打印全文
Processo n.º 324/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 09 de Julho de 2020

Assuntos:

- Imposto de rendimento complementar e tributação sobre os rendimentos provenientes da concessionária de exploração de jogos de fortuna

SUMÁRIO:

I – O imposto de rendimento complementar (IRC) é impostos sobre o rendimento, cujo facto gerador é a percepção de um rendimento no decurso de um determinado período - período de imposto ou período de tributação -, em geral correspondendo a um período de um ano.
II – O IRC, quando incide sobre o rendimento derivado de actividades comerciais e industriais, o facto jurídico que dá origem à obrigação de imposto é a realização do rendimento, dispensando-se investigar se o contribuinte dispõe ou não desse rendimento.
III - A Recorrente, uma sociedade comercial constituída em Macau, no exercício correspondente ao ano de 2013, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial (pagos pela B) que aqui desenvolveu, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR, reúne os pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar.
IV - O imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº 16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada, com lucro ou sem lucro as concessionárias estão sujeitas a tal imposto de jogo! Uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática!
V – O alegado contrato celebrado entre a Recorrente e a B não é um contrato de associação em participação, por não se verificarem as notas caracterizadoras da figura em causa, nomeadamente as previstas no artigo 551º/1 do CCOM, e ainda as notas referentes ao exercício dos direitos de informação, de fiscalização e de intervenção na gestão pelos associados (artigo 552º do CCOM). O que existe entre eles é um contrato de promoção de jogos, ou seja, a B autoriza que a Recorrente desenvolva actividades de promoção de jogos de fortuna e azar e depois explora estas actividades nas instalações da B. Pois, é uma actividade que só pode ser exercida por quem está legalmente licenciada e no espaço devidamente autorizado.
VI – Nestes termos, tal contrato não altera a natureza de rendimentos, pagos pela B, que está sujeito ao ICR, nos termos do artigo 2º do RICR.

O Relator,

_______________
Fong Man Chong

Processo n.º 324/2020
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 09/Julho/2020

Recorrente : A Limited

Recorrida : Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會)

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A Limited, Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 03/12/2019, que manteve a deliberação da Comissão de Revisão de Imposto Complementar referente ao exercício de 2013 (tendo esta Comissão mantido o entendimento de que a ora Recorrente está sujeita ao pagamento de imposto complementar de rendimentos, provenientes do pagamento feito pela B), veio, em 26/02/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 207 a 218, tendo formulado as seguintes conclusões :
1) A douta sentença de fls. 194 a 200v. dos autos e que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos do dia 13 de Dezembro de 2018 que não atendeu à reclamação que teria sido apresentada pela ora Recorrente e na qual se solicitava a revisão da matéria colectável fixada referente ao exercício de 2013, pelo que a mesma se manteve no total de MOP$32,902,100.00, com um agravamento a título de custos de 0.04%.
2) Na sentença recorrida foi dito que "Na nossa situação, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que a Recorrente entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado em relação aos contribuintes normais, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor dos outros que se encontram na situação idêntica.", porém, salvo o devido respeito, é a Comissão de Revisão que no acto confirmativo impugnado vem escudar-se no argumento de que não há tratamento desigual em relação a outras associadas da B porque, "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
2) A Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, "IEJ") à taxa de 35% (cfr. artigo 28.º da Lei n.º 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22.º da mesma Lei.
3) Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira B uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas .do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
4) A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da B.
5) Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
6) E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela B, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
7) Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da B (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
8) A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamente fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B.
9) Pelo que manifesto fica que a entidade incorre num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a B, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza e cariz obrigacional celebrados entre a B e as suas associadas, para depois vir negar aquilo que concede às demais associadas da B!
10) Surge então que, para aquelas concorrentes comerciais da Recorrente, a Entidade Recorrida considera que há uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no Casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, mas já no que concerne à Recorrente, idêntico tratamento fiscal não pode ser dado por não ter o "contrato autorizado", situação que não tem qualquer suporte factual e que representa violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do CPA.
11) Deste modo, temos que também nesta vertente padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, face à clara intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, pretender eliminar a dupla tributação nesta matéria, o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC.

