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Proc. nº 179/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 18 de Junho de 2020

ASSUNTOS:
- Alteração aos titulares dos órgãos
- Dever de comunicação

SUMÁRIO:
- A “alteração aos titulares dos órgãos” a que se refere a al. 2) do artº 22º da Lei nº 16/2012 reporta-se a todas as alterações ocorridas na titularidade dos órgãos sociais, inclusivamente a designação, destituição, demissão e substituição, que afecte apenas alguns ou todos titulares dos órgãos, pelo que o mediador imobiliário é obrigado a comunicar ao Instituto da Habitação a alteração em causa no prazo de 10 dias, cuja falta constitui infracção administrativa prevista e punida pelos artºs 29º e 31º, nº 3 da mesma Lei.
O Relator,

Ho Wai Neng





Proc. nº 179/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 18 de Junho de 2020
Recorrente: Empresa XXXX Macau Limitada
Entidade Recorrida: Presidente do Instituto de Habitação

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 22/11/2019, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela Recorrente Empresa XXXX Macau Limitada.
Dessa decisão, vem a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 108 a 111 verso dos autos, através da qual foi julgado improcedente o recurso contencioso de anulação do acto administrativo proferido a 5 de Março de 2019 pelo Exmo. Sr. Presidente do Instituto de Habitação de Macau, no âmbito do processo de infracção administrativa n.º 08/MI/2019, instruído pela Divisão de Assuntos Jurídicos, de aplicação à Recorrente de uma sanção pecuniária de MOP$5.000,00 por alegada violação do disposto no n.º 2 do artigo 22.º da LAMI;
II. O Acto Recorrido padece do vício de violação de lei previsto na alínea d) do artigo 21º do CPAC, porquanto parte de uma errada interpretação do disposto no nº 2 do artigo 22.º da LAMI;
III. A Sentença Recorrida, que confirmou o entendimento do Acto Recorrido quanto à interpretação e aplicação, ao caso sub judice, do artigo do n.º 2 do artigo 22.º da LAMI, encerra de erro de julgamento, em razão da errada interpretação e aplicação do disposto desta norma que, assim, também viola.
IV. No presente recurso está apenas em causa saber se o facto de a Recorrente não ter comunicado à Entidade Recorrida, no prazo de 10 dias, o facto da demissão de um dos membros da sua administração - o Sr. Y - sem que tivesse ingressado na sua administração qualquer outro sujeito, mantendo-se assim esta (apenas) composta pelos restantes administradores, cabe ou não na previsão da incriminação conjugadamente prevista no n.º 2 do artigo 22.º e o n.º 3 do artigo 31.º da LAMI, como considerou o Acto Recorrido e a Sentença Recorrida;
V. Entende a Entidade Recorrida que tal circunstância deveria ter-lhe sido comunicada ao abrigo do n.º 2 do artigo 22.º da LAMI, uma vez que considera que esta norma consagra a obrigação de comunicar qualquer alteração, isto é, "qualquer adição, eliminação, ou conversão, entre outros" ao contrato, estatutos ou titulares dos órgãos sociais;
VI. O douto tribunal a quo perfilha do entendimento quanto à interpretação da norma em apreço, considerando ser "óbvio que a "alteração aos titulares dos órgãos" se reporta a todas as alterações supervenientes ocorridas na titularidade dos órgãos sociais, inclusivamente a designação, destituição, demissão e substituição, que afecte apenas alguns ou todos os titulares dos órgãos (…)", justificando, assim, a justeza da aplicação da sanção sub iuditio à Recorrente e a improcedência do seu Recurso;
VII. A Recorrente não se conforma com o entendimento que Entidade e Sentença Recorrida fazem da norma em crise por entender, por um lado, que também o elemento literal da norma permite concluir que as alterações a comunicar são aquelas relativas à titularidade dos órgão sociais ou seja, quando se modifica a titularidade de um órgão social (deixar de ser um para passar a ser outro), como, em qualquer circunstância, é a leitura que se impõe em face dos elementos histórico, sistemático e teleológico da previsão;
VIII. A própria redacção do texto legal, quando se refere à alteração "aos" (contracção da preposição a e do artigo ou pronome o) titulares em vez de alteração "nos" (contracção da preposição em e do artigo ou pronome o) titulares, também permite tanto a abrangência defendida pela Entidade Recorrida, como o sentido menos abrangente com que a Recorrente a entendeu, que é o de que demissão de um administrador, sem a sua substituição por outro, não corresponde a uma alteração aos titulares dos órgãos sociais.
