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Processo nº 1213/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 11 de Junho de 2020

ASSUNTO:
- Legitimidade passiva dos titulares de órgãos e agentes da Administração em acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual;
- Legitimidade activa quanto a danos patrimoniais;
- Legitimidade activa quanto a danos morais indirectos de terceiros.

SUMÁRIO:
- Em acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual contra a Administração pela actuação dos titulares dos órgãos ou agentes, estes apenas têm legitimidade passiva quando invocado que actuaram com dolo;
- De acordo com o nº 2 do artº 488º do C.Civ. em caso de lesão corporal aquele que tiver socorrido ou prestado assistência à vítima tem legitimidade para reclamar a indemnização pelos danos patrimoniais em que haja incorrido;
- Fora dos casos previstos no nº 2 do artº 489º do C.Civ. a lei não permite o ressarcimento dos danos morais indirectos provocados a terceiros.

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Rui Pereira Ribeiro















Processo nº 1213/2019
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 11 de Junho de 2020
Recorrente: A
Recorrido: B e Serviços de Saúde da RAEM
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
  I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, contra,
  B, e
  Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau, ambos com os demais sinais dos autos,
  com os fundamentos e pedidos que constam de fls. 2 a 22.
  Foi proferido despacho saneador, sendo a 1ª Ré absolvida da instância por se entender ser parte ilegítima, vindo a julgar-se a acção improcedente quanto ao 2º Réu Serviços de saúde da RAEM.
  Não se conformando com a decisão proferida veio a Autora recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões e pedido:
  “Da falta de legitimidade passiva da 1ª ré B
  I. Os Exmo. Juízes do Tribunal Administrativo analisam e decidem na fls. 3 do acórdão que: “(…) Nesta conformidade, julga-se procedente a excepção, e decide-se absolver a 1ª ré B da instância. (…)”
  II. A recorrente não se conforma com a decisão referida.
  III. É aplicável ao processo os artº 2º, 3º e 5º do Decreto-Lei nº 28/91/M de 22 de Abril.
  IV. A recorrente concorda nomeadamente com a análise do TSI no acórdão nº 778/2011: “Esta doutrina afigura-se-nos ser válida na RAEM à luz dos diplomas e normas aqui vigentes. Desde logo não temos uma norma na Lei Básica como as acima apontadas o que facilita o entendimento e a interpretação do regime não estar sujeita a tal condicionamento. Depois, analisando o regime do DL nº 28/91/M, do artigo 2º e artigo 5º decorre um regime que não se afasta do estabelecido no referido Decreto-lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967. Assim, no artigo 2º estabelece-se que a Administração responde pelos actos ilícitos culposos dos titulares dos órgãos e seus agentes no exercício das funções e no artigo 5º estabelece-se o direito de regresso contra os titulares dos órgãos e agentes nos caos de dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo. Donde resulta uma diferença de regime entre as situações de mera culpa ou negligência leve e a culpa grave. Na primeira situação só a Administração se configura como responsável e como tal só ela deverá ser demandada. Já não assim nos casos de culpa grave. (…)
  V. Na petição inicial, a recorrente aponta expressamente que a 1ª ré B era a médica da filha C, não cumpriu devidamente o dever de prudência dos médicos quando tratava e receitava medicamentos ao recém-nascido. Se a 1º ré B cumprisse o dever de prudência no tratamento, a filha da recorrente C não iria sofrer as misérias descritas na petição inicial, nem as lesões grandes e os respectivos danos. (vide os artº 65º, 66º, 75º, 86º e 87º, etc.)
  VI. A recorrente imputa à 1ª ré B uma violação de regras fundamentais para actividades médicas profissionais, essa violação já excede o grau de uma falta de diligência normal, raia já um especial e censurável descuido (vide o acórdão n.º 778/2011 do TSI), constitui uma culpa grave.
  VII. Pelo exposto, salvo o devido respeito, nos termos do artº 58º do Código de Processo Civil, a 1ª ré B tem a legitimidade passiva, deve-se julgar improcedente a excepção da falta da legitimidade passiva e revogar/anular a decisão dos Juízes do Tribunal Administrativo nesta parte, e por conseguinte, reenviar o processo ao Tribunal Administrativo para proceder aos ulteriores procedimentos e trâmites.
  Da indemnização do dano patrimonial
  VIII. Os Exmo. Juízes do Tribunal Administrativo analisam e decidem nas fls. 4 e 5 do acórdão que: “(…) Nesta conformidade, deve ser negada à autora a titularidade da indemnização pelos referidos danos patrimoniais. (…)”
  IX. A recorrente não se conforma com a decisão referida.
  X. Nos termos do artº 558º do Código Civil, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
  XI. Para recuperar os danos da filha, causados pelo referido acidente médico, de 19 de Janeiro a 27 de Outubro de 2016, a recorrente gastou a despesa de tratamento, a despesa de transporte (a recorrente, o seu cônjuge e a filha C foram ao médico a Hong Kong, às vezes ninguém podia tomar cuidado das outras 2 filhas da autora em Macau, tinha de também levá-las a Hong Kong; uns recibos de bilhete de navio perderam-se, portanto, não os pode oferecer), e a despesa necessária de alimentação e alojamento em Hong Kong, no valor total de MOP7.938,00 e HKD10.020,00, ou seja, no valor total de MOP17.958,00) (vide o artº 93º da petição inicial).
  XII. De facto, o pagamento das despesas referidas para a filha resulta evidentemente em dano da recorrente, portanto, a recorrente deve receber legalmente a indemnização do dano patrimonial peticionada na petição inicial.
  XIII. Pelo exposto, salvo o devido respeito, nos termos do artº 558º do Código Civil, a recorrente tem direito à indemnização do dano patrimonial peticionada na petição inicial, pede-se que seja revogada/anulada a decisão dos Juízes do Tribunal Administrativo nesta parte, e por conseguinte, reenviado o processo ao Tribunal Administrativo para proceder aos ulteriores procedimentos e trâmites.
  Da indemnização do dano não patrimonial
  XIV. Os Exmo. Juízes do Tribunal Administrativo analisam e decidem na fls. 6 do acórdão que: “(…) Assim sendo, não nos resta dúvida que não deva ser reconhecido à autora o direito à indemnização pelos danos alegados, e por consequência, impõe-se a absolvição do 2º réu de todos os pedidos. (…)”
  XV. A recorrente não se conforma com a decisão referida.
  XVI. Segundo o referido teor transcrito, o Tribunal Administrativo toma como referência o pro. Nº 111/2014 do TUI e rejeita todos os pedidos da recorrente nos termos do artº 489º nº 1 e 2 do Código Civil.
  XVII. De facto, no referido proc. nº 111/2014, o TUI também aponta que o TSI de Macau e o estudioso conhecido de Portugal ABRANTES GERALDES adoptam posições diferentes, pugna a aplicação do artº 489º nº 1 do Código Civil (artº 496º nº 1 do Código Civil de Portugal) (mas não do nº 2 deste artigo).
  XVIII. O entendimento do TUI no proc. nº 111/2014 não é a jurisprudência uniformizada de Macau.
  XIX. Como disse na petição inicial, a recorrente ama muito a filha, vendo as dores sofridas pela filha, a recorrente sentia-se triste e desejava que pudesse sofrer os tormentos em substituição da filha.
  XX. Por causa do acidente médico, a recorrente estava sempre preocupada com o assunto da filha e tinha de correr para muitos locais para tratar, a vida alegre da recorrente tornou-se dolorosa, a família da recorrente mudou muito, originando influências negativas graves para a vida, a emoção e a mentalidade da recorrente.
  XXI. Se a 1º ré B cumprisse o dever de prudência, a recorrente não precisaria de sofrer as dores referidas, existe assim o nexo de causalidade.
  XXII. Segundo os factos descritos na petição inicial, a recorrente endente que deve ser reconhecido que os seus direitos foram prejudicados e devem ser protegidos pelo artº 489º nº 1 do Código Civil.
  XXIII. Pelo exposto, salvo o devido respeito, a recorrente entende que, a decisão dos Exmo. Juízes do Tribunal Administrativo padece do vício de erro na aplicação da lei, uma vez que, de acordo com os factos referidos, deve ser aplicado o artº 489º nº 1 do Código Civil (mas não o nº 2 deste artigo).
