。根據法律體系一致性原則(princípio da unidade do ordenamento jurídico),第6/2004號法律第11條及第12條的解釋與適用,不應抵觸《刑事訴訟法典》第259條第2款之規定。
鑑於此,並且依循中級法院在第769/2015號和第770/2015號程序中確立之精闢司法見解,我們認為被上訴批示存在事實前提錯誤。”
Subscrevemos este ponto de vista, por ser mais coerente e sensato.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso e anular a decisão ora posta em crise por vício de erro nos pressupostos de facto.
Com esta conclusão, fica prejudicado o conhecimento de demais vício invocado pelo Recorrente.
*
Síntese conclusiva:
I – Há erro de facto quando o autor do acto ignora os pressupostos de facto realmente existentes ou tem deles uma percepção que não corresponde à realidade.
II – Na sequência da existência de indícios da prática de factos integradores da prática de um crime de burla, imputado ao Recorrente, foi instaurado o respectivo inquérito, circunstâncias factuais que serviram de base à decisão administrativa de interdição de entrada em Macau durante 5 anos, aplicada ao Recorrente (cfr. artigos 11º/1-3) e 12º/2-2) da Lei nº 6/2004, de 2 de Agosto).
III – Feitas as diligências investigatória, o MP veio a arquivar o processo por se concluir pela inexistência de elementos factuais da prática do crime imputado, decisão esta que deve ser respeitada pelas entidades privadas e públicas.
IV – Uma vez que foi alterado o quadro fáctico e a Entidade Recorrida mantinha a sua decisão sancionatória, verifica-se erro nos pressupostos de facto, o que justifica anular a decisão recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida.
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Sem custas.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 11 de Junho de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Lai Kin Hong
(Vencido nos exactos termos do projecto do Acórdão por mim submetido à apreciação em conferência pelo Colectivo, cujo teor ora se encontra integralmente transcrito no texto do Acórdão antecedente.)
Mai Man Ieng
*批示
由:禁止進入澳門特別行政區的措施
按司法警察局的調查結果顯示,利害關係人A(男性,出生日期:1980年02月05日,持有中國護照編號:XXXXXX)曾在澳門作出以下行為,具體如下:
A作出詐騙的行為,於2018年08月16日,A等人以配碼可加大賭本為由,吸引被害人交出港幣700,000.00元現金用作兌換籌碼,而A及同伙將總數港幣1,500,000.00元交予被害人在XXX娛樂場賭博,被害人在賭博中勝出港幣226,000.00元並將款項交予A之同伙兌換現金,但A之同伙在收取籌碼後聯同A將籌碼存入貴賓會戶口後逃去無蹤,事件中被害人損失港幣926,000.00元,經調查後,根據錄影片段及貴賓會的戶口記錄,清楚顯示A與同伙作出上述行為之情況。
鑑於利害關係人作出上述的行為,除有可能負上刑事責任以外,亦表明其對公共安全及公共秩序構成危險。為了維護本地區的公共利益以及履行治安警察局的特定職責,本人行使保安司司長轉授予的權限,根據第6/2004號法律第11條第l款3項及第12條第2款第2項、第4款之規定,著令禁止上述人士在5年內(由2018年08月21日起計)進入澳門特別行政區。
就本決定可向保安司司長提出必要訴願。並通知利害關係人倘不遵從現時實施的措施,則屬觸犯第6/2004號法律第21條之規定及會受到徒刑處罰。
2018年12月17日於治安警察局。
澳門治安警察局局長
** DESPACHO N.º 020/SS/2019
Recurso hierárquico - Medida de interdição de entrada.
Recorrente: A, titular do passaporte n.º XXXXXX.
Processo n.º 8971/2018
O presente recurso hierárquico, apresentado por A, titular do passaporte n.º XXXXXX, impugna o acto administrativo praticado pelo Comandante do CPSP em 17.12.2018, no processo supra indicado, a f1s. 24, que se funda no parecer constante da informação n.º 599/2018-Pº.229.04, de 30.11.2018, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido por via de remissão para o processo, despacho esse que lhe aplica uma medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de 5 (cinco) anos.
O identificado despacho do Comandante do CPSP considera necessário aplicar a referida medida de interdição de entrada ao recorrente, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), e 12º, n.º 2, alínea 2), e n.º 4), da Lei n.º 6/2004, em face dos fortes indícios que demonstram a participação do mesmo em crime de burla, p. e p. no artigo 211.º do Código Penal (factos constantes da informação da Polícia Judiciária a fls. 7 do processo), posição reforçada no seu parecer de 07.03.2019, concluindo que face à perigosidade para a segurança e ordem públicas que a presença do recorrente na RAEM poderia significar não existe inadequação ou desproporcionalidade da medida, propondo a improcedência do recurso.
Pelo que,
Afigura-se que o acto recorrido, praticado pelo Comandante do CPSP em 17.12.2018, no processo n.º 8971/2018, está devidamente fundamentado, inexistindo qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, razão pela qual decido confirmá-lo, negando provimento ao presente recurso hierárquico.
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2019-555-interdição-falta-provas-crime 23