Processo nº 244/2019
Data do Acórdão: 18JUN2020
Assuntos:
Mediador imobiliário
Dever de comunicação escrita
SUMÁRIO
A redacção do artº 19º/4-3) da Lei nº 16/2012 patenteia inequivocamente que para o dever de comunicação escrita, basta que o mesmo mediador imobiliário represente ambas as partes, não sendo imprescindível que haja contrato de mediação imobiliária entre o mediador e o segundo representado, pois a axiologia consiste em assegurar a transparência da representação bilateral por mesmo mediador e o direito à informação do segundo representado que, em regra, é promitente-comprador.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 244/2019
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de recurso contencioso administrativo de anulação interposto por A Limitada, devidamente identificada nos autos, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo e foram registados sob o nº 2768/18-ADM, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente o recurso contencioso:
I. Relatório
Recorrente A LIMITADA (A有限公司), melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade recorrida PRESIDENTE DO INSTITUTO DE HABITAÇÃO, que lhe aplicou uma sanção pecuniária de MOP$5.000,00 por violação do disposto no n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2012, nos termos do art.º 31.º, n.º 3 da mesma Lei.
Alegou a recorrente, com os fundamentos de fls. 28 a 52 dos autos, em síntese
- a nulidade do acto recorrido pela violação do disposto da alínea c) do art.º 14.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, e
- a anulabilidade do acto recorrido pelo erro manifesto na interpretação do disposto nas alíneas 1), 2) e 3) do n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2012.
Concluiu, pedindo que seja declarado nulo ou anulado o acto recorrido.
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A Entidade recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 90 a 96 e v dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto recorrido, concluiu no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
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A recorrente apresentou as alegações facultativas.
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A Digna Magistrada do M.º P.º emitiu douto parecer no sentido de improceder o presente recurso, com os fundamentos a fls. 134 a 139 e v dos autos.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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II. Fundamentação
1. Matéria de facto
Dos autos e do P.A. anexo resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
➢ 司法上訴人的商業登記編號為XXXXXSO,為房地產中介人,房地產中介人准照編號為MI-1000XXXX-2 (見卷宗第56頁及第58頁)。
➢ 2016年11月23日,B有限公司作為C有限公司(以下簡稱“發展商”)的總銷售代理人與司法上訴人簽署房地產中介合同,委任司法上訴人推銷其位於澳門氹仔新城市中心XXXX地段,標示編號XXXXX,XXX第一座至第八座的不動產單位,合同有效期由2016年11月23日至2016年12月31日。
上指合同第4款訂明,如發展商在有效期內經由中介與買方就該物業內的一個或多個單位訂立具約束力的樓宇預約買賣合同,則發展商須向中介支付物業成交價1-4%作為中介的佣金(見卷宗第74頁及背頁)。
➢ 2016年11月24日至12月4日期間,多名XXX單位的預約買受人與司法上訴人簽訂購買物業用的地產代理協議,委托其協助購買XXX單位。
上指協議列明代理與買方之間的代理關係屬“雙邊代理”或“有可能代表雙方的代理”,而買方所須支付的佣金的數額或收費率為0% 。
上指協議中有8份列明賣方所須支付的佣金的數額或收費率為1%或2%,而另外3份協議則沒有指出賣方所需支付的佣金的數額或收費率(見行政卷宗第21頁、第41頁、第66頁、第106頁、第134頁、第165頁、第205頁、第272頁、第299頁、第338頁及第360頁)。
➢ 2017年5月11日,房屋局法律事務處處長作出批示,指出因司法上訴人與B有限公司簽訂房地產中介合同後,針對被委託之物XXX單位,在未有以書面方式將收取買方的佣金及取得賣方的明示同意下,與買方簽訂房地產中介合同,並提供房地產中介服務,亦未有以書面方式將賣方的佣金數額通知買方,有關行為涉嫌違反經第7/2014號法律修改之第16/2012號法律《房地產中介業務法》第19條第4款2)項的規定,故決定向司法上訴人開展聽證程序(見行政卷宗第392頁及背頁)。
➢ 同日,房屋局法律事務處處長向司法上訴人發出編號1705110074/DAJ通知書,以通知司法上訴人可針對上述違法行為以書面形式提交辯護 (見行政卷宗第393頁至第395頁及背頁) 。
➢ 2017年6月5日,司法上訴人向房屋局提交書面辯護 (見行政卷宗第396頁至第397頁及背頁)。
➢ 2017年12月12日,房屋局局長在編號1578/DAJ/2017建議書中作出批示,指出因司法上訴人作出的行為違反經第7/2014號法律修改之第16/2012號法律《房地產中介業務法》第19條第4款2)項的規定,決定對司法上訴人科處罰款澳門幣5,000.00元,並於同年12月15日發出編號1712120012/DAJ公函,將上述決定通知司法上訴人 (見行政卷宗第398頁至第402頁與第403頁至第405頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
➢ 2018年1月17日,司法上訴人之訴訟代理人透過圖文傳真方式針對上指決定向本院提起本司法上訴。
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2. Matéria de direito
Começamos por analisar o vício de nulidade.