  XXIV. Salvo o devido respeito, a recorrente entende que deve ser revogada/anulada a decisão dos Juízes do Tribunal Administrativo nesta parte, e por conseguinte, reenviado o processo ao Tribunal Administrativo para proceder aos ulteriores procedimentos e trâmites.
  Pelo exposto, pede-se que seja julgado procedente o recurso, ordenado revogar e/ou anular as decisões constantes dos artº 2º, 12º e 20º/I, VIII e XIV da conclusão da presente articulação, e reenviado o processo ao Tribunal Administrativo para proceder aos ulteriores procedimentos e trâmites.”.
  Contra-alegando veio a 1ª Ré apresentar as seguintes conclusões:
  “I. Veio a Autora e ora Recorrente apresentar recurso contra a decisão constante do despacho saneador-sentença que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Ré e ora 1ª Recorrida, e, consequentemente, a absolveu da instância;
  II. Julga-se que a Recorrente não tem legitimidade, ou se assim se entender, interesse processual em recorrer dessa específica decisão já que a mesma em nada lhe afecta;
  III. Com efeito, decorre do Decreto-lei 28/91/M que pelos prejuízos resultantes de actos ilícitos culposos praticados pelos titulares dos órgãos ou agentes da Administração no desempenho das suas funções e por causa destas, será a Administração sempre responsável;
  IV. Apenas quando, na prática dos actos ilícitos geradores de responsabilidade civil da Administração, os titulares dos seus órgãos ou agentes tenham excedido os limites das suas funções, ou actuado com dolo, serão eles também responsáveis pelos prejuízos causados a terceiros;
  V. Resulta desse regime substantivo que, nas acções tendentes a efectivar a responsabilidade civil da Administração, apenas esta deverá ser demandada e terá legitimidade passiva, salvo quando se entenda que em causa estão actos praticados dolosamente pelos titulares dos órgãos da Administração ou seus agentes ou em que estes tenham excedido os limites das suas funções, caso em que os autores de tais actos poderão ser também demandados e terão legitimidade passiva;
  VI. Como também parece ser óbvio, respondendo sempre a Administração perante o lesado pelos actos praticados pelos titulares dos seus órgãos ou agentes, nas acções em que apenas está em causa a responsabilidade civil, só ela tem um verdadeiro interesse processual em demandar ou fazer prosseguir a acção contra o titular do órgão ou agente, autor do acto danoso, de modo a poder assegurar o seu direito de regresso contra o mesmo;
  VII. Na verdade, o exercício do direito de regresso contra o autor do acto não tem nenhum interesse para o lesado, pois o exercício ou não desse direito não lhe respeita, nem lhe compete, mas compete e respeita apenas à Administração;
  VIII. Assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, crê-se que o lesado nunca é prejudicado por uma decisão que considera o titular do órgão ou agente da Administração, autor do acto lesivo, como parte ilegítima ou o absolva do pedido, já que tal decisão em nada contende ou afecta o seu direito a ser ressarcido por todos os danos que o acto lesivo lhe causou. E, não sendo afectado em nada por tal decisão, crê-se também que não tem legitimidade ou interesse em recorrer da mesma;
  IX. Como defende a doutrina, a parte vencida a que se refere o artigo 151º, nº1, do CPAC, assim como artigo 585º do CPC, é a parte objectivamente afectada pela decisão, é a parte que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses;
  X. Na jurisprudência de Macau, têm sido várias as decisões sobre a legitimidade para recorrer, sempre no sentido de que só o titular de um interesse directo e efectivo, considerando-se este como o correspondente a ter-se sofrido um prejuízo actual, positivo, directo, jurídico, prejuízo este que não pode deixar de ser concretizado, poderá recorrer, só ele se considerando prejudicado pela decisão;
  XI. Aplicando o supra exposto ao caso concreto dos autos, parece ser evidente que quem eventualmente poderia vir a ser, directa, efectiva e juridicamente prejudicada com a decisão de considerar a 1ª Ré, aqui 1ª Recorrida, como parte ilegítima, é a Administração, corporizada nos Serviços de Saúde, já que fica privada de um eventual direito de regresso contra a aqui 1ª Recorrida;
  XII. No que diz respeito à Autora, aqui Recorrente, não deriva para a mesma, da decisão de julgar a 1ª Ré parte ilegítima nos presentes autos, qualquer prejuízo juridicamente relevante - apenas vendo afectado o seu interesse, quiçá mesquinho ou vingativo, em ver a 1ª Ré também condenada - pois essa decisão em nada belisca o seu alegado direito a ser ressarcida por todos e quaisquer prejuízos, alegadamente sofridos, resultantes dos actos praticados pela 1ª Ré, aqui Recorrida, enquanto médica do dos Serviços de Saúde de Macau;
  XIII. Nestes termos, deve ser liminarmente indeferido o presente recurso, por falta de legitimidade ou interesse processual da Recorrente, ao abrigo do artigo 151º, nº1, do CPAC, na parte em que a mesma recorre da decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Ré e ora 1ª Recorrida, e, consequentemente, a absolveu da instância;
  Á Cautela
  XIV. Pugna a Recorrente, nas suas alegações, pela revogação da decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Ré;
  XV. Ora, como facilmente resulta do teor da sua petição inicial, a Recorrente apenas imputou à 1ª Ré, aqui Recorrida, na sua actuação como médica ao serviço da 2ª Ré, a violação do dever de cuidado e prudência, conduta que, obviamente, se enquadra unicamente no âmbito e na esfera da mera culpa ou negligência;
  XVI. Pelo que, em face do disposto no artigo 3º do citado Decreto-Lei 28/91/M, sendo a actuação médica da 1ª Recorrida qualificada apenas como negligente, apenas a Administração, aqui corporizada pela 2ª Ré, deveria ter sido ser demandada;
  XVII. Foi essa basicamente a conclusão a que chegou o Tribunal a quo para sustentar a sua decisão de absolver a 1ª Ré da Instância por falta de legitimidade passiva, pelo que nada há a apontar à mesma;
  XVIII. De nenhum dos artigos da petição inicial referidos pela Recorrente nas suas alegações como indiciadores de uma conduta que raia, como alega, um especial e censurável descuido, se retira algo que possa ser configurado como dolo, ou sequer culpa grave, já que tais artigos falam apenas em omissão de um dever de prudência, o que obviamente se reconduz a uma mera negligência;
  XIX. Por outro lado, como resulta evidente das suas alegações, a Recorrente, para chegar à conclusão de que a aqui Recorrida actuou com culpa grave, centra-se nas consequências da sua conduta - que alega terem sido graves (apesar de, na verdade e felizmente, não terem sido como já se provou nos autos 238/15-RA) - e não na conduta em si, confundindo assim a alegada gravidade da conduta (negligência grave ou dolo) com a alegada gravidade das consequências;
  XX. Acresce que, nos autos com o nº. 238/15-RA - considerados como prejudiciais ou em relação de dependência com os presentes, o que levou à suspensão destes até a decisão final daqueles, uma vez que os factos que estavam em causa em ambos serem exactamente os mesmos no que respeita à conduta geradora de responsabilidade civil extracontratual das aqui 1ª e 2ª Recorridas - foi decidido, por acórdão já transitado em julgado, absolver a aí 1ª Ré (aqui, também, 1ª Ré e ora 1ª Recorrida), de todos os pedidos que contra si foram deduzidos por se ter considerado que o comportamento da 1ª Recorrida, enquanto médica, não tinha ultrapassado a sua esfera funcional, não resultara provado qualquer actuação dolosa e, portanto, a sua actuação não configurava a existência de culpa grave;
  XXI. Estando em causa, nos presentes e naqueles autos, exactamente a mesma conduta ou os mesmos factos geradores de responsabilidade civil, é óbvio que só se poderá chegar nos presentes à mesma conclusão a que se chegou naqueles.
