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Processo n.º 326/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 24 de Junho de 2020

Assuntos:

- Liquidação do imposto complementar de rendimentos e prazo de caducidade previsto no artigo 55º do RICR
     
     
SUMÁRIO:
     
I - O exercício do direito da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artigo 55º do RICR, está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios. Ou seja, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação, no caso de a mesma ter sido interposta pelo contribuinte nos termos do disposto nos artigos 43º/ 4 e 5 e 44º/ 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
     
II – Como a Recorrente apenas foi notificada do acto que definitivamente estabiliza o rendimento colectável (acto preparatório da liquidação) em 05/01/2019, nesse momento já se encontrava caduco o direito à liquidação do imposto complementar relativo ao exercício de 2013, conforme imposto pelo artigo 55.º do RICR, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente anulação da sentença recorrida do TA, da deliberação da Comissão da Revisão e também do acto tributário impugnado.
     
     
     
     
O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong












Processo n.º 326/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 24/Junho/2020

Recorrente : A Limited

Recorrida : Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會)

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A Limited, Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 03/12/2019, que julgou improcedente o recurso contencioso contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos pela qual esta manteve a liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2013, feita em 8/10/2018, notificada em 11/01/2019, veio, em 26/02/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 185 a 208, tendo formulado as seguintes conclusões :
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 172 a 178 dos autos, que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos do dia no dia 7 de Dezembro de 2018, que não atendeu a à reclamação apresentada pela ora Recorrente no dia 24 de Outubro de 2018 e na qual se solicitava a revisão da matéria colectável fixada referente ao exercício de 2013, pelo que a mesma se manteve no total MOP$227,552,000.00 (duzentos e vinte e sete milhões, quinhentas e cinquenta e duas mil patacos), com um agravamento a título de custos de 0.006%.
2) Em sentido frontalmente contraditório com sentenças já proferidas em Macau pelos Tribunais superiores sobre a mesma questão de direito (acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância, no âmbito dos Processos n.ºs 927 e 34/2000, respectivamente), vem o Tribunal Administrativo defender que o presente recurso foi interposto contra o acto de fixação da matéria colectável e, como tal, não pode ser invocada a caducidade do direito à liquidação por ser um "vício próprio" do acto de liquidação.
3) O raciocínio do Mm.º Tribunal recorrido parte, desde logo, de um errado pressuposto quanto à letra da norma jurídica em apreço ao afirmar que "a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação" quando em momento algum o artigo 55.º se refere à caducidade de qualquer acto administrativo.
4) O que é evidente é que a norma do artigo 55.º, n.º 1, do RICR (apesar da menção de "prescrição" constante da epígrafe e do teor literal da norma) refere-se à caducidade do direito à liquidação (oficiosa), o que é bem diferente!
5) O direito à liquidação oficiosa que assiste à Administração Fiscal tem de ser exercido através de um procedimento administrativo-tributário (n.º 2 o artigo 55.º do RICR).
6) No entanto, se a Administração Fiscal já não possui esse direito por força da sua extinção com o decurso do tempo, é do domínio do óbvio que não pode fazer desencadear o procedimento administrativo-tributário tendente à concretização do mesmo, pois para esse efeito precisaria de ter na sua esfera jurídica o direito de proceder a essa mesma liquidação adicional.
7) Se esse direito tiver, entretanto, caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto final de liquidação propriamente dito.
8) Por outro lado, importa ainda referir que o Tribunal de Segunda instância, na sentença do Processo n.º 34/2000, determinou que a norma do artigo 55.º se destina "a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável".
9) Daí que, e ao contrário do que foi o entendimento do Mm.º Tribunal recorrido, a situação presente não é de um "vício próprio" do "acto de liquidação" que só pode ser conhecido em sede de impugnação contenciosa desse acto.
10) Até porque tal configuraria um contra-senso, o que se diz sem prejuízo do muito e devido respeito que opinião contrária nos merece, visto que isso significaria que a Administração Fiscal poderia, não obstante a extinção do seu direito, iniciar um procedimento administrativo, praticar todas as diligências necessárias no âmbito desse procedimento e proceder à fixação e (eventual) revisão da matéria colectável sem que qualquer um desses actos estivesse viciado pela inexistência do direito (por conta da caducidade), direito esse que sustenta o impulso para o início do referido procedimento!
11) Parece evidente que tal interpretação implicaria uma violação dos fins de desburocratização e eficiência da Administração Pública (artigo 12.º do CPA), além de permitir à Administração a violação da lei sem qualquer sanção, em claro desrespeito ao princípio da legalidade que norteia a sua actuação (artigos 55.º do RICR e 3.º do CPA).
12) Nestes termos, e no mais de Direito, resulta claro que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente a lei, designadamente o artigo 55.º do RICR, ao considerar que não podia conhecer da questão da caducidade do direito à liquidação por tal configurar um "vício próprio" do "acto de liquidação" propriamente dito.
13) Por outro lado, e por mera cautela de patrocínio, importa ainda mencionar que tão-pouco se poderá defender a actuação da Entidade Recorrida ao abrigo de um suposto "poder de praticar um novo acto" durante o período de execução espontânea a que se refere o artigo 174.º, n.º 1, do Código do Processo Administrativo Contencioso.
14) Com efeito, não se pode aqui olvidar que está em causa um acto praticado ao abrigo do direito de liquidação adicional (ou oficiosa), que está limitado no tempo por razões evidentes: considerando que já existe uma liquidação, razões de segurança jurídica e estabilização da situação fiscal dos contribuintes exigem que a referida liquidação apenas possa ser revista num prazo máximo de 5 anos.
15) Logo, não pode a Administração "renovar" um acto administrativo que é praticado ao abrigo do artigo 55.º e que ao mesmo tempo viola o prazo aí previsto.
16) Por último, diga-se que ao contrário do que parece assumir o Mm.º Tribunal recorrido, não foi ainda "renovado" o acto de liquidação (propriamente dito) na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que em bom rigor e se fosse de atender ao que foi decidido na sentença recorrida, a Administração Fiscal ainda teria de praticar esse acto e notificar a Recorrente do mesmo, o que até agora não fez.
17) É que tendo a Recorrente pedido a devolução da quantia paga, sob reserva, a título de imposto na sequência da anterior anulação judicial da decisão de fixação da matéria colectável, a Entidade Recorrida limitou-se a proferir um novo acto de revisão da matéria colectável, justificando assim a não devolução daquela quantia até aos dias de hoje, não tendo praticado qualquer novo acto de liquidação.
18) Não sendo notificada nem informada do acto de liquidação nem podendo, na perspectiva do Tribunal Recorrido, impugnar o acto objecto do presente recurso contencioso com base na caducidade do direito à liquidação, significa em termos práticos denegar à Recorrente o recurso a tutela jurisdicional efectiva assegurada pelo artigo 2.º do CPAC.
19) Por mera cautela de patrocínio, sempre se requer a revisão da sentença recorrida no que concerne ao vício de erro nos pressupostos de facto e de direito do acto recorrido e a dupla tributação, que não foi devidamente apreciado na sentença impugnada.
20) Na sentença recorrida foi ainda dito que "Na nossa situação, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que a Recorrente entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado em relação aos contribuintes normais, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor dos outros que se encontram na situação idêntica.", porém, salvo o devido respeito, é a Comissão de Revisão que no acto confirmativo impugnado vem escudar-se no argumento de que não há tratamento desigual em relação a outras associadas da B porque, "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
21) A Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, "IEJ") à taxa de 35% (cfr. artigo 28.º da Lei n.º 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22.º da mesma Lei.
22) Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira B uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
23) A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da B.
24) Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que “comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
25) E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela B, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
26) Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da B (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
27) A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamente fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B.
28) Pelo que manifesto fica que a entidade incorre num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a B, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza e cariz obrigacional celebrados entre a B e as suas associadas, para depois vir negar aquilo que concede às demais associadas da B!
29) Surge então que, para aquelas concorrentes comerciais da Recorrente, a Entidade Recorrida considera que há uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no Casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, mas já no que concerne à Recorrente, idêntico tratamento fiscal não pode ser dado por não ter o "contrato autorizado", situação que não tem qualquer suporte e que representa violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do CPA.
30) Deste modo, temos que também nesta vertente padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, face à clara intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, pretender eliminar a dupla tributação nesta matéria, o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20.º e 21.º, n.º I, alínea d), do CPAC.

