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Processo n.º 888/2019
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Junho/2020

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificada do despacho do Exm.º Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que lhe manteve a aplicação da pena disciplinar de demissão, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho n.º 40/SASC/2019 do Exmo. Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 21 de Junho de 2019, o qual concordando integralmente com a proposta constante do Relatório apresentado pelo Senhor Instrutor da Direcção dos Serviços de Saúde, no âmbito do Processo Disciplinar n.º PD-15/2014 com data de 27 de Fevereiro de 2019, mandou aplicar à ora Recorrente a pena disciplinar de demissão.
2. Não se conforma a ora Recorrente com o referido despacho, considerando não estar devidamente fundamentado, por este concluir que a Recorrente premeditou a ausência do trabalho e ainda porque a Recorrente entende que a pena de demissão não é única sanção possível, atentos os factos descritos na própria acusação, a prova carreada para os autos, muito menos concordando agora com a ponderação que, das circunstâncias atenuantes (em especial do louvor que à Recorrente foi atribuído), foi feita pelo senhor instrutor no seu relatório de 27/02/2019 na sequência da decisão proferida pelo Venerando TSI no Processo 219/2016, e que veio a merecer a concordância do Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, acresce ainda que a Recorrente entendendo que a demissão não é a única sanção possível, considerando as circunstâncias atenuantes provadas nos autos apontam para a ponderação da aposentação compulsiva em alternativa à pena de demissão, sob pena de se estar a violar o princípio da proporcionalidade e adequação.
3. Ao longo da proposta constante do relatório apresentado pelo Instrutor do Processo Disciplinar bem como no douto despacho ora recorrido, insiste-se na tese de que a Recorrente tinha premeditado toda a situação.
4. Em primeiro lugar, a Recorrente reconhece e aceita que, ao não conseguir justificar documentalmente a sua ausência do trabalho, o seu comportamento poderá ser objecto de sanção disciplinar por parte dos Serviços competentes.
5. Todavia, o reconhecimento de que errou, não significa que a Recorrente tenha premeditado esta situação, determinando-se, assim, sem mais justificação, a mudança da pena de aposentação compulsiva, anteriormente proposta na primeira acusação, para a pena de demissão.
6. Salvo o devido respeito, não se compreende o que levou à substituição da acusação deduzida em 30 de Abril de 2015, que considerou como facto não provado a premeditação da Recorrente, pela nova acusação em 30 de Novembro de 2015, que já considera como facto assente, a premeditação da Recorrente, determinando a sanção mais radical da pena de demissão, em detrimento da anteriormente proposta (aposentação compulsiva) e em que medida é que as diligências complementares conduziram a tal decisão.
7. Na verdade, a Recorrente reitera, nesta sede, tal como sustentou na sua defesa, no decurso do processo disciplinar, as incongruências e falta de fundamentação da douta decisão ora em crise, quanto à ponderação dos factos e provas compulsados nos autos.
8. Com efeito, na primeira acusação o Ex.mo Senhor Instrutor, refere que “no decurso da instrução do presente processo disciplinar não se conseguiu fazer prova de que o comportamento da Recorrente foi premeditado”. Concluindo que: “certo é que a Arguida nunca pretendeu desvincular-se dos Serviços de Saúde ou não teria efectuado o pedido de licença sem vencimento por um período de 10 anos, facto esse que cria no Instrutor a forte convicção de que a infracção agora imputada à Arguida não tenha sido premeditada.”
9. Posteriormente, na segunda acusação deduzida o Ex.mo Senhor Instrutor, refere no artigo 25º que: “As situações descritas nos artigos 20º a 24º desta acusação, criam a forte convicção do Instrutor que o comportamento da Arguida foi anteriormente premeditado.”~
10. Ora, cumpre referir que, em vista duma adequada e ponderada análise do comportamento da Recorrente, os factos descritos nos artigos 20º a 24º da nova acusação não podem ser dissociados do inesperado indeferimento do seu pedido de licença sem vencimento, ainda durante o seu período de férias anuais, (mesmo após ter sido dado parecer favorável, por parte da sua chefe superior), nem de outros que foram confirmados através dos depoimentos das testemunhas, designadamente a pressão familiar a que estava sujeita, o que fez com que a Recorrente actuasse de uma forma precipitada, não tendo consciência, à data, que o seu acto pudesse causar a presente situação.
11. Contudo, o Exmo. Senhor Instrutor insistiu no seu relatório, que “Era claro que já havia intenção por parte da Arguida de ficar mais tempo em casa aquando do pedido de licença sem vencimento por motivo de prestação de cuidados à sua filha bem como de outos problemas familiares (…). De acordo com as declarações da Arguida, o sogro adoeceu gravemente por volta de Agosto de 2014, facto esse que a mesma referiu que teve peso na decisão de não comparecer mais no serviço, o que demonstra, no entendimento do instrutor, que a Arguida começou então a ponderar o cenário de desvinculação dos Serviços de Saúde. A Arguida apresentou um pedido de licença sem vencimento no dia 19 de Agosto de 2014 (dois meses e meio antes de abandonar o serviço), tendo sido o mesmo indeferido. No pedido de licença sem vencimento supra referido, a Arguida solicitou que os 10 anos começassem desde 4 de Novembro de 2014 até 1 de Novembro de 2024. Esses 10 anos, “curiosamente”, começariam a contar a partir de 4 de Novembro de 2014, que por “coincidência”, foi exactamente o dia que a Arguida deixou de comparecer no serviço. O pedido enviado ao Director dos Serviços de Saúde solicitando a licença sem vencimento por um período de 10 anos, com a data de 19 de Agosto de 2014, na qual a Arguida solicita que os 10 anos sejam contados a partir de 4 de Novembro de 2014, dia que coincidentemente deixou de comparecer no serviço, cria a forte convicção no Instrutor do processo disciplinar que a Arguida efectivamente premeditou a sua saída.”
12. Salvo o devido respeito, é óbvio que quando a Recorrente apresentou o seu pedido de licença sem vencimento, tinha intenção de ficar mais tempo em casa para cuidar da sua filha e do seu sogro doente, mas daí a concluir que tudo isto foi premeditado, vai um longo caminho, que não consegue ser sustentado nem pelo relatório do Exmo. Senhor Instrutor, nem pelo douto despacho de que ora se recorre.
13. No âmbito do processo disciplinar instaurado, conjugado com a prova documental constante do seu processo individual, a Recorrente alegou em sua defesa vários factos atenuantes: 15 anos de serviço efectivo prestado, a atribuição de 1 louvor publicado em Ordem de Serviço, a ausência de qualquer sanção disciplinar anterior bem como a obtenção de classes de comportamento de serviço positivas ao longo da carreira, boa informação dos superiores, situação de familiar com uma doença grave a precisar de tratamento hospitalar e assistência médica 24 horas/dia, e 1 filha menor, em idade escolar.
14. Contudo, apenas foi considerada a circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282º do ETAPM.
15. Todos os demais factos apresentados pela Recorrente foram desconsiderados e usados paradoxalmente para justificar a sua premeditação.
16. Não ponderar as circunstâncias atenuantes da Recorrente na escolha da sanção disciplinar, é, de facto, injusto.
17. Por outro lado, a Recorrente não entende em que medida é que as únicas diligências complementares realizadas, ou seja, os depoimentos testemunhais possam ter influenciado a mudança de posição na segunda acusação e tenham justificado a aplicação da pena disciplinar de demissão.
18. Aliás, com excepção das opiniões pessoalíssimas de apenas 5 das 15 testemunhas inquiridas, o depoimento de 10 testemunhas aponta que nunca foi intenção da Recorrente se desvincular dos Serviços de Saúde, a saber: 1. Senhora Enfermeira B (fls. 58 a 61); 2. Senhora Enfermeira C, (fls. 0230 a 0233 dos autos); 3. Senhor Enfermeiro D (fls. 0240 a 0243 dos autos); 4. Senhora Enfermeira E (fls. 0248 a 0249 dos autos); 5. Senhora Enfermeira F (fls. 0260 a 0263 dos autos); 6. Senhora Enfermeira G (fls. 0271 a 0275 dos autos); 7. Senhora Enfermeira H (fls. 0287 a 0290 dos autos); 8. Senhora Enfermeira I (fls. 382 a 385); 9. Senhora Enfermeira J (fls. 389 a 393); 10. Médico K (fls. 375 a 378).
19. Efectivamente, a Recorrente procurou organizar a sua vida, o melhor que pode, contando com os pareceres favoráveis dos seus superiores e seguindo as instruções dos mesmos quando lhe sugeriram alterar as suas férias, facto que aliás nem sequer foi atendido pelo Exmo. Senhor Instrutor, apenas mencionando que o argumento não vinga, o que a Recorrente não compreende, visto que tudo está provado documentalmente.
20. É que a recorrente, acreditando que o parecer favorável da sua superior B levaria ao deferimento do seu pedido de licença sem vencimento, como em regra sempre aconteceu no funcionalismo público, programou a sua vida considerando que terminadas as suas férias entraria de licença sem vencimento.