  XXII. Termos em que, e em face do exposto se conclui que nenhum vício se vislumbra que seja de assacar à decisão aqui recorrida que julgou procedente a excepção da falta de legitimidade passiva da 1ª Recorrida e a absolveu da presente instância, ao abrigo do disposto conjugadamente nos artigos 3º do Decreto-Lei 28/91/M, 230º, nº 3 do CP ex vi do artigo 99º, nº 1, do CPAC, devendo, assim, improceder o recurso da Recorrente quanto a esta parte;
  XXIII. Insurge-se a Recorrente nas suas alegações contra a decisão preferida pelo Tribunal a quo que indeferiu o seu direito a peticionar danos patrimoniais nestes autos, requerendo a sua revogação;
  XXIV. Resultando evidente da petição inicial da Autora, ora Recorrente, que os danos patrimoniais que peticiona referem-se a despesas que teve com a sua filha menor, os mesmos não constituem danos próprios da Recorrente, mas da sua filha, já que foram efectuados exclusivamente no interesse desta, e no âmbito do exercício do poder paternal da Recorrente sobre a menor;
  XXV. Foi esta, em síntese, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo e que resultou vertida na decisão ora recorrida para negar, e bem, o direito da Recorrente poder vir nos presentes autos reclamar mais danos patrimoniais alegadamente sofridos pela sua filha menor, e suportados pela Recorrente, decisão que não merece qualquer reparo;
  XXVI. Cabe ainda referir que os presentes autos não podem servir para corrigir eventuais esquecimentos da Recorrente, enquanto representante legal da menor C, na quantificação e petição de danos patrimoniais desta, efectuadas na acção que a menor intentou e que já foi decidida;
  XXVII. Na verdade, sendo menor a filha da aqui Recorrente, como é evidente, os danos patrimoniais que reclamou e que lhe foram atribuídos nos autos nº 238/15-RA, não obstante terem sido configurados, e bem, como próprios da menor, foram suportados pelos seus pais, designadamente pela aqui Recorrente, sua mãe;
  XXVIII. Ou seja, nessa acção sob o nº 238/15-RA, a filha menor da Recorrente, aí autora, peticionou (ou deveria ter peticionado), por intermédio dos seus pais, todos os danos patrimoniais que entendia ter direito a ser ressarcida pelas aqui Recorridas em virtude da responsabilidade civil extracontratual que aquela lhes imputou;
  XXIX. Termos em que, em face do exposto se conclui, também, que nenhum vício se vislumbra que seja de assacar à decisão aqui recorrida que negou o direito da Recorrente a peticionar nos presentes autos, como direito próprio, uma indemnização por danos patrimoniais relativos a despesas com a sua filha menor, devendo, por consequência, improceder o recurso da Recorrente também quanto a esta parte;
  XXX. Por fim, ataca a Recorrente nas suas alegações a decisão que julgou improcedente o pedido por si formulado de indemnização por danos não patrimoniais próprios no valor de MOP$1.000.000,00, e respectivos juros;
  XXXI. Na decisão ora recorrida, basicamente e em síntese, o Tribunal a quo considerou que, independentemente da prova dos danos que alega, a Recorrente não tinha qualquer direito a reclamar danos não patrimoniais para si, como terceiro, à luz do disposto no artigo 489º, nºs 1 e 3, do CC, pois dessas disposições não resulta qualquer critério que permita atribuir um direito indemnizatório de natureza não patrimonial a um terceiro, que não o lesado, em caso de lesão corporal;
  XXXII. O Tribunal a quo apoia-se ainda no acórdão do TUI, que cita na sua decisão, com o mesmo entendimento, proferido processo nº 111/2014;
  XXXIII. Por sua vez, a aqui Recorrente defende que o referido acórdão não constitui jurisprudência obrigatória e baseia-se no facto de, quanto a essa específica questão, este Venerando TSI ter já tido outro entendimento, para concluir que a decisão recorrida sempre estaria ferida de erro na aplicação do direito, ao violar o disposto no artigo 489º, nº1, do CC;
  XXXIV. Crê-se, porém, que em qualquer das teses que actualmente vingam sobre o direito substantivo a peticionar (ou não) danos não patrimoniais sofridos por terceiro, que não a vítima sobreviva, em reflexo dos sofridos por esta, sempre a decisão ora recorrida se deverá manter, não lhe podendo ser assacado qualquer vício, nomeadamente de erro na aplicação do artigo 489º, nº 1 do CC;
  XXXV. Com efeito, não se ignora que alguma jurisprudência sufragada por este Venerando TSI (sempre com voto de vencido), à semelhança de um acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, também citado em sede de resposta supra, tem vindo a defender, em certos casos muito específicos, a possibilidade de se interpretar o artigo 489º, nº 1, do CC, de forma a estender a protecção aí conferida directamente a outras pessoas, que não a própria vítima, admitindo-lhes um direito próprio a serem ressarcidas por danos não patrimoniais que sofreram por causa e em reflexo dos danos sofridos pela vítima;
  XXXVI. Sucede, porém, que, quer as decisões deste Venerando TSI que vão no sentido defendido pela Recorrente, quer o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, assentaram sempre a admissibilidade da extensão de um direito indemnizatório por danos não patrimoniais a um terceiro que não a vítima sobreviva, na particular gravidade dos danos sofridos por esse terceiro, em reflexo, também, de danos particularmente graves e intensos sofridos pela vítima que provocaram, de facto, por arrasto, uma alteração completa da vida desse terceiro, com pesados custos pessoais para o mesmo;
  XXXVII. No caso dos autos, como ficou claramente provado na acção nº 238/15-RA, a menor C, filha da aqui Recorrente, felizmente, não sofreu qualquer dano grave ou permanente, pelo que a aqui Recorrente também não pode ter tido quaisquer danos particularmente graves;
  XXXVIII. Não se pode confundir, como faz a Recorrente, a natural preocupação que os pais normalmente têm quando os filhos ficam doentes ou são vítimas de qualquer lesão, sobretudo quando são menores, como é o caso da sua filha C, com efectivos e graves danos não patrimoniais próprios;
  XXXIX. Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal citado supra em sede de alegações, no final da sua fundamentação que abre caminho a indemnização a um terceiro, que não a vítima, por danos não patrimoniais sofridos por aquele, em reflexo dos danos não patrimoniais sofridos por esta, tem que se ter presente que ao admitir tal indemnização, está-se a abrir uma brecha na dogmática geral de que é a vítima, se sobreviver, a pessoa a indemnizar, razão pela qual deve-se reservar a extensão compensatória apenas para os casos de particular gravidade;
  XL. Pelo que em face do exposto, e ainda que os presentes autos não tenham chegado à fase de julgamento, o certo é que todos os elementos deles constantes, designadamente a sentença e o acórdão proferido no processo nº 238/15-RA em que se apurou os danos sofridos pela menor, são mais do que suficientes para este Venerando Tribunal possa concluir, nos termos permitidos pelo artigo 629º, nº 1 b), do CPC, pela inexistência de danos graves sofridos pela aqui Recorrente que mereçam, mesmo à luz de certa jurisprudência, tutela indemnizatória ao abrigo do disposto no artigo 489º, nº1, do CC;
  XLI. Destarte, mesmo nesta hipótese subsidiária, ainda que com fundamento diferente, sempre deverá ser julgado improcedente o recurso da Recorrente e, consequentemente, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu o pedido da Recorrente numa quantia a título de compensação por danos não patrimoniais próprios, em reflexo dos danos sofridos pela sua filha menor.
  Nestes termos e nos demais de Direito que certamente serão supridos, requer-se a V. Exas., Meritíssimos Juízes, que:
  a) Seja liminarmente indeferido o presente recurso, por falta de legitimidade ou interesse processual da Recorrente, ao abrigo do artigo 151º, nº1, do CPAC, na parte em que a mesma recorre da decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª Ré e ora 1ª Recorrida, e, consequentemente, a absolveu da instância;
  para o caso de assim não se entender,
  b) Seja o presente recurso julgado totalmente improcedente e, em consequência, mantidas, na íntegra, as decisões ora recorridas, as quais não merecem reparo.
  Assim fazendo V. Exas. a habitual boa e sã Justiça!”
  Contra-alegando veio a 2º Réu apresentar as seguintes conclusões:
  “I. O recurso da Recorrente versa sobre o (suposto) vício na aplicação da lei na Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo em 18 de Julho de 2019, concretamente, no que respeita à legitimidade da 1.ª Ré, B, no que tange à indemnização por danos patrimoniais e à indemnização por danos não patrimoniais, ambas peticionadas pela Recorrente.
  II. A Recorrente requer sejam as Recorridas condenadas a pagar danos patrimoniais no montante de MOP17,958.00 (dezassete mil, novecentas e cinquenta e oito Patacas), correspondentes às despesas em tratamentos da sua filha C, incluindo consultas, transporte, alimentação e alojamento, entre 19 de Janeiro de 2016 e 27 de Outubro de 2016.