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A Recorrida, Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會), veio, 26/03/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 211 a 227, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença do Tribunal Administrativo, de 3 de Dezembro de 2019, que negou provimento ao recurso contencioso apresentado pela recorrente da deliberação da CRIC que não atendeu à reclamação apresentada pela recorrente relativa à fixação do seu rendimento colectável do ano de 2013 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
II. Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
III. Em total concordância com a recorrente, entende também a recorrida que a prescrição a que alude o artigo 55.º do RICR, corresponde, efectivamente, a um prazo de caducidade.
IV. A notificação exigida por lei para o pagamento do imposto devido é um acto exterior à liquidação, destina-se a mesma, nomeadamente, a dar conhecimento do dies a quo do vencimento da obrigação do imposto em ordem à exigibilidade e à cobrança do imposto liquidado.
V. O procedimento imposto pelo RICR para a fixação do rendimento colectável, de que a liquidação depende, ficou concluído com a deliberação da Comissão de Revisão que, em termos definitivos, fixou o rendimento colectável da contribuinte:
VI. O legislador de Macau apenas relevou, para a interrupção da contagem do prazo de caducidade, a prática do acto tributário de liquidação e não já a comunicação do resultado desta.
VII. O direito à liquidação do imposto não caduca se o acto tributário for praticado dentro do prazo do artigo 55.º do RICR ainda que a notificação exigida por lei para o pagamento do imposto se verifique em data posterior.·
VIII. A regra do CPA considera o acto administrativo perfeito antes da notificação, a qual funciona apenas como condição de eficácia. Ora, as disposições legais que à caducidade se referem apenas aludem à liquidação, sem que em qualquer delas se faça referência à sua notificação. Por isso, feita a liquidação, a caducidade fica impedida, já que os efeitos da notificação em relação ao contribuinte são outros que nada têm a ver com a caducidade da liquidação. O acto impeditivo da caducidade é a liquidação.
IX. A falta de comunicação dos elementos constantes da notificação não afecta a validade do acto, apenas o mesmo não produzirá os seus efeitos enquanto o interessado não os conhecer na integra mas, se o acto é válido, assim continuará a ser.
X. Estranhamente refere a recorrente que "... não foi ainda renovado o acto de liquidação na sequência da anterior decisão judicial do acto de fixação da matéria colectável" dado que não houve qualquer "... anterior anulação judicial da decisão de fixação da matéria colectável ", limitando-se a entidade recorrida "... a proferir um novo acto de revisão da matéria colectável”.
XI. Não se descortina onde a recorrente "descobriu" anterior anulação judicial da decisão de fixação da matéria colectável, afirmando que não foi ainda renovado o acto de liquidação. Situação que não ocorreu!
XII. Pretende, por ventura, a recorrente confundir o Mm.º Tribunal transportando para os autos factos novos que correspondem a inverdades e a factos que não ocorreram.
XIII. Não poderá deixar de se concluir que não ocorreu caducidade do direito à liquidação pois esse foi tempestivamente exercido pela Administração Tributária.
XIV. Alega a recorrente que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração fiscal já tinha concedido a favor de outras suas concorrentes que se encontram em situação idêntica, mas continua a não invocar em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
XV. O regime da Lei n° 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28°, que se refere às concessionárias, e o artigo 29°, que se refere aos promotores de jogo.
XVI. Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da B que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
XVII. Pelo que só a B pode ser titular das obrigações tributárias resultantes da actividade concessionada e, em consequência, a recorrente percebe daquela, já depois de tributados tais rendimentos da B, uma prestação mensal constituída por percentagens diversas dos rendimentos gerados na zona afecta ao mercado de massas do casino, do rendimento gerado nas salas VIP e, finalmente, do rendimento gerado nas slot machines.
XVIII. E, segundo a recorrente, paga à B tal prestação mensal porque a recorrente celebrou com a B um contrato de associação de participação.
XIX. Ora estando expressas, no documento contratual que foi submetido, as características de um contrato de prestação de serviços e de ocupação e uso de espaço e não se vislumbra no mesmo documento quaisquer das características ou referências do contrato de associação em participação.
XX. Além disso, permanece intacto e independentemente da natureza do contrato, o facto de este ter sido submetido pela B - por si e, implicitamente, em nome da recorrente posto que é sua co-contratante - à apreciação da DICJ, sem que tenha daí resultado acto favorável de sancionamento.
XXI. A B, bem como outras operadoras, celebraram diversos contratos com empresas prestadoras de serviços e outras que são algo semelhantes ao contrato em que a ora recorrente baseia a sua pretensão, só que desses vários contratos, uns foram aprovados e autorizados pela tutela, enquanto outros não tiveram a mesma sorte, como foi o caso da recorrente.
XXII. A diferença destes resultados depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes.
XXIII. O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
XXIV. Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
XXV. Por fim, não se duvida que existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem - nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada - rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a B, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
XXVI. Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
XXVII. Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28° da Lei nº 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.

