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Processo n.º 527/2018 Data do acórdão: 2020-6-24 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O

No caso dos autos, como após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo tribunal sentenciador, é de respeitar o julgado desse tribunal, improcedendo assim o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, assacado pelo arguido recorrente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 527/2018
Recorrente (2.o arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 384 a 396v do Processo Comum Colectivo n.o CR1-17-0033-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou, na sua parte penal, pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, do art.o 199.o, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal (CP), em um ano e seis meses de prisão, de um crime de abuso de confiança em valor elevado, do art.o 199.o, n.os 1 e 4, alínea a), do CP, em nove meses de prisão, de dois crimes de burla em valor elevado, do art.o 211.o, n.os 1 e 3, do CP, em nove meses de prisão por cada, e de um crime continuado de burla em valor consideravelmente elevado, do art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, em três anos de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas cinco penas, finalmente na pena única de quatro anos de prisão, veio o 2.o arguido desse processo chamado A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando, no essencial, na motivação apresentada a fls. 430 a 438 dos presentes autos correspondentes, àquela decisão condenatória, na parte respeitante aos crimes de abuso de confiança, os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação aludidos nas alíneas c) e b) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) e o subsidiário esgrimido erro da determinação da pena, para rogar a absolvição dele dos crimes de abuso de confiança (nomeadamente por não ser ele o co-possuidor ou co-detentor do dinheiro da pessoa ofendida, pelo que em relação a ele nunca se poderia dizer que tivesse ele violado qualquer confiança em si depositada pela pessoa ofendida), e, subsidiariamente, a aplicação da respectiva pena no mínimo legal, com também pretendida concessão do benefício de suspensão da execução da nova pena única a aplicar.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 469 a 477 dos presentes autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 490 a 492 dos autos, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cabe decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 384 a 396v, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que o 2.o arguido ora recorrente imputou à decisão condenatória recorrida os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação, no tocante aos factos dos crimes de abuso de confiança por que vinha condenado.
Entretanto, após lida a fundamentação fáctica (e probatória) da decisão recorrida na sua globalidade, não se mostra patente o assacado vício de contradição insanável da fundamentação, por ser logicamente congruente a fundamentação fáctica (e probatória) da decisão condenatória dos crimes de abuso de confiança em causa.
E quanto ao igualmente esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova no tangente aos mesmos crimes de abuso de confiança, é de relembrar, desde já, os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador, o qual, aliás, já explicou congruentemente, nas páginas 14 e 15 do texto do acórdão recorrido, a fls. 390v a 391, as razões por que se formou a sua livre convicção no sentido de ter o 2.o arguido também praticado os factos delinquentes imputados.
Sendo de frisar que a situação falada pelo 2.o arguido, de em si não ter sido possível, devido ao facto de ele não ser co-detentor do dinheiro da entidade patronal do 1.o arguido, o depósito de qualquer confiança por parte dessa entidade, se explica pelo nexo de co-autoria material, por que vinha ele condenado, dos crimes de abuso de confiança em causa.
Resta conhecer do subsidiário pedido de redução das penas.
Nesta parte em causa, é de respeitar o julgado da Primeira Instância, por não se mostrar existente, à luz dos padrões da medida da pena plasmados designadamente nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, e 71.o, n.os 1 e 2, do CP, com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal recorrido com pertinência à medida da pena, dentro das respectivas molduras penais aplicáveis, tendo em conta as exigências da prevenção sobretudo geral dos delitos penais em questão, qualquer injustiça notória na medida concreta das penas (parcelares e única) do arguido recorrente, e a diferença sensível entre as penas concretamente achadas pelo Tribunal recorrido para o 1.o arguido (não recorrente) e o 2.o arguido ora recorrente se deveu naturalmente ao facto de ter o 1.o arguido, que confessou a esmagadora maioria dos factos imputados (enquanto o recorrente negou a prática dos crimes), feito, por seu esforço próprio, indemnização dos prejuízos pecuniários causados à sua entidade patronal (cfr. o facto provado descrito na 17.a linha da página 13 do texto do aresto recorrido, a fl. 390 dos autos).
Sendo assim intacta a pena única de quatro anos de prisão por que vinha condenado o recorrente, é já inviável o seu pedido de suspensão da execução da pena de prisão, por inverificação, a montante, do requisito formal exigido no art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Em suma, naufraga o recurso, sem mais abordagem por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça, e três mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 24 de Junho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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