*
A Recorrida, Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (財政局所得補充稅複評委員會), veio, 26/03/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 221 a 231, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem por objecto a douta sentença de 3 de Dezembro de 2019 do Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso apresentada pela recorrente da deliberação da CRIC que não atendeu à reclamação apresentada pela recorrente relativa à fixação do seu rendimento colectável relativo ao ano de 2013 em sede de Imposto Complementar de Rendimentos.
2) Segundo a recorrente, a sentença encontra-se viciada por não ter apreciado devidamente o erro nos pressupostos de facto e de direito, desconsiderando o tratamento discriminatório da recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais, violando por isso os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
3) Alega a recorrente que deveria beneficiar da isenção fiscal que a Administração fiscal já tinha concedido a favor de outras suas concorrentes que se encontram em situação idêntica, mas continua a não invocar em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.
4) O regime da Lei n° 16/2001 prevê expressamente duas situações em que é possível o enquadramento de isenção fiscal relativo ao Imposto Complementar de Rendimentos: o artigo 28°, que se refere às concessionárias, e o artigo 29°, que se refere aos promotores de jogo.
5) Defende a recorrente que os seus rendimentos não se enquadram em nenhuma das situações uma vez que os rendimentos não são seus nem podiam ser porque decorrem directamente do exercício da actividade concessionada: são rendimentos da B que por eles deve o devido imposto mas que do respectivo pagamento fica isenta.
6) Pelo que só a B pode ser titular das obrigações tributárias resultantes da actividade concessionada e, em consequência, a recorrente percebe daquela, já depois de tributados tais rendimentos da B, uma prestação mensal constituída por percentagens diversas dos rendimentos gerados na zona afecta ao mercado de massas do casino, do rendimento gerado nas salas VIP e, finalmente, do rendimento gerado nas slot machines.
7. E, segundo a recorrente, paga a B tal prestação mensal porque a recorrente celebrou com a B um contrato de associação de participação.
8) Ora existindo expressas, no documento contratual que foi submetido, as características de um contrato de prestação de serviços e de ocupação e uso de espaço e não se vislumbrando no mesmo documento quaisquer das características ou referências do contrato de associação em participação.
9) Além disso, permanece intacto e independentemente da natureza do contrato, o facto de este ter sido submetido pela B - por si e, implicitamente, em nome da recorrente posto que é sua co-contratante – à apreciação da DICJ, sem que tenha daí resultado acto favorável de sancionamento.
10) A B, bem como outras operadoras, celebraram diversos contratos com empresas prestadoras de serviços e outras que são algo semelhantes ao contrato em que a ora recorrente baseia a sua pretensão, só que desses vários contratos, uns foram aprovados e autorizados pela tutela, enquanto outros não tiveram a mesma sorte, como foi o caso da recorrente.
11) A diferença destes resultados depende da avaliação que a DICJ, no exercício das suas competências exclusivas faz das circunstâncias materiais que rodeiam cada caso, sendo que a Administração Fiscal apenas faz reflectir, como consequência, a decisão da DICJ na fixação ou revisão da matéria colectável desses contribuintes.
12) O acto de fixação da matéria colectável e a sua posterior revisão, quando esta exista, é, nestes casos, um acto vinculado da Administração Fiscal ao acto que lhe é prévio, no âmbito da DICJ, que autoriza ou não o contrato celebrado.
13) Foi, pois, pela aplicação do Princípio da Igualdade que a Administração Fiscal tratou de maneira diferente a recorrente relativamente a outras concorrentes comerciais, já que estas obtiveram aquilo que a recorrente falhou em conseguir: a aprovação da tutela para o seu contrato.
14) Uma vez que, como é sabido, o Princípio da Igualdade (e os aqui consequentes Princípios da Justiça e da Imparcialidade) pressupõe que a situações iguais seja dado tratamento igual; mas também exige que a situações diferentes seja dado tratamento diferente.
15) Por fim, não se duvida que existe uma situação de dupla tributação quando, sobre o mesmo rendimento, se faz incidir o Imposto Especial sobre o Jogo e o Imposto Complementar de Rendimentos. Mas não é o caso da recorrente que não tem - nem poderia, sem que para tal estivesse autorizada - rendimentos provenientes da exploração do jogo: o que a recorrente aufere é de uma contraprestação mensal que lhe é devida pelo contrato de prestação de serviços e de uso de espaço que celebrou com a B, sociedade esta que, titular de uma concessão, aufere de rendimentos dessa natureza.
16) Para além de que não é de forma alguma ilegal a dupla tributação resultante da aplicação ao mesmo facto fiscal objectivo do Imposto Especial do Jogo e do Imposto Complementar de Rendimentos, já que essa é uma prerrogativa que assiste ao legislador fiscal que é, no caso da RAEM, a Assembleia Legislativa.
17) Que o legislador quis que fosse exactamente assim é indubitável face ao teor do artigo 28° da Lei n° 16/2001, onde se regulamentou especificamente a questão da dupla tributação.