*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls.235):
Visto.
Nos presentes autos de recurso jurisdicional, verifica-se que a recorrente, "A, Limited" impugna a sentença de 3 de Dezembro de 2019, do Tribunal Administrativo, imputando-lhe erro de julgamento dos vícios que havia suscitado no recurso contencioso.
Sobre os vícios do acto pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 165 e seguintes, onde sustentada e desenvolvidamente se manifesta contra a tese da ilegalidade escorada nesses vícios em que agora a recorrente volta a insistir.
Dado que a alegação de recurso jurisdicional, sobre o invocado erro de julgamento dos vícios do acto, constitui, no fundo, um reavivar e repisar de argumentos já esgrimidos em sede de recurso contencioso, temos por bem reafirmar aqui o sentido daquele referido parecer, que convocamos em amparo da douta sentença recorrida.
Apenas se nos oferece acrescentar que as decisões dos tribunais superiores alegadamente contrariadas pela sentença impugnada não abordam, em bom rigor, a mesma questão de que esta conheceu, sendo de notar que, ao dizer que o preceito destina-se a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável, o acórdão exarado no processo 34/2000, do Tribunal de Segunda Instância, está a referir-se ao artigo 44.º e não ao artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
Termos em que, na improcedência dos fundamentos do recurso, nos pronunciamos no sentido de lhe ser negado provimento.

* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ Em 26 de Maio de 2016, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2013 (conforme consta de fls. 1 a 14v do P.A.).
‐ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável negativo ou prejuízo no montante de MOP143,167.00 (ibid).
‐ Em 5 de Outubro de 2018, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP227,552,000.00, e em 9 de Outubro de 2018, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 36 e 40 do P.A.).
‐ Em 8 de Outubro de 2018, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, que foi posteriormente notificada à Recorrente em 11 de Janeiro de 2019 (conforme consta de fls. 38, 46 e 48 do P.A.). (Sic) (Repare-se, não se percebe porque aparece aqui a data de notificação em 11/01/2019??)
‐ Em 24 de Outubro de 2018, a Recorrente reclamou contra a supradita decisão da Comissão de Fixação junto da Presidente da Comissão de Revisão (conforme consta de fls. 17 a 26v do P.A).
‐ Em 7 de Dezembro de 2018, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2013 o rendimento colectável de MOP227,552,000.00, com aplicação do agravamento de 0.006% sobre a colecta (conforme consta de fls. 32 a 35 do autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
‐ Em 31/12/2018 foi mandada por correio a notificação da deliberação da Comissão de Revisão (fls. 36 dos autos) (presume-se que a recepção teve lugar em 05/01/2019).
‐ Em 14 de Fevereiro de 2019, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal no TA.

* * *
    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
I. Relatório
Recorrente A LIMITED, melhor id. nos autos,
Interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra
Entidade recorrida COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que, pela sua deliberação tomada em 7 de Dezembro de 2018, manteve a matéria colectável do exercício de 2013 em MOP227,552,000.00 e fixou o agravamento, a título de custos, em 0.006% sobre a colecta.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos a fls. 2 a 30 dos autos, em síntese:
- a caducidade do direito à liquidação ;
- o erro nos pressupostos de facto e de direito e ofensa aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade; e
- a violação da lei por dupla tributação;
Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
*
A Entidade recorrida contestou, com os fundamentos a fls. 102 a 125 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Devidamente notificadas, ambas as partes apresentaram alegações facultativas.
*
No parecer final, o digno Magistrado do M.º P.º emitiu o parecer com fundamentos a fls. 164 a 171v dos autos, promovendo que fosse julgado improcedente o recurso.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Factualidade

Resultam documentalmente provados nos autos os seguintes factos:
(…)

***

III. Fundamentação

A primeira questão que importa resolver é a de apurar se, tal como invocado pela Recorrente, o acto recorrido é anulável pela caducidade do direito à liquidação.

Para o efeito, considera a Recorrente que ao ser notificado, no dia 5 de Janeiro de 2019, do acto pressuposto do direito da liquidação, isto é, da deliberação recorrida que fixou definitivamente o rendimento colectável, já decorreu o prazo de 5 anos de caducidade do direito à liquidação do imposto relativo ao exercício de 2013, pelo que não era possível à Administração praticar o acto de liquidação fora deste prazo.

