Processo n.º 223/2019 Data do acórdão: 2020-7-23
Assuntos:
– acidente de viação
– ampliação do pedido cível
– indemnização da incapacidade permanente parcial
– art.o 563.o do Código Civil
– indicação da importância em que se avaliam os danos
– aferição do nexo de causalidade
– art.o 557.o do Código Civil
– juízo de probabilidade
– negligência grosseira do condutor demandado
– violação da luz vermelha na condução
– art.o 93.o, n.o 3, alínea 5), da Lei do Trânsito Rodoviário
– maior grau de culpabilidade
– art.o 489.o, n.os 1 e 3, do Código Civil
– aumento da quantia indemnizatória dos danos não patrimoniais
– art.o 15.o do Decreto-Lei n.o 57/94/M, de 28 de Novembro
– prioridades de reparação no seguro automóvel obrigatório
S U M Á R I O
1. Tendo a lesada demandante chegado a alegar expressamente, no petitório de ampliação do seu pedido cível, que deveria obter, pelo menos, uma determinada quantia indemnizatória da sua incapacidade permanente parcial supervenientemente fixada, não obstante a omissão de aditamento desse montante reclamado ao valor total da causa cível em questão, não pode o condutor demandado, na motivação do seu recurso, imputar à decisão do tribunal recorrido que atribuiu tal quantia indemnizatória, a violação do princípio do dispositivo, já que o art.o 563.o do Código Civil (CC) nem pede a quem que exija a indemnização, a indicação, em exacto, da importância em que se avaliam os danos.
2. Podendo a aferição do nexo de causalidade ser feita mediante a extracção da respectiva ilação a partir da análise em global da factualidade provada em primeira instância, o tribunal de recurso pode decidir directamente dessa aferição, ao padrão vertido no art.o 557.o do CC, que preceitua que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
3. A aferição do nexo de causalidade nos termos deste preceito legal deve ser feita através do juízo de probabilidade.
4. A circunstância de o acidente de viação dos autos ter sido provocado por negligência grosseira, e não de mera negligência, do condutor demandado na conduta de condução, por ele ter violado a luz vermelha (cfr. o art.o 93.o, n.o 3, alínea 5), da Lei do Trânsito Rodoviário) evidencia maior grau de culpabilidade dele, ainda que ele não tenha agido com o dolo de ofender a parte ofendida, pelo que o tribunal de recurso tem de ponderar inclusivamente essa circunstância aos critérios do art.o 489.o, n.os 1 e 3 (primeira parte), do CC, no sentido de aumentar a quantia indemnizatória dos danos não patrimoniais da ofendida demandante fixada no acórdão recorrido.
5. O art.o 15.o do Decreto-Lei n.o 57/94/M, de 28 de Novembro, define as prioridades de reparação em relação ao montante do seguro automóvel obrigatório.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 223/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
– arguido e demandado civil A
– 2.a ofendida e demandante civil B
Não recorrentes:
– 1.o ofendido e demandante civil C
– demandada seguradora D, Ltd.
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o acórdão final proferido a fls. 344 a 356v do Processo Comum Colectivo n.o CR2-18-0024-PCC (com enxertado pedido cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte respeitante à decisão civil, vieram recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) o arguido demandado A e a 2.a ofendida e demandante civil B, aquele através de recurso principal, e esta em recurso subordinado.
Na motivação apresentada a fls. 365 a 368v dos presentes autos correspondentes, o arguido demandado restringiu o objecto do seu recurso à questão da incapacidade permanente parcial (IPP) da 2.a ofendida demandante, alegando que a decisão do Tribunal recorrido de atribuir a quantia indemnizatória de MOP878.472,00 para a reparação da IPP dessa demandante contrariou o princípio do dispositivo vigente em causas civis, e, como tal, ficou com a causa da nulidade da própria decisão cominada na alínea e) do n.o 1 do art.o 571.o do Código de Processo Civil, por essa demandante nunca ter chegado a reclamar indemnização da sua IPP, pelo que deveria ser invalidada essa parte da decisão judicial em causa.
Ao recurso, respondeu a 2.a demandante a fls. 390 a 392, preconizando a rejeição do mesmo.