*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls.239):
Visto.
Nos presentes autos de recurso jurisdicional, a recorrente, "A, Limited" impugna a sentença de 3 de Dezembro de 2019, do Tribunal Administrativo, imputando-lhe erro de julgamento dos vícios que havia suscitado no recurso contencioso onde era visado um acto de 13 de Dezembro de 2018, da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos.
Sobre os vícios do acto pronunciou-se oportunamente o Ministério Público, fazendo-o nos moldes do parecer de fls. 187 e seguintes, onde sustentada e desenvolvidamente se manifesta contra a tese da ilegalidade escorada nesses vícios em que agora a recorrente volta a insistir.
Dado que a alegação de recurso jurisdicional, sobre o invocado erro de julgamento dos vícios do acto, constitui, no fundo, um retomar e repisar de argumentos já esgrimidos em sede de recurso contencioso, temos por bem reafirmar aqui o sentido daquele referido parecer, que convocamos em amparo da douta sentença recorrida.
Termos em que, na improcedência dos fundamentos do recurso, nos pronunciamos no sentido de lhe ser negado provimento.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ Em 26 de Maio de 2016, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2013 (conforme consta de fls. 1 a 13v do P.A.).
‐ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável negativo ou prejuízo no montante de MOP100,807.00 (ibid).
‐ Em 8 de Setembro de 2016, a Comissão de Fixação fixou o rendimento colectável no valor de MOP32,902,100.00, e em 24 de Outubro de 2016 foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 22 e 26 do P.A.).
‐ Em 18 de Outubro de 2016, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, que foi posteriormente enviada notificação à Recorrente em 4 de Janeiro de 2017 (conforme consta de fls. 24, 45 e 46 do P.A.).
‐ Em 14 de Novembro de 2016, a Recorrente reclamou contra a supradita decisão da Comissão de Fixação junto da Presidente da Comissão de Revisão (conforme consta de fls. 29 a 38 do P.A.).
‐ Em 24 de Novembro de 2016, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2013 o rendimento colectável de MOP32,902,100.00, com aplicação o agravamento de 0.04% sobre a colecta (conforme consta de fls. 39 e v do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
‐ A Recorrente interpôs neste Tribunal Administrativo recurso contencioso da dita deliberação da Entidade recorrida, que correu termos sob o n.º 1890/17-CF, e que veio a ser julgado procedente por douta sentença proferida em 8 de Outubro de 2018 com a consequente anulação daquela deliberação, com base na violação do dever de fundamentação consagrado no n.º 2 do artigo 115.º do CPA (vide fls. 45 a 49v do autos).
‐ Em 13 de Dezembro de 2018, a Entidade recorrida deliberou negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2013, o rendimento colectável de MOP32,902,100.00 e deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.04% sobre a colecta a título de custas (vide fls. 37 a 40 do autos).
‐ Em 22 de Janeiro de 2019, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório

Recorrente A LIMITED, melhor id. nos autos,
Interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra
Entidade recorrida COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que,pela sua deliberação tomada em 13 de Dezembro de 2018, manteve a matéria colectável do exercício de 2013 em MOP32,902,100.00 e fixou o agravamento, a título de custos, em 0.04% sobre a colecta.
Alega a Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 35 dos autos, em síntese:
- a ofensa do caso julgado;
- o erro nos pressupostos de facto e de direito e ofensa aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade; e
- a violação da lei por dupla tributação;
Concluiu, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação do acto recorrido.
*
A Entidade recorrida contestou, com os fundamentos de fls. 115 a 145 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Devidamente notificadas, ambas as partes apresentaram alegações facultativas.
*
No parecer final, o digno Magistrado do M.º P.º emitiu o parecer com fundamentos a fls. 186 a 193v dos autos, promovendo que fosse julgado improcedente o recurso.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Factualidade

Resultam documentalmente provados nos autos os seguintes factos:
(…)
***
III. Fundamentação

Cumpre saber, acima de tudo, se ocorreu ou não a nulidade do acto recorrido pela ofensa do caso julgado, nos termos do disposto do artigo 122.º, n.º 2, alínea h) do CPA.

Segundo o que se alega, o novo acto viola o caso julgado nas suas duas vertentes: por um lado, limita-se a anular o acto anteriormente praticado pela Comissão de Revisão de segundo grau, sem, entretanto, atingir o acto praticado pela Comissão de Fixação, de primeiro grau, e por outro lado, introduz uma nova fundamentação com motivos que não foram considerados, defraudando o resultado querido pela sentença anulatória.

No que respeita ao apontado vício na sua primeira vertente, julgamos ser manifesto que não lhe assiste razão.

Como se sabe, nesta matéria, é hoje pacificamente reconhecido o efeito preclusivo da sentença anulatória sobre o subsequente exercício da actividade renovadora, que se traduz na proibição da reincidência nas ilegalidades cuja existência o tribunal identificou como fundamento da anulação.

Ou melhor dizendo, na sequência da anulação judicial do acto administrativo, constitui-se a Administração no dever de reconstituir a situação hipotética que existiria se o acto não tivesse sido praticado, ou se o acto anulado for renovável, no dever de renovar este acto no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado. Neste último caso, pode ser praticado novo acto administrativo que renovando o anterior, determine, agora sem reincidência nos mesmos vícios, a produção dos mesmos efeitos que aquele acto tinha determinado de modo inválido (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, CFJJ 2015, pp.432 a 433, no mesmo sentido, Ac. do TSI, de 27/6/2019, Proc. n.º 531/2018).

No caso em concreto, anulado o acto recorrido com base no vício de falta de fundamentação, se a Administração Tributária decidiu renovar o mesmo acto, seria suficiente fazê-lo sem repetição daquele vício que determinou a anulação judicial, sendo certo que tal vício era próprio do acto da Comissão da Revisão, não tendo contaminado a validade do acto de primeiro grau, que foi praticado pela Comissão da Fixação.

Nestes termos, não há ofensa do caso julgado por parte da Comissão da Revisão, que apenas se limitou a proferir uma nova decisão com uma outra fundamentação, indeferindo de novo a reclamação apresentada.

Em relação à segunda vertente desse vício, trata-se de uma questão diferente do que viemos de abordar acima, cuja solução consiste em saber se a Administração, para além do dever de respeitar os limites decorrentes da proibição da reiteração dos vícios já reconhecidos pela sentença judicial, está ainda vinculada a actuar de acordo com os outros parâmetros que se encontrem aí definidos em função dos quais um procedimento deve ser retomado. É aquilo que se designa por efeito preclusivo procedimental ou efeito preclusivo complementar da sentença (cfr. Mário Aroso de Almeida, Sobre A Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, pp.164 e ss.).