21. Não considerou, em momento algum, que a sua superior viesse a inflectir o sentido do seu parecer, daí que muito antes de lhe ser comunicada a decisão de indeferimento já a Recorrente tinha programado a sua vida para o período pós férias na expectativa de que passaria a estar de licença, sendo-lhe impossível, perante os compromissos assumidos, regressar de imediato ao trabalho, sob pena de sofrer e de fazer sofrer graves consequências outros que de si dependiam e em prol dos quais programou a sua vida, designadamente o seu sogro doente oncológico e a sua filha pequena.
22. Deste despacho a Recorrente interpôs recurso contencioso de anulação para o Venerando TSI o qual, por acórdão de 6 de Dezembro de 2018 proferido no Processo n.º 219/2016, anulou aquele despacho por a entidade recorrida não ter procedido à ponderação e valoração das circunstâncias atenuantes invocadas pela Recorrente na sua defesa.
23. E, na sequência e cumprimento deste acórdão, procedeu o senhor instrutor à reformulação do seu relatório, o qual veio a merecer a concordância do Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, determinando, por despacho de 21 de Junho de 2019, a aplicação à Recorrente da pena de demissão.
24. Também o presente recurso contencioso de anulação é assim interposto em virtude do referido despacho punitivo, proferido pelo Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que, na consideração das circunstâncias atenuantes, designadamente o louvor atribuído, não procedeu a uma correcta valoração das mesmas, transformando em circunstância agravante o que devia ser atenuante e como tal contribuir para a atenuação da censura disciplinar, aplicando à recorrente, sem a devida justificação e em violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, a pena disciplinar mais grave, a pena de demissão.
25. Ainda no que se refere ao louvor atribuído à Recorrente pelo Chefe do Executivo da RAEM, pelo seu espírito altruísta e de solidariedade e assistência médica prestada nas zonas flageladas da Província de Sichuan e pela inequívoca dedicação e profundo empenho manifestado pela Recorrente, e apesar do Venerando Tribunal de Segunda Instância, no acórdão de 6 de Dezembro de 2018 proferido no Processo 219/2016 ter anulado o despacho do Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura por não terem sido valoradas as circunstâncias atenuantes invocadas pela Recorrente na sua defesa, designadamente a atribuição do referido louvor, a verdade é que o senhor instrutor no seu relatório e o Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no seu despacho punitivo de 21 de Junho de 2019 apenas se referiram ao louvor atribuído à Recorrente e ao facto de a Recorrente ter 10 anos de serviço classificada de “bom”.
26. No entanto a Recorrente invocou ainda, como circunstâncias atenuantes o ter, não 10 anos de serviço, mas sim mais de 15 anos de serviço, sem qualquer sanção disciplinar, a atribuição de um louvor, a obtenção de classes de comportamento de serviço positivas ao longo da sua carreira, boas informações dos superiores, como já se referiu supra no artigo 44º.
27. No entanto, tanto o relatório do senhor instrutor como o despacho do Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, insistiram em não se pronunciar quanto a todas as circunstâncias atenuantes invocadas pela Recorrente, apesar de tal ter sido decidido no acórdão proferido no processo 219/2016 que anulou a decisão para que a entidade recorrida se pronunciasse e ponderasse sobre todas as circunstâncias atenuantes invocadas pela Recorrente e que pudessem influir na dosimetria da sanção disciplinar a aplicar.
28. E mesmo as circunstâncias que se propuseram considerar e valorar, fizeram-no defeituosamente, pois que referiu o senhor instrutor que a Recorrente tinha duas circunstâncias atenuantes, que eram a prestação de mais de 10 anos classificados de “bom”, quando a Recorrente invocou ter já 15 anos de serviço prestado com ausência de qualquer sanção disciplinar.
29. E a atribuição de um louvor, que segundo o senhor instrutor “se poderia inserir dentro do artigo 282º do ETAPM por as suas alíneas não serem taxativas”, quando devia ter considerado que cabe mesmo na alínea c) do artigo 282º pois o louvor foi atribuído pela prestação altruística de serviços relevantes ao Estado Chinês por altura do sismo que ocorreu em Sichuan.
30. Já quanto à atribuição à Recorrente daquele louvor, surpreendentemente, considerou o senhor instrutor no seu relatório que obteve a concordância do Exmº Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura que no despacho de que se recorre decidiu o seguinte: “O facto de a Arguida ter invocado como circunstância atenuante o recebimento de um louvor não se coaduna com o comportamento doloso que a mesma praticou, antes pelo contrário, pois tendo recebido o dito louvor é na opinião do instrutor motivo para, no mínimo, ter mantido um comportamento digno de um profissional da área da Saúde, respeitando a Instituição que a empregava.”
31. A Recorrente tem dificuldade em perceber como é que uma circunstância atenuante (a atribuição de um louvor por serviços altruisticamente prestados às populações da região de Sichuan aquando do sismo que ali ocorreu) possa ser valorado negativamente, como se de uma agravante se tratasse, como fez o senhor instrutor no seu relatório e o senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no despacho punitivo, ora veja-se.
32. Em primeiro lugar, na alínea h) do despacho do Exmº Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, considera-se o recebimento daquele louvor, como circunstância atenuante, pois refere-se que: “h) Tendo em consideração a prova produzida nos autos do processo disciplinar foi considerada e valorada a circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282º do ETAPM – a prestação de mais de 10 anos de Serviço classificados de “Bom”, e um louvor atribuído à Arguida, atenuante essa que se poderá inserir dentro do art. 282º do ETAPM, por as suas alíneas não serem taxativas.”
33. E, em segundo, considera-se o recebimento daquele louvor, como circunstância agravante, ao referir-se: x) “O facto de a Arguida ter invocado como circunstância atenuante e recebimento de um louvor não se coaduna com o comportamento doloso que a mesma praticou, antes pelo contrário, pois tendo recebido o dito louvor é na opinião do instrutor motivo para, no mínimo, ter mantido um comportamento digno de um profissional da área da Saúde, respeitando a Instituição que a empregava.”
34. Ora, é evidente a contradição existente no douto despacho, quando considera a mesma circunstância, em atenuante e, para logo de seguida a valorar como agravante, como se os relevantes e altruísticos serviços prestados pela Recorrente às populações de Sichuan afectadas pelo Sismo ali ocorrido não tivessem sido uma marca do seu mérito profissional anterior.
35. Ora, o senhor instrutor no seu relatório e o Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, na valoração que fizeram do louvor atribuído à Recorrente foi o mesmo que afirmar que um funcionário que durante a sua vida profissional sempre teve um desempenho meritório fica obrigado a manter esse nível de desempenho, pois se claudicar, diminuindo o seu desempenho, o facto de anteriormente ter sido um funcionário de excelência irá ser valorado em seu desfavor, e como tal será punido mais severamente que aquele outro funcionário que sempre teve um desempenho menor.
36. Não parece que seja essa a intenção do legislador ao prever circunstâncias atenuantes a ser valoradas no momento da aplicação de uma sanção. O seu valor pode ser maior ou menor, mas terá sempre que ser em benefício do funcionário louvado, nunca em seu prejuízo, como aconteceu na situação a que nos vimos referindo.
37. Aliás, o recebimento de um louvor releva apenas em duas situações distintas: Ou funciona como circunstância atenuante em caso de procedimento disciplinar que leve à aplicação de uma sanção ao funcionário louvado ou é valorado para efeitos de promoções e avaliações curriculares. Nunca poderá é servir para agravar a moldura sancionatória a aplicar, como fez o Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no despacho recorrido, e assim.
38. Não podia pois o Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura valorar negativamente uma circunstância atenuante (como é a atribuição de um louvor), que cabe sem margem para dúvidas na alínea c) do artigo 282º do ETAPM, pelo que o seu despacho de 21 de Junho de 2019 que decidiu pela aplicação da pena de demissão, enferma de vício de erro nos pressuposto de facto, devendo por isso ser anulado.
39. Pelo que entende a Recorrente, que o quadro factual descrito configura um conjunto de circunstância atenuantes que deveriam relevar em termos da ponderação da pena alternativa à demissão, como é a aposentação compulsiva, uma vez que neste caso, a demissão, não á a única sanção possível.
40. O que aconteceu foi que muito antes de lhe ser comunicada a decisão de indeferimento já a Recorrente tinha programado a sua vida para o período pós férias na expectativa de que passaria a estar de licença, sendo-lhe impossível, perante os compromissos assumidos, regressar de imediato ao trabalho, sob pena de sofrer e de fazer sofrer graves consequências outros que de si dependiam e em prol dos quais programou a sua vida, designadamente o seu sogro doente oncológico e a sua filha pequena.
41. Em boa verdade, é deveras evidente, que a Recorrente não estava no seu estado emocional normal, vivendo uma situação de puro stress psicológico e de pressão familiar.
42. O juízo de censura formulado que originou a sanção disciplinar aplicada parece ancorado apenas em opiniões subjectivas e pessoalíssimas de algumas testemunhas, sendo certo que as perguntas meticulosamente feitas às testemunhas sobre a opinião destas quanto à premeditação da Recorrente, tinham o fim não de apurar factos, mas de justificar a alteração da aplicação da pena de aposentação compulsiva para a pena de demissão, em prol do alegado interesse público.