Nos termos alegados pela recorrente, o acto recorrido é nulo pela omissão da indicação da norma que prevê e sanciona o facto ilícito imputado, e em termos concretos, pela falta da individualização da alínea do n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2012 concretamente aplicada no caso.
Ora, a norma do n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2012 (Lei da actividade de mediação imobiliária) estatui o seguinte:
“Artigo 19.º
…
4. Na situação em que ambas as partes são representadas pelo mesmo mediador imobiliário, o mediador deve:
1) Comunicar, por escrito, ao primeiro representado o valor da comissão a receber do segundo representado;
2) Obter o consentimento expresso do primeiro representado para celebração do contrato de mediação imobiliária com o segundo representado;
3) Comunicar, por escrito, ao segundo representado a existente relação de representação e o valor da comissão recebida ou a receber do primeiro representado.
…”
Como se vê, a norma supracitada descreve três condutas típicas ilícitas da infracção, importa saber qual conduta da recorrente foi imputada em concreta no acto recorrido, a fim de concluir se houve ou não omissão da especificação das alíneas aplicáveis.
Do ponto 19 da proposta n.º 1578/DAJ/2017 a fls. 398 a 402 do processo administrativo, que integra o acto recorrido, onde se determina a medida concreta da sanção, resulta o seguinte:
“基於A於2016年11月23日與其客戶「B有限公司」簽訂房地產中介合同後,針對被委托之物「XXX」單位,在未有以書面方式將收取第二位被代表人(買方)的佣金及取得該被代表人(賣方)的明示同意下,與其客戶(買方)簽訂房地產中介合同,並提供房地產中介服務,亦未有以書面方式將收取首位被代表人(賣方)的佣金數額通知第二位被代表人(買方) ,有關行為己違反經第7/2014號法律修改之第 16/2012號法律《房地產中介業務法》第19條第4款的規定,根據同一法律第31條第3款的規定,科澳門幣五千元至二萬五千元罰款...”。
Daí se depreende sem equívoco que foram incluídos como fundamentos da sanção, todas as três condutas típicas descritas no art.º 19.º, n.º 4. da Lei n.º 16/2012:
- a recorrente não comunicou, por escrito, à primeira representada, a vendedora B limitada, o valor da comissão a receber dos compradores, ou seja, o segundo representado (conduta enquadrável na alínea 1) da respectiva norma),
- a recorrente sem o consentimento expresso da primeira representada, celebrou o contrato de mediação imobiliária com o segundo representado e prestou a favor deste os serviços de fomento imobiliário (conduta enquadrável na alínea 2) da respectiva norma),
- a recorrente não comunicou, por escrito, ao segundo representado, o valor da comissão a receber da vendedora, ou seja, a primeira representada (conduta enquadrável na alínea 3) da respectiva norma).
Uma vez que não está em causa apenas um tipo de conduta, mas sim vários tipos de conduta ilícita previstos em todas as alíneas da norma fundamentadora do acto recorrido, torna-se desnecessária a individualização de cada alínea aplicável em concreto.