E sendo assim que, o acto recorrido padece do vício de violação de lei por desrespeito do disposto da norma do artigo 55.º do Regulamento de Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro.

Vejamos se lhe assiste razão.

Conforme preceituado no disposto do artigo 55.º do RICR:
“Artigo 55.º
(Prescrição)
1. A liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
2. Verificada a omissão ao lançamento, proceder-se-á à determinação do rendimento colectável e à liquidação do imposto que for devido, observando-se as disposições deste regulamento.”

Antes de mais, temos para nós que pese embora a referência, na epígrafe da norma, à “prescrição” e bem como a indicação de que “…prescreve decorridos cinco anos…”, é do prazo de caducidade que aqui se trata, e este regime de caducidade que deve ser aplicado ao próprio direito de liquidar de tributos, o qual, no direito tributário, se diferencia do regime de prescrição, que é aplicável ao direito de cobrar coercivamente dívidas de tributos previamente liquidados (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, pp.15 a 16).

Como é óbvio, a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação, enquanto que o presente recurso, sempre se recorda, foi interposto contra o acto diferente, que é de fixação da matéria colectável.

Portanto, se vendo as questões de forma mais incisiva, tal como foi feito aqui pelo digno Magistrado do M.º P.º no seu parecer, importa-nos, antes de verificar se a invocada caducidade operou ou não na realidade, responder à questão seguinte: poderá ser invocado ou não no recurso contencioso que tem por objecto o acto de fixação da matéria colectável, o vício inerente ao próprio acto de liquidação?

Como é sabido, no contencioso tributário assim como no contencioso comum dos actos administrativos, vigora o princípio de impugnação unitária nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que é acto de liquidação de imposto, por ser um acto que “afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definido os seus direitos e deveres” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, pp.467).

No entanto, nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um imposto, existem os actos preparatórios destacáveis que condicionam irremediavelmente o acto de liquidação e que conferem ao interessado a faculdade de impugnação contenciosa autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deva proferir a decisão final.

É o que se verifica com a impugnação do acto de fixação da matéria colectável, que, sendo cronologicamente antecedente ao acto final de liquidação, determina os pressupostos deste, e cuja impugnação contenciosa autónoma esteja expressamente prevista na lei, nomeadamente, nos termos do artigo 80.º do RICR.

Além do mais, a prática do acto de fixação da matéria colectável, conforme se trata do contribuinte do Grupo A ou B, compete ao Director dos Serviços de Finanças e ou à Comissão de Fixação, com decisão susceptível de reclamação graciosa para a Comissão de Revisão (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003 e os artigos 36.º, n.º 2 e 44.º do RICR), e o acto de liquidação, por sua vez, é praticado pelo Director dos Serviços de Finanças (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 12/2003).

Em virtude da existência de um acto destacável legalmente previsto, impende-se sobre o interessado a obrigação de impugnação contenciosa tempestiva deste acto, sob pena da preclusão da possibilidade de invocar os vícios próprios do acto destacável na impugnação posterior do acto de liquidação. Uma vez obtida a anulação desse acto destacável, o acto de liquidação que venha a ser praticado e que se funda naquele acto antecedente, cai automaticamente por causa da nulidade, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA.

Por outro lado, a circunstância de não ter impugnado autonomamente o acto destacável também não impede o interessado de impugnar o acto final do procedimento, contudo, como referido atrás, não sendo jamais possível invocar as respectivas ilegalidades daquele acto antecedente, poderá fazê-lo, no prazo legal, com base nos vícios próprios do acto de liquidação, como a falta da fundamentação, a falta da audiência prévia deste acto, e além disso, vícios esses que podem não se reconduzir às categorias básicas da inexistência, nulidade ou anulabilidade, mas ainda configurar-se as situações da ilegalidade abstracta (ilegalidade da contribuição), ou da ilegalidade concreta (ilegalidade do lançamento) (cfr. melhor, Ac. do TSI, de 17/11/2011, Proc. n.º 672/2010, Ac. do STA, de 7/4/2005, Proc. n.º 01108/03).

Na situação vertente, ao ter-se verificado a apontada caducidade do prazo de 5 anos para a liquidação de imposto, deveria ser o próprio acto de liquidação que fica ferida do vício de ilegalidade pela violação da regra de caducidade prevista no artigo 55.º do RICR, tratando-se, portanto, do vício próprio da liquidação.

É evidente, pelo que fica dito, que esse vício só pode servir de fundamento em sede da impugnação anulatória do acto final de liquidação, e o facto de que uma eventual anulação deste acto final pela caducidade pudesse ainda comprometer a legalidade de um acto destacável antecedente (como por exemplo, na tese da Recorrente, é impossível exercer o direito de liquidação por ter caducado ao tempo da prática do acto de fixação da matéria colectável) não exonera o interessado do dever de impugnar, tempestivamente e com base naquele vício, este acto final através do processo próprio, com a devida observância do contraditório da entidade distinta daquele autor da fixação da matéria colectável.

Aqui chegado, não sendo a caducidade da liquidação invocável neste recurso contencioso, é manifesto que o alegado vício não pode proceder.
*
De seguida, importa verificar se existe o invocado vício por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Em síntese, alega a Recorrente que esteve numa relação de associação em participação com a concessionária B, enquadrável no artigo 551.º do CCM, criada com base no acordo celebrado entre eles, e que as remunerações pagas ao abrigo dos acordos de natureza idêntica pela mesma concessionária, foram consideradas, desde 2006 até 2013, como isentas de Imposto Complementar de Rendimentos.