43. Contudo, nos autos existem factos concretos, alguns dados por assentes, que na sua esmagadora maioria constituem uma descrição pormenorizada de como toda a situação decorreu, sendo notório que a Recorrente não premeditou os problemas familiares, nomeadamente depois do nascimento da sua filha, o facto de não conseguir cuidar e amamentar a sua filha, tendo que pedir uma licença de dispensa diária para amamentação e o facto de ter requerido para não fazer turnos nocturnos, a fim de cuidar da sua filha.
44. Aliás, nos autos existem comprovativos do internamento hospitalar em Hong Kong do sogro da Recorrente, de 87 anos, e que tinha sido sujeito a uma intervenção cirúrgica em Agosto e duas em Setembro de 2014, sendo que nessa altura, não havia ninguém com conhecimentos técnicos para tomar conta do seu familiar no período da noite, sendo a Recorrente a única pessoa disponível, nessa altura.
45. Daí que a Recorrente tenha apresentado o seu pedido de licença sem vencimento, pois sabia que os seus serviços e conhecimentos profissionais iriam ser necessários para ajudar o seu familiar durante o período de internamente e o período de recuperação.
46. Ora, perante estes factos, não é difícil concluir que a Recorrente estava a viver um período de muito stress, no sentido de conseguir equilibrar as suas responsabilidades profissionais com as obrigações familiares que a estavam a pressionar e a condicionar fortemente.
47. Acresce ainda que, ao longo de quinze anos de trabalho, a Recorrente teve sempre um comportamento exemplar, não existindo qualquer registo de processos disciplinares contra a mesma, além de ter tido o mérito de receber publicamente um louvor atribuído pelo Chefe do Executivo da RAEM.
48. Ora, salvo o devido respeito, não se compreende, por que motivo, se concluiu que a Recorrente premeditou toda esta situação, sem atender à situação de pressão familiar, a filha menor, doença inesperada do seu familiar próximo, o seu pedido de licença sem vencimento onde expôs toda a sua situação familiar, denunciando que estava a sofrer pressão familiar e estava com muito stress psicológico – que em tudo aponta para a relevância de uma situação humana carente de contemplação e reclamando compreensão.
49. Ora, perante tal quadro de alto pendor atenuativo, falece a fundamentação do despacho recorrido quando decide pela aplicação de uma pena tão grave, como é a pena de demissão, em detrimento da aposentação compulsiva.
50. Com efeito, aplicando-se a pena de demissão, conforme se sugere na acusação, violar-se-á o princípio da proporcionalidade e da adequação por ser uma medida muito grave, quando comparada com o acto cometido, mais ainda porque tal sanção agravará a situação familiar que constituiu o motivo que levou a Recorrente a ausentar-se do trabalho.
51. E, como refere o Acórdão do TSI n.º 502/2014: “Ora, a proporcionalidade da punição não deve deixar de ser equacionada, ainda que perante as penas consideradas no mesmo escalão, face à opção entre uma das alternativas possíveis aplicáveis à falta cometida: demissão ou aposentação compulsiva”, e este princípio da proporcionalidade.
52. Como alude o mesmo Acórdão, “Traduz-se este princípio na adequação dos meios utilizados em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas. O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro (…) A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesta violação do princípio da proporcionalidade (…) Enquanto conceito jurídico-administrativo, na medida em que corresponda a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas, há-de traduzir os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício dos particulares.”
53. É certo que a pena de demissão e a pena de aposentação compulsiva são ambas penas expulsivas, mas também não deixa de ser verdade que a demissão é pena mais gravosa que a aposentação compulsiva, na medida em que esta última confere ao funcionário o direito a perceber uma quantia mensal (a titulo de pensão) proporcional aos descontos efectuados nos anos em que prestou serviço público.
54. Ora, sobre a questão da aplicação de pena que deve ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita, refere o Acórdão do TSI – Processo n.º 502/2014 que: “Vejamos, previamente, os princípios que devem enformar o direito disciplinar e da concatenação entre o Processo Disciplinar e o Processo Penal. Parte-se do princípio de que o Direito Disciplinar não é um veículo de repressão mas um instrumento de recuperação da capacidade funcional da Administração, transitoriamente abalada pela violação de um dever. Tendo uma natureza essencialmente reparadora, em parte alguma se escolhe o processo penal como tábua de regras aplicáveis ao processo disciplinar em caso de lacuna ou omissão, donde não se ter aquele como subsidiário deste, tal como acolhido, na Doutrina e Jurisprudência de Macau. Como padrão de referência, talvez seja prudente, como ensina o Cons. Leal-Henriques, preencher o buraco carente de regulamentação, atentando nas finalidades do expediente em que se traduza a reposição da normalidade da máquina administrativa, dentro de uma informalidade que o legislador não deixou de imprimir ao sistema, não descurando os princípios do procedimento administrativo e garantindo os direitos individuais do trabalhador envolvido. Podemos, pois, dizer, como já afirmado nesta sede, que o direito adjectivo penal não é subsidiário do processo disciplinar, se bem que os seus princípios enformadores devam ser acolhidos e acatados neste procedimento. Ora, um desses princípios não pode deixar de ser o princípio da culpa e da proporcionalidade, na exacta medida em que a sanção aplicada deve reflectir o grau de culpa e da gravidade da conduta. Isto mesmo já foi afirmado pelo V.º TUI, enquanto se disse: “A aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A pena disciplinar fixada deve corresponder ao grau do desvalor da conduta do infractor, tendo em conta todas as circunstâncias relacionadas com a prática da infracção. Daí que a pena deve ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita”, devendo a pena ser proporcional à gravidade da conduta disciplinarmente ilícita. Nem precisamos, pois, de recorrer à abundante Jurisprudência Comparada que vai nesse mesmo sentido. Ao proceder à qualificação jurídica dos factos apurados em sede do processo disciplinar a Administração não actua no exercício de poderes discricionários, mas em “sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados” e a medida punitiva a aplicar deverá, assim, ser aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como menos gravosa para o arguido.”
55. E, ainda sobre a aplicação de pena que deve ser proporcional à gravidade da conduta, o Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância n.º 11/2019, de 4 de Abril de 2019, desenvolve o conteúdo do princípio da proporcionalidade, e refere que: “Sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade, dissemos o seguinte no nosso acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000: «O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu artigo 5º, n.º 2, estabelecendo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”. Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica. Como refere VITALINO CANAS1 [1 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente] o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha. A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio. A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa? Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária. O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva. “A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito”2 3 [2 VITALINO CANAS, ob. Cit., p. 628. 3 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.] O CPA determina no artigo 6º que “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”». Explicam, também, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM4 [4 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 103 e 104] que “o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, constitui um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica não estar a Administração obrigada apenas a prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador -, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares…. O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (colidente com posições jurídicas dos administrados) exige que a decisão seja: - adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público visado; - necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado); - proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)”.”
56. E, no caso concreto, perante todo o acervo de factos a favor da Recorrente, e uma vez que a Recorrente tem mais de 15 anos de serviço, sem ter cometido qualquer infracção disciplinar, com classificações de serviço sempre positivas, e ainda de ter tido o mérito de receber publicamente um louvor atribuído pelo Chefe do Executivo da RAEM por serviços altruisticamente prestados à população de Sichuan por altura do grave sismo que ali ocorreu, e ainda porque efectuou os normais descontos para a aposentação, entende-se perfeitamente adequada a aplicação de uma pena de aposentação compulsiva.
57. Apesar da Administração não estar vinculada à aplicação desta medida, o afastamento dessa opção terá que estar devidamente fundamentado, em consonância com o princípio da proporcionalidade.
58. Quanto a este, o Acórdão do TSI – Processo n.º 502/2014, explica que o princípio da proporcionalidade, “Traduz-se este princípio na adequação dos meios utilizados em relação aos fins obtidos, impedindo-se assim a adopção de medidas desproporcionais, excessivas ou desequilibradas. O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, deve ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro (…) A proporcionalidade de uma pena disciplinar só pode ser impugnada com base em erro grosseiro ou manifesta violação do princípio da proporcionalidade (…) Enquanto conceito jurídico-administrativo, na medida em que corresponda a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas, há-de traduzir os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício dos particulares.”
59. Ora, in casu, além de considerar-se apenas a relevância do interesse público, no despacho recorrido não se analisa adequadamente o acervo de factos e circunstâncias particulares atenuantes, nomeadamente o contexto emocional que a Recorrente estava a viver e faz-se um juízo pré-concebido de premeditação com base em opiniões subjectivas e numa mensagem enviada pela Recorrente 24 horas antes da infração, fazendo-se ainda uma errada valoração do louvor atribuído à Recorrente pelos serviços altruisticamente prestados à população de Sichuan por altura do grave sismo que ali ocorreu.
60. Ou seja, menosprezou-se todo o estado emocional e de pressão psicológica pela qual a Recorrente estava a passar, em função da importância do alegado interesse público que se procura, a todo o custo, salvaguardar e valorou-se o louvor atribuído à Recorrente como se de uma agravante se tratasse.
61. Perante o quadro fáctico atenuativo comprovado nos autos, a pena disciplinar mais ajustada seria a de aposentação compulsiva e não a de demissão.
62. Desta forma, a entidade recorrida, sem a devida ponderação, decidiu-se, sem fundamentar, pela pena mais grave, desproporcionada tanto para os interesses da Recorrente como para o interesse público, quando dispunha duma sanção mais ajustada e proporcional à infracção cometida, devendo por isso ser anulado o despacho do Exmº Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de 21 de Junho de 2019 que aplicou à Recorrente a pena de demissão, por violação dos princípios da proporcionalidade e adequação.