  III. Como doutamente referiu o Tribunal a quo, estas despesas, embora tenham sido efectuadas pela Autora, foram-no por força do exercício do seu poder paternal e no interesse exclusivo da sua filha e por causa das lesões por esta sofridas, pelo que a Recorrente não tem direito a ser indemnizada por estas despesas.
  IV. Na acção que correu termos sob o nº 238/15-RA no Tribunal Administrativo e que se encontra definitivamente julgada, a Recorrida foi condenada a pagar à ali Autora, C, as despesas hospitalares e de transporte ali alegadas, tendo a Recorrida sido absolvida do pagamento das despesas com alojamento, alimentação e transportes relativamente às deslocações ao Hospital D, em Hong Kong, na medida em que, por estas deslocações terem sido aprovadas pela Junta para Serviços Médicos no Exterior, as respectivas despesas deverão ser reclamadas, nos termos do artigo 22º do Decreto-Lei nº 24/86/M, junto dos serviços da Recorrida.
  V. Pelo que as despesas reclamadas pela Autora nos presentes autos deveriam ter sido reclamadas naquela acção que correu termos sob o nº 238/15-RA ou junto dos serviços da Recorrida, caso as mesmas digam respeito a deslocações aprovadas pela referida Junta para Serviços Médicos no Exterior.
  VI. Não tendo sido peticionadas em sede própria, estas despesas não são devidas pela Recorrida à Recorrente, pelo que deverá ser absolvida do pagamento das mesmas, o que se requer.
  VII. A Recorrente invoca o nº 1 do artigo 489º do Código Civil, nos termos do qual “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, pretendendo demonstrar que, para além do lesado, também os familiares têm direito a indemnização por danos não patrimoniais.
  VIII. O nº 3 daquele artigo é claro: no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior, pelo que, nos termos da lei, só nos casos de morte da vítima é que os seus familiares podem pedir o pagamento de uma indemnização.
  IX. O legislador não pretendeu incluir outros danos, que não o dano morte, ou o dano provocado pela morte, nem o artigo referido parece ser passível de semelhante interpretação.
  X. Nos termos da lei, apenas por morte da vítima, os seus familiares têm direito a ser indemnizados por danos próprios não patrimoniais.
  XI. Acresce que o n.º 1 daquele preceito refere que na fixação da indemnização deve atender se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que não parece ser o caso da Recorrente, atendendo aos danos que alega ter sofrido.
  XII. Pelo exposto, a Recorrente não goza do direito a indemnização por danos não patrimoniais pelos danos físicos sofridos pela sua filha, não se verificando qualquer erro na aplicação da lei, designadamente do artigo 489º nºs 1 e 2 do Código Civil.
  XIII. O recurso da Recorrente deve ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
  Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a boa e sã JUSTIÇA!”.
  Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu o seguinte parecer:
  “Por decisão de 18 de Julho de 2019, o Tribunal Administrativo considerou a Ré B parte ilegítima e julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré Serviços de Saúde de Macau dos pedidos de indemnização formulados, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
  Recorre agora a autora para este Tribunal de Segunda Instância, verberando a decisão no tocante às questões da legitimidade passiva de B e da recusa do direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
  Ambas as Rés contra alegaram em defesa do julgado, tendo a Ré B suscitado previamente a questão da legitimidade e do interesse processual da autora em impugnar o vector da decisão relativo à sua - da Ré B - ilegitimidade.
  Vejamos, abordando, de imediato, esta questão prévia.
  A recorrente intentou a acção contra a pessoa colectiva pública Serviços de Saúde e contra a sua agente B. E, não obstante o teor de quanto articulou na petição inicial, vem agora, em sede de recurso, sustentar que a Ré B tem que estar em juízo porque a violação de regras fundamentais das actividades médicas profissionais, que diz ter-lhe imputado na petição inicial, excede o grau de uma falta de diligência normal, integrando culpa grave, o que extravasa a responsabilidade exclusiva da Administração nos termos do artigo 2º do DL 28/91/M.
  Delineada assim a questão, afigura-se que a recorrente tem interesse e legitimidade em impugnar o referido vector da sentença recorrida.
  Embora o seu raciocínio não seja inteiramente linear quanto à delimitação da fronteira entre os casos em que a Administração responde sozinha e aqueles em que devem ser demandados, para além da Administração, também os seus agentes ou titulares de órgãos - e a resposta a isso é-nos dada pelos artigos 2º e 3º do DL e não propriamente pela norma do seu artigo 5º, que prevê os casos de direito de regresso -, parece inerente ao seu raciocínio que, não estando em causa um caso em que a Administração é exclusivamente responsável, haverá que intentar a acção também contra os seus agentes, para assegurar a legitimidade nos termos do artigo 3º do DL 28/91/M, tal como a recorrente fez ao demandar a médica B.
  Temos, pois, que, à luz deste raciocínio, a recorrente tem legitimidade e interesse em fazer prosseguir a acção também contra a Ré B, precisamente para assegurar a legitimidade passiva na acção, segundo o ponto de vista que defende no recurso.
  Saber se o raciocínio que agora desenvolve tem a cobertura do teor do articulado inicial já é questão que passa pela análise do mérito da alegação de recurso.
  Em suma, improcede, a nosso ver, a questão prévia da ilegitimidade e falta de interesse da recorrente.
  Passando à primeira questão colocada no recurso, ou seja, a da legitimidade passiva de B para figurar como co-Ré na acção, temos por seguro que não assiste razão à recorrente.
  Nos termos do artigo 3º do DL 28/91/M, os titulares de órgãos e os agentes administrativos da Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente pela prática de actos ilícitos, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.
  São, pois, dois os casos em que os titulares de órgãos e os agentes administrativos devem, a par da Administração, figurar como Réus para assegurar a legitimidade passiva à luz do artigo 3º daquele Decreto-lei: quando protagonizem uma actuação que extravasa os limites das suas funções e quando, no exercício de funções ou por causa delas, procedam dolosamente, sendo esta última a situação que ora nos ocupa, aqui entendido o dolo como o querer malévolo conducente à produção do resultado.
  Pois bem, compulsada a petição inicial, em vão se procurará surpreender alegação de factos que possam dar campo à ocorrência de conduta dolosa na troca do nome do medicamento receitado à menor. Como o Ministério Público em primeira instância salientou, inclusive com o detalhe de remeter para as inerentes passagens do articulado inicial da autora, e tal como o Mmº juiz igualmente ponderou, toda a descrição factual da conduta ilícita em que a recorrente ancora o petitório enfatiza uma actuação meramente negligente, devida a erro ou engano fortuito, não se detectando a alegação de qualquer facto ou passo, relativo ao acto médico questionado, que possa relevar de uma conduta dolosa hoc sensu.
  Sendo assim, como cremos, a legitimidade passiva fica assegurada através da presença exclusiva da Administração em juízo, nos termos dos artigo 2º do DL 28/91/M, e 58º do Código de Processo Civil, nenhum fundamento se vislumbrando, face à materialidade alegada pela autora, para a propositura da acção também contra a agente da Ré Serviços de Saúde.
  B é, por isso, parte ilegítima, nenhum reparo merecendo a sentença neste ponto.
  Improcede este fundamento do recurso.
  Avancemos para a questão dos danos, começando pelos não patrimoniais.
  O problema que aqui se coloca resume-se a saber se, em caso de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito de que não resultou lesão mortal para a vítima, há lugar à indemnização de terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos de ordem não patrimonial.
  Salvo melhor juízo, o artigo 489º, nº 2, do Código Civil, aponta para uma resposta negativa, tal como foi considerado na decisão recorrida. As pessoas não directamente lesadas com direito à indemnização por danos não patrimoniais são as previstas naquela norma, e apenas têm direito à indemnização no caso de lesão mortal da vítima.
  Compreende-se que, em certos casos, graves lesões não mortais, pelo sofrimento que causam aos terceiros previstos naquele normativo, possam justificar, em tese, a atribuição de compensação por dano não patrimonial. E sabe-se que alguma doutrina e jurisprudência, avançando argumentos de valia, têm defendido a concessão de indemnização a essas pessoas, por danos não patrimoniais indirectos, mesmo em caso de lesão não mortal da vítima. Esses argumentos representam, por certo, um inestimável contributo para uma possível alteração legal de jure condendo, mas não podem caucionar a atribuição de indemnização no quadro normativo vigente, dada a falta de base legal e a circunstância de não dever lançar-se mão da interpretação extensiva ou da aplicação analógica a situações diversas da morte da vítima, quando é sabido que a restrição daquele normativo encerra uma opção consciente do legislador, que foi beber esta solução ao Código Civil português, em cujo processo legislativo ficou clara a preterição da tese de Vaz Serra, que admitia a possibilidade de indemnização de terceiros por danos de ordem não patrimonial indirecta ou reflexamente sofridos.