Não obstante a sua não especificação, interpretando o acto recorrido na contextualização em que foi este praticado, não se afigura difícil perceber, ainda que colocada na posição da própria recorrente, os concretos fundamentos normativos que sustentam o mesmo acto.
Pelo que, considero que foi cumprida a exigência formal do art.º 14.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, nomeadamente, o disposto da alínea c).
Por consequência, não se verificou o invocado vício de nulidade.
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Passemos à análise de outra questão.
Considera a recorrente que não violou os deveres consagrados no n.º 4 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2012, uma vez que esta não cobrou nem ia cobrar aos promitentes-compradores qualquer comissão.
Além do mais, a recorrente não celebrou quaisquer contratos de mediação imobiliária com os referidos promitentes-compradores, pela inexistência da onerosidade ou do elemento da remuneração nas relações jurídicas estabelecidas com estes, facto este suficiente para descaracterizar o contrato como da mediação imobiliária.
De resto, também inexiste por parte da recorrente, a prática de actos que constituem o cerne da actividade mediadora, em relação aos promitentes-compradores.
Vejamos se lhe assiste razão.
Desde logo, a norma do disposto do art.º 2.º da Lei n.º 16/2012 define a actividade de mediação imobiliária e o contrato de mediação imobiliária nos seguintes termos:
“ 1. Para efeitos do disposto na presente lei e no diploma complementar, entende-se por:
1) Actividade de mediação imobiliária: a actividade comercial destinada a promover, por conta e no interesse do cliente e mediante contrato de mediação imobiliária, a celebração, por terceiros, dos seguintes negócios jurídicos:
(1) Aquisição ou alienação dos direitos reais sobre bens imóveis;
(2) Arrendamento de bens imóveis;
(3) Aquisição ou alienação de estabelecimentos comerciais ou industriais;
(4) Cessão da posição contratual nos contratos cujo objecto seja um bem imóvel, independentemente da forma assumida.
2) Contrato de mediação imobiliária: o contrato de prestação remunerada de serviços, no âmbito de mediação imobiliária, celebrado entre o mediador imobiliário e o cliente, nele se estipulando, designadamente, os direitos e deveres de ambas as partes;
…” (sublinhado nosso).
Ora face à clareza da definição acima dada, parece-nos que não se devia admitir grande discussão quanto à essencialidade do carácter oneroso para a qualificação de um contrato de prestação de serviços como de mediação imobiliária.
Por outras palavras, o contrato de mediação imobiliária pressupõe necessariamente a presença de uma remuneração como contrapartida dos serviços prestados pelos mediadores ou agentes imobiliários. Contrário ao que afirmou a entidade recorrida, a fixação da remuneração não é uma mera consequência eventual derivada da celebração do negócio, mas sim o seu elemento essencial, que deve acompanhar a sua celebração.
Certo é que no contrato de mediação imobiliária como noutros tipos de contrato de mediação, verifica-se uma situação condicional: o nascimento do direito a remuneração do mediador está dependente de um evento futuro e incerto: a celebração do contrato visado, como estabelece na norma do art.º 18.º da Lei n.º 16/2012.
Mas, tal circunstância de a remuneração estar dependente daquele evento, não é uma cláusula acessória ou um elemento acidental, por referência a um tipo preexistente, mas um elemento caracterizador do contrato, sem o qual a qualificação altera. O contrato de mediação, portador da referida característica, não é um “tipo normal modificado”, mas um tipo normal, sem mais.
Mesmo analisadas as ordens jurídicas comparativas, entende-se que o contrato gera para a contraparte do mediador uma obrigação de entregar uma prestação pecuniária. A remuneração do mediador é vista como um elemento essencial do contrato, cuja inexistência leva à sua descaracterização como mediação (cfr. pp.268 e 286 a 288 Contrato de Mediação, estudo das prestações principais, Higina Maria Almeida Orvalho da Silva, Setembro de 2013, dissertação de doutoramento em direito privado, disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf).