Outrossim, essa mesma ofendida alegou, na motivação do seu recurso subordinado, apresentada a fls. 395 a 408, que:
– em conformidade com a matéria de facto já provada em primeira instância, seria razoável prever, diversamente do entendido pelo Tribunal recorrido, que ela, se não tivesse sido vítima do acidente de viação dos autos, não teria havido falta dela ao trabalho, nem pedido de demissão do seu trabalho, e, como tal, teria ela tido o direito a receber a gratificação atribuída pela sua entidade patronal para o ano de 2017, e por ela reclamada no seu pedido cível no valor de MOP67.684,50, valor esse que não foi atribuído no aresto recorrido;
– por outro lado, da fundamentação fáctica tecida pelo Tribunal recorrido para o seu acórdão, se deduz que esse Tribunal acabou por não dar por provado o facto alegado no art.o 56.o do pedido cível de indemnização dela (em sintonia com o qual ela, após o acidente de viação dos autos, precisou da perfuração de dois buracos na parte do joelho e da instalação de duas placas metálicas, o que lhe acarretou imensas e necessárias dores); entretanto, essa parte do facto então alegada no dito art.o 56.o deveria ser tida por provada, pelo que o Tribunal recorrido cometeu erro notório na apreciação da prova ao julgar o facto alegado no dito art.o 56.o;
– e é relativamente baixo o montante de meio milhão de patacas achadao no acórdão recorrido para reparação dos danos não patrimoniais sofridos por ela, uma vez que, a montante, só para a indemnização da IPP dela o Tribunal recorrido já lhe atribuiu a quantia de MOP878.472,00, e a jusante, vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância, de entre as quais se salientando a de ser o arguido demandado o único culpado pela produção do acidente de viação, o montante destinado à reparação dos danos não patrimoniais dela deveria passar a ser de MOP850.000,00.
A esse recurso subordinado, respondeu o arguido demandado a fls. 420 a 421, no sentido de improcedência da pretensão da 2.a demandante recorrente.
Subidos os recursos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista dada a fl. 432, opinou que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à solução dos dois recursos sub judice:
1. No pedido inicial de indemnização cível, apresentado unamente a fls. 114 a 129 dos autos pelo 1.o demandante civil C e pela 2.a demandante civil B, foram alegadas, no art.o 48.o do mesmo petitório, quais as lesões corporais sofridas por esta ofendida, em consequência do acidente de viação dos autos.
No art.o 56.o dessa petição cível, foi alegado, com junção de fotografias sob a forma de documentos 49 e 50 anexados, que essa demandante, após o acidente de viação, chegou a ficar sujeita a duas operações cirúrgicas, e precisou da perfuração de dois buracos na parte do joelho e da instalação de duas placas metálicas, o que lhe acarretou imensas e necessárias dores.
Nesse pedido, foi reclamada a quantia indemnizatória de MOP550.000,00, para a reparação dos danos não patrimoniais da 2.a demandante.
Além disso, foi alegado, nos art.os 54.o e 55.o da mesma petição, que a 2.a demandante gostava muito de trabalhar, e ao longo do período do seu trabalho, nunca chegou a pedir falta (sem remuneração) por doença. e que por causa do referido acidente de viação, ficou com 313 dias de falta ao trabalho por motivo de doença no ano de 2017, o que lhe fez perder um total de MOP67.684,50 de gratificação, de concessão pela sua entidade patronal, para os primeiro e segundo semestres do ano de 2017 (cfr. os documentos anexados sob os n.os 67 a 70).
2. Subsequentemente, a 2.a demandante apresentou pedido indemnizatório de ampliação de fls. 310 a 314, nele alegando expressamente, mormente nos seus art.os 6.o, 10.o e 11.o, que ela deveria obter, pelo menos, a quantia de MOP878.472,00 para indemnização da sua IPP (por razão da perda da capacidade de ganho dela), supervenientemente já fixada em 20%, como sofrida em consequência do acidente de viação (apesar de não ter feito referência a essa pretensão na parte final do pedido de ampliação, nem ter acrescentado essa quantia indemnizatória reclamanda ao valor total da causa civil dela e do 1.o demandante escrito na parte final desse mesmo pedido), ao mesmo tempo que, segundo o alegado mormente no seu art.o 14.o, deveria obter mais MOP300.000,00 a título de indemnização dos seus danos não patrimoniais, por causa sobretudo dos diversos incómodos causados para a sua vida quotidiana pela dita IPP.
3. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 344 a 356v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
4. O Tribunal recorrido afirmou, na parte final da fundamentação fáctica desse seu acórdão, que “Não se provaram outros factos nos pedidos cíveis e contestações cíveis, desconformes com os factos acima já dados por provados” (cfr. o teor da quarta linha da página 11 do texto do acórdão, a fl. 349), para além de ter afirmado aí que não ficou provado que “Se não tivesse ocorrido o acidente de viação desta vez, a 2.a demandante civil obteria necessariamente a gratificação de carácter discricionário concedida pela sua entidade patronal para o ano de 2017 (nos primeiro e segundo semestres)” (cfr. o teor do segundo parágrafo da página 11 do texto do acórdão, a fl. 349 dos autos).
5. Na fundamentação fáctica do mesmo acórdão, foi dado por provado que a 2.a demandante tinha por rendimento mensal, à data de ocorrência dos factos, MOP40.670,00 (cfr. este facto descrito como provado no quarto parágrafo da página 10 do texto do acórdão, a fl. 348v), e também por provado que ela não teve registo de falta (sem remuneração) ao trabalho no período de 7 de Dezembro de 2010 a 12 de Março de 2018 (cfr. o facto provado descrito no terceiro parágrafo da página 10 do texto do acórdão, a fl. 348v dos autos).
Na fundamentação jurídica da sua decisão de não atribuir indemnização da gratificação da remuneração reclamada pela 2.a demandante, o Tribunal recorrido explicou que apesar de essa demandante não ter tido registo de falta (sem remuneração) ao trabalho no período de 7 de Dezembro de 2010 a 12 de Março de 2018, a concessão da gratificação dependia também da inexistência do facto de pedido de demissão do posto de trabalho, pelo que atentas as condições limitativas para a concessão da gratificação, não podia o Tribunal julgar que a 2.a demandante já tinha satisfeito as condições para a concessão da gratificação (cfr. o teor dos últimos dois parágrafos da página 22 e do primeiro parágrafo da página 23, ambas do texto do acórdão recorrido, a fls. 354v a 355).
6. Nesse acórdão, o Tribunal recorrido atribuiu MOP878.472,00 para a indemnização da IPP da 2.a demandante (cfr. os segundo e terceiro parágrafos da página 23 do texto do acórdão, a fl. 355).
7. Na fundamentação jurídica da sua decisão de fixar em meio milhão de patacas a quantia indemnizatória dos danos não patrimoniais da 2.a demandante, o Tribunal recorrido chegou a afirmar que essa fixação também levou em consideração o teor dos relatórios periciais médicos dos autos, incluindo os de fls. 79 e 291 dos autos (cfr. o teor do quarto parágrafo da página 23 do texto do acórdão, a fl. 355 dos autos).
8. No relatório médico-legal de fl. 291 dos autos, foi referida a necessidade de essa ofendida tirar, mediante operação cirúrgica, as agulhas de fixação dentro do seu corpo na parte óssea (mormente do joelho direito) lesada.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas ao mesmo tempo nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começa-se por abordar o recurso principal do arguido demandado, o qual se limitou a assacar à decisão cível recorrida a violação do princípio do dispositivo, aquando da atribuição da quantia indemnizatória de MOP878.472,00 da IPP da 2.a demandante.
A razão não está no lado desse recorrente, porquanto a 2.a demandante chegou a alegar expressamente, no pedido cível de ampliação, que ela deveria obter, pelo menos, essa quantia, indemnizatória da sua IPP, supervenientemente fixada em 20%.
É certo que ela omitiu o aditamento desse montante reclamado em sede da indemnização da IPP ao valor total da causa cível dela e do 1.o demandante escrito na última parte do pedido cível de ampliação, mas o que importa é ter ele reclamado expressamente a indemnização da sua IPP (em razão, já alegada, da perda da sua capacidade de ganho).
Com efeito, o art.o 563.o do Código Civil (CC) nem pede a quem que exija a indemnização, a indicação, em exacto, da importância em que se avaliam os danos.
Improcede, pois, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, o recurso principal do arguido demandado.
E agora do recurso subordinado da 2.a demandante:
Ela começou por alegar que atenta a matéria de facto já provada em primeira instância, seria razoável prever, diversamente do entendido pelo Tribunal recorrido, que ela, se não tivesse sido vítima do acidente de viação dos autos, não teria havido falta dela ao trabalho, nem pedido de demissão do seu trabalho, e, como tal, teria tido o direito a receber a gratificação para o ano de 2017, por ela reclamada no seu pedido cível no valor de MOP67.684,50, valor esse que não foi atribuído no aresto recorrido.