  Não obstante a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2014, do Supremo Tribunal de Justiça português - que contempla um caso específico de lesões não patrimoniais cuja acuidade releva dos particulares efeitos no cônjuge do lesado -, a jurisprudência continua a entender maioritariamente, que, no caso de responsabilidade civil extracontratual em que não houve morte, não há lugar à indemnização de terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos de ordem não patrimonial - cf., a título de exemplo, os acórdãos do STJ, de 26.02.2004 e de 17.09.2009, exarados respectivamente nos Processos 03B4298 e 292/1999-S 1, ou o recentíssimo acórdão de 17.10.2019, tirado no Processo 1082117.1T8VCT.Sl, todos acessíveis através de www.dgsi.pt..bem como, entre nós, o acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo 111/2014, citado na decisão recorrida. Cremos, em suma, que não assiste razão à recorrente, também quanto a este aspecto dos danos não patrimoniais, igualmente soçobrando os inerentes fundamentos do recurso.
  Resta abordar a problemática dos danos patrimoniais.
  Nesta matéria, não podemos sufragar a decisão.
  Rege, quanto ao assunto, o artigo 488º do Código Civil. Nos termos do seu nº 2, nos casos de lesão corporal, assiste a todos quantos socorreram o lesado, bem como a todos quantos contribuíram para o seu tratamento ou lhe deram assistência, o direito a serem indemnizados.
  Face ao texto legal, não é possível sustentar-se que a Autora não pode arrogar-se o direito a ver reparados os danos próprios. Além disso, a circunstância de estar em causa uma actuação movida por relações e responsabilidades parentais não afasta a obrigação de indemnização, pois que, se não tivesse sido a lesão, a autora não precisaria, para o normal exercício do seu poder/dever de mãe, de se deslocar com a filha para Hong Kong e, por via disso, arcar com as despesas que peticiona a título de danos patrimoniais.
  Assim, e sem prejuízo de se poder vir a concluir que há total identidade de causa-efeito entre os montantes reclamados nesta acção, a título de danos patrimoniais, e aqueles que já foram concedidos no âmbito de outra acção - o que não foi feito na decisão recorrida, apesar da alusão a danos patrimoniais de que a menor C já foi ressarcida - crê-se que a decisão recorrida não pode manter-se quanto aos danos patrimoniais.
  Procede, pois, a fundamentação do recurso estribada na questão dos danos patrimoniais.
  Ante o exposto, e na procedência parcial do recurso, deve revogar-se a decisão, na parte atinente ao apuramento da responsabilidade por danos patrimoniais, mandando-se prosseguir a acção, a menos que outro fundamento a isso obste.”
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
  III. FUNDAMENTAÇÃO
  
  Em sede de conclusões de recurso divide a Recorrente o objecto do recurso sob três temas, a saber:
  - Da falta de legitimidade Passiva da 1ª Ré B;
  - Da Indemnização do dano patrimonial;
  - Da indemnização do dano não patrimonial.
  
  Vejamos então:
  
  - Da falta de legitimidade Passiva da 1ª Ré B;
  Relativamente a esta matéria a decisão proferida pelo tribunal a quo foi a seguinte:
  «Quanto à ilegitimidade passiva da 1ª Ré:
  Não obstante ser demandada, ao lado dos Serviços de Saúde enquanto o 2º Réu, a médica a 1ª Ré, afigura-se-me que esta não pode ser parte legítima nesta acção, pelos motivos que se passa a expor no seguinte:
  Como se sabe, o Decreto-Lei nº 28/91/M de 22 de Abril estabelece o regime próprio da responsabilidade civil extracontratual da Administração do Território (ou RAEM), pessoas colectivas públicas, seus titulares e agentes por actos de gestão pública, com as suas especificidades face ao regime geral da responsabilidade solidária entre comitente e comissário consagrado nos artºs 493º e 500º do CCM, aplicável à responsabilidade da pessoa colectiva no exercício da actividade de gestão privada, por força do artº 494º do CCM.
  Desde logo, por força da norma do artº 2º do referido regime, a RAEM e demais pessoas colectivas públicas respondem sempre perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
  Por sua vez, nos termos do artº 3º do mesmo regime, os titulares dos órgãos e agentes administrativos só respondem civilmente pela prática de actos ilícitos fora dos limites das suas funções ou dentro do âmbito das suas funções mas dolosos.
  Neste último caso, estando em causa a actuação dolosa, e de acordo com o disposto do artº 5º do mesmo regime, os titulares dos órgãos e agentes administrativos respondem solidariamente ao lado da pessoa colectiva pública demandada, e esta goza do direito de regresso contra aqueles.
  Assim como ainda resultante do disposto das referidas normas dos artºs 2º e 5º, se os titulares dos órgãos e agentes administrativos agem sem ter demonstrado o dolo, mas apenas com a culpa grave ou a negligência grosseira, isto é, “com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo”, não responderão directamente perante o lesado, tão-só perante a Administração em via de regresso.
  Nesta hipótese, carecem os titulares dos órgãos e agentes administrativos da legitimidade passiva para ser parte principal, no entanto, podendo os mesmos intervir no processo como parte acessória no lado passivo, nos termos do artº 272º, nº 1 do CPC.
  Num ou noutro caso, o facto de ser interveniente a título principal ou acessório, não deverá prejudicar o exercício do direito de regresso por parte da Administração, e dependente essencialmente da relação material controvertida configurada pela Autora na petição inicial, de ter qualificado a actuação dos responsáveis como dolosa ou negligente.
  Em síntese conclusiva:
  - Na matéria da responsabilidade civil extracontratual da pessoa colectiva pública por acto de gestão pública, esta responde sempre, no plano externo e por via regra, perante os lesados, quando demonstrados os respectivos pressupostos;
  - Os titulares e agentes podem intervir como parte principal passiva e respondem ao lado da pessoa colectiva pública, directamente perante os lesados, quando agem com dolo, ou sozinhos, quando actuam fora dos limites das suas funções;
  - Os titulares e agentes respondem tão-só perante a pessoa colectiva pública, no plano interno e em via de acção de regresso, no caso de agirem com culpa grave ou negligência grosseira. Neste caso, há apenas lugar à intervenção acessória destes.
  No caso em apreço, certo é que a Autora, na sua p.i., nunca qualificou actividade médica executada pela 1.ª Ré como uma actuação dolosa, antes entendendo que é a actuação resultante da violação do dever de cuidado ou seja, da negligência desta.
  Assim sendo, é evidente que a médica não poderia ser demandada como parte principal neste processo ao abrigo do artº 3º do Decreto-Lei nº 28/91/M, de 22 de Abril, deve, por consequência, ser absolvida da instância por falta da legitimidade passiva, nos termos do artº 230º, nº 3 do CPC, ex vi o artº 99º, n.º 1 do CPAC.
  Nesta conformidade, julga-se procedente a excepção, e decide-se absolver a 1ª Ré B da instância.».
  Entende a Recorrente nas suas alegações e conclusões de Recurso que o artº 5º do Decreto-Lei nº 28/91/M consagra à Administração o direito de regresso contra os titulares dos órgãos e agentes nos casos de dolo e de culpa grave, sendo que a actuação da 1ª Ré se enquadra nesta última situação – culpa grave -, pelo que é parte legítima na acção.
  A decisão recorrida na parte que identifica como “síntese conclusiva” distingue entre a consequência da actuação dolosa dos titulares e agentes, caso em que respondem solidariamente com a administração e são parte (passiva) legítima na acção, e actuação com negligência grosseira ou culpa grave, caso em que respondem apenas perante a administração por via da acção de regresso, podendo intervir na causa como parte acessória. Concluindo no sentido de que a Autora apenas qualifica a actuação danosa da 1ª Ré como tendo sido negligente, pelo que, seria parte ilegítima.
  Neste momento a questão não é ainda a de saber se ocorre o dolo ou a culpa grave mas, aceitando-se (como a Autora alega) que foi invocada a culpa grave ou negligência grosseira, saber se a 1ª Ré é parte legítima na acção como parte principal.