Além disso, também nos parece evidente que o carácter de onerosidade do negócio jurídico se deve aferir através da interpretação das estipulações contratuais em concreto, a saber se as partes ao momento da celebração do contrato, tinham a intenção de atribuir uma vantagem económica como a contraprestação, ainda na condição de que venha a ser concluído o negócio jurídico promovido.
Daí que também não se afigura aceitável a tese segundo a qual a onerosidade resultará do facto de serem da natureza presumivelmente lucrativa as próprias actividades mediadoras. Julga-se que neste caso é indispensável a prova concreta da existência todos os elementos constitutivos do negócio jurídico, a fim de qualificar um determinado negócio como oneroso ou não.
Neste aspecto, estamos de acordo com a recorrente quando afirmou “a onerosidade, entre outros, é um elemento verdadeiramente essencial à existência destes contratos, pelo que, faltando-lhe tal característica, inexistem como tal”.
No caso dos autos, não houve prova demonstrativa da existência da remuneração paga ou prometida pelos compradores (promitentes) nos documentos designados por “Estate Agency Agreement for Purchase of Properties” juntos a fls. 21, 41, 66, 106, 134, 165, 205, 272, 299, 338 e 360 do processo administrativo.
Foi antes provado o facto contrário, naqueles acordos foram expressamente mencionados no campo relativo à remuneração a ser paga pelo comprador (promitente), que a comissão a receber era de 0%.
Assim sendo, com respeito ao entendimento diferente, pese embora a designação dada pelas partes aos contratos acima referidos e a semelhança que apresentavam as respectivas cláusulas face a um típico contrato de mediação imobiliária, a ausência da fixação da remuneração só deve levar à descaracterização do contrato de mediação.
Ou seja, não se deve concluir que existem as relações de contrato de mediação imobiliária entre a recorrente e os compradores (promitentes) como segunda representada.
Agora voltemos a cada um de fundamentos do acto recorrido.
Manifesto é que inexiste o dever de comunicar pela recorrente à primeira representada, uma vez que não foi combinada nenhuma comissão a cobrar junto aos compradores (promitentes). Não há por isso a violação do art.º 19.º, n.º 4, alínea 1) da Lei n.º 16/2012.
Nem existe a violação da alínea 2) da referida norma, pelo simples facto de que não há contrato de mediação celebrado entre a recorrente e os compradores (promitentes).
Quanto à acusada violação da alínea 3) da mesma norma, consideramos que apesar da falta de uma relação representação-mediação entre a recorrente e os compradores (promitentes) enquanto segundo representado, o preceito legal não deixa de ser aplicável.
Isto porque quando a norma do art.º 19.º, n.º 4 da Lei n º16/2012 afirma expressamente “na situação em que ambas as partes são representadas pelo mesmo mediador imobiliário, o mediador deve:…”, não se reporta apenas à situação da coexistência de duas representações-mediações, entre o mesmo mediador com a primeira e a segunda representada.
Era ainda concebível que o mesmo mediador tem uma representação-mediação com uma parte, e uma representação não mediação com a outra, considerando que neste caso, a razão de ser da norma, impulsionada pela salvaguarda da transparência da actividade mediadora no caso de conflito de interesses, sempre existe.
Dito por outra forma, permanecem os interesses dos compradores (promitentes) quando representado pelo mesmo mediador, de serem informados da existência da representação-mediação do vendedor e do valor de comissão a ser recebida deste.
No caso dos autos, é inegável que existe uma relação de representação-mediação entre a vendedora e o mediador imobiliário e que foi estipulado o valor de comissão a receber pelo mediador 1-4% ao valor do negócio concluído (vide fls. 20 do processo administrativo).
Por outro lado, também resulta claro dos documentos juntos, que a existência de tal relação não foi expressamente comunicada ao todos os compradores (promitentes), nem o valor de comissão a receber.
Face ao exposto, não temos dúvida de que a recorrente incumpriu o dever de comunicação previsto na alínea 3) da mesma norma, na sua relação com os compradores (promitentes).
