--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 30/06/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 586/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 855 a 855v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-17-0485-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão, por dois anos (com regime de prova e sujeição ao acompanhamento por pessoal assistente social), da execução da sua pena de dois meses de prisão (então aplicada por um crime de consumo ilícito de estupefacientes), veio o arguido condenado A, já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na sua motivação apresentada a fls. 860 a 864 dos autos, a invalidação da decisão revogatória da suspensão da pena, alegando, para o efeito, e no seu essencial, que: em Agosto de 2019, ele só consumiu não sensatamente a droga por uma vez, e apenas por causa da grande pressão económica, e quanto à falta a testes de urina, isso foi por motivo das limitações por controlo da consabida situação epidémica, pelo que as faltas deveriam ser consideradas justificadas, sendo, por outro lado, ele próprio homem sempre de cumprimento da lei, com boa conduta, devendo, pois, ser invalidada a decisão judicial em questão (decisão esta, aliás, em desconformidade com os pressupostos previstos no n.o 1 do art.o 54.o do CP), a fim de evitar também os efeitos nocivos a resultar da execução da pena de prisão de curta duração.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 870 a 873 dos autos, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 905 a 906, pugnando também pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).
2. Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão proferido em 15 de Fevereiro de 2019 a fls. 659 a 677v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-17-0485-PCC do 3.o Juízo Criminal do TJB, o arguido A, ora recorrente, ficou condenado, por prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, na pena de dois meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento por pessoal assistente social; e de acordo com a matéria de facto aí já dada por provada, o ora recorrente já não é delinquente primário, tendo chegado a ser condenado em Março de 2015 no Processo n.o CR4-15-0040-PCS, por um crime de consumo ilícito de estupefaciente, e um crime de condução sob influência de estupefaciente, em pena única de cinco meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova, para além da interdição de condução por um ano e seis meses, período de suspensão esse que veio a ser prorrogado por um ano por decisão de Novembro de 2016, e depois declarado já completado;
– Ulteriormente, em 18 de Outubro de 2019, foi junto a fls. 829 a 831 dos presentes autos correspondentes um relatório, elaborado pelo Departamento de Reinserção Social (DRS) do Instituto de Acção Social de Macau, sobre a situação do ora recorrente; e segundo esse relatório, foi detectada a presença de substância estupefaciente do tipo de “ice” nos testes de urina do recorrente de 13 e 20 de Agosto de 2019, e foi registada a falta, sem motivo justificativo (dado que o recorrente insistiu em não comparecer para fazer teste de urina), do recorrente ao teste de urina de 27 de Agosto de 2019;
– O M.mo Juiz titular do processo em primeira instância, após lido o teor desse relatório, despachou, em 23 de Outubro de 2019, a fl. 832 dos autos, no sentido de que estando detectada a presença de substância estupefaciente em dois testes de urina do recorrente no mês de Agosto, e havendo falta injustificada do recorrente a um teste de urina, há que fazer a advertência do recorrente, de que ele tenha que cumprir seriamente a sua obrigação de tirar o vício de droga, sob pena de não estar excluída a revogação da suspensão da execução da pena;
– Em 30 de Outubro de 2019, o recorrente foi pessoalmente notificado da advertência determinada nesse despacho judicial e dos respectivos fundamentos (cfr. a certidão de notificação exarada a fl. 833);
– Posteriormente, em 2 de Janeiro de 2020, foi junto a fls. 838 a 840v dos autos um novo relatório, elaborado pelo DRS, a propor ao Tribunal a convocação do recorrente, para efeitos de internamento do recorrente, pelo período de um ano, em estabelecimento de tratamento de toxicodependência; e conforme esse relatório, foi detectada a presença de Ketamina no teste de urina do recorrente de 8 de Novembro de 2019, e foi registada a falta, sem motivo justificativo, do recorrente aos testes de urina de 3, 6 e 10 de Dezembro de 2019;
– Em face desse relatório e sob promoção dada pelo Ministério Público (a fl. 842 dos autos), o mesmo M.mo Juiz procedeu à audição da própria pessoa do recorrente em 23 de Abril de 2020, para efeitos de decisão sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o auto dessa diligência lavrado a fls. 854 e seguinte dos autos);