Pois bem, já ficou provado em primeira instância que essa demandante não teve registo de falta (sem remuneração) ao trabalho no período de 7 de Dezembro de 2010 a 12 de Março de 2018 (cfr. o facto provado descrito no terceiro parágrafo da página 10 do texto do acórdão, a fl. 348v dos autos).
E cabe observar que tal montante de gratificação concretamente alegado e reclamado no facto descrito no art.o 55.o do pedido inicial de indemnização cível (a fl. 123 dos autos) já ficou dado por provado no acórdão recorrido: é que o montante concreto dessa gratificação não é logicamente incompatível com a factualidade concretamente especificada no mesmo acórdão como provada, pelo que a fórmula genérica usada pelo Tribunal recorrido na indicação de alguns factos não provados (segundo a qual “Não se provaram outros factos nos pedidos cíveis e contestações cíveis, desconformes com os factos acima já dados por provados” – cfr. o teor da quarta linha da página 11 do texto do acórdão, a fl. 349) não pode abranger tal circunstância fáctica alegada naquele art.o 55.o alusiva ao montante da gratificação.
Ademais, do facto de o Tribunal recorrido ter julgado como não provado que a 2.a demandante civil obteria necessariamente a gratificação para o ano de 2017, nos primeiro e segundo semestres (cfr. o teor do segundo parágrafo da mesma página 11 do texto do acórdão), resulta nítido que esse Tribunal julgou a pretensão da 2.a demandante nesta parte em questão a nível da aferição do nexo de causalidade.
Podendo a aferição do nexo de causalidade ser feita mediante a extracção da respectiva ilação a partir da análise em global da factualidade provada em primeira instância, passa-se a indagar disso, de modo seguinte:
O art.o 557.o do CC preceitua que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Salienta-se que na redacção desta norma jurídica se empregou o advérbio “provavelmente”, o qual tem sentido e alcance distintos do advérbio “necessariamente”. Daí que a aferição do nexo de causalidade nos termos deste preceito legal deve ser feita através do juízo de probabilidade.
Vistas as coisas sob as regras da experiência da vida humana, a uma pessoa trabalhadora que tiver conseguido manter o seu sem registo de falta (sem remuneração ou com desconto da remuneração) ao trabalho ao longo de mais de vários anos de tempo, seria provável (aliás muito provável até) que não viesse a ter registo de falta (com desconto da remuneração) ao trabalho em período anual de trabalho subsequente.
No caso, da interpretação em global da factualidade dada por provada, é de concluir que antes de ser vítima do acidente de viação dos autos, ocorrido em 7 de Fevereiro de 2017, a 2.a demandante, desde a remota data de 7 de Dezembro de 2010, já não teve registo de faltas (com desconto da remuneração) ao seu trabalho ao longo de mais de seis anos de tempo, o que demonstra cabalmente que ela era sempre uma trabalhadora assídua.
Assim, se não tivesse sido vítima do acidente de viação dos autos, seria muito provável que ela continuasse a ser uma trabalhadora tão assídua mesmo no ano de 2017. E a superveniente desvinculação dela do seu posto de trabalho foi motivada, como se compreende naturalmente, por razões de ser vítima do acidente de viação dos autos.
Portanto, o facto de ela não ter podido receber a gratificação respeitante ao ano de 2017 está em nexo de causalidade adequada com o facto da lesão sofrida por ela no acidente de viação dos autos por conduta de condução do arguido demandado lesante (art.o 557.o do CC), pelo que procede o recurso dela nesta parte em causa, com o que passará a ser atribuída a ela, em sintonia com a restante factualidade já dada por provada, mais a quantia de MOP67.684,50, a título de indemnização da gratificação, reclamada por ela no pedido cível.
Por outro lado, alegou ela que o facto então alegado no art.o 56.o do pedido cível (em sintonia com o qual ela, após o acidente de viação dos autos, precisou da perfuração de dois buracos na parte do joelho e da instalação de duas placas metálicas, o que lhe acarretou imensas e necessárias dores) deveria passar a ser considerado dado por provado.