Pelo que o fundamento invocado pela entidade recorrida ainda sustenta a sanção aplicada no caso dos autos.
Tendo em conta que foi determinada a multa no seu limite mínimo previsto no art.º 31.º, n.º 3 da Lei n º16/2012, e não obstante serem inválidos alguns fundamentos do acto recorrido, é razoavelmente esperável que mesmo com a anulação do acto recorrido e com a sua eventual renovação, não existirá margem para a redução do quantum de multa já aplicado no caso.
Neste sentido, o vício na interpretação da lei não produz efeitos invalidantes do acto.
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III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julga improcedente o presente recurso contencioso e em consequência, mantém-se o acto recorrido.
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Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 5UC.
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Registe e notifique.
Notificada e inconformada com a sentença, vem a recorrente particular A interpor recurso jurisdicional dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 140 a 145 dos autos através da qual foi julgado improcedente o recurso contencioso de anulação interposto pela Recorrente do acto administrativo proferido pelo Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Habitação de Macau no âmbito do processo de infracção administrativa n.º 71/MI/2017, instruído pela Divisão de Assuntos Jurídicos, de aplicação à Recorrente de uma sanção pecuniária de MOP$5.000,00 por alegada violação do disposto no n.º 4 do artigo 19.° da LAMI, com fundamento na sua nulidade, em razão do facto de omitir a individualização devida da norma que prevê e sanciona o facto ilícito imputado, nos termos do artigo 14° do RGIA, ex vi do artigo 43.º da LAMI, ao abrigo do artigo 21° n.º 2, alínea a) do CPAC, e, bem assim, a anulabilidade por padecer do vício de violação de lei por erro na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, designadamente do disposto no artigo 19.°, n.º 4 da LAMI, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 21° do referido código.
II. A Recorrente não se conforma com a Sentença Recorrida que, não obstante considerar ter havido erro, pela Entidade Recorrida, na interpretação do disposto nas alíneas 1) e 2) do n.º 4 do artigo 19.° da LAMI, considerou que os fundamentos invocados pela Entidade Recorrida quanto à violação do disposto na alínea 3) do referido número ainda sustenta a sanção aplicada à Recorrente nos presentes autos, pelo que vem da mesma recorrer com fundamento na violação da citada norma.
III. Foi pela Entidade Recorrida aceite, expressamente mencionado na fundamentação do Acto Recorrido e na Sentença Recorrida dado como provado (último parágrafo do ponto 3 da matéria de facto provada) que todos os serviços da Recorrente foram única e exclusivamente remunerados pela B Limitada no âmbito do contrato de mediação imobiliária com esta celebrado.
IV. Conforme havia sido alegado pela Recorrente, o tribunal a quo expressamente considerou que a onerosidade, entre outros, é um elemento verdadeiramente essencial à existência dos contratos de mediação imobiliária pelo que, faltando-lhe tal característica, inexistem como tal.
V. A Sentença Recorrida considerou não existir uma relação de mediação imobiliária entre a Recorrente e os promitentes-compradores supra melhor identificados e, em conformidade, julgou não verificada a violação imputada pelo Acto Recorrido à Recorrente dos deveres consagrados nas alíneas 1) e 2) do n.º 4 do artigo 19.º da LAMI.
VI. A Sentença Recorrida julgou, porém, verificada a violação do dever consagrado na alínea 3) do número 4 do artigo 19.º da LAMI por entender que o mesmo existe quer em relação aos indivíduos com quem os mediadores ou agentes estabeleçam relações de representação imobiliária como relativamente àqueles com quem se estabeleçam "relações de representação não mediação".
VII. Ao decidir desta forma, a Sentença Recorrida lavrou em error in judicando, extraindo da norma em causa sentido que, de acordo com os princípios e normas aplicáveis, lhe estava vedado, e criou pressupostos incriminatórios não previstos na lei.
VIII. O artigo 19.º da LAMI, com a epígrafe "Contrato de medição imobiliária", não regula quaisquer outras relações, designadamente de representação, que não as de natureza, âmbito e escopo das de mediação imobiliária estabelecidas com clientes com quem o mediador celebra contratos de mediação imobiliária, e não quaisquer outras pessoas.