IX. No entanto, o certo é que se alcançaria o entendimento que a Recorrente faz da incriminação em apreço se se ultrapasse a sua mera literalidade, em consideração dos restantes elementos que devem fazer parte da tarefa interpretativa, quer em cumprimento do disposto no artigo 8.º do Código Civil e, como dos princípios de direito processual penal, à luz do disposto no artigo 43.º da LAMI e do artigo 3.º do Decreto-Lei 52/99/M de 4 de Outubro.
X. Para efeitos da concretização da conduta imposta pela norma supra transcrita, e, assim, da determinação do sentido da infracção e punição sub judice, não é de atribuir ao substantivo "alteração" a abrangência associada à literalidade que assume no domínio comum, antes devendo também ser tida em conta a mens legis que presidiu à sua elaboração e, assim, considerar-se o sentido que efectivamente responde à consecução do resultado que esta, claramente, visa obter.
XI. É evidente que as obrigações de comunicação impostas pelo artigo 22.º da LAMI visam permitir ao Instituto de Habitação verificar se os critérios que conduziram à concessão da licença de mediador imobiliário se mantêm a todo o momento sob pena de fazer desencadear as consequências próprias da sua não verificação, tal como definidas no artigo 9.º.
XII. No que concretamente concerne aos n.º 2 do artigo 22.º, isto é, às alterações aos "titulares dos órgãos sociais", e, particularmente, às alterações relativas aos administradores da sociedade, é notório que o único interesse protegido pela norma é a asseveração de que os novos administradores cumprem os requisitos que o diploma em preço lhes impõe para que possam ser investidos em tais cargos, requisitos esses que, perscrutada a Lei em apreço, podem apenas ser os previstos nas alíneas 5) e 6) do n.º 2 do artigo 5.º, ou seja, que os novos administradores não tenham sido declarados falidos ou insolventes ou responsáveis pelos actos que conduziram a declaração de falência e que possuam idoneidade.
XIII. Ao contrário do que erradamente se defende na Sentença Recorrida, a hipótese aqui avançada não se encontra revista na alínea 1) do n.º 1 do artigo 22.º, uma vez que os n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º - normas para as quais remete a previsão em apreço - se referem à (1) titularidade de licença válida de agente imobiliário (2) e inexistência de declaração de falência sobre empresários comerciais, pessoas singulares, sendo evidente que a fiscalização superveniente do cumprimento das alíneas 5) e 6) do n.º 2 do mesmo artigo 5.º - relativo às sociedades comerciais - só pode ser levada a cabo através do cumprimento da obrigação de comunicação prevista no n.º 2 do artigo 22.º.
XIV. Como facilmente se alcança no caso dos presentes autos, não se coloca a necessidade de se verificar se os novos administradores foram ou não declarados falidos ou insolventes ou responsáveis pelos actos que conduziram a declaração de falência e se possuem idoneidade, em conformidade como disposto nas alíneas 5) e 6) do n.º 2 do mesmo artigo 5.º, pois sequência da demissão do supra referido Sr. Y, ninguém mais foi nomeado administrador em sua substituição e, como tal, lógica e naturalmente, não existe qualquer necessidade de verificação de preenchimento dos requisitos legais aplicáveis aos administradores das sociedades.
XV. Todos os sujeitos que actualmente compõem a administração já a compunham aquando a demissão do administrador supra identificado e, como tal, foram já objecto da competente análise e respectivo crivo quanto ao preenchimento de todos os requisitos legais pelo Instituto de Habitação no momento em que a Recorrente se constituiu e obteve a licença de mediadora imobiliária,
XVI. Considerando que, como desde logo resulta da nota justificativa da lei, é seu propósito regulamentar o exercício da actividade de mediação imobiliária como intuito de favorecer a "protecção dos direitos do consumidor e o desenvolvimento ordenado do sector", fixando os "requisitos para o exercício das respectivas actividades" de mediação e agenciamento imobiliário, sujeitando o exercício destas actividades à obtenção de licença, é evidente que os deveres de comunicação impostos no artigo 22.º se destinam a fiscalizar o cumprimento da verificação daqueles requisitos, pelo que sentido nenhum faria, salvo o devido respeito, ler-se o n.º 2 do artigo 22.º da forma abrangente que fazem a Entidade e a Sentença Recorrida, dele retirando - ilegalmente - a existência de uma obrigação absolutamente inútil, fazendo nela incluir qualquer modificação, mesmo que de conteúdo absolutamente neutro, não substancial, não positivo, que não integra a realidade das coisas relevante para aplicação e fiscalização do cumprimento do diploma em apreço, e que apenas poderia ter como consequência o entorpecimento do salutar e eficiente desempenho da actividade de mediação imobiliária.