63. Neste sentido, como refere o TSI, no seu Acórdão n.º 502/2014 de 21/05/2015: “Entramos aí num campo muito sensível, onde não se podem misturar as emoções com os juízos de valor em função dos diferentes interesses em jogo e com as esferas de competência dos diferentes órgãos de poder, mas não podemos esquecer que é a própria lei que consente essa alternativa.”
64. Assim, o despacho recorrido violou o princípio de proporcionalidade e adequação, consagrados no artigo 5º, n.º 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo e violou o princípio da legalidade por violação das normas contidas no artigo 315º do ETAPM.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, deve o presente recurso ser admitido e, a final, julgado procedente, por provado, e em consequência, seja anulado o despacho recorrido, por violação dos princípios de proporcionalidade e adequação, legalidade e justiça, fazendo assim V. Exas JUSTIÇA!
Mais se requer, ao abrigo das disposições dos artigos 52º e 55º ambos do CPAC, a citação da entidade recorrida e a remessa ao douto Tribunal de recurso do original do processo disciplinar, e todos os demais documentos relativos à matéria do ora Recurso para ficarem apensos aos autos deste processo como processo instrutor.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“i. A Recorrente inconformada com a decisão de aplicação da pena de demissão proferida pela Entidade Recorrida no Despacho n.º 40/SASC/2019, de 21 de Junho de 2019, interpôs o presente recurso contencioso de anulação, solicitando ao douto Tribunal a anulação do citado despacho por violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, legalidade e justiça.
ii. A Entidade Recorrida não pode deixar de discordar da posição defendida pela ora Recorrente, pelo que se impugna, desde já, toda a petição de recurso.
iii. A Recorrente labora em equívoco ao entender que o parecer favorável ao seu pedido de licença sem vencimento proferido pelo Enfermeira-Adjunta da Direcção, em 8 de Setembro de 2014, era definitivo e vinculativo, não necessitando de concordância superior.
iv. A única decisão superior ao pedido de licença sem vencimento pelo período de 10 anos ocorreu no dia 7 de Outubro de 2014, por decisão do Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Saúde.
v. A Recorrente, por carta dirigida ao Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Saúde, datada 19 de Agosto de 2014, requereu a licença sem vencimento pelo período de 10 anos, a partir do dia 4 de Novembro de 2014 até ao dia 1 de Novembro de 2024.
vi. Como é evidente, tendo férias marcadas para Dezembro desse ano, a intenção da Recorrente seria certamente antecipa-las, ou porque o seu pedido seria deferido ou porque, em caso de indeferimento, deixaria de comparecer no serviço no dia 4 de Novembro, conforme veio efectivamente a acontecer.
vii. Conforme resulta da alínea p) do n.º 1 do acto recorrido, estamos aqui perante demasiadas coincidências para se considerar que o comportamento praticado pela Recorrente não foi premeditado, mas apenas um acto irreflectido.
viii. A Recorrente tomou conhecimento de que o seu pedido de licença sem vencimento de longa duração tinha sido indeferido mediante a Nota Interna n.º 4260/NI/DP/2014, de 10 de Outubro do mesmo ano.
ix. Pese embora tal conhecimento, a Recorrente optou por gozar tranquilamente as suas férias até ao último dia, ou seja, até 31 de Outubro de 2014, por gozar as duas folgas nos dias 1 e 2 de Novembro e por aproveitar a tolerância de ponto do dia 3 de Novembro e só nesse mesmo dia, 3 de Novembro de 2014, às 23h31, como tinha de se apresentar ao serviço no dia seguinte, é que enviou uma mensagem (SMS-telefone) à Enfermeira-Chefe L a informar que não se iria apresentar mais ao serviço.
x. A Recorrente esperou até ao último dia das suas folgas para informar a sua superior, via SMS, já durante a noite, que não se iria apresentar mais ao serviço, ausentando-se injustificadamente do mesmo, não se dando sequer ao trabalho de se deslocar pessoalmente ao Centro Hospitalar Conde de São Januário para resolver a sua situação.
xi. Após o nascimento da filha da Recorrente em 26 de Junho de 2013, a entidade patronal criou todas as condições para que a mesma pudesse estar mais tempo com a sua filha e sujeita a menos stress e pressão, pelo que é de todo incompreensível o alegado pela no artigo 89º da sua petição de recurso (cfr. fls. 011 e respectiva tradução para português a fls. 039 e ainda fls. 297 do processo instrutor).
xii. Mesmo perante a total compreensão da sua entidade patronal, a Recorrente não hesitou em deixar de comparecer no serviço, atitude essa que tem necessariamente de ser tida em conta na decisão final do processo disciplinar.
xiii. A Recorrente, face ao indeferimento do seu pedido de licença sem vencimento por um período de 10 anos, poderia ter solicitado uma licença sem vencimento por um período menor ou solicitar, novamente, que o seu horário de trabalho fosse ajustado de acordo com as suas necessidades familiares, o que não fez.
xiv. Apesar de a Recorrente bem saber que a formação de uma enfermeira-especialista demora alguns anos (no mínimo, sete) e que os Serviços de Saúde se têm deparado com a falta de recursos humanos na área da enfermagem, pelo que a sua ausência iria sobrecarregar os seus colegas, obrigando-os a fazer horas extraordinárias, e prejudicar a sua entidade patronal, não teve qualquer problema em requerer uma licença sem vencimento pelo período de 10 anos, o período máximo legalmente previsto.
xv. Considerando os factos alegados pela Recorrente para o pedido de licença sem vencimento, a saber, a prestação de cuidados ao seu familiar doente, à data com 85 anos de idade, e à sua filha de 1 ano, o período de duração da licença sem vencimento de 10 anos é, no mínimo, exagerado.
xvi. Dos autos do Processo Disciplinar n.º 15/2014 resulta ainda provado que a Recorrente tinha já intenção de ficar mais tempo em casa a partir do nascimento da sua filha em 26 de Junho de 2013, intenção essa que se intensificou com a doença do seu sogro em Agosto de 2014.
xvii. A Recorrente, após o nascimento da sua filha em 2013, procurou junto dos seus superiores encontrar uma solução para que pudesse passar mais tempo com ela, nomeadamente através da sua não inclusão nos turnos nocturnos, não tendo, pois, deixado de comparecer no serviço.
Mas, curiosamente, um ano depois, a Recorrente, aproveitando o facto do seu pedido de licença sem vencimento de longa duração ter sido indeferido, não teve qualquer problema em ausentar-se injustificadamente do serviço.
xviii. Perante toda a conduta perpetrada pela ora Recorrente, a Entidade Recorrida não pode ignorar o facto de a mesma só ter completado os 15 anos de serviço para efeitos de aposentação em Junho de 2014 (15 anos após a sua nomeação provisória – vide, a este respeito, fls. 033 do processo instrutor).
xix. O argumento sufragado pela Recorrente de que nunca pretendeu desvincular-se dos Serviços de Saúde, caso contrário não teria requerido a licença sem vencimento, é, no mínimo, risível, uma vez que a Recorrente, pura e simplesmente, deixou de comparecer no serviço, tendo avisado a sua superior da sua decisão na noite do dia anterior, através do envio de mensagem telefónica.
xx. Considerando todo o comportamento da ora Recorrente, pelo menos desde o nascimento da sua filha em Junho de 2013, a Entidade Recorrida tem, pois, toda a legitimidade em supor que a Recorrente ao requerer a licença sem vencimento pelo período de 10 anos estaria já a contar que a mesma fosse indeferida, de modo a ter uma desculpa para deixar de comparecer no serviço e poder ser alvo de um processo disciplinar que culminaria com a pena de aposentação compulsiva (a este propósito, vide, em particular, os pontos 75, 76, 88 a 91 do relatório do Instrutor elaborado a 27 de Fevereiro do corrente ano, a fls. 567, 569 e 570 do Processo Disciplinar n.º 15/2014, para os quais se remete por uma questão de economia processual).
xxi. A Recorrente tinha obrigação de saber que não podia fazer planos sem ter a certeza do deferimento do seu pedido de licença de vencimento por quem de direito, in casu, por decisão do Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Saúde, e, bem assim, tomou conhecimento do indeferimento do seu pedido em 10 de Outubro de 2014 e esteve de férias até ao dia 31 de Outubro, o que significa que teve tempo mais do que suficiente para preparar o seu regresso ao trabalho, caso tivesse sido essa a sua intenção.
xxii. Já aquando da primeira acusação deduzida em 30 de Abril do ano transacto o Instrutor do processo disciplinar tinha dúvidas quanto à imputação à ora Recorrente da premeditação, dúvidas essas que foram dissipadas quer pela prova testemunhal entretanto produzida, quer pela restante prova carreada para o processo ao longo das diligências complementares de prova.
xxiii. A Recorrente faz uma interpretação deturpada e de acordo com os seus interesses do precito legal consagrado no n.º 2 do artigo 283º do ETAPM.