IX. Quando a lei, na alínea 3) do n.º 4 do artigo 19.º, se refere a representado, refere-se aos clientes em nome e no interesse de quem o mediador, mediante contrato de mediação imobiliária, promove a celebração dos negócios jurídicos referidos no n.º 1 do artigo 2.° da LAMI, e não de quaisquer terceiros, como interpreta, erradamente, a sentença recorrida.
X. A qualidade relevante para efeito dos deveres impostos no n.º 4 e, bem assim, na alínea 6) do n.º 3, ambos do artigo 19.° da LAMI, é a de cliente, ou seja, da pessoa singular ou colectiva que celebra o contrato o contrato de mediação imobiliária com o mediador imobiliário (cfr. parágrafo (6) da alínea 2) do n.º 1 do artigo 2.°) e não de terceiro, ou seja, das pessoas que celebram os negócios jurídicos promovidos pelo agente ou mediador imobiliário no exercício da sua actividade, por conta e no interesse do cliente (cfr. alínea 1) do n.º 1 do artigo 2.º, a contrario).
XI. É meramente em relação às pessoas com quem se estabelecem relações de mediação imobiliária que existem as obrigações previstas, designadamente, na alínea 4) do artigo 19.°, e não relativamente a quaisquer outros sujeitos, designadamente aqueles que, previsível ou potencialmente celebrarão contratos promovidos por conta e no interesse dos seus clientes, como é o caso dos promitentes-compradores dos autos.
XII. A interpretação do disposto na norma em crise feita na Sentença Recorrida não encontra no respectivo texto um mínimo de correspondência, nem leva em conta o espírito e o sistema legal instituído pela LAMI, como designadamente decorre do confronto com o disposto no artigo 2.°, n.º 1, alínea 1).
XIII. O substantivo representado, para os efeitos previstos em qualquer das alíneas do n.º 4, refere-se a umas das partes num contrato de mediação imobiliária, como expressamente refere o n.º 4 e não qualquer outro sujeito alheio ou terceiro relativamente a este contrato, como, no caso, eram os promitentes-compradores.
XIV. A Sentença Recorrida desqualificou a relação e os documentos constantes de fls. 21,41,66,106,134,165,205,272,299,338 e 360 do processo instrutor como de mediação imobiliária para efeitos das alíneas 1) e 2) do n.º 4 do artigo 19.° da LAMI, mas já não o fez, incoerentemente e por razões que não se alcançam, relativamente ao dever previsto na alínea 3), pelo que se a sua tese quanto à natureza da relação objecto dos deveres aqui em causa fosse de admitir, sempre seria de considerar violados os deveres impostos nas supra referidas alíneas 1) e 2).
XV. A razão de ser da norma invocada na Sentença Recorrida de salvaguarda da transparência da actividade mediadora no caso de conflito de interesses não existe em relação a quaisquer sujeitos, designadamente aqueles [terceiros] que venham a celebrar negócios jurídicos promovidos pelo mediador ou agente no interesse e por conta do seu cliente, mas apenas em relação a estes, com quem os mediadores celebram contratos de mediação imobiliária.
XVI. Só se coloca um "conflito de interesses" relativamente a relações de natureza idêntica e de onde surjam obrigações semelhantes, e, assim, nunca relativamente a um cliente, parte num contrato de mediação imobiliária, e aos sujeitos alvo/objecto da actividade de promoção de negócios a que se obrigou mediante a celebração de contrato de mediação imobiliária com aquele cliente.
XVII. Não estando em causa o conhecimento, pelos promitentes- compradores, da existência da relação de mediação entre a Recorrente e a sociedade promotora do empreendimento, é evidente que a lei não impõe, pois, nem na alínea 3) do n.º 4 do artigo 19.º nem em qualquer outra norma, a obrigação, pelo mediador ou agente. de comunicar ou de divulgar o valor da comissão recebida ou a receber do seu cliente - representado - às pessoas com quem é suposto estes celebrarem contratos.