XVII. Atendendo a que o exercício interpretativo se reporta a norma de natureza penal, como a aqui em apreço, conforme resulta do disposto no artigo 43.º da LAMI e, bem assim, do artigo 3.º do Decreto-Lei 52/99/M de 4 de Outubro, a valoração dos referidos elementos supra enunciados em função do thelos da norma é de sobremaneira relevante, como salienta a boa doutrina enunciada supra.
XVIII. É absolutamente inaceitável e não radica em qualquer principio de direito a ideia de que n.º 2 do artigo 22.º se destina a trazer ao conhecimento do Instituto de Habitação situações de conteúdo absolutamente irrelevantes para efeitos do fiscalização do cumprimento da presente lei e que apenas respeitam ao foro da vida social, como a aqui em apreço, ou como tantas outras, como seria o caso da actualização do estado civil dos sócios e ou administradores de sociedade, ou a eliminação, do texto dos estatutos, de normas transitórias que se destinam a regular a gestão da sociedade durante os primeiros meses de vida, etc., situações que forçosamente se subsumiriam à incriminação em discussão.
XIX. Uma formulação genérica por parte do legislador não afasta que uma situação concreta obrigue, à luz da ratio da norma, a uma distinção que o texto omitiu, pelo que, onde se verifique que o sentido literal da norma resulta demasiado amplo, não correspondendo ao espírito da lei tal como se alcança através da ponderação dos demais elementos, deve restringir-se o alcance do significado da letra da lei na tentativa de a colocar em harmonia com o respectivo espirito.
XX. Aceitar-se que a norma em causa seja lida no sentido que lhe atribui a Entidade Recorrida e a Sentença Recorrida, seria o mesmo que aceitar-se a existência de uma incriminação, e a correspondente aplicação de uma sanção penal, sem que à mesma subjaza qualquer intenção de protecção de interesses juridicamente relevantes tal como, no caso, definidos pela LAMI, o que é absolutamente inadmissível em face da intenção simultaneamente finalística e legitimadora do direito penal de protecção de bens jurídicos, que expressamente decorre do disposto no artigo 40.º do Código Penal, o que ofende pilares fundamentais do Direito e Processo Penal vigente na Região Administrativa Especial de Macau;
XXI. Ainda que fosse de atribuir ao n.º 2 do artigo 22.º o sentido literal que a Entidade Recorrida lhe atribui, no que não se concede, sempre se imporia ª exclusão da presente situação do âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 22.º procedendo-se, assim, à sua interpretação restritiva, sob pena de se "atraiçoar o pensamento do legislador", dele se retirando um sentido que ultrapassa a sua ratio legis, e assim, resultados indesejados e inadmissivelmente contraditórios com as finalidades que esta visa salvaguardar;
XXII. Nestes termos, o Acto Recorrido violou o disposto no artigo 22.º, nº 2 da LAMI e, bem assim, o disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, tendo a Sentença Recorrida incorrida em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação de tais normas jurídicas, devendo, em consequência, esta ser revogada e o Acto Recorrido ser totalmente anulado.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 142 a 147 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “…
Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a revogação da sentença em escrutínio, invocando a violação do disposto no n.º2 do art.22º da Lei n.º16/2012 (Lei da Actividade de Mediação Imobiliária) e no art.8º do Código Civil de Macau. Quid juris?
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No caso sub judice, estão plenamente provados todos os factos alegados nos arts.2º a 7º da contestação, assim é incontestável que “4. 因此,司法上訴人的行政管理機關組成由以往的4名成員變成現時的3名成員,而Z(Z)更由B組變更為A組的行政管理機關。”
E não há margem para dúvida de que fica fora do prazo de dez dias a comunicação da apontada alteração pela recorrente, na medida em que esta alteração e a correspondente comunicação tiveram lugar respectivamente em 17/04/2018 e 28/11/2018 (arts.3º e 7º da contestação).
Nos termos da alínea 2) do art.22º da Lei n.º16/2012, a sociedade comercial que exerças a actividade de mediação imobiliária fica obrigada a comunicar, à entidade dotada das atribuições no âmbito desta actividade, as alterações ao contrato, aos estatutos ou aos titulares dos órgãos sociais, no prazo de dez dias a contar da data da respectiva alteração.
Sem prejuízo do merecido respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que todos os métodos de interpretação – literal, sistemático, histórico, finalístico e deontológico – conduzem, sem alternativa, ao mesmo resultado traduzido exactamente na interpretação declarativa.