xxiv. Tendo sido chamado a pronunciar-se sobre a verificação da premeditação por parte da ora Recorrente no âmbito do Processo n.º 219/2016, o Venerando Tribunal de Segunda Instância, em 6 de Dezembro do ano transacto, confirmou que a Recorrente premeditou o seu abandono do serviço em 4 de Novembro de 2015, não merecendo a decisão da Entidade Recorrida qualquer censura (cfr. páginas 23 e 24 da mencionada decisão judicial),
xxv. Nada mais tendo a alegar a seu favor, a Recorrente, de forma desesperada, “lança para o ar” insinuações sobre o comportamento dos seus colegas que consideram que todo o seu comportamento foi premeditado não explicando porquê que tais opiniões são subjectivas e pessoalíssimas, contrariamente às restantes opiniões dos outros colegas ouvidos.
xxvi. E o mesmo se diga do afirmado pela Recorrente no artigo 74º da sua petição de recurso, pois parece que ela se esquece que as diligências complementares de prova foram precisamente determinadas pelo Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Saúde para apurar se houve ou não premeditação na prática da infracção que lhe é imputada, visto que o Instrutor no decurso da instrução do processo disciplinar ficou com dúvidas quanto a esta matéria.
xxvii. Atendendo a toda a prova produzida no decurso do Processo Disciplinar n.º 15/2014, não restam dúvidas que a Recorrente premeditou a sua conduta, pelo que é de elementar justiça que a circunstância agravante consagrada na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 283º do ETAPM lhe tenha sido imputada.
xxviii. A Recorrente incorre em diversos equívocos que têm origem numa deficiente interpretação do artigo 282º do ETAPM.
xxix. Foram apreciadas e valoradas como circunstâncias atenuantes a prestação de mais de 10 anos de serviços classificados de “Bom” e o louvor atribuído à Recorrente (neste sentido, vide as alíneas h) e w) do n.º 1 do Despacho n.º 40/SASC/2019).
xxx. Conforme consta da alínea i) do n.º 1 do despacho punitivo, o alegado estado emocional e a pressão psicológica causados pela situação familiar, nomeadamente a filha menor e a doença grave de um familiar próximo, foram apreciados pelo Instrutor e pela Entidade Recorrida, mas não foram valorados como circunstância atenuante, pois foi entendido, e bem, que o tão propalado estado emocional não é passível de ser entendido como um factor que possa atenuar a culpa da Recorrente.
xxxi. A circunstância atenuante elencada na alínea a) do artigo 282º do ETAPM está intimamente ligada à avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, regulada pela Lei n.º 8/2004 e pelo Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
xxxii. Nos termos da Lei n.º 8/2004, a avaliação do desempenho tem como finalidade principal o efectivo reconhecimento individual do desempenho dos trabalhadores e em função do mérito revelado é-lhes atribuída a menção «Excelente», «Satisfaz Muito», «Satisfaz Pouco» ou «Não Satisfaz».
xxxiii. A avaliação do desempenho baseia-se num sistema de notação em que os trabalhadores são obrigatoriamente apreciados em relação a determinados factores, nomeadamente «eficácia», «sentido de responsabilidade», «aperfeiçoamento contínuo», «adaptação e flexibilidade», «relações humanas no trabalho», «regularidade no posto de trabalho», «gestão do tempo de trabalho», «iniciativa e autonomia», «inovação e criatividade», entre outros (conforme o artigo 5º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004).
xxxiv. Ora, tudo isto é avaliado pelo superior hierárquico do trabalhador, passando a constar do seu registo disciplinar, daí que a alínea a) do artigo 282º do ETAPM faça referência não só à duração da prestação do tempo de serviço, mas também à respectiva classificação, isto é, à avaliação do desempenho.
xxxv. No Registo Disciplinar da Recorrente, a fls. 0033 do processo instrutor, emitido pela Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde em 15 de Dezembro de 2014, consta a avaliação do desempenho da Recorrente até ao ano de 2013 e, bem assim, que até àquela data não lhe tinha sido aplicada qualquer sanção disciplinar.
xxxvi. As informações constantes no referido Registo Disciplinar foram tidas em consideração pelo Instrutor, quer na acusação deduzida em 30 de Novembro de 2015 (vide, em particular, o artigo 12º da dita acusação, a fls. 0330), quer no Relatório elaborado em 27 de Fevereiro de 2019 (vide, em especial, a alínea 1) do ponto 17, a fls. 555 do processo instrutor).
xxxvii. A vencer a tese defendida pela Recorrente, o Instrutor iria avaliar e ponderar duplamente as circunstâncias por ela alegadas, favorecendo-a de forma totalmente injustificada e sem qualquer base legal.
xxxviii. Ademais, o facto da Recorrente não ter antecedentes disciplinares inclui-se no item relativo à personalidade do infractor, a que se refere o n.º 1 do artigo 316º do ETAPM, sendo certo que ele foi devidamente ponderado pelo Instrutor no momento em que propôs superiormente a pena que, no seu entendimento, deveria ser aplicada à arguida, ora Recorrente, e foi, igualmente, ponderado pela Entidade Recorrida, como é disso prova a alínea y) do n.º 1 do despacho recorrido.
xxxix. As circunstâncias atenuantes alegadas pela arguida, ora Recorrente, na sua defesa foram efectivamente ponderadas pela Entidade Recorrida, através da remissão para o Relatório, no qual foram tidas em conta as informações constantes no Registo Disciplinar da Recorrente.
xl. Os 15 anos de serviços prestado com ausência de qualquer sanção disciplinar deve considerar-se abrangido pela circunstância atenuante ínsita na alínea a) do artigo 282º do ETAPM e pela apreciação da personalidade do infractor.
xli. A prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território consagrada na alínea c) do artigo 282º do ETAPM deve ser apreciada caso a caso, pois não há um catálogo onde nos possamos socorrer para efeitos de subsunção das condutas nesta circunstância atenuante.
xlii. Salvo outra e melhor opinião, entendemos que se deve considerar como verificada esta atenuante quando estamos perante condutas que se revistam de uma importância invulgar, de um significado notável no plano da RAEM e no interior da China, e não de actos meramente louváveis ou meritórios, como é o caso do louvor atribuído à Recorrente.
xliii. Andou bem o Instrutor e, por consequência, a Entidade Recorrida ao considerar que a atribuição do louvor não se enquadra directamente na alínea c) do artigo 282º do ETAPM, mas antes dentro do citado normativo legal, por as suas alíneas não serem taxativas.
xliv. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese de bom patrocínio se admite, mas não se concede, sempre se dirá que a decisão da Entidade Recorrida em nada ofende os interesses da Recorrente, pois o que releva é que o louvor foi apreciado e valorado como uma circunstância atenuante.
xlv. Contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer valer, conforme consta expressamente da alínea k) do n.º 1 despacho recorrido, só foram consideradas circunstâncias agravantes a premeditação e a responsabilidade do cargo exercido ao grau de instrução da Recorrente previstas, respectivamente, nas alíneas c) e j) do n.º 1 do artigo 283º do ETAPM.
xlvi. Por outro lado, o louvor atribuído à Recorrente não serviu para agravar a moldura sancionatória, fazendo a Recorrente uma interpretação deturpada das palavras do Instrutor.
xlvii. Uma vez que só existe erro nos pressupostos de facto quando o acto impugnado não está em conformidade com os factos que efectivamente sucederam, facilmente se conclui que o acto administrativo em discussão não está viciado por erro nos pressupostos de facto (a este propósito, atente-se, a título de exemplo, ao explanado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Portugal, de 27 de Maio de 2011, no Processo n.º 00090/09.0BEBRG).
xlviii. In casu seria de todo impossível incluir os factos alegados pela Recorrente na circunstância atenuante consagrada na alínea j) do artigo 282º do ETAPM, na medida em que a culpa da arguida, ora Recorrente, não é diminuta, bem pelo contrário, tendo a mesma actuado com dolo, nem a infracção por si praticada é de reduzida gravidade, pois a Recorrente ausentou-se injustificadamente do serviço, prejudicando os colegas e a entidade patronal (vide a alínea j) do n.º 1 do despacho punitivo).
xlix. O comportamento doloso da arguida, ora Recorrente, é tão grave que se sobrepõe a qualquer atenuante de que pudesse beneficiar (conforme a alínea z) do n.º 1 do acto recorrido).
l. Na decisão punitiva foram ponderadas todas as circunstâncias atenuantes possíveis, não merecendo a pena aplicada qualquer censura dado o seu enquadramento nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção se insere e, bem assim, a gravidade da conduta praticada pela arguida, ora Recorrente.
li. No que diz respeito à imputação ao acto recorrido da falta de fundamentação, a Recorrente limita-se a repetir os argumentos anteriormente invocados na sua petição de recurso, pelo que, de forma a evitar mais repetições, a Entidade Recorrida remete para o já alegado na presente contestação e para a prova produzida nos autos do Processo Disciplinar n.º 15/2014.
lii. O acto administrativo posto em crise não padece do vício de falta de fundamentação, nem há qualquer incongruência ou falta de fundamentação da sanção aplicada.
liii. O Despacho 40/SASC/2019, de 21 de Junho de 2019, proferido pela Entidade Recorrida expõe de forma clara e detalhada os factos praticados pela ora Recorrente e as consequências jurídicas a elas adstritos, evidenciando com clareza o quadro fáctico e o entendimento jurídico que serviram de motivação ao acto punitivo.