XVIII. Refira-se que julga-se não estar em causa o conhecimento, pelos promitentes-compradores da existência de relação de mediação entre a Recorrente e a sociedade promotora do empreendimento uma vez que foi justamente em virtude deste conhecimento que procuraram a Recorrente e só tal conhecimento justificaria a prática de actos, por parte desta, de promoção de celebração de contratos sobre as fracções aqui em causa.
XIX. Ao decidir como decidiu, a Sentença Recorrida violou o disposto no artigo 8.° do CC e bem assim. o disposto na alínea 3) do número 4) do artigo 19.° da LAMI.
XX. Para além disto, sempre seria de considerar que a ora Recorrente não praticou qualquer acto em representação dos promitentes-compradores, tendo estes meramente beneficiado dos serviços, necessariamente pluridireccionais, que a Recorrente prestou à sua representada no âmbito da relação de mediação imobiliária que tem com esta, cujo objecto consiste na celebração dos contratos que vieram a ser celebrados pelos promitentes-compradores, estes terceiros àquela relação.
XXI. Inexistindo qualquer relação de medição entre a Recorrente e os promitentes-compradores aqui em causa (nem, em bom rigor, qualquer outra relação de representação-não mediação, como se refere na Sentença Recorrida) e, sendo manifesto que, lido o disposto no artigo 19.º, n.º 4, alínea 3) da LAMI em conformidade com os mandamentos ínsitos no artigo 8.º do CC, a única relação de representação relevante para efeitos desta incriminação é a que emerge do contrato de mediação imobiliária, deve a Sentença Recorrida ser revogada e, em consequência, o Acto Recorrido ser anulado.
NESTES TERMOS, requer a V. Exa. se digne julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a Sentença Recorrida, com fundamento na violação do disposto na alínea 3) do n.º 4, do artigo 19.°, da LAMI e, bem assim, o disposto no artigo 8.° do CC, por consequência, anular o acto o Acto Recorrido com fundamento no vício de violação de lei previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21° do CPAC. por interpretação manifestamente errada referida norma jurídica.
Ao recurso jurisdicional respondeu a entidade administrativa pugnando pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, confrontada a petição do recurso contencioso e a fundamentação da sentença recorrida com as questões delimitadas nas conclusões do presente recurso jurisdicional, verifica-se que a ora recorrente se limitou a questionar a bondade da sentença recorrida na parte que anulou o acto recorrido com fundamento na insuficiência de fundamentação.
Da simples leitura da sentença ora recorrida, verificamos que a única questão que constitui o objecto do presente recurso se prende com a interpretação do artº 19º/4-3) da Lei nº 16/2012, questão essa que já foi devidamente rebatida na douta sentença ora recorrida, que merece a nossa inteira concordância, e que os argumentos invocados neste recurso jurisdicional já se encontram devidamente analisados e retorquidos na pertinente observação feita no douto parecer ora junto pelo Dignº Representante do Ministério Público em sede de vista nesta Instância.
Ai opinou o Dignº Representante do Ministério Público que:
Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que proclama: A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589º, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios pró-prios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º98/2012 e, a nível do direito comparado, acórdão do STA de 23/06/1999 no processo n.º039125)
Em esteira, e tendo em conta as conclusões nas alegações da recur-so jurisdicional em apreço, basta-nos indagar se douta sentença recorrida eivar ou não da errada interpretação do preceito na alínea 3) do n.º4 do art.19º da Lei n.º16/2012 (Lei da actividade de mediação imobiliária)?
Com efeito, formou-se já caso julgado a sentença relativa à não verificação do vício arrogado em sede do recurso contencioso (cfr. Sumário III do Acórdão do TUI no Processo n.º80/2012), vício que se traduz, de acordo com a argumentação da recorrente, em omitir a referência exigida na alínea c) do art.14º do D.L. n.º52/99/M e assim germina a nulidade.
