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Processo nº 450/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 09 de Julho de 2020
Recorrente: B (Autor)
Recorrida: YYY, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 30/03/2020, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré YYY, S.A. a pagar ao Autor B a quantia de MOP$237,125.31, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (XXXX) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7. De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, a quantia de MOP$130.295,00 - e não apenas MOP$65.147,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 274 a 278, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
­ O Autor foi recrutado pela Sociedade Z – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a XXXX, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/2002, aprovado pelo Despacho n.º 00310/IMO/SEF/2002 (Cfr. fls.21 a 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
­ Entre 24/12/2002 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da XXXX, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
­ Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da XXXX para a Ré (YYY), com efeitos a partir de 21/07/2003. (Cfr. fls. 28 a 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
­ Entre 22/07/2003 até ao presente, o Autor exerce as suas funções para a 2.ª Ré (YYY), enquanto trabalhador não residente. (D)
­ Mantendo na 2.ª Ré (YYY) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (XXXX). (E)
­ Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, entre: (F e 5º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
3/4/2004
3/27/2004
23
12/2/2004
12/25/2004
23
12/3/2004
12/27/2004
24
12/3/2005
12/28/2005
25
12/7/2006
12/30/2006
23
5/18/2007
6/2/2007
15
12/5/2007
1/1/2008
27
12/4/2008
12/27/2008
23
­ Até Julho de 2010, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (G)
­ Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (H)
­ Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (I)
­ Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
­ O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pelas Rés. (2º)
­ Entre 24/12/2002 a 21/07/2003 o Autor não esteve ausente qualquer dia de trabalho (leia-se, prestou trabalho todos os dias) para a 1.ª Ré (XXXX). (3º)
­ Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sem prejuízo das férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas constantes da al. F) dos Factos Assentes, bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da 2ª Ré. (4º, 7º e 8º)
­ Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 8. (6º, 30º e 31º)
­ Entre 24/12/2002 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (XXXX) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade (9º)
­ Entre 24/12/2002 a 31/07/2010, a 2.ª Ré (YYY) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade (10º)
­ Entre 24/12/2002 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pelas Rés, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 8. (11º e 13º)
­ Entre 24/12/2002 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (XXXX) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (12º)
Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré (YYY) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (14º)
­ Desde o início da prestação de trabalho até 30 de Abril de 2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (15º)
­ A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (16º)
­ Durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré (XXXX), o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h). (17º)
­ Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (18º)
­ Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19º)
­ Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas. (20º)
­ A 1.ª Ré (XXXX) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo referido trabalho prestado. (21º)
­ Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (22º)
­ Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (23º)
­ Entre 24/12/2002 e 31/12/2008, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 8. (24º e 25º)
­ As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (26º)
­ Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (YYY) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (27º)
­ A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (28º)
­ Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a 2.ª Ré (YYY) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (29º)
­ A 2.ª Ré (YYY) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (32º)
­ A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (33º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$130,295.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 09 de Julho de 2020.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)



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450/2020