liv. O dever de fundamentação regulado nos artigos 114º a 116º do CPA está relacionado com os actos administrativos de efeitos externos e consiste na justificação do acto administrativo, através da indicação das razões de facto e de direito que serviram de base a determinada decisão concreta (vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 8 de Março de 2012, referente ao Processo n.º 36/2011, bem como a decisão no Processo n.º 423/2011, de 22 de Março de 2012).
lv. O acto administrativo tem-se como dotado de fundamentação suficiente se, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, permitir a um destinatário normal ficar em condições de saber o motivo que levou a Administração a decidir daquela forma e não de outra – o que foi integralmente respeitado no acto recorrido.
lvi. O acto administrativo agora impugnado mostra-se em total sintonia com os factos apurados pelo Instrutor do citado Processo Disciplinar e com as normas legais violadas, não se verificando, por conseguinte, qualquer incongruência ou falta de fundamentação da sanção aplicada.
lvii. Este nosso entendimento mereceu total acolhimento pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância quando proferiu decisão no passado dia 6 de Dezembro de 2018 no âmbito do Processo n.º 219/2016 (vide a página 20 do citado acórdão).
lviii. A decisão proferida pela Entidade Recorrida foi devidamente ponderada, tendo em consideração toda a prova produzida no âmbito do processo disciplinar em análise, encontrando-se a mesma convenientemente fundamentada.
lix. Todos os factos constantes no processo disciplinar em causa foram apreciados e ponderados quer pelo Instrutor na sua proposta da medida aplicável, quer pela Entidade Recorrida no despacho punitivo ora posto em crise, pautando-se tal decisão pelos princípios gerais de direito consagrados nos artigos 3º a 14º do CPA.
lx. De acordo com o disposto no artigo 315º do ETAPM tanto a pena de aposentação compulsiva como a pena de demissão podem ser aplicadas às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional, cabendo à Administração escolher livremente a pena que considerar mais adequada (atente-se, neste sentido, ao entendimento perfilhado, entre outros, nos Acórdãos do douto Tribunal de Última Instância, de 21 de Janeiro de 2015, Processo n.º 20/2014, de 29 de Junho de 2005, Processo n.º 15/2005, de 28 de Julho de 2004, Processo n.º 22/2004 e 15 de Outubro de 2003, Processo n.º 26/2003).
lxi. No caso sub judice, e tal como a própria Recorrente reconhece na sua petição de recurso, os factos por si praticados e devidamente provados no Processo Disciplinar n.º 15/2014 são de tal modo graves que implicam, de forma irreversível, a não manutenção do seu vínculo laboral com a entidade patronal.
lxii. A aplicação, graduação e escolha da medida concreta da pena disciplinar cabem no âmbito da discricionariedade da Administração.
lxiii. Atenta toda a prova produzida no decurso do presente Processo Disciplinar, andou bem a Entidade Recorrida ao considerar que os factos praticados pela Recorrente inviabilizam a manutenção da relação jurídico-funcional estabelecida, revelando-se a pena de demissão concretamente aplicada justa, adequada e proporcional aos factos por ela praticados.
lxiv. A Entidade Recorrida não poderia ter tomado outra decisão que não fosse a demissão da ora Recorrente, pelo que o acto administrativo posto em crise foi praticado em total sintonia com os factos constantes no Processo Disciplinar.
lxv. Por tudo quanto se expôs, considerando que o relatório do Instrutor do processo disciplinar em referência, que mereceu a total concordância da Entidade Recorrida e para o qual se remete por uma questão de economia processual, fundamenta cabalmente a infracção imputada à Recorrente, conclui-se que o acto administrativo não viola os princípios da proporcionalidade e da adequação, nem quaisquer outros princípios, nem viola o artigo 315º do ETAPM.
lxvi. A Recorrente não concretiza em que medida e em que termos é que a Entidade Recorrida violou os princípios da legalidade e da justiça, limitando-se a afirmar que o despacho punitivo viola o princípio da legalidade por violação das normas contidas no artigo 315º do ETAPM.
lxvii. A Recorrente faz tábua rasa do significado atribuído ao princípio da legalidade ínsito no artigo 3º do CPA, bem como uma errada interpretação do artigo 315º do ETAPM.
lxviii. A Entidade Recorrida actuou em estrita obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe foram atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram conferidos, não havendo qualquer violação ao disposto no artigo 315º do ETAPM.
lxix. A pena aplicada à Recorrente revela-se justa, adequada e proporcional, tendo a Entidade Recorrida respeitado integralmente o princípio da justiça previsto no artigo 7º do CPA.
lxx. O despacho punitivo não viola o princípio da legalidade, nem o princípio da justiça, nem qualquer outro princípio geral de direito, caindo, assim, por terra toda a argumentação aduzida pela Recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de vossas Excelências, deve o presente recurso contencioso administrativo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o acto recorrido com as legais consequências.
Assim, estarão vossas Excelências, Senhores Venerandos Juízes, fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A recorrente era enfermeira de nomeação definitiva do quadro do pessoal dos Serviços de Saúde e exercia funções de enfermeira especialista no Centro Hospitalar Conde de São Januário.
Até 24.11.2014, a recorrente tinha 15 anos, 5 meses e 23 dias de tempo de serviço para efeito de aposentação - cfr. fls. 8 do processo administrativo.
A filha da recorrente nasceu em 26.6.2013.
Mediante requerimento escrito dirigido ao Director dos Serviços de Saúde, a recorrente pediu, ao abrigo do disposto no artigo 136.º do ETAPM a concessão de licença de longa duração por 10 anos, de 04.11.2014 até 01.11.2024, com fundamento na necessidade de tomar conta do seu sogro doente e da sua filha menor – cfr. fls. 12 do processo administrativo.
A propósito do pedido de licença de longa duração, a enfermeira-chefe, superior hierárquico da recorrente, pronunciou-se no sentido de não oposição à autorização do pedido – cfr. fls. 27 do processo administrativo.
Por decisão do Director dos Serviços de Saúde de 07.10.2014, foi-lhe recusada a concessão da licença de longa duração – cfr. fls. 9 do processo administrativo.
No ano de 2014, a recorrente tinha as suas férias marcadas em dois períodos compreendidos entre 07.10.2014 e 10.10.2014, e entre 12.12.2014 e 31.12.2014.
A recorrente pediu depois a alteração do seu plano de férias, passando as férias marcadas inicialmente para Dezembro de 2014 a ser gozadas no período compreendido entre 09.10.2014 e 31.10.2014.
Em 03.11.2014, pelas 23h31, a enfermeira-chefe do bloco operatório recebeu uma mensagem via SMS na qual a recorrente informou que “決定以家人健康為重,請 閣下從今天起不用安排本人的更,工作證及蓋印本人將會日內交還人事處。”
A partir de 04.11.2014, a recorrente deixou de comparecer no serviço.
Com fundamento na não comparência no serviço a partir dessa data, por despacho do Director dos Serviços de Saúde datado de 01.12.2014, foi ordenada a instauração do processo disciplinar contra a recorrente.
Em 27.1.2016, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura aplicou à recorrente a pena de demissão.
Inconformada, interpôs a recorrente recurso contencioso para este TSI.
Por Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 219/2016, foi anulado o acto administrativo, por se verificar omissão por parte da entidade recorrida da ponderação das circunstâncias invocadas pela defesa no respectivo processo disciplinar.
Em cumprimento do Acórdão, foi elaborado pelo instrutor do processo disciplinar o relatório datado de 27.2.2019, constante de fls. 551 a 579 do processo administrativo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em 21.6.2019, pelo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
“Despacho n.º 40/SASC/2019
Concordo integralmente com a proposta constante do Relatório apresentado pelo Instrutor do Processo Disciplinar n.º PD-15/2014, instaurado contra A, funcionária n.º 0200584 dos Serviços de Saúde, a exercer funções como Enfermeira Especialista no Centro Hospitalar Conde de são Januário (cuja natureza do provimento é nomeação definitiva).
