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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 28/05/2020 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------

Processo n.º 436/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 80 a 82 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR3-20-0002-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.o 164.o-A do Código Penal (CP), na pena de dois meses de prisão, suspensa na execução por um ano.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na sua motivação de fls. 86 a 89 dos presentes autos correspondentes, que as provas dos autos não permitiam fazer provar os factos de importunação contra a ofendida descritos na acusação pública, sendo certo que ele tinha agido, na altura da ocorrência do caso, em estado de anomalia psíquica por embriaguez, pelo que deveria ele passar a ser absolvido do crime em causa, quer por verificação do vício de erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, quer por força da norma do art.o 19.o, n.o 1, do CP.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 91 a 92v dos autos, no sentido de não provimento do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 102 a 103, opinando também pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir sumariamente do recurso, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 80 a 82, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui inteiramente reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da análise da motivação do arguido recorrente, sabe-se que ele anda a fazer sindicar da livre convicção do Tribunal sentenciador sobre os factos constitutivos do objecto probando da causa penal em questão, imputando à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão condenatória penal recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
Aliás, esse Tribunal já expôs as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos probandos respeitantes ao crime de importunação sexual por que condenou o arguido (cfr. o teor da fundamentação probatória tecida nas últimas três linhas da página 2 do texto do aresto impugnado e na primeira linha da página seguinte do mesmo texto, a fls. 80v a 81 dos autos).
Como esse resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede obviamente a pretensão absolutória penal do recorrente, ao qual não se pode aplicar a norma do n.o 1 do art.o 19.o do CP, por inverificação, em face da matéria de facto já dada por provada em primeira instância, de pressuposto fáctico para a aplicação desta norma.
É mesmo de rejeitar o recurso, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Após o trânsito em julgado, comunique a presente decisão à ofendida.
Macau, 28 de Maio de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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