  Estabelecem os artºs 2º, 3º e 5º do decreto-Lei nº 28/91/M que:
«Artigo 2º
(Responsabilidade da Administração e demais pessoas colectiva públicas)
  A Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
Artigo 3º
(Responsabilidade dos titulares dos órgãos, agentes administrativos e pessoas colectivas públicas)
  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os titulares dos órgãos e agentes administrativos da Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente pela prática de actos ilícitos, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.
Artigo 5º
(Direito de regresso)
  Quando satisfizerem qualquer indemnização, a Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com dolo, ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo.».
  Do artº 2º e 3º resulta indiscutivelmente que quando os titulares dos órgãos e agentes administrativos hajam procedido com dolo são parte legítima na acção.
  À negligência grosseira ou culpa grave apenas o artº 5º alude, consagrando o direito de regresso da administração contra os agentes.
  No caso em apreço a Autora invoca (independentemente do que se viesse a provar a final) que a 1ª Ré actuou com negligência grosseira – veja-se artº 13º a 18º, 62º a 68º da p.i. -.
  A ser assim a legitimidade passiva da 1ª Ré apenas poderá decorrer do artº 5º do DL 28/91/M o qual consagra o direito de regresso da Administração contra os titulares dos órgãos ou agentes que tenham actuado com negligência grosseira ou culpa grave.
  Saber se a existência do direito de regresso a favor da administração autoriza que o lesante possa, em, litisconsórcio voluntário, instaurar a acção directamente contra o titular ou agente é questão que tem levado a jurisprudência e Doutrina a sustentar posições distintas.
  No sentido de defender a legitimidade passiva dos agentes juntamente com a administração entendeu este Tribunal no Acórdão de 21.02.2013 proferido no Processo nº 778/2011.
  Contudo, salvo melhor opinião não nos parece ser essa a melhor solução.
  Face à redacção dos artº 2º e 3º do DL nº 28/91/M apenas com fundamento em ter excedido os limites das suas funções ou na actuação dolosa, poderá o lesado obter a condenação do lesante que seja titular do órgão ou agente.
  Não cabendo na previsão daquelas normas os casos de mera culpa ou culpa grave, para as situações que conceptualmente integram a negligência o lesante apenas poderá obter a condenação da administração, sem prejuízo, desta (a administração) em sede de direito de regresso vir a ser ressarcida na medida do seu direito daquilo que houver sido condenada a indemnizar o lesado.
  Contudo, na acção que visa definir o direito à indemnização do lesado e o responsável pela indemnização, não serão discutidos nem será proferida decisão alguma sob os pressupostos do direito de regresso. E aquele contra quem pode ser exercido o direito de regresso, apenas através do incidente de intervenção acessória nos termos do artº 272º e seguintes do CPC, poderá auxiliar “o Réu na defesa respeitante às questões implicadas pela verificação do direito do autor”1.
  No entanto, inquestionável é que, na ausência de norma legal a prevê-lo, nunca poderá o lesado obter a condenação do lesante titular do órgão ou agente que não seja nos casos de ter excedido os limites das suas funções ou na actuação dolosa.
  Como vem sendo referido pela Jurisprudência e Doutrina entendeu o legislador circunscrever os casos de responsabilidade externa - em que o lesado pode accionar directamente a administração e o titular do órgão ou agente – aos casos de excesso dos limites das suas funções ou da actuação dolosa, reservando para a responsabilidade interna – entre Administração e titular do órgão e agente – os casos de mera culpa ou de culpa grave2.
  Aqui chegados, somos a concluir no mesmo sentido que a Douta decisão sob recurso e preconizado no Douto parecer do Magistrado do Ministério Público, pela improcedência do recurso quanto a esta matéria.
  
  - Da Indemnização do dano patrimonial;
  Relativamente a esta questão a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi a seguinte:
  «No que diz respeito à excepção da ilegitimidade activa, entende o 2º Réu que não assiste à Autora o direito à indemnização pelos danos sofridos de índole não patrimonial, ao abrigo do artº 489º, nº 2 do CCM.
  Afigura-se que não está em causa a questão da legitimidade processual, mas sim de direito substantivo, de mérito da causa, a qual consiste em saber se a Autora enquanto mãe da lesada C tem direito ou não a ser ressarcida por danos reclamados.
  Trata-se de uma questão meramente jurídica, e uma vez o estado do processo permite o seu conhecimento imediato, sem necessidade de proceder à fase de instrução, e tendo sido ouvido o Ministério Público, passa-se a decidir nos termos seguintes:
  Desde logo, neste processo a Autora reclama os danos de natureza tanto patrimonial como não patrimonial:
  São danos patrimoniais, as despesas feitas a título de viagens, alimentação e alojamento em Hong Kong e Macau, emergentes entre 19/1/2016 e 27/10/2016, no valor de MOP17,958.00 bem como as novas despesas hospitalares geradas depois da propositura da acção;
  São danos não patrimoniais, os danos morais que a própria Autora sofreu em consequência do erro médico ocorrido no caso dos autos, no valor de MOP1,000,000.00.
  No que respeita à indemnização pelos danos patrimoniais, parece-nos ser manifesta que a Autora carece da titularidade de direito.
   Isto é, conforme se alega, as despesas embora efectuadas pela Autora, foram, por força do exercício do seu poder paternal e no interesse exclusivo da sua filha, a lesada C e por causa das lesões por esta sofridas.
  Dito por outros termos, a indemnização peticionada nesta parte visaria reparar os danos provocados na esfera jurídica da própria lesada, mas não da Autora. Não se deve a Autora arrogar o respectivo direito como se tratasse da reparação dos danos próprios.
  Além do mais, importa lembrar que foi condenado, em sede do processo nº 238/15-RA, o pagamento das despesas hospitalares bem como as de transporte, no valor de MOP20,520.44, a favor do menor lesada C, representada pelos seus pais E e A que é Autora no presente processo, por lhe reconhecer a titularidade do direito à indemnização pelos referidos danos patrimoniais.
  A dita sentença foi confirmada pelo Acórdão do TSI proferido no processo nº 186/2018 em sede de recurso jurisdicional, que transitou em julgado no dia 7 de Janeiro de 2019.
  Posto isto, não se vislumbra aqui como se poderia qualificar a titularidade da respectiva indemnização de outra maneira, pois que as despesas ora reclamadas foram emergentes da mesma fonte, com a mesma natureza das que foram condenadas noutro processo.
  Nesta conformidade, deve ser negada à Autora a titularidade da indemnização pelos referidos danos patrimoniais.».
  Estando em causa a indemnização por danos patrimoniais sustenta-se a decisão sob recurso na falta de legitimidade da Autora para os reclamar, uma vez que os danos respeitam à esfera jurídica da filha, para além de que, noutro processo em que aquela (a filha) é parte já foi arbitrada indemnização a este título.
  Com base no nº 2 do artº 488º do C.Civ. o Ilustre Magistrado do Ministério Público entende que a decisão nesta parte não se pode manter.
  Dispõe o nº 2 do artº 488º do C.Civ. que:
  «2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.».
  A este título a Autora reclama nos artigos 47º(…) da sua p.i. que sendo necessário levar a filha (lesada) a Hong Kong para tratamentos, gastou os valores que indica em refeições e transportes.
  Nos termos em que o faz a Autora vem reclamar despesas próprias que teve de fazer para acompanhar a filha aos tratamentos.
  Tanto seria o bastante para concluirmos pela falta de fundamento da decisão recorrida nesta parte, uma vez que as despesas reclamadas são da Autora e não da filha como se sustenta.
  De qualquer forma, face ao disposto no nº 2 do artº 488º do C.Civ., em caso de lesão corporal (como se invoca no caso sub judice), nada obsta que a Autora viesse reclamar por si a indemnização por despesas em que haja incorrido para socorrer ou prestar assistência à filha/vítima.
  Acrescenta-se que embora na decisão sob recurso se refira que em acção instaurada pela filha da Autora foi já arbitrada indemnização por danos patrimoniais, não resulta da decisão sob recurso que a improcedência da acção nesta parte haja sido com base na excepção do caso julgado, pelo que, se torna irrelevante essa afirmação uma vez que dela não se retirou qualquer consequência.
  Assim sendo, nesta parte acompanhamos o Douto Parecer do Magistrado do Ministério Público, sendo de revogar a decisão sob recurso, ordenando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento desta matéria se outras causas não obstarem a tal.
  
  - Da indemnização do dano não patrimonial.