Neste sentido, “Quando a Administração se vir reconduzida ao procedimento anteriormente instruído, na parte em que ele não tiver ficado prejudicado pelos vícios cometidos, ela não pode comportar-se como se tal procedimento nunca tivesse existido e deve revê-lo segundo os critérios que decorrem da sentença. Na respectiva reinstrução, a Administração permanece vinculada pelos elementos que, integrando já o procedimento, não tiverem sido prejudicados nem devam ser revistos em consequência da sentença e só pode vir alterar critérios que tinha fixado, inflectir decisões que tinha tomado, prescindir de circunstâncias a que tinha atendido, se conseguir demonstrar a existência objectiva de fundamentos credíveis que o permitam e justificam” (cfr. ainda Mário Aroso de Almeida, Reinstrução do procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças, Justiça Administrativa n.º 3, Maio/Junho 1997, pp.16).

Pode-se dizer, nesta perspectiva, que a renovação do acto recorrido, não obstante não ter violado frontalmente os limites do caso julgado, tende ainda contornar a autoridade deste quando introduz alterações, por motivos totalmente novos, aos elementos integrados no procedimento e já atendidos na respectiva sentença anulatória.

Veja-se no exemplo dado pelo Professor Mário Aroso de Almeida: quando, anulado a classificação atribuída ao recorrente na lista final de um concurso, por ilegitimidade do critério seguido na pontuação que lhe dizia respeito, vier a ser aprovada nova lista na qual, para além da pontuação respeitante ao interessado, também ter sido alterada a pontuação respeitante aos demais concorrentes, de modo que a posição do interessado na lista acaba por ser a mesma.

Assim, faz sentido falar-se do efeito preclusivo complementar da sentença anulatória “nos casos em que o acto foi anulado por vícios de fundo, da sentença decorreu o reconhecimento implícito do quadro jurídico emergente da anulação, e por conseguinte, da relativa consistência da posição do interessado” (cfr. Mário Aroso de Almeida, Sobre A Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Actos Administrativos, pp.155 e ss.).

Porém, o mesmo já não sucede com a anulação do acto apenas por causa do vício de forma. Pois neste caso, nem sequer é feita qualquer valoração dos aspectos substantivos da relação jurídica controvertida pelo Tribunal, que possa importar tal “reconhecimento implícito do quadro jurídico emergente da anulação”.

Foi o que se verificou no caso concreto: a decisão anterior foi anulada só com base no vício de falta de fundamentação.

A renovação do acto recorrido com uma outra fundamentação que se apresenta mais completa, coerente, e inequívoca, foi a única consequência imposta na renovação do acto pelas forças da autoridade do caso julgado. O facto de que essa fundamentação pudesse vir a nos trazer novos elementos, não impede que estes sejam agora objecto da apreciação e ponderação que este Tribunal esteve impedido de fazer no momento anterior.

Nestes termos, consideramos que inexiste a alegada ofensa do caso julgado no caso concreto.
*
De seguida, importa verificar se existe o invocado vício por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Em síntese, alega a Recorrente que esteve numa relação de associação em participação com a concessionária B, enquadrável no artigo 551.º do CCM, criada com base no acordo celebrado entre eles, e que as remunerações pagas ao abrigo dos acordos de natureza idêntica pela mesma concessionária, foram consideradas, desde 2006 até 2013, como isentas de Imposto Complementar de Rendimentos.

Sendo assim que, a decisão tomada pela Administração Fiscal no sentido de negar a extensão desses benefícios fiscais à Recorrente relativamente aos seus rendimentos provenientes da fonte idêntica às dos outros beneficiários, com base na errada qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Recorrente e a B, e na falta da autorização deste acordo, incorreu no erro no pressuposto de facto e de direito, bem como na violação dos princípios de igualdade, da justiça e da imparcialidade, devendo ser por isso anulada.

Vejamos.