Sendo assim que, a decisão tomada pela Administração Fiscal no sentido de negar a extensão desses benefícios fiscais à Recorrente relativamente aos seus rendimentos provenientes da fonte idêntica às dos outros beneficiários, com base na errada qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Recorrente e a B, e na falta da autorização deste acordo, incorreu no erro no pressuposto de facto e de direito, bem como na violação dos princípios de igualdade, da justiça e da imparcialidade, devendo ser por isso anulada.

Vejamos.

Em primeiro lugar, a legalidade de que falamos aqui, como se refere o digno Magistrado do M.º P.º no parecer cuja fundamentação se acompanha, não é a da quantificação da matéria colectável, resultante do acto de fixação da Entidade recorrida, mas sim a legalidade da própria tributação em sede de imposto complementar de rendimentos, referente à verificação dos pressupostos de incidência tributária, questão essa, ao que nos parece à partida, poderia ser discutida na impugnação do acto final de liquidação, como tivemos ocasião de mencionar anteriormente.

Agora, olhando para a nova fundamentação do acto recorrido quanto a esta matéria, salvo a parte que visa a responder negativamente as questões colocadas pela Recorrente em sede da reclamação, percebe-se sem equívoco os fundamentos determinantes da verificação do pressuposto da relação jurídica tributária em causa, que conduzem a Administração Tributária a fixar a matéria colectável naqueles termos (conforme se expõe, em especial, nos artigos 1, 2, 3, 4 e 15 da fundamentação do acto recorrido).

Em termos sintéticos, no entendimento da Entidade recorrida, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR.

Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
“O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”

E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
“1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.os 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.”

À partida, com a subsunção do caso às normas citadas, é-nos óbvio que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.

Na nossa opinião, em face do acto recorrido com a fundamentação tal com ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar fazer: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação do pressuposto, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida.

Na nossa situação, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva.

O caminho que a Recorrente entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado em relação aos contribuintes normais, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor dos outros que se encontram na situação idêntica.

Quanto a isto, como se compreende facilmente, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, e constituem necessariamente a matéria de reserva da lei da Assembleia Legislativa, por força do princípio de legalidade tributária.

Daí que, se a Recorrente pretende invocar a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios e sustentar que preencha os respectivos pressupostos legais.

Contudo, ela não logrou fazê-lo, não tendo invocado em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.

Aliás, tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, n.º 0592-11, de 2011/11/23).

Significa isto que, nesta matéria tributária, encontra-se ainda vedada, por força do princípio da legalidade tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.

Assim, concluindo, não sendo possível invocar a isenção fiscal fora do âmbito da norma legal, a pretensão da Recorrente deve ser necessariamente denegada.

Agora, a circunstância de que a Administração Fiscal tinha anteriormente concedido a favor das outras contribuintes as isenções fiscais no caso semelhante, mesmo que se tivesse verificado, é totalmente irrelevante, do nosso ponto de vista, para se obter efeito invalidante do acto recorrido. Pois se a Administração Fiscal neste caso se limita a apreciar a verificação ou não dos pressupostos da isenção fiscal em observância às normas legais vigentes, não há margem para censurar o seu comportamento “faltoso” de não ter tratado de forma igual os casos que lhe foram colocados, alegadamente idênticos.

É que, como se sabe, no âmbito da actividade vinculada, o princípio da legalidade consome a generalidade dos restantes princípios administrativos (cfr. neste sentido Ac. do TUI, de 18/9/2019, Proc. n.º 26/2019).

Portanto, somos de concluir que o acto recorrido não incorreu no erro de pressuposto de facto e de direito, nem violou os princípios gerais da actividade administrativa.
*
Finalmente, cumpre apreciar o alegado vício de violação da lei face ao que dizer ser a clara intenção do Governo da RAEM, ao longo dos anos, de pretender eliminar a dupla tributação, conforme se alega no art.º 112.º da petição de recurso.

No entender da Recorrente, verifica-se no caso uma verdadeira situação de dupla tributação, pelo facto de existir uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001, e do artigo 3.º do RICR, e uma identidade do facto tributário.

Ora bem, como é fácil de perceber, não obstante a invocação do vício de violação da lei, a Recorrente não chegou a concretizar qual é a norma legal que se considera violada pelo acto recorrido. Pelo contrário, independentemente de saber se efectivamente ocorreu ou não uma situação da dupla tributação, temos por certo que a proibição ou eliminação da dupla tributação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM que seja autonomamente invocável, à margem de qualquer previsão legal, muito menos poderia servir de fundamento da ilegalidade do acto tributário.

Basta-nos ver, como por exemplo, o disposto do art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, nos termos do qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”

Além disso, um outro exemplo, na norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), estabelece-se que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”

Nestas linhas, resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, em princípio, qualquer situação de dupla tributação, e que a sua eliminação não deveria ocorrer automaticamente, não se podendo portanto operar sem ter sido baseada na norma legal preexistente, seja esta norma que tenha relegado para a regulamentação da convenção internacional com aplicação directa, seja a norma que tenha habilitado, para o efeito, a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.

No entanto, o que é lamentável é que a existência de tal norma não foi devidamente demonstrada no caso vertente. Sendo assim, não se pode ter por verificado o vício de violação da lei.
Nestes termos, cremos ser evidente que este fundamento do recurso contencioso não pode proceder.
***
IV. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso e em consequência, manter o acto recorrido.
*
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 6UC.
*
Registe e notifique.
*
Aos 3 de Dezembro de 2019
*
Quid Juris?
De entre as questões levantadas neste recurso, existe uma que importa analisar por se tratar de uma questão de natureza exceptiva, cuja procedência determina logo o destino deste processo: a liquidação foi feita ou não nos termos do disposto no artigo 55º do RICR?
O Tribunal recorrido entende que o caso não é um vício próprio do acto da liquidação (por entender que o objecto deste recurso é o acto de fixação da matéria colectável), e como tal o vício só pode ser conhecido em sede de impugnação desse mesmo acto, tendo afirmado:
“(…)
Como é óbvio, a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação, enquanto que o presente recurso, sempre se recorda, foi interposto contra o acto diferente, que é de fixação da matéria colectável.