1. De acordo com os autos do Processo Disciplinar, a funcionária A praticou os seguintes factos:
a) A Informação n.º 1417/PP/DP/2014, de 24 de Novembro de 2014, enviada pelo Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde, veio dar conhecimento de que a funcionária A se encontrava ausente do trabalho há já vários dias.
b) No dia 3 de Novembro de 2014, pelas 23h:31m, a Enfermeira Chefe dos Blocos Operatórios recebeu da funcionária A uma mensagem via SMS (telemóvel), a qual dizia, e cite-se “Decidi que a minha família é mais importante, solicito a V. Exa. não arranjar a minha escala a partir de hoje. Vou devolver o meu cartão de trabalho e carimbo à Divisão de Pessoal nos dias seguintes”.
c) Não houve apresentação por parte da funcionária A de nenhum pedido formal de demissão.
d) Desde 4 de Novembro de 2014 até à presente data, a funcionária A não trabalha de acordo com a escala que lhe fora atribuída.
e) Desde 4 de Novembro até 24 de Novembro de 2014 a funcionária A não se apresentou no serviço por um período de 21 dias consecutivos, num total de 15 dias úteis, bem como não houve existência de quaisquer registos de entrada e saída durante aquele período por parte daquela funcionária, nem mesmo qualquer documentação que justifique aquelas ausências, pelo que a Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde afirmam que a citada trabalhadora viola o disposto da alínea g) do n.º 2 e do n.º 9 do artigo 279º do ETAPM, mais precisamente o “Dever de Assiduidade”.
f) A acusação contra a Arguida foi deduzida no dia 4 de Outubro de 2015.
g) Uma vez que não compareceu regular e continuadamente ao serviço, concluiu-se que a funcionária A violou efectivamente o dever geral de assiduidade consagrado na alínea g) do n.º 2 e no n.º 9 do artigo 279º ETAPM.
h) Tendo em consideração a prova produzida nos autos do processo disciplinar foi considerada e valorada a circunstância atenuante prevista na alínea a) do artigo 282º do ETAPM – a prestação de mais de 10 anos de Serviço classificados de “Bom”, e um louvor atribuído à Arguida, atenuante essa que se poderá inserir dentro do art. 282º do ETAPM, por as suas alíneas não serem taxativas.
i) Porém, o instrutor não considerou como circunstância atenuante o estado emocional e pressão psicológica causados pela situação familiar, nomeadamente a filha menor, e doença inesperada do familiar próximo, uma vez que foi entendimento do instrutor que o estado emocional alegado pela Arguida não é passível de ser entendido com um factor que possa atenuar a sua culpa.
j) Tendo a Arguida actuado com dolo e tendo praticado uma infracção grave, não é possível lançar mão da circunstância atenuante prevista no artigo 282º, alínea j) do ETAPM, que funciona como uma válvula de segurança do sistema, no sentido de permitir um tratamento favorável do arguido sempre que a sua culpa na prática do facto seja diminuta ou a infracção de reduzida gravidade.
k) Considerou-se também as circunstâncias agravantes elencadas nas alíneas c) e j) do n.º 1 do artigo 283º do ETAPM.
l) É forte convicção do Instrutor que a arguida premeditou a prática da infracção que lhe foi imputada (cfr. o n.º 2 do artigo 283º do ETAPM).
m) Já havia intenção clara da parte da funcionária A de ficar mais tempo em casa aquando do pedido de licença sem vencimento por motivo de prestação de cuidados à sua filha bem como de outros problemas familiares, tendo sido decidido pela Enfermeira Chefe Leong Pou Lun do bloco operatório Central Periférico que de que funcionária A não seria incluída no turno da noite temporariamente durante um ano.
n) O sogro da funcionária A adoeceu gravemente por volta de Agosto de 2014, facto esse que a mesma referiu que teve peso na decisão de não comparecer mais no serviço, o que demonstrou, para o Instrutor, que a funcionária A começou a ponderar o cenário de desvinculação dos Serviços de Saúde.
o) A funcionária A apresentou um pedido de licença sem vencimento no dia 19 de Agosto de 2014 (dois meses e meio antes de abandonar o serviço), tendo sido o mesmo indeferido.
p) No pedido de licença sem vencimento supra referido, a funcionária A solicita que os 10 anos começassem a contar desde 4 de Novembro de 2014 até 1 de Novembro de 2024, e que esse tempo “curiosamente”, se iniciasse a partir de 4 de Novembro 2014, que, por “coincidência”, foi exactamente o dia que a mesma deixou de comparecer no serviço.
q) A funcionária A tinha férias marcadas nas datas 0/10/2014 até 10/10/2014, e de 12/12/2014 até 31/12/2014, e solicitou a alteração das férias, passando as férias daquela a serem gozadas de 09/10/2014 até 31/10/2014.
r) No dia 4 de Novembro de 2014 (4 dias depois do fim das suas férias – 31/10/2014) a funcionária A decide abandonar o Serviço e não comparecer mais nos Serviços de Saúde.
s) Pelo menos 5 testemunhas (“M”, “L”, “N”, “O” e “P”) afirmam que é suspeito ou estranho todo o comportamento da funcionária A, considerando mesmo que aquela premeditou toda a situação.
t) Atente-se, que a premeditação prevista no ETAPM não é necessário haver muito tempo anterior à prática da infracção.
u) O desígnio da funcionária A em abandonar o trabalho 24 horas antes, pelo menos da prática da infracção, já configura a premeditação (artigo 283º n.º 2 do ETAPM), sendo por isso considerada como circunstância agravante.
v) Por sua vez, a responsabilidade do cargo exercido pela funcionária A está intrinsecamente associada à categoria que a mesma detém de Enfermeira-Especialista destes Serviços desde 1 de Agosto de 2012, com as funções específicas consagradas no artigo 7º da Lei n.º 18/2009 (referente ao respectivo “Conteúdo funcional”), e, bem assim, ao seu grau de instrução, que certamente não é equiparável ao de um mero auxiliar de serviços gerais.
w) Em contrapartida, a favor da funcionária A verificou-se a existência das circunstâncias atenuantes previstas na alínea a) do artigo 282º do ETAPM, uma vez que prestou mais de 10 (dez) anos de serviço com classificação “bom”, bem como o louvor dado à Arguida (que se insere dentro das circunstâncias atenuantes do artigo 282º do ETAPM).
x) O facto de a Arguida ter invocado como circunstância atenuante o recebimento de um louvor não se coaduna com o comportamento doloso que a mesma praticou, antes pelo contrário, pois tendo recebido o dito louvor é na opinião do instrutor motivo para, no mínimo, ter mantido um comportamento digno de um profissional da área da Saúde, respeitando a Instituição que a empregava.
y) Atendeu-se ainda, ao grau de culpa e à personalidade da funcionária A, em especial ao facto dela ter agido com intenção dolosa, porquanto que a mesma deveria ter noção de que com o seu comportamento poderia estar a prejudicar os Serviços de Saúde.
z) O comportamento doloso que a Arguida teve sobrepõe-se a qualquer atenuante de que pudesse beneficiar.
2. Considerando toda a prova produzida no presente processo, resulta claro que os factos praticados pela funcionária A são susceptíveis de quebrar de forma irremediável a relação de confiança que tem necessariamente de existir entre Serviços de Saúde e os seus trabalhadores, em particular aqueles que exercem funções de elevado grau de responsabilidade e de contacto com os doentes, como é o caso das enfermeiras.
3. A conduta de funcionária A, pela sua gravidade inquina a relação laboral, verificando-se, pois, a inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional.
4. Dúvidas não há que ao praticar os factos que praticou, A comprometeu, de forma irreversível, a relação de confiança existente por força do contrato de trabalho.
5. Neste sentido a infracção praticada por A deve ser punida com a pena demissão, referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 300º e nos artigos 305º, e 315º n.º 2 alínea f), todos do ETAPM.
6. Pelos fundamentos expostos, ponderados todos estes factores e toda a prova produzida nos autos, ao abrigo da competência atribuída pelo artigo 4322º do ETAPM e pela Ordem Executiva n.º 112/2014 que no seu n.º 1 refere que são delegados no Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 5º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu gabinete, neste caso, à Saúde, tendo em consideração o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 300º e nos artigos 305º e 315º todos do ETAPM, determino que A seja aplicada a pena de demissão.
Notifique-se A da presente decisão, juntando fotocópia do Relatório para que possa inteirar-se da decisão punitiva.
Mais se informe o Fundo de Pensões da decisão em apreço, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14º em conjugação com alínea 5) do n.º 1 do artigo 13º da Lei n.º 8/2006 (Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos).
Arquive-se no respectivo processo individual de A uma fotocópia do presente despacho.
Comunique-se aos Serviços de Saúde devendo estes proceder à competente notificação da arguida.”
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Delegado Coordenador o seguinte douto parecer:
    “Nos presentes autos de recurso contencioso que foi interposto por A, melhor identificada nos autos, e que tem por objecto o acto do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 21 de Junho de 2016, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, vem o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 69.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), emitir parecer nos termos que seguem:
    1.
    Por despacho datado de 21 de Junho de 2019, cuja cópia consta de fls. 37 a 39 dos presentes autos, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (Entidade Recorrida) aplicou à ora Recorrente a pena disciplinar de demissão, por a mesma ter violado o dever de assiduidade, ao ter dado no mesmo ano civil mais de 20 faltas seguidas.
    Inconformada com a referida decisão punitiva, dela veio a Recorrente interpor o presente recurso contencioso, imputando-lhe, em síntese, os seguintes vícios:
    (i) A valoração de uma circunstância agravante – a premeditação – que, no entender da Recorrente, não se verifica;
    (ii) A não ponderação de todas as circunstâncias atenuantes que se verificam no caso;
    (iii) A falta de fundamentação da sanção aplicada, que a Recorrente considera desproporcionada, pois, segundo diz, mais ajustada seria a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
    2.
    2.1.
    Quanto à primeira questão que vem suscitada pela Recorrente diremos apenas que, em nosso modesto entender, dela não pode esse Venerando Tribunal conhecer na medida em que, sobre a mesma já se formou caso julgado.
    Na verdade, o acto recorrido constitui a renovação de um acto punitivo praticado anteriormente pela Entidade Recorrida com conteúdo de facto e de direito que, em parte substancial, coincide com aquele e que igualmente aplicou à Recorrente a pena disciplinar de demissão pela prática dos mesmos factos integradores da infracção disciplinar que está causa nos presentes autos.