  Relativamente a esta questão a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi a seguinte:
  «A questão é diferente quando se fala do direito à indemnização pelos danos morais ou não patrimoniais.
  Quanto a isto, a despeito das divergências doutrinárias suscitadas acerca da interpretação do alcance das normas do art.º 489.º, n.º s 1 e 3 do CCM, julgamos que a dificuldade não deixa de ser já ultrapassada, tendo em vista o acórdão do TUI proferido no processo n.º 111/2014 que pronunciou sobre a mesma questão, com as considerações que cremos ser pertinentes transcrever aqui:
  “…A generalidade da doutrina manteve, assim, o entendimento de que, em geral, só o titular do direito violado tem direito à indemnização, sem prejuízo dos casos concretos previstos na lei em que esta se desvia da mencionada regra.
  É certo que, recentemente, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, com numerosos votos de vencido, uniformizou jurisprudência no sentido de os aludidos artigos da responsabilidade civil deverem “ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge da vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”.
  Também ABRANTES GERALDES defende esta solução, sobretudo com fundamento na interpretação literal do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil português, dizendo que a norma não põe outras condições que não seja tratar-se de danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Mas a ser assim, a defender-se que da letra da lei não decorre que só o lesado directo tem direito a ser indemnizado, não se percebe muito bem como não se advoga a extensão da indemnização plena aos danos patrimoniais e ainda independentemente de estarem em causa lesões corporais.
  Não se sufraga esta doutrina.
  Por um lado, não vale em Macau o argumento da longevidade do Código Civil, que demandaria, em Portugal, uma interpretação actualista da lei. Na verdade, o Código Civil de Macau tem apenas 15 anos de vigência, ao contrário do português que tem perto de 50 anos.
  Por outro lado, se a lei estabeleceu apenas alguns poucos casos em que a titularidade do direito a indemnização se estende a outrem que não ao lesado directo, não parece legítimo que seja o juiz a estender a excepção a novos casos, por mais legítimos que sejam os interesses que estejam na sua base, até porque as normas excepcionais, como é o caso, não comportam aplicação analógica (artigo 10.º do Código Civil).
  De resto quem defende a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de terceiro, não especificamente previstos na lei, não fornece nenhum critério claro para tal atribuição. A quem atribuí-los? Ao cônjuge? Aos filhos e outros descendentes? Aos pais e outros ascendentes? Ao unido de facto? E em relação a que danos? Qual a medida da sua gravidade? Procede, nesta parte, o recurso…” (sublinhado nosso).
  Cremos ser esta a posição mais acertada, que merece a nossa adesão.
  No caso dos autos, independentemente de se dar como assente ou não a matéria de facto alegado, é evidente que o pedido da Autora não pode proceder, pelos motivos que se expõe no seguinte:
  Em primeiro lugar, a lesada menor alegadamente sofreu os danos corporais provocados pelo erro médico, mas não chegou a falecer. Por outro lado, os danos morais peticionados não são próprios da lesada, mas da sua mãe como terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado.
  De acordo com a referida posição marcada na douta jurisprudência, inexiste o critério especificamente previsto na lei que atribui o direito de indemnização pelos danos não patrimoniais de terceiro em caso de lesão corporal.
  Assim sendo, não nos resta dúvida que não deva ser reconhecido à Autora o direito à indemnização pelos danos alegados, e por consequência, impõe-se a absolvição do 2º Réu de todos os pedidos.».
  O Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer, seguindo também a jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, acompanha a decisão recorrida.
  Os fundamentos constantes do Acórdão do TUI citado constam já da decisão recorrida, nada mais havendo a acrescentar.
  Sustentando a posição contrária invoca-se um Acórdão de uniformização de Jurisprudência do STJ de Portugal, nº 6/2014, datado de 22.05.2014, onde se determina que «os artigos 483º, nº 1 e 496º, nº1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.».
  A determinado passo consta daquele Acórdão o seguinte:
  «25. Mas chegados aqui, impõe-se a delimitação, quer subjectiva, quer objectiva.
  Não pode “abrir-se” a compensabilidade a todos os que, chegados ao lesado, sofram com o que aconteceu a este. Como refere Philippe Brun (Responsabilité Civile Extracontractuelle, 354): “… supondo admitido o princípio da reparação do prejuízo moral por ricochete, seria bom fixar-se regras simples evitando a inflação do coro de chorosos.”
  No reverso, não pode questionar-se que, para além do cônjuge, outros podem e devem beneficiar da tutela deste tipo de danos.
  Todavia, não nos compete determinar aqui quais, dos chegados ao lesado, podem pedir compensação pelo sofrimento próprio. Estaríamos a ir para além do objecto do processo e a invadir terreno próprio do poder legislativo. O que temos de deixar bem claro é que a nossa referência ao cônjuge não pode ser interpretada como excluidora de outros.
  Ponderando apenas o caso do cônjuge, não nos parece restarem dúvidas: está presente em praticamente toda a argumentação que desemboca na compensabilidade.
  26. Assim como não podemos abrir a compensabilidade a todo um “coro de chorosos”, também não a podemos abrir a todo o dano não patrimonial que, no caso do lesado, justificaria a tutela do direito.
  Toda a argumentação que justifica a interpretação actualista que vimos assumindo tem como pressuposto que os danos do lesado sejam particularmente graves e que tenham determinado no outro sofrimento muito relevante. Já Vaz Serra, no apontado texto da RLJ, justificava a sua posição com o caso dum filho que é atingido tão gravemente que os pais têm sofrimento não inferior ao que teria lugar se tivesse falecido. Do mesmo modo os textos internacionais citados supra são especialmente limitadores.».
  Da leitura do assinalado Acórdão resultam as dificuldades para resolver a questão na ausência de norma legal a prever o direito à indemnização por danos morais de outros que não o lesado em caso de danos corporais de onde não resulte a morte, que são assinaladas no acórdão do TUI e com as quais concordamos, nomeadamente, quem seriam os titulares do direito à indemnização.
  Não é irrelevante o elenco do nº 2 do artº 489º do C.Civ. onde se segue uma ordem próxima da consagrada para a sucessão legítima na atribuição da indemnização decorrente da morte da vítima, ou como actualmente também se usa dizer, pelo dano vida.
  Mas a Jurisprudência consagrada no Acórdão Português leva-nos a questionar se não seria legítimo, atribuir também o direito à indemnização a um avô ou cuidador, que pela razão de proximidade que teria com a vítima teve um sofrimento igual ou, quiça, até superior, ao daqueles que nos termos do nº 2 do artº 489º do C.Civ. o precedem.
  O Acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ Português é acompanhado de inúmeras declarações de voto e votos de vencido, o que por si só demonstra que a questão está longe de ser pacífica. De entre elas é relevante a declaração de voto do Conselheiro João Moreira Camilo a qual transcrevemos:
«Declaração de vencido
  Tal como já decidimos no acórdão proferido em 17-09-2009, na revista n.º 292/1999-S1, de que fomos Relator por vencimento, entendemos que a nossa lei não quis que os danos reflexos sejam objecto de ressarcimento.
  Assim sobre a questão dissemos naquele acórdão o seguinte:
  “Esta questão foi decidida no sentido de não haver fundamento legal para a concessão desta indemnização na sentença de 1.ª instância.
  Já no douto acórdão recorrido, servindo-se dos mesmos factos apurados, foi a mesma indemnização concedida como tendo apoio na lei.
  Pese embora as considerações brilhantes desta decisão, entendemos que a melhor aplicação da lei impõe a repristinação da decisão negatória da 1.ª instância.
  Vejamos.
  Está aqui em causa a questão de saber se em caso de responsabilidade civil extracontratual, de que resultou lesão que não foi mortal para a vítima, ainda assim, poderão ser indemnizados terceiros que indirecta ou reflexamente tenham sofrido danos, nomeadamente de ordem não patrimonial.
  A doutrina tradicional não admite tal ressarcimento senão nos casos excepcionais previstos no artigo 494.º, n.º 2 do Cód. Civil - cf. o Prof. A. Varela, no seu livro "Das Obrigações em Geral", I vol. pág. 644-645, da 9.ª ed.; o Prof. Almeida Costa, no seu "Direito das Obrigações", pág. 527-529, da 7.ª ed. e Meneses Cordeiro, no seu "Direito das Obrigações", 2.º vol., 1986, pág. 291-292.