Portanto, se vendo as questões de forma mais incisiva, tal como foi feito aqui pelo digno Magistrado do M.º P.º no seu parecer, importa-nos, antes de verificar se a invocada caducidade operou ou não na realidade, responder à questão seguinte: poderá ser invocado ou não no recurso contencioso que tem por objecto o acto de fixação da matéria colectável, o vício inerente ao próprio acto de liquidação?

Como é sabido, no contencioso tributário assim como no contencioso comum dos actos administrativos, vigora o princípio de impugnação unitária nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que é acto de liquidação de imposto, por ser um acto que “afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definido os seus direitos e deveres” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, pp.467).

No entanto, nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um imposto, existem os actos preparatórios destacáveis que condicionam irremediavelmente o acto de liquidação e que conferem ao interessado a faculdade de impugnação contenciosa autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deva proferir a decisão final.

É o que se verifica com a impugnação do acto de fixação da matéria colectável, que, sendo cronologicamente antecedente ao acto final de liquidação, determina os pressupostos deste, e cuja impugnação contenciosa autónoma esteja expressamente prevista na lei, nomeadamente, nos termos do artigo 80.º do RICR. (…)”.

Diferentemente, a Recorrente advoga que a liquidação foi feita fora do prazo legalmente fixado que é de 5 anos.
Ora, o artigo 55º do RICR dispõe:
     (Prescrição)
     1. A liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
     2. Verificada a omissão ao lançamento, proceder-se-á à determinação do rendimento colectável e à liquidação do imposto que for devido, observando-se as disposições deste regulamento.

Está em causa o rendimento do exercício de 2013.
Estão elencados os seguintes factos considerados assentes:




‐ Em 5 de Outubro de 2018, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP227,552,000.00, e em 9 de Outubro de 2018, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 36 e 40 do P.A.).
‐ Em 8 de Outubro de 2018, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, que (…) (conforme consta de fls. 38, 46 e 48 do P.A.).


Existem 2 actos: o lançamento (fixação do rendimento colectável) e a liquidação.
A contribuinte reclamou do lançamento e o artigo 44º/3 fala em efeito suspensivo, que não se repercute no artigo 55º/1 do RICR.
No caso, a última notificação foi feita em 31/12/2018 (acerca da deliberação da Comissão de Revisão, que negou provimento à reclamação deduzida pela Recorrente), entendemos que a liquidação foi feita fora do prazo referido no artigo 55º do RICR, já depois de a faculdade de liquidar o imposto ter caducado.
A propósito do artigo 55º do RICR, Hermínio Rato Rainha escreveu (cfr. Apontamentos de Direito Fiscal, Faculdade de Direito da UM, 1996, pág. 64):
“(…) 3.3. Liquidação
Em sentido técnico-jurídico-fiscal liquidação significa apuramento ou determinação do montante do imposto e o seu cálculo, no caso do imposto não ser de montante fixo, faz-se geralmente pela aplicação de uma taxa ou de um conjunto de taxas à matéria tributável, incluindo-se nestas operações a aplicação das deduções ou agravamentos à matéria tributável e à colecta do imposto previstas nas respectivas leis triburárias1. Estas operações de liquidação dos impostos podem ser realizadas pelos serviços de administração fiscal ou outros serviços públicos, pelo próprio contribuinte ou por terceiros como acontece nos casos de retenção na fonte correspondente às situações de substituição fiscal, estando estas liquidações eventualmente sujeitas a modificação ou revogação por acto da administração fiscal.
A liquidação está sujeita a caducidade, pois só pode efectuar-se dentro de certo prazo, que é em regra de cinco anos a contar de ocorrência do facto tributário [cf. Diploma Legislativo nº 1 622, de 21 de Março de 1964, artº 3º; RICR, artº 55º; RCPU, artº 91º; RIP, artº 40º, etc.2], pelo que a falta de liquidação dentro do prazo estabelecido impede que esta se efectue e não é possível ao sujeito activo exercer o respectivo direito. Dado que o acto de liquidação se dirige ao contribuinte sujeito a imposto tem de ser dele conhecido dentro do prazo de caducidade para produzir os seus efeitos, sendo esta a solução que se justifica por razões de certeza e segurança jurídica. (Sublinhado nosso)
Quando os serviços fiscais entendem possuir todos os elementos necessários ao correcto lançamento e apuramento do imposto efectuam a respectiva liquidação considerada, em princípio, definitiva, embora se encontre nas leis fiscais a previsão de liquidações adicionais e de liquidações provisórias. O acto de liquidação pode ser revisto, oficiosamente ou por reclamação (ordinária e extraordinária) do contribuinte (e em algumas situações de terceiros), dando essa revisão lugar a uma revogação, à sua reforma ou a uma liquidação adicional e ainda, por meio de recurso contencioso, a uma revisão jurisdicional da liquidação correspondente a anulação da liquidação, total ou parcial.
No ordenamento jurídico-fiscal de Macau, esta possibilidade de revisão dos actos tributários de liquidação, por iniciativa dos serviços de administração fiscal ou na base de reclamação ou recurso encontra-se prevista nos diferentes regulamentos tributários e no Diploma Legislativo n° 922, de 27 de Abril de 1946, estando fixados prazos para esse efeito. O princípio da legalidade tributária existente no ordenamento jurídico-fiscal de Macau não permite que, ao contrário do que acontece no direito administrativo, os actos de revisão do acto de liquidação se possam basear em razões de conveniência ou oportunidade e impõe que o seu motivo único seja a ilegalidade ou errada aplicação da lei ao caso concreto.
(…)
A prescrição das obrigações de imposto não deve ser confundida com a preclusão ou caducidade do poder de liquidar os impostos, cujo prazo é, geralmente, de cinco anos, excepto para a sisa e o imposto sobre as sucessões e doações em que é de trinta anos [embora o prazo de prescrição da obrigação de imposto seja idêntico]. No direito fiscal de Macau, em diversos regulamentos tributários ainda se designa o prazo de caducidade do direito à liquidação de impostos por prescrição, dado ainda não se ter actualizado a linguagem do legislador, de acordo com a evolução dos respectivos conceitos3. (…)”