Com efeito, concludente é que se trata de um normativo imperativo e, de outro lado, claro e preciso, não se descortina in casu nenhuma razão que possa legitimar a interpretação restrita, e não há margem para dúvida de que a interpretação adoptada pelo MMº Juiz a quo é fiel à mens legis e à mens legislatoris, por isso a tese da recorrente é infundada.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
➢ 司法上訴人為房地產中介人,准照編號為MI-100*****-1 (見行政卷宗第13頁及第36頁)。
➢ 2018年11月28日,司法上訴人向房屋局提交編號2018023043房地產中介業務一般事項申請表,通知該局其公司於2018年04月17日透過股東大會終止Y之行政管理機關成員職務(見行政卷宗第5頁至第10頁)。
➢ 2019年01月28日,房屋局法律事務處處長作出批示,指出因司法上訴人沒有在公司機關據位人變更之日起10日內通知房屋局,有關行為涉嫌違反經第7/2014號法律修改之第16/2012號法律《房地產中介業務法》第22條2項的規定,故決定向其開展有關法律處罰程序(見行政卷宗第49頁及背頁)。
➢ 2019年01月31日,房屋局法律事務處處長向司法上訴人發出編號1901280007/DAJ通知書,通知司法上訴人可針對上述違法行為以書面形式提交辯護 (見行政卷宗第50頁至第52頁) 。
➢ 2019年02月18日,司法上訴人向房屋局提交書面辯護 (見行政卷宗第53頁至第55頁及背頁)。
➢ 2019年03月05日,房屋局局長在編號0589/DAJ/2019建議書上作出批示,指出因司法上訴人違反經第7/2014號法律修改之第16/2012號法律《房地產中介業務法》第22條2)項及經第17/2014號行政法規修改的第4/2013號行政法規《房地產中介業務法施行細則》第17條的規定,決定向司法上訴人科處罰款澳門幣5,000.00元,並於2019年03月12日發出編號1903060062/DAJ公函,將上述決定通知司法上訴人 (見行政卷宗第56頁至第60頁及背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
➢ 2019年04月12日,司法上訴人之訴訟代理人針對上指決定向行政法院提起司法上訴。
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III – Fundamentação
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   A única questão controvertida que importa apreciar aqui é saber se a simples saída de um dos administradores da sociedade sem que este seja substituído por um outro se constitui ou não a mesma sociedade no dever de comunicar nos termos do art.º 22.º, alínea 2) da Lei n.º 16/2012 (Lei da actividade de mediação imobiliária).
   Vejamos.
   Consta da referida norma o seguinte:
“Artigo 22.º
Outras obrigações do mediador imobiliário
   Para além das obrigações previstas na presente lei, no diploma complementar e nas instruções referidas no artigo 25.º, o mediador imobiliário é ainda obrigado a:
   1) Comunicar à entidade competente com atribuições no âmbito da actividade de mediação imobiliária:
   (1) A alteração verificada quanto ao cumprimento dos requisitos para o exercício da actividade previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º, no prazo de dez dias a contar da data da alteração ou do conhecimento da mesma;
   (2) A alteração verificada quanto aos requisitos para o exercício da actividade previstos no artigo 12.º de cumprimento obrigatório pelos seus agentes imobiliários, no prazo de dez dias a contar da data do seu conhecimento;
   (3) A contratação de agentes imobiliários e a cessação do seu vínculo laboral, no prazo de dez dias a contar da data de ocorrência do facto;
   (4) A cessação da sua actividade, no prazo de dez dias a contar da data da cessação.
   2) Tratando-se de sociedade comercial, comunicar à entidade prevista na alínea anterior as alterações ao contrato, aos estatutos ou aos titulares dos órgãos sociais, no prazo de dez dias a contar da data da respectiva alteração;
   …”
   Pelo que se defende na petição inicial, a situação vertente dos autos não cabe na intenção legislativa subjacente à estatuição daquela norma, ou seja, em entender da Recorrente, a demissão de um administrador sem que um outro seja nomeado em sua substituição não configuraria qualquer “alteração aos titulares dos órgãos sociais”, na medida em que não implica a necessidade de uma nova verificação pelo Instituto de Habitação de preenchimento dos requisitos legais da Recorrente para o exercício da actividade.
   Salvo o devido respeito, entendemos que não é correta a sua interpretação da norma.
   À partida, é-nos óbvio que “alteração aos titulares dos órgãos” se reporta a todas as alterações supervenientes ocorridas na titularidade dos órgãos sociais, inclusivamente a designação, destituição, demissão e substituição, que afecte apenas alguns ou todos titulares dos órgãos. Parece-nos, quanto a este ponto, que a letra da lei foi clara e inequívoca, quer em português quer em chinês.
   Agora será que o legislador diz menos do aquilo que queria? E se poderá, não obstante o sentido literal da norma, reconstituir, a partir do texto legal, o pensamento legislativo, restringindo o alcance da sua aplicação somente às situações em que as alterações poderão comprometer a subsistência dos verificados requisitos?
   Como facilmente se pode observar, que a Lei da actividade de mediação imobiliária tenha imposto, com uma intenção firme de reforçar a fiscalização das actividades mediadoras no sector imobiliário, um conjunto de deveres exigentes ao mediador imobiliário e os seus agentes imobiliários, no disposto dos artigos 21.º, 22.º e 23.º, cuja violação constitui o ilícito administrativo e acarreta a consequente sanção administrativa, por força do disposto dos artigos 29.º, n.º 1, 31.º e 32.º da mesma Lei.
   No que concerne ao dever de comunicação, exige-se no disposto da norma do art.º 22.º, alíneas 1) e 2), que o mediador deva, dentro do prazo fixado, levar ao conhecimento à entidade competente a ocorrência das alterações específicas supervenientes que lhe digam respeito. E tratando-se de uma sociedade comercial, aquela exigência legal foi mais longe, no sentido de impor, além dos deveres de comunicação comuns a todos os mediadores, pessoa singular ou colectiva, o dever especial de comunicar quaisquer alterações que se considera relevantes - em relação ao contrato, aos estatutos ou aos titulares dos órgãos sociais.
   Nesta linha, afigura-se-nos forçada a interpretação da Recorrente quando conclui que “o único interesse protegido pela norma é a acervação de que os novos administradores cumprem os requisitos que o diploma em preço lhes impõe, isto é, que não tenham sido declarados falidos ou insolventes ou responsáveis pelos actos que conduziram a declaração de falência e que possuem idoneidade, conforme se dispõe nas alíneas 5) e 6) do n.º 2 do artigo 5.º da LAMI ” (conforme se alega no artigo 22.º da petição inicial), já que qualquer alteração verificada nos requisitos referentes à idoneidade comercial da mediadora será sempre comunicada ao abrigo da alínea 1) (1) da norma supra citada.
   É evidente que foi levada em conta pelo legislador a hipótese que a Recorrente concebeu, sendo certo que a alínea 2) da norma em apreço era concebida para algo diferente e “extra”.
   No fundo, entende a Recorrente que se deve enquadrar naquela alínea apenas as alterações substanciais e relevantes, e não “uma modificação de conteúdo absolutamente neutro, não substancial, não positivo” que é irrelevante para a fiscalização do cumprimento da Lei.
   Certo, mas só que, no caso concreto, o juízo de valor quanto à relevância de alteração não cabe à própria mediadora, antes já foi concluído pelo legislador e incorporado nas normas jurídicas positivas em causa, cujo cumprimento, naturalmente, não está ao dispor daquela.
   E como de resto, ainda na suposição de que seja correcta a lógica da Recorrente, será, em relação às outras alterações verificadas, por exemplo, ao contrato e aos estatutos da sociedade previstas na mesma alínea, de fazer intervir também o mesmo tipo de consideração prévia à comunicação? Como se densifica o requisito de relevância de cada alteração concreta? Poderá a mediadora optar, conforme entender, por comunicar ou não as eventuais alterações?
   Cremos que acaso se considere assim, a referida norma perderá sua operatividade.
   Agora, ao que nos parece, seria legítimo afirmar que, na ausência de uma norma que o dispense expressamente, não poderá a Recorrente escusar-se do cumprimento do dever legal, fazendo-o depender da verificação de um novo requisito, como por exemplo, de relevância ou substancialidade da alteração. Aliás, trata-se de uma interpretação literal com a qual se tinha conformado a própria Recorrente, quando esta, por sua iniciativa, comunicou ao Instituto de Habitação a demissão de um dos seus administradores, mas evidentemente atrasou-se, conforme consta das fls. 6 a 11 do processo administrativo.
   Nesta conformidade, o recurso deverá improceder, pela inexistência do invocado vício de ilegalidade.
***
III. Decisão
   Assim, pelo exposto, decide-se:
   Julgar improcedente o presente recurso contencioso, com a consequente manutenção do acto recorrido….”.
Trata-se duma decisão ajuizada e correcta, pelo que é de louvar a sentença recorrida, e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, é de negar provimento ao recurso com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 18 de Junho de 2020.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

Mai Man Ieng



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