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Ora, constantes do P.A., os documentos titulados de “地產代理協議” mostram iniludivelmente que a recorrente era, na devida altura e para os devidos efeitos, a representante dos promitentes-compradores aí iden-tificados e também da vendedora denominada “B有限公司”.
Nos termos da definição no n.º2 do art.2º da Lei n.º16/2012 e dado ser provado que todos os sobreditos documentos titulados de “地產代理協議” indicam que “而買房所須支付的佣金的數額或收費率為0%”, sufragamos a tese do MMº Juiz a quo, no sentido de “não se deve concluir que existem as relações de contrato de mediação imobiliária entre a recorrente e os compradores (promitentes) como segunda representada”.
Repare-se que no presente recurso jurisdicional, a recorrente não pôs em causa o facto dado como provado pelo MMº Juiz a quo segundo a sua prudente convicção sobre provas documentais, facto que consiste em “上述協議中有8份列明賣方所須支付的佣金的數額或收費率為1%或2%,而另外3份協議則沒有指出賣方所須支付的佣金的數額或收費率(…)”.
Impõe-se indagar se a sentença em escrutínio, que julgou verificada a infracção imputada à recorrente por via do despacho contenciosamente imputado e improcedente o recurso contencioso, padecer da interpretação errada do disposto na alínea 3) do n.º4 do art.19º da Lei n.º16/2012?
Prevê esta alínea 3): Na situação em que ambas as partes são repre-sentadas pelo mesmo mediador imobiliário, o mediador deve comunicar, por escrito, ao segundo representado a existente relação de representação e o valor da comissão recebida ou a receber do primeiro representado.
A redacção desta alínea 3) patenteia inequivocamente que para o dever de comunicação escrita, basta que o mesmo mediador imobiliário represente ambas as partes, não sendo imprescindível que haja contrato de mediação imobiliária entre o mediador e o segundo representado. No nosso prisma, a respectiva axiologia consiste em assegurar a transparência da representação bilateral por mesmo mediador e o direito à informação do segundo representado que, em regra, é promitente-comprador.
O que nos leva a colher que é acertada a interpretação do MMº Juiz a quo que proclamou: Era ainda concebível que o mesmo mediador imobiliário tem uma representação-mediação com uma parte, e uma repre-sentação não mediação com a outra, considerando que neste caso, a razão de ser da norma, impulsionada pela salvaguarda da transparência da activi-dade mediadora no caso de conflito de interesses, sempre existe.
Nestes termos, e visto ser documentalmente provado que “另外3份協議則沒有指出賣方所須支付的佣金的數額或收費率”, não podemos deixar de entender que a recorrente incorreu na violação do preceito na alínea 3) do n.º4 do art.19º da Lei n.º16/2012 e, nesta medida, viu o insucesso da sua arguição de que a sentença in quaestio enferma da errada interpretação deste comando legal. Com efeito, é sã a interpretação processada pelo MMº Juiz a quo na mesma sentença.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.
Cremos que já demonstramos a sem razão do recurso jurisdicional interposto pela recorrente particular A ao aderirmos à douta sentença ora recorrida no que diz respeito à interpretação do artº 19º/4-3) da Lei nº 16/2012 às pertinentes considerações tecidas no Douto parecer do Ministério Público.
Assim sendo, dado o brilhantismo da sentença recorrida e a sensatez do parecer do Ministério Público, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, ex vi do artº 149º do CPAC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, assim como dar por aqui integralmente reproduzido o Douto parecer do Ministério Público, emitido em sede desta instância, como fundamentos deste Acórdão, para julgar improcedente o recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.
Em conclusão:
A redacção do artº 19º/4-3) da Lei nº 16/2012 patenteia inequivocamente que para o dever de comunicação escrita, basta que o mesmo mediador imobiliário represente ambas as partes, não sendo imprescindível que haja contrato de mediação imobiliária entre o mediador e o segundo representado, pois a axiologia consiste em assegurar a transparência da representação bilateral por mesmo mediador e o direito à informação do segundo representado que, em regra, é promitente-comprador.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 18JUN2020
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
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Mai Man Ieng
Proc. 244/2019-22