É também esta ideia que retiramos do artigo 55º do RICR.
Esta ideia também foi defendida no acórdão do Proc. nº 927, proferido pelo então TSJ, em 18/11/1998, em que se afirmou:
“(…)
Delineado, assim, o regime jurídico dos actos prejudiciais, encontramo-nos em condições de, a partir de agora, apreciar a terceira e última questão da prescrição liquidação do imposto complementar referente aos exercícios de 1991 e de 1992.
Determina o nº 1 do artº 55º que aquela liquidação prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
Embora a lei designe este prazo como prazo de prescrição, trata-se, como é óbvio, pela sua natureza e como está legalmente consagrado, de um prazo de caducidade.
“Os prazos de caducidade, por sua própria natureza, pressupõem o interesse da rápida definição do direito, que se não-compadecem com dilações, já que protegem direito acabado de nascer e limita-o na sua distância, como afirma Carnelutti (citado pelo Dr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina na Lei e na Jurisprudência”, pág.49).
Assim, se o direito não for exercido dentro do limite temporal fixado, extingue-se directa e automaticamente, sendo aqui irrelevante, ao contrário do que sucede com a prescrição, a eventual negligência do titular do direito em exercitá-lo ou eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, visto que só o aspecto objectivo da certeza e segurança é aqui tomado em conta (neste sentido, vidé Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 375 e 376 e Prof Vaz Serra, in RLJ, ano 107º, págs. 26 e 27).
O decurso do prazo, na caducidade, extingue prematuramente a eficácia do direito e a possibilidade de o realizar, ou seja, determina a sua resolução, o morrer do direito, que se opera ipso jure, de maneira directa e automática.
O direito caducável existe até ao limite do prazo, extinguindo-se depois de modo a dele nada restar, porque se perdeu a possibilidade de o realizar por falta de exercício”.
Assim, atenta a natureza e regime jurídico da caducidade, acabados de descrever, que se fundam em considerações de interesse geral, e apoiando-se aquela na limitação decorrente de um prazo prefixo de exercício, os institutos da suspensão e da interrupção não se ajustam, em princípio, aos prazos de caducidade.
Deste modo, estes prazos não se suspendem nem se interrompem senão nos casos em que a lei o determina e a sua verificação só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito suspensivo (artºs 328º e 331, nº 1, do Cód. Civil).
Pelo contrário, na prescrição, que assenta na inércia e na negligência do titular do direito no seu não exercício e que visa fundamentalmente a realização de objectivos de conveniência e oportunidade, embora não lhe sendo, como é óbvio, estranhas razões de justiça e também a segurança jurídica e certeza do direito, a suspensão e interrupção dos prazos são admitidos como regra (vidé artºs 318º e segs. e 323º e segs. do cód. Civil).
Deste modo, o exercício do direito de praticar o acto tributário da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios, ou seja, no caso concreto, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação poder ser apreciada por tal Comissão, no caso de a mesma ter sido interposta pelo interessado nos termos do disposto nos artºs 43º, nºs 4 e 5 e 44º, nºs 2, 3 e 4 e 46º do RICR. (Sublinhado nosso)
Ora, in casu, e partindo da solução, a que aderiu a decisão recorrida e vai confirmada no presente Acórdão e que é a mais favorável à Administração, de que o recorrente, ora agravante, foi notificado da fixação do rendimento colectável, respeitante aos exercícios de 1991 e 1992, em 31.12.96, e não apenas em 28.01.97, como é a tese do ora agravante - e considerando ainda, de acordo com a orientação mais correntemente seguida (vidé autor e obra citada, pág. 242, nota 129), de que só a partir da notificação da liquidação ao contribuinte, e não apenas da realização desta dentro do prazo, se impede os efeitos da caducidade -, mesmo assim teremos de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que o direito à liquidação do imposto respeitante ao exercício de 1991 caducou nos termos do nº 1 do artº 55º do RICR, porquanto, apesar de ter sido efectuada ainda no ano de 1996 e ter sido notificada ao agravante em 31.12.96, ela só poderia produzir efeitos decorrido que estivesse o termo legal dos 20 dias, contados após a notificação, seguidos de mais 30 dias, que a lei concede para a reclamação e sua apreciação pela Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável nos termos atrás indicados, pelo que a sentença recorrida irá ser revogada nesta parte.». (…)”.