  Apenas o Prof. Vaz Serra - RLJ, ano 104.º, pág. 16 - desde sempre defendeu opinião contrária que veio a ser acolhida por Ribeiro de Faria - Direito das Obrigações, vol. I, pág. 491, nota 2.
  A jurisprudência tradicional era no sentido da inadmissibilidade da ressarcibilidade dos chamados danos reflexos ou indirectos - cf. acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-98, na revista n.º 865/98 da 2.ª secção.
  Mais recentemente surgiram mais defensores da opinião seguida na controvérsia por Vaz Serra, sobretudo na jurisprudência - que nos parece, porém, continuar acentuadamente maioritária no sentido que seguimos - na sequência do notável estudo do Desembargador A. Abrantes Geraldes, publicado em "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles", IV vol., 263 e segs., onde se defendeu uma interpretação actualista da lei no sentido de a lei permitir a ressarcibilidade daquele tipo de danos.
  Pese embora o brilho deste estudo, pensamos que o mesmo pode funcionar como óptimo elemento de trabalho para motivar o legislador a fazer uma alteração na lei no sentido da previsão e regulamentação do direito de indemnização dos lesados reflexamente, em caso de lesão de que o lesado directo não perdeu a vida, se esta for a opção que o legislador decida tomar.
  Mas vejamos as razões que nos parecem determinantes para a interpretação da lei que seguimos.
  Do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do Cód. Civil resulta que em caso de responsabilidade civil extracontratual o lesado é o titular do direito que é violado pela conduta do agente.
  Estão aqui apenas incluídos, em princípio, os danos causados directamente pela conduta do agente, no sentido de que a conduta lesiva produz, em primeira linha, uma violação de um direito do lesado, como a vida, a integridade física ou moral, bens estes que integram o seu património.
  Porém, é concebível que a situação possa ser mais complexa, nomeadamente no caso de os sofrimentos padecidos pela vítima de um acidente de viação, ou a sua morte, também causarem a familiares ou amigos daquela um enorme desgosto.
  Nestas situações, há terceiros que sofrem danos reflexamente dos que a vítima sofreu, ou seja, há uma ou mais consequências indirecta da conduta do lesante que violou os direitos da vítima.
  São geralmente apontados dois tipos de danos indirectos nesta discussão:
  - O primeiro tipo de danos é o dano de cariz não patrimonial dos pais que vêem o seu filho menor saudável em quem depositavam as maiores esperanças num futuro promissor, ficar estropiado de forma irreversível, ficando reduzido a uma vida de qualidade muito limitada e ou até dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas.
  - O segundo tipo de danos é o dano de igual natureza decorrente para a mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfações e de felicidade.
  Temos, obviamente, de reconhecer que tais danos, embora revestindo a natureza reflexa ou indirecta, se mostram, com alguma frequência, com uma gravidade muito superior à maioria dos danos directos que as vítimas sofrem na generalidade dos acidentes de viação que chegam aos tribunais.
  Porém, como simples intérpretes da lei, temos de respeitar as regras legais com que o nosso legislador nos contemplou.
  Do disposto nos arts. 483.º, 495.º, n.º 2 e 496.º, n.º 2, todos do Cód. Civil, resulta a regra de que a ressarcibilidade dos danos está reservada aos danos directos sofridos pela vítima da conduta do lesante, salvo as excepções fixadas no n.º 2 do artigo 495.º referido, aplicável quer em caso de morte da vítima quer em caso de simples lesão corporal não mortal, e salvo o caso de morte da vítima, segundo o previsto na n.º 2 do artigo 496.º mencionado.
  Destas disposições resulta, em nosso entender, que apenas nessas situações excepcionais ali previstas, a lei permite o ressarcimento destes danos de terceiros, sendo a regra a da não ressarcibilidade destes danos de terceiros que decorrem indirecta ou reflexamente dos danos causados à vítima directa.
  A entender-se da forma oposta, ficava sem razão de ser a previsão da ressarcimento constante do n.º 2 do artigo 495.º referido, pois tal já estaria contido na regra geral da ressarcibilidade de todos os lesados quer fossem lesados directos quer reflexos.
  Poder-se-ia dizer que o citado preceito apenas visava delimitar as pessoas a quem a lei atribui esse direito.
  Não é essa a nossa opinião pois a interpretação oposta impõe-se com o recurso ao elemento de interpretação histórico.
  Com efeito, conforme se pode ver no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 101, pág. 138 e segs., o Prof. Vaz Serra que interveio activamente nos trabalhos preparatórios do Cód. Civil de 1966, formulou uma norma que previa clara e directamente a ressarcibilidade daquele tipo de danos, no § 5 da proposta de redacção oferecida para o artigo 759.º da parte do Direito das Obrigações daquele código, preceito este que não passou para o texto final por ter essa pretensão sido rejeitada.
  Por outro lado, tendo o legislador regulamentado os familiares que têm direito a serem indemnizados em caso de morte da vítima, não o fez para o caso de a mesma não haver falecido, o que também aponta para a interpretação no sentido da não ter querido admitir a ressarcibilidade deste tipo de danos.
  Foi assim uma opção consciente do legislador que pode ser discutível e que o tempo pode ter tornado ainda mais discutível, mas que temos de respeitar sob pena de o intérprete estar a invadir o campo de actuação do legislador, violando o princípio constitucional da separação dos poderes soberanos.
  Neste entendimento, só excepcionalmente os danos sofridos por terceiros serão indemnizáveis, tendo sido para assegurar esse objectivo que foram introduzidos os dispositivos do n.º 2 do artigo 495.º e o n.º 2 do artigo 496.º já mencionados.
  Foi este o sentido seguido no acórdão deste Supremo de 21-03-2000, na revista n.º 1027/99 que seguimos em vários pontos na exposição que acabamos de fazer. No mesmo sentido se podem apontar, ainda, os acórdãos deste Tribunal de 26-02-2004, na revista n.º 4298/03, de 31-10-2006, na revista n.º 3244/06 e ainda o recente acórdão de 01-03-2007, na revista n.º 4025/06.”
  Analisados cuidadosamente os mui doutos argumentos expendidos no projecto elaborado pelo Relator, e pese embora o muito respeito por opinião contrária, parece-nos que a melhor interpretação da lei é a que acabamos de expor e por isso, defendemos que a queixa respectiva colocada pela recorrente deveria obter provimento e proporia que fosse uniformizada a jurisprudência nos termos seguintes:
  Em matéria de responsabilidade extracontratual, em princípio, apenas são indemnizáveis os danos sofridos pelo lesado, ou seja, o titular do direito violado ou do interesse protegido pela disposição legal violada.
  Apenas nos casos excepcionais previstos nos arts. 495.º e 496.º, n.º 2 do Cód. Civil, a lei admite o ressarcimento dos danos indirectos provocados a terceiros.
  Não são, assim, indemnizáveis os danos vulgarmente chamados "reflexos" ou indirectos que, fora dos casos previstos nos referidos arts. 495.º e 496.º, sejam indirectamente causados a terceiros.
  João Moreira Camilo.».
  Destarte, não sendo de arredar a construção jurídica que alarga o direito à indemnização por danos morais a outros para além da vítima em caso de lesão corporal sem que tenha ocorrido a morte, o certo é que, tal construção jurídica, sem prejuízo de em termos de direito a constituir poder vir a ser consagrada, ela necessita ainda de ser elaborada e concretizada, sendo que, actualmente não encontra na lei qualquer suporte.
  Pelo que, bem andou a decisão recorrida ao julgar a acção improcedente nesta parte absolvendo a Ré do pedido.
  
  IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento parcial ao recurso interposto por A na parte em que julgou a acção improcedente quanto ao pedido de danos patrimoniais pela Autora/Recorrente, ordenando o prosseguimento dos autos para conhecer desta matéria se outras causas não obstarem a tal, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente na proporção do decaimento.
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Junho de 2020
  
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Joaquim Teixeira de Sousa
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
  
1 Cit. de José Lebre de Freitas em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I pág. 586.
2 Sobre esta questão veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional Português 5/05, de 05.01.2005 proferido no processo 335/2002 em que é Relator o Conselheiro Paulo Mota Pinto, pese embora o objecto da decisão seja a conformidade constitucional de normas do Decreto-Lei nº 48051, cuja redacção é em tudo idêntica ao DL28/91/M, sendo contudo analisada a dualidade de soluções legislativas a favor ou contra a possibilidade de accionar directamente o lesante.

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1213/2019 ADM 42