    Essa renovação do acto teve lugar na sequência de um acórdão anulatório proferido por esse Venerando Tribunal no processo n.º 219/2016, em 6 de Dezembro de 2018, de cuja leitura resulta ter havido pronúncia jurisdicional expressa sobre a questão, aí suscitada pela ora Recorrente, de saber se a Entidade Recorrida incorreu em erro ao dar por verificada a circunstância agravante da premeditação. O que ali ficou decidido foi que a Recorrente praticou a infracção disciplinar de forma premeditada.
    Como se sabe, em contencioso administrativo, o caso julgado material consiste na indiscutibilidade da afirmação jurisdicional sobre a legalidade do acto nos termos resultantes da sentença administrativa, a qual vincula não apenas as autoridades públicas, mas também os próprios particulares, que ficam, assim, impedidos de renovar indefinidamente litígios com o mesmo objecto e entre as mesmas partes.
     Por outro lado, é também pacífico que o caso julgado no contencioso administrativo de anulação se forma sobre os vícios de que o tribunal tenha concretamente conhecido quando apreciou a pretensão anulatória perante si deduzida, fosse para os julgar procedentes ou improcedentes.
    A Administração só está impedida de reincidir nos vícios que foram julgados procedentes (o chamado efeito preclusivo do caso julgado), nada obstando a que, relativamente aos vícios que foram julgados improcedentes, o acto seja renovado com o mesmo conteúdo, sendo que, em relação a estes, não pode o particular voltar a questioná-los quando da impugnação do acto renovado, por força, justamente do chamado efeito positivo ou da autoridade do caso julgado (distinto, como se sabe, do chamado efeito negativo ou da excepção de caso julgado). Se o faz, está o tribunal impedido, pela mesma razão, de sobre eles se pronunciar. Impõe-se, nessa situação, a autoridade do caso julgado, porque estamos no âmbito da mesma relação material controvertida, pese embora o pedido de anulação ser formulado contra o acto renovado, e, portanto, a pretensão anulatória tenha por objecto um acto que é novo.
    Em rigor, não estamos perante a excepção do caso julgado, como tipificada na lei processual civil, pois essa impõe a tripla identidade de partes, pedido e causa de pedir, «mas sim da autoridade do caso julgado formado pela sentença que o novo acto pretende executar, que impede que no âmbito da mesma relação jurídica administrativa e dos mesmos sujeitos se conheça, de novo, dos mesmos vícios do acto renovado, que aquela sentença já julgou definitivamente improcedentes» (assim, na jurisprudência comparada portuguesa, Ac. do STA, de 7.3.2006, processo n.º 0803/02, disponível em www.dgsi.pt).
    De modo que, como dissemos, tendo ficado jurisdicionalmente definido no anterior recurso contencioso n.º219/2016 que opôs a Recorrente e a Entidade Recorrida que aquela praticou os factos que consubstanciam a infracção disciplinar aqui em litígio de forma premeditada, e, portanto, tendo sido julgado improcedente o vício invocado pela Recorrente sem que esta tenha recorrido jurisdicionalmente da decisão nessa parte em que ficou vencida, nos termos em que o podia fazer, de acordo com o disposto no artigo 151.º, n.º 2 do CPAC, deixa de ser possível, em razão da autoridade do caso julgado que assim se formou sobre a questão, renovar nesta nova sede processual, a discussão e apreciação do dito vício no presente recurso.
    Parece-nos, assim, que não pode ser atendida, nesta parte, a pretensão impugnatória da Recorrente.
    2.2
    A segunda questão que vem suscitada pela Recorrente é a de saber se o acto recorrido não fez a devida ponderação das circunstâncias atenuantes que no caso se verificavam.
    Recordemos que, no anterior recurso contencioso, o acto recorrido foi anulado justamente por nele não ter sido feita qualquer ponderação das circunstâncias atenuantes invocadas pela Recorrente na sua defesa.
    Vejamos.
    Por imposição da norma do n.º 1 do artigo 316.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), as penas disciplinares graduam-se de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram, sendo que, ponderando o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena (n.º 2 do artigo 316.º do ETAPM).
    As circunstâncias atenuantes encontram-se elencadas, de modo não taxativo, no artigo 282.º do ETAPM.
    No caso, a Entidade Recorrida valorou a circunstância atenuante referida na alínea a) do artigo 228.º, ou seja, a prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de bom e também o facto de a Recorrente ter recebido um louvor, tendo dado, assim, cumprimento ao julgado anulatório anterior.
    No que concerne à situação familiar da Recorrente que esta pretende ver considerada como atenuante, importa dizer que tal situação foi objecto de ponderação pela Entidade Recorrida. É certo que não foi enquadrada como circunstância atenuante. Todavia, isso não deve, em nosso entender, merecer qualquer reparo, pois que aquela situação familiar da Recorrente, por complicada que fosse, não podia justificar nem atenuar a censurabilidade da sua conduta disciplinarmente relevante que, em rigor, se traduziu num puro e simples abandono do serviço.
    Por outro lado, a falta de antecedentes disciplinares da Recorrente não constitui, ao contrário, do que a mesma sustenta, uma circunstância atenuante. No nosso direito disciplinar, a opção do legislador foi a de considerar, expressamente, como circunstâncias agravantes, a reincidência e a sucessão (cfr. artigo 283.º, n.º 1, alíneas f) e g) do ETAPM), não a de considerar como atenuante a ausência de antecedentes disciplinares.
    Finalmente, não é rigoroso dizer-se, como faz a Recorrente, que a Entidade Recorrida considerou o louvor por si recebido como uma circunstância agravante. Não resulta do acto recorrido que o dito louvor tenha servido para agravar a escolha da pena disciplinar aplicada à Recorrente.
    Não vemos, por isso, que, quanto ao segundo dos seus fundamentos, o douto recurso possa merecer acolhimento desse Venerando Tribunal.
    2.3.
    A última questão suscitada pela Recorrente é a da alegada falta de fundamentação da sanção aplicada.
    Se bem vemos, o que a Recorrente alega é que a Entidade Recorrida fez uma errada escolha da pena disciplinar por ter optado pela mais gravosa das penas aplicáveis, em violação do princípio da proporcionalidade, quando, diz, podia ter optado pela aplicação da pena de aposentação compulsiva.
    A propósito da escolha da pena disciplinar, ponderou-se no acto recorrido:
    «Considerando toda a prova produzida no presente processo, resulta claro que os factos praticados pela funcionária A são susceptíveis de quebrar de forma irremediável a relação de confiança que tem necessariamente de existir entre Serviços de Saúde e os seus trabalhadores, em particular aqueles que exercem funções de elevado grau de responsabilidade e de contacto com os doentes, como é o caso das enfermeiras.
    A conduta da funcionária A, pela sua gravidade inquina a relação laboral, verificando-se, pois, a inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional.
    Dúvida não há de que ao praticar os factos que praticou, A comprometeu, de forma irreversível, a relação de confiança existente por força do contrato de trabalho.
    Neste sentido, a infracção praticada por A deve ser punida com a pena de demissão (…)»
    Esta ponderação, estamos convictos, não pode ser censurada por esse Venerando Tribunal.
    Pelo seguinte.
    Como resulta do n.º 1 do artigo 315.º do ETAPM, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional são aplicáveis as penas de aposentação compulsiva ou de demissão.
    No caso, a infracção praticada pela Recorrente, para além de se enquadrar na alínea f) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM, uma vez que a mesma faltou ao serviço mais de 20 dias seguidos, inviabilizou a manutenção da situação jurídico-funcional, algo que a própria Recorrente não coloca em causa.
    Quanto à escolha entre a pena de aposentação compulsiva e a de demissão, ela cabia à Entidade Recorrida sem que nada legalmente a vinculasse a escolher a pena de aposentação compulsiva.
    Trata-se, ao invés, e como tem sido repetidamente afirmado pelos nossos Tribunais, do exercício de um poder discricionário.
    Com efeito, está entre nós jurisprudencialmente consolidado o entendimento segundo o qual, relativamente às penas disciplinares, a aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração. Portanto, só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei judicialmente sindicável, nos termos que resultam do disposto no artigo 21.º n.º 1, al. d) do CPAC. Daí que a intervenção sindicante do tribunal deva ficar limitada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo funcionário (cf., por todos, o acórdão do Tribunal de Última Instância, de 21.9.2015, Processo n.º 26/2014).
    No caso, atenta a concreta gravidade objectiva da infracção praticada pela Recorrente e bem assim a forma dolosa e, mais grave, premeditada como a mesma actuou, não vemos como possa apontar-se à decisão recorrida, quando nesta se optou pela demissão e não pela aposentação compulsiva, um flagrante mau uso do poder discricionário ou evidente e intolerável violação dos princípios gerais da actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da proporcionalidade.
    Propendemos, assim, no sentido de que também este fundamento do recurso deve improceder.
    3.
    Face ao exposto, parece-nos, salvo melhor opinião, que o presente recurso deve ser julgado improcedente.”
*
    Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo, como quando o juiz manda proceder à partilha, como indicado pelo Digno Magistrado do Ministério Público.”
    Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Delegado Coordenador que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
    Por isto julgamos improcedente o recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pela recorrente A, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 18 de Junho de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong

Álvaro António Mangas Abreu Dantas



Recurso Contencioso 888/2019 Página 50