Em primeiro lugar, a legalidade de que falamos aqui, como se refere o digno Magistrado do M.º P.º no parecer cuja fundamentação se acompanha, não é a da quantificação da matéria colectável, resultante do acto de fixação da Entidade recorrida, mas sim a legalidade da própria tributação em sede de imposto complementar de rendimentos, referente à verificação dos pressupostos de incidência tributária, questão essa, ao que nos parece à partida, poderia ser discutida na impugnação do acto final de liquidação, como tivemos ocasião de mencionar anteriormente.

Agora, olhando para a nova fundamentação do acto recorrido quanto a esta matéria, salvo a parte que visa a responder negativamente as questões colocadas pela Recorrente em sede da reclamação, percebe-se sem equívoco os fundamentos determinantes da verificação do pressuposto da relação jurídica tributária em causa, que conduzem a Administração Tributária a fixar a matéria colectável naqueles termos (conforme se expõe, em especial, nos artigos 1, 2, 3, 4 e 15 da fundamentação do acto recorrido).

Em termos sintéticos, no entendimento da Entidade recorrida, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR.

Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
“O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”

E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
“1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.”

À partida, com a subsunção do caso às normas citadas, é-nos óbvio que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.

Na nossa opinião, em face do acto recorrido com a fundamentação tal com ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar fazer: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não se verificou no caso, ou demonstrar, não obstante a verificação do pressuposto, ser beneficiária da isenção fiscal legalmente concedida.

Na nossa situação, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva.

O caminho que a Recorrente entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado em relação aos contribuintes normais, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal que a Administração Fiscal já tinha concedido a favor dos outros que se encontram na situação idêntica.

Quanto a isto, como se compreende facilmente, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, e constituem necessariamente a matéria de reserva da lei da Assembleia Legislativa, por força do princípio de legalidade tributária.

Daí que, se a Recorrente pretende invocar a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios e sustentar que preencha os respectivos pressupostos legais.

Contudo, ela não logrou fazê-lo, não tendo invocado em seu favor nenhuma norma fiscal respeitante à previsão da isenção fiscal.

Aliás, tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, n.º 0592-11, de 2011/11/23).

Significa isto que, nesta matéria tributária, encontra-se ainda vedada, por força do princípio da legalidade tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.

Assim, concluindo, não sendo possível invocar a isenção fiscal fora do âmbito da norma legal, a pretensão da Recorrente deve ser necessariamente denegada.
Agora, a circunstância de que a Administração Fiscal tinha anteriormente concedido a favor das outras contribuintes as isenções fiscais no caso semelhante, mesmo que se tivesse verificado, é totalmente irrelevante, do nosso ponto de vista, para se obter efeito invalidante do acto recorrido. Pois se a Administração Fiscal neste caso se limita a apreciar a verificação ou não dos pressupostos da isenção fiscal em observância às normas legais vigentes, não há margem para censurar o seu comportamento “faltoso” de não ter tratado de forma igual os casos que lhe foram colocados, alegadamente idênticos.

É que, como se sabe, no âmbito da actividade vinculada, o princípio da legalidade consome a generalidade dos restantes princípios administrativos (cfr. neste sentido Ac. do TUI, de 18/9/2019, Proc. n.º 26/2019).

Portanto, somos de concluir que o acto recorrido não incorreu no erro de pressuposto de facto e de direito, nem violou os princípios gerais da actividade administrativa.
*
Finalmente, cumpre apreciar o alegado vício de violação da lei face ao que dizer ser a clara intenção do Governo da RAEM, ao longo dos anos, de pretender eliminar a dupla tributação, conforme se alega no art.º 138.º da petição de recurso.

No entender da Recorrente, verifica-se no caso uma verdadeira situação de dupla tributação, pelo facto de existir uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001, e do artigo 3.º do RICR, e uma identidade do facto tributário.

Ora bem, como é fácil de perceber, não obstante a invocação do vício de violação da lei, a Recorrente não chegou a concretizar qual é a norma legal que se considera violada pelo acto recorrido. Pelo contrário, independentemente de saber se efectivamente ocorreu ou não uma situação da dupla tributação, temos por certo que a proibