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Processo n.º 223/2020
(Autos de recurso cível)

Data: 24/Junho/2020

Recorrente:
- Banco A S.A. (credor reclamante)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Banco A S.A., credor reclamante nos autos de execução ordinária que correm termos no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformada com a decisão que ordenou o cancelamento do registo da hipoteca e a apensação dos autos ao processo de insolvência, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo decidiu erradamente transferir para a massa insolvente da Executada o produto da venda do imóvel penhorado e vendido nos autos de execução em epígrafe, sobre o qual incidia hipoteca judicial a favor do Recorrente para garantia do crédito que este detêm em relação à Executada/Insolvente.
B. Tal decisão violou o artigo 1117º, n.º 2 do CPC.
C. E interpretou erradamente o artigo 1192º do CPC, ao entender que o mesmo era aplicável, apesar da venda ter ocorrido antes da declaração da insolvência.
D. À data da declaração de insolvência (03 de Outubro de 2019), já a fracção penhorada não pertencia ao património da insolvente por ter sido vendida judicialmente pelo que, naturalmente, o mesmo não integrava a massa insolvente.
E. Tendo a venda do imóvel ocorrido antes da declaração de insolvência da executada, não podia ter sido determinada a transferência do produto da venda efectuada para os actos de insolvência.
F. E como o produto da venda não integra a massa insolvente, nenhuma razão haveria para ordenar a apensação aos referidos autos – artigo 1117º, n.º 3 a contrario do CPC.
G. Assim, deveria o Mmo. Juiz do Tribunal a quo ter ordenado a remessa dos autos à conta, para pagamento dos credores, incluindo do ora Recorrente.
H. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, e considerarmos que a transmissão do direito de propriedade sobre a coisa penhorada não se operou no dia 11 de Setembro de 2019 mas apenas com a adjudicação (por despacho datado de 10 de Outubro de 2019), somos obrigados a concluir que à data da declaração de insolvência a fracção “A2R/C” ainda era propriedade da Executada/Insolvente, pelo que a execução teria que ter sido obrigatoriamente suspensa.
I. Neste caso o Mmo. Juiz do Tribunal a quo deveria ter apenas ordenado a apensação e ter deixado que a adjudicação, cancelamento dos ónus e pagamento aos credores fosse feito pelo Juiz da Insolvência.
J. O artigo 1192º do CPC, não tem aqui aplicação, uma vez que à data da insolvência a venda já havia sido realizada.
Termos em que deve ser proferido acórdão que:
- revogue a decisão recorrida de apensação aos autos de insolvência e determine que o processo prossiga a sua tramitação normal, designadamente com a concretização do pagamento ao Recorrente; ou caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio,
- revogue a decisão recorrida que ordenou a adjudicação e cancelamento da hipoteca, por a mesma só poder proferida pelo Juiz da insolvência, após apensação do processo. ”
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Corridos os vistos, cumpre apreciar.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Foi posta em crise a seguinte decisão de primeira instância:
    “由於中標人B已全部支付被變賣財產的價金及履行相應的稅務責任,本院根據《民事訴訟法典》第795條的規定,將被變賣財產(即屬被執行人C 所有的“A2R/C”獨立單位)判給予中標人B。
    根據《民事訴訟法典》第795條第2款向其發出移轉憑證。
    根據《民事訴訟法典》第783條及《民法典》第814條第2款,本院命令取消被變賣財產(即屬被執行人C 所有的“A2R/C”獨立單位)上的2014年7月16日登錄編號為17XXX2C的抵押登記、2018年11月23日登錄編號為42XXXF的查封登記、2019年1月11日登錄編號為4XXX9F的假扣押登記、2019年1月17日登錄編號為4XXX1F的假扣押登記、2019年1月25日登錄編號為4XXX5F的假扣押登記及2019年2月14日登錄編號為4XXX7F的假扣押登記,並向取得人發出本批示之證明。
    作出通知及必要措施。”

Em aditamento, foi proferido o seguinte esclarecimento:
    “本案中,法庭已於2019年9月11日開啟標書,而被執行人則於2019年10月3日被宣告為無償還能力。
    《民事訴訟法典》第1192條規定: “一、如針對無償還能力人提起之執行程序中已指定開啟密封標書之日期,則在該日開啟標書,而有關財產之所得歸入無償還能力人之財產。二、不論是否已編製帳目或繳納訴訟費用,均須將任何有關程序與無償還能力之程序合併。”
    根據該條文第1款規定,在宣告無償還能力狀況後,如針對無償還能力人提起之執行程序中已指定開啟密封標書之日期,則仍須在該日開啟標書,而有關財產之所得歸償還能力人之財產;更何況,本案早於被執行人被宣告為無償還能力前已開啟標書,故有關財產之所得應歸入無償還能力人之財產。
    根據卷宗資料顯示,中標人已全部支付被變賣財產的價金及履行相應的稅務責任。因此,法庭透過卷宗第154頁的批示,根據《民事訴訟法典》第795條的規定,將被變賣財產判予中標人,即使作出該決定之時被執行人已被宣告為無償還能力亦然。
    這是因為,不可能將變賣財產之所得歸入無償還能力人之財產,同時又不作判給而將被變賣的財產保留為無償還能力人之財產;此不符合《民事訴訟法典》第1192條第1款及第795條的規定,更明顯有失公正。
    至於法庭沒有在卷宗第154頁的批示中命令向請求執行人及債權人作出支付,概因此必須在編製帳目後方可為之;而按《民事訴訟法典》第1192條第2款規定,不論是否已編製帳目或繳納訴訟費用,均須將任何有關程序與無償還能力之程序合併。
    因此,即使本案尚未編製帳目,為着產生適當的效力,法庭亦必須將有關程序與無償還能力之程序合併。為此,法庭作出卷宗第154頁背頁的批示,命令適時將本執行案連同附案B(要求清償債權案)移送至無償還能力卷宗。
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    由於在本案中就涉及破產財產之利益有爭論,根據《民事訴訟法典》第1187條準用1102條第1款規定,在卷宗第154頁的批示轉為確定後,方將本執行案連同附案B移送至第CV1-19-0002-CFI號卷宗。
    將本案情況告知第CV1-19-0002-CFI號卷宗。”

O caso dos autos
Em 21.2.2019, a recorrente deu entrada uma reclamação de créditos nos autos de execução ordinária que correm termos sob o Processo n.º CV1-18-0204-CEO.
O crédito da reclamante não foi impugnado e foi reconhecido e graduado em primeiro lugar, por se encontrar garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma identificada nos presentes autos.
Por despacho do Juiz a quo, foi ordenada a venda da fracção em causa por propostas em cartas fechadas no dia 11.9.2019, tendo a mesma sido vendida a um proponente.
O depósito do preço foi efectuado em 18.9.2019 e o imposto do selo pago no dia 25.9.2019.
Por ofício de 4.10.2019, foi o Juiz dos autos da execução informado de que a executada havia sido declarada no estado de insolvência, por sentença proferida em 3.10.2019, sendo-lhe solicitado que remetesse todos os processos nos quais se tenha feito a penhora de bens ou se debatam interesses relativos à insolvente ao processo de insolvência registado sob o n.º CV1-19-0002-CFI.
Por despacho de 10.10.2019, ora decisão recorrida, foi determinada a adjudicação da fracção em causa ao comprador, bem como o cancelamento da inscrição da hipoteca e a apensação dos autos ao processo de insolvência.

A questão que se coloca neste recurso é saber se deve ser ordenada a apensação dos autos de execução ordinária ao processo de insolvência e, em caso afirmativo, saber se o Juiz deve escusar-se a proferir o despacho de adjudicação e de cancelamento da hipoteca após realizada a venda judicial do bem.
Comecemos pela primeira questão.
A lei prevê que são aplicáveis à insolvência as disposições relativas à falência, na parte não relacionada com a empresa comercial, e ressalvadas as disposições legais em contrário.
No que toca à questão de saber se deve ser ordenada a apensação dos autos de execução ordinária ao processo de insolvência, prevê o n.º 1 do artigo 1102.º do CPC que: “Declarada a falência, todas as causas em que se debatam interesses relativos à massa falida são apensadas ao processo de falência, salvo se estiverem pendentes de recurso interposto da sentença, porque neste caso a apensação só se faz depois do trânsito em julgado.”
Por sua vez, determina o n.º 3 do mesmo artigo que “A declaração da falência obsta a que se instaure ou prossiga qualquer acção executiva contra o falido; mas se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”
Mais se estatui no n.º 3 do artigo 1117.º do CPC que: “O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa dos processos nos quais se tenha feito o arresto, penhora, apreensão ou detenção de bens do falido e a entrega dos respectivos bens ao administrador da falência.”
Ora bem, de acordo com as normas acima citadas, podemos verificar que, declarada a insolvência, todas as causas em que o insolvente seja réu ou executado são logo apensadas ao processo de insolvência, salvo excepções previstas no n.º 2 do artigo 1102.º
Em boa verdade, a utilidade da apensação tem a ver com a reclamação de créditos e a posterior verificação do passivo.
Consagra-se no n.º 4 do artigo 1140.º do CPC que: “Consideram-se reclamados o crédito do requerente da falência bem como os créditos exigidos nos processos a que se referem o n.º 1 do artigo 1102.º e o n.º 3 do artigo 1117.º, se esses processos forem mandados apensar ao de falência dentro do prazo neste fixado para a reclamação.”
Ora, depois de as várias causas (distribuídas e tramitadas em vários juízos) serem apensadas ao processo de insolvência, o Juiz do processo de insolvência vai proceder à verificação e graduação dos créditos em conformidade com a lei (artigo 1152.º do CPC).
Sendo assim, dúvidas de maior não restam de que a apensação deve ser efectuada.
E não se diga que a fracção em causa já deixou de ser património do insolvente, por causa da venda judicial efectuada em 11.9.2019.
Dispõe o artigo 795.º do CPC o seguinte:
“1. Os bens apenas são adjudicados e entregues ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e cumpridas as obrigações fiscais inerentes à transmissão.
     2. Proferido despacho de adjudicação dos bens, é passado ao adquirente título de transmissão, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço e o cumprimento das obrigações fiscais e se declara a data em que os bens lhe foram adjudicados.” – sublinhado nosso
Nas palavras de Amâncio Ferreira, “…no caso de venda por propostas em carta fechada, e no caso de venda por negociação particular, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como é próprio desta no direito substantivo, dada a sua natureza real, e não obrigacional(…). Quer numa quer noutra daquelas vendas, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução, no que toca à venda por propostas em carta fechada, e com a outorga do instrumento da venda, no que respeita à venda por negociação particular. E para que aquele título seja emitido e esta outorga se efective, terá o adquirente de pagar previamente o preço devido e satisfazer as obrigações fiscais inerentes à transmissão.”1 – sublinhado nosso
Também refere Rui Pinto2 que na venda mediante proposta em carta fechada, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, são adjudicados os bens ao adquirente, preferente ou proponente, e que tal é feito mediante emissão de título de transmissão a favor do adquirente, o qual é constitutivo dos efeitos materiais da venda.
No caso vertente, não obstante que a venda judicial foi realizada em 11.9.2019, e que o preço integral e o imposto do selo foram pagos, respectivamente, em 18.9.2019 e 25.9.2019, mas como o título de transmissão apenas foi emitido depois de 10.10.2019, assim no momento em que foi pedida a remessa dos autos de execução ordinária para ser apensados ao processo de insolvência, ainda não havia emitido o título de transmissão, isso significa que a transmissão ainda não se mostrava concretizada.
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão do Relação do Porto, proferido no âmbito do Processo n.º 810/09.3TBBGC-B.P1, em 20.11.2014, citado a título de direito comparado, nos termos seguintes: “Ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, ou seja, não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão”. – sublinhado nosso
Isto posto, na medida em que a coisa vendida ainda não foi transmitida ao proponente, os autos de execução teriam necessariamente que ser apensados ao processo de insolvência, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 1117.º, ex vi o artigo 1187.º do CPC.