Aos olhos do presente Tribunal de recurso, este facto já ficou também provado no acórdão recorrido, pois como o seu sentido e alcance não se acham incompatíveis com a factualidade já aí dada por provada, aquela fórmula genérica empregue pelo Tribunal recorrido para efeitos de indicação de alguns factos não provados, na parte final da fundamentação fáctica do mesmo acórdão, não pode abranger o facto descrito no art.o 56.o em causa. Aliás, como demonstrativo dessa constatação, até o próprio Tribunal recorrido citou, aquando da fundamentação da sua decisão de fixação da quantia indemnizatória, em meio milhão de patacas, dos danos não patrimoniais da 2.a demandante, o teor dos relatórios médicos juntos aos autos, incluindo os de fls. 79 e 291 dos autos, tendo o de fl. 219 feito referência à necessidade de ela tirar, mediante operação cirúrgica, as agulhas de fixação da parte do seu joelho direito.
Por fim, entende essa recorrente que é relativamente baixo esse montante de meio milhão de patacas achadao no acórdão recorrido para reparação dos danos não patrimoniais sofridos por ela.
A este propósito, considerada toda a matéria de facto já dada por provada em primeira instância – com ponderação, nomeadamente, da circunstância de o acidente de viação dos autos ter sido provocado por negligência grosseira, e não de mera negligência, do arguido demandado na sua conduta de condução, por ter ele violado a luz vermelha na condução (cfr. o art.o 93.o, n.o 3, alínea 5), da Lei do Trânsito Rodoviário), o que evidencia maior grau de culpabilidade dele, ainda que ele não tenha agido com o dolo de ofender a parte ofendida no acidente de viação – aos critérios do art.o 489.o, n.os 1 e 3 (primeira parte), do CC, afigura-se mais equitativo passar a atribuir mais duzentas mil patacas à 2.a demandante ofendida, para reparação dos seus danos não patrimoniais sofridos (reflectidos por incómodos, para a sua vida quotidiana, acarretados pela sua supervenientemente constatada taxa da IPP), cabendo frisar, na esteira do já afirmado em diversos acórdãos deste TSI em recursos congéneres, que não há nenhuma fórmula sacramental para a matéria em causa, por cada caso ser um caso, cuja solução depende naturalmente dos ingredientes em concreto apurados.
Por isso, o montante de meio milhão de patacas que o Tribunal recorrido decidiu atribuir à 2.a demandante no aresto recorrido para reparação dos danos não patrimoniais desta, então reclamada no valor total de MOP850.000,00, passará a ser de MOP700.000,00, sendo os juros legais desta soma de MOP700.000,00 apenas contados a partir de hoje, até integral e efectivo pagamento, em obediência ao douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 2 de Março de 2011 do Processo n.o 69/2010 do Venerando Tribunal de Última Instância.
No tangente à quantia indemnizatória da gratificação acima referida, no valor de MOP67.684,50, também somente se contam os respectivos juros legais a partir de hoje, conforme esse mesmo douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
E em relação a todas as outras quantias de indemnização já fixadas no aresto recorrido e não alteradas pelo presente acórdão de recurso, os seus juros legais já começaram a ser contados a partir da data do acórdão recorrido, até integral e efectivo pagamento.
Finalmente, é de notar também que a norma do art.o 15.o do Decreto-Lei n.o 57/94/M, de 28 de Novembro, define as prioridades de reparação em relação ao montante do seguro automóvel obrigatório.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso principal interposto pelo arguido e parcialmente provido o pedido formulado no recurso subordinado da 2.a demandante civil, passando a alterar o montante de meio milhão de patacas fixado no acórdão recorrido para a reparação dos danos não patrimoniais da 2.a demandante para o montante de MOP700.000,00 (setecentas mil patacas), e a atribuir à mesma demandante a quantia indemnizatória da sua gratificação perdida no ano de 2017 no valor de MOP67.684,50 (sessenta e sete mil, seiscentas e oitenta e quatro patacas e cinquenta avos), com juros legais destes dois montantes até integral e efectivo pagamento, contados de hoje, sendo mantidas todas as outras quantias indemnizatórias já atribuídas no acórdão recorrido e não alteradas pela presente decisão (a respeito da quais os juros legais já começaram a ser contados a partir da data do acórdão recorrido).
Custas do recurso principal do arguido demandado a cargo deste.
E custas do recurso subordinado da 2.a demandante, por conta desta e do arguido demandado, na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 23 de Julho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 223/2019 Pág. 18/18