Ora, o prazo de caducidade previsto no artigo 55.º do RICR só é evitado se o contribuinte for notificado da liquidação dentro desse prazo de 5 anos, não bastando que a liquidação seja feita internamente pela Administração Fiscal dentro desse prazo de 5 anos (vide o citado Acórdão do ex-TSJ, Processo n.º 927, in Jurisprudência, Tomo II, pág. 13 e ss).
A este propósito, importa ainda observar que idêntica ratio era utilizada na Jurisprudência do STA de Portugal, evocada aqui em nome de Direito Comparado, que por Acórdão de 11 de Novembro de 1981, proferido no âmbito do recurso n.º 1748, determinou que “(...) Conforme doutrinal e jurisprudencialmente se tem entendido, as disposições acabadas de referir aludem à liquidação em sentido restrito, ou seja, à operação de determinação do montante do imposto pela aplicação da taxa fixada na lei, à matéria colectável previamente determinada. E como também tem sido doutrinado e julgado, o acto tributário, o acto da liquidação, apresenta-se com a natureza dum acto receptício que só com a notificação ao contribuinte se torna perfeito (...)
Quer dizer, por conseguinte, que, nesta orientação, só impede a caducidade do direito de liquidar o imposto, a feitura da liquidação (stricto sensu) dentro dos 5 anos referidos na lei, com a sua notificação ao contribuinte dentro desses mesmos 5 anos. (...)" (disponível em Acórdãos Doutrinários do Supremo Tribunal Administrativo, XXI, págs. 811 e seguintes).
Entendimento que encontra também apoio na Doutrina sobre o tema, que defende que "Seja, porém, como for, certo é que em qualquer das hipóteses a notificação se configura como requisito de perfeição do acto tributário, o qual deve, portanto, considerar-se como um acto receptício. E isto não em homenagem à natureza de "provvedimento ablatorio" do acto tributário, como sustenta Cicognani - pois, como adiante se verá, lhe faltam os necessários requisitos da imperatividade e da executividade - mas por razões de certeza e segurança jurídica que, se não se opõem a que o acto tributário produza, por si só, todos os seus efeitos quando praticado num momento pré-determinado na lei, que o contribuinte deve conhecer, já se ofendem se esses mesmos efeitos se produzirem sem conhecimento do particular, nos casos em que este não deva saber nem possa prever o momento em que aquele acto efectivamente se praticou. (...) Eis a razão pela qual se deve entender que, mesmo no silêncio da lei, os prazos que esta refere ao acto tributário se contam a partir da sua notificação ao contribuinte regularmente efectuada." (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 240 a 242).
Ora, aplicado o raciocínio acima citado, que nos parece mais ser correcto, no caso sub judice, o que aconteceu foi o seguinte:
a) – Em 8/10/2018 foi feita a respectiva liquidação do imposto complementar da Recorrente referente ao exercício de 2013;
b) – Em 24/10/2018 a Recorrente deduziu reclamação para a respectiva Comissão de Revisão;
c) - Em 07/12/2018 a referida Comissão de Revisão deliberou em julgar improcedente a reclamação deduzida pela Recorrente;
d) – Em 31/12/2018 foi mandada por correio a notificação da deliberação da Comissão, que foi recebida pela Recorrente em 05/01/2019.
     
Como se deixou dito, a Recorrente apenas foi notificada do acto que definitivamente estabiliza o rendimento colectável (acto preparatório da liquidação) no dia 5 de Janeiro de 2019, pelo que nesse momento já se encontrava caduco o direito à liquidação do imposto complementar relativo ao exercício de 2013, conforme imposto pelo artigo 55.º do RICR.
Com efeito, a fase do lançamento, liquidação e cobrança do imposto só tem lugar após a determinação (definitiva) do rendimento colectável.
Pelo que, tendo a Recorrente sido notificada no dia 5 de Janeiro de 2019 do acto definitivo de fixação do rendimento colectável, não foi manifestamente possível à Administração Fiscal a realização da liquidação desse imposto dentro do prazo de caducidade de 5 anos previsto no artigo 55.º do RICR.

É de ver que, quando foi feita a liquidação e a respectiva notificação, já passou o prazo de 5 anos, ou seja, já caducou o direito de liquidação estatuído no artigo 55º/1 do RICR, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente anulação da sentença recorrida do TA, da deliberação da Comissão da Revisão e também do acto tributário impugando por a liquidação ter sido feita depois de caducidade fixada no artigo 55º/1 do RICR.
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Tudo visto, resta decidir.
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Síntese conclusiva:
I - O exercício do direito da liquidação do imposto complementar, além de estar sujeito a um prazo de caducidade de 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável diz respeito nos termos do nº 1 do artigo 55º do RICR, está também, por força da lei, sujeito a um termo suspensivo, que é o de só poder produzir efeitos depois de estarem estabilizados no procedimento tributário os seus actos pressupostos e os actos preparatórios decisórios. Ou seja, depois de ter decorrido o prazo de 20 dias para o exame e reclamação para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento colectável e o prazo de 30 dias para reclamação, no caso de a mesma ter sido interposta pelo contribuinte nos termos do disposto nos artigos 43º/ 4 e 5 e 44º/ 2, 3 e 4 e 46º do RICR.
II – Como a Recorrente apenas foi notificada do acto que definitivamente estabiliza o rendimento colectável (acto preparatório da liquidação) em 05/01/2019, nesse momento já se encontrava caduco o direito à liquidação do imposto complementar relativo ao exercício de 2013, conforme imposto pelo artigo 55.º do RICR, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente anulação da sentença recorrida do TA, da deliberação da Comissão da Revisão e também do acto tributário impugnado.

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    V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida e a deliberação recorrida e o acto tributário impugnado por caducidade do direito à liquidação do imposto complementar referente ao exercício de 2013 por violar o disposto no artigo 55º/1 do RICR.
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Sem custas.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 24 de Junho de 2020.
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Fong Man Chong Joaquim Teixeira de Sousa
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong


1 "Como todo o processo, a actividade desenvolvida pela administração fiscal para aplicação das normas de tributação aos diversos casos concretos conclui-se por uma decisão, consubstanciada no acto administrativo definitivo e executório de liquidação ou acto tributário" [António Braz Teixeira, Princípios ... , pg. 249].
2 Os regulamentos dos impostos referem-se a prescrição da liquidação, pois ainda não actualizaram as expressões e os conceitos jurídicos, em que se distingue os prazos de caducidade dos prazos de prescrição. Em relação à obrigação de imposto o prazo de prescrição conta-se desde o momento em que se torna exigível [cf. RIS , artº 68°].
3 O Regulamento do Imposto Profissional, embora revisto e republicado em anexo à Lei nº 9/93/M, de 23 de Agosto, mantém o termo de prescrição para designar a caducidade da liquidação [cf. RIP, artº 40º]
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