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A recorrente entende ainda que os autos de execução deveriam ser suspensos, e não deveria ser proferido o despacho de adjudicação e de cancelamento de hipoteca.
A nosso modesto ver, julgamos sem razão a recorrente.
Preceitua o n.º 1 do artigo 1192.º do CPC que: “Quando nalguma execução movida contra o insolvente já haja dia designada para a abertura das propostas em carta fechada procede-se a ela, entrando o produto dos bens para a massa.”
Em princípio, uma vez declarada a insolvência, todas as causas em que o insolvente seja réu ou executado são apensadas ao processo de insolvência. E nesse processo, logo transitada em julgado a sentença de declaração da insolvência, deve dar-se início à liquidação do activo, a fim de prosseguir com a venda dos bens da massa insolvente e, posteriormente, pelo respectivo produto, proceder-se ao pagamento dos credores (artigo 1129.º e seguintes do CPC).
Mas pode haver situações em que a execução já se encontra numa fase bastante adiantada, especialmente em que já foi designado dia para a abertura de propostas em carta fechada. Neste caso, em obediência aos princípios da celeridade e da economia processual, o legislador manda prosseguir com a abertura de propostas, entrando o produto dos bens vendidos para a massa, não sendo necessário suspender os autos de execução tal como se prevê no n.º 3 do artigo 1102.º do CPC.
Entende a recorrente que o n.º 1 do artigo 1192.º do CPC só se aplica aos casos em que no momento da declaração da insolvência, já haja sido designado dia para a abertura das propostas em carta fechada mas a venda ainda não foi realizada, e não às situações em que agora se discute, ou seja, à data da insolvência a venda já havia sido realizada.
A nosso modesto ver, não vejamos diferença substancial entre as duas situações.
Tanto num caso como noutro, o produto dos bens vendidos entram igualmente para a massa insolvente.
Como foi dito acima, por razões de celeridade, economia e coerência processuais, o legislador não queria que os autos de execução, se já estivessem numa fase mais adiantada, suspendessem e que só se procedesse à venda judicial juntamente com os demais bens da massa aquando da liquidação do activo, sob pena de implicar a inutilização desnecessária de todos os actos processuais praticados no âmbito dos autos de execução.
Na nossa opinião, não vislumbramos qualquer razão para não se aplicar a norma prevista no artigo 1192.º do CPC ao caso sub judice, isto é, à data da insolvência, a venda judicial já havia sido realizada.
Conforme dito acima, uma vez que a coisa vendida ainda não foi transmitida ao proponente/comprador, os autos de execução teriam necessariamente de ser apensados ao processo de insolvência para prosseguir os ulteriores termos processuais. E o n.º 1 do artigo 1192.º do CPC manda que se proceda à abertura das propostas em carta fechada, se já haja dia designada para a sua abertura, e que todo o produto da venda entra na massa insolvente.
O mesmo acontece com a situação em que à data da declaração da insolvência, a venda já havia sido realizada. Neste caso, apesar de ter sido efectuada a venda, o produto vendido continua a integrar a massa insolvente. No fundo, trata-se aqui de uma liquidação antecipada do activo. Daí que, uma vez realizada a venda judicial (pago o preço e liquidada a respectiva obrigação fiscal), nada impede que se emita o título de transmissão e se declare a caducidade dos direitos reais de garantia e demais direitos reais a que se alude no n.º 2 do artigo 814.º do Código Civil, por ser uma consequência legal.
Finalmente, no que toca ao crédito da recorrente, na medida em que os autos de execução ordinária serão remetidos ao processo de insolvência, o seu crédito será tido em consideração aquando da verificação do passivo, face ao estatuído no n.º 4 do artigo 1140.º e artigo 1152.º, ambos do CPC.
Aqui chegados, há-de negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 24 de Junho de 2020
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong

1 Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, pág. 395 e 396
2 Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 930
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Recurso Cível 223/2020 Página 14