– Nessa diligência, o recorrente declarou que chegou a usar, de modo não sensato, a droga como forma de aliviar a pressão, mas só consumiu a droga por uma vez, por isso não percebe a razão de não aprovação em alguns testes de urina, e que quanto à falta injustificada a testes de urina, nalgumas vezes foi por causa do desentendimento na comunicação com o pessoal assistente social, e noutras vezes, foi por motivo de consultas médicas das quais não apresentou atestados comprovativos, e nalgumas vezes foi porque insistiu ele próprio em voltar ao Interior da China para tratar de assuntos, e faltou assim a testes de urina, rogando, assim, ao Tribunal que se lhe desse mais uma oportunidade, comprometendo-se ele a poder ir diariamente a testes de urina, mas não querendo ser tratado em regime de internamento, porque tem que cuidar da sua família e dos negócios da sua casa de cabeleireiro (cfr. o teor dessas declarações do recorrente, registadas por escrito no acima referido auto);
– Afinal, o M.mo Juiz decidiu revogar, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente (cfr. a fundamentação dessa decisão revogatória, proferida no próprio dia 23 de Abril de 2020, com texto disponibilizado a partir de 28 de Abril de 2020, a fl. 855 a 855v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
3. De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, é de decidir se o despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão do arguido recorrente viola o art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP.
Pois bem, observa-se, desde logo, que o recorrente já foi advertido, em 30 de Outubro de 2011, por decisão judicial, da sua obrigação de tirar o vício de droga, e das possíveis consequências de revogação da suspensão da sua pena de prisão no caso de não cumprimento sério dessa obrigação. Não obstante, voltou a ter mau resultado no teste de urina de 8 de Novembro de 2019, e a ter falta aos testes de urina de 3, 6 e 10 de Dezembro de 2019, realmente sem motivo justificativo para isso (é que as justificações dadas por ele, para essas três faltas a testes de urina, não podem ser consideradas como justificadoras das mesmas, sendo, aliás, certo que as limitações por controlo da consabida situação epidémica de novo vírus nunca começaram em Macau antes de 11 de Dezembro de 2019).
Assim sendo, não se mostrou desrazoável a medida de internamento para efeitos de tratamento da toxicodependência por um ano, sugerida pelo DRS. Entretanto, recusou o recorrente a aceitação dessa medida, com argumentos alegados e também referidos no auto de audição dele em 23 de Abril de 2020.
E tal como frisou o M.mo Juiz na fundamentação do seu despacho revogatório da suspensão da execução da pena, o recorrente soube apresentar atestados médicos em alguns testes de urina anteriores, pelo que a não apresentação de atestados médicos em relação à sua falta a determinados testes de urina não devia ser motivo ponderoso para se dar por justificada a falta, e, no fundo, o recorrente primava mais pelo trabalho do que pela sua obrigação de ir fazer testes de urina.
Como o recorrente não quis ficar internado para efeitos de tratamento da sua toxicodependência, é evidentemente acertada a decisão revogatória da pena suspensa ora recorrida, sensatamente tomada nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP.
É que a não aceitação, pelo recorrente, da medida desse internamento acarretou já, e por mais uma vez, o não cumprimento da sua obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, sendo certo que ele já chegou a não cumprir, antes, a sua obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência (fazendo-se lembrar aqui os fundamentos fácticos pelos quais foi feita a anterior advertência judicial, em Outubro de 2019).
Esse incumprimento reiterado da obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, que culminou na não aceitação da medida da internamento, já fez desaparecer, seguramente, a base da esperança, subjacente à então decisão decretadora da suspensão da execução da pena, de que o recorrente pudesse cumprir a sua obrigação de sujeição ao acompanhamento por pessoal assistente social para efeitos de tratamento da sua toxicodependência.
É, pois, de revogar mesmo a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP (que determina, nomeadamente, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado infringir repetidamente os deveres impostos, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas), sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
Daí que o recurso deverá ser rejeitado, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com uma UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e duas mil e setecentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Após o trânsito em julgado, comunique a presente decisão ao Departamento de Reinserção Social.
Macau, 30 de Junho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
Processo n.º 586/2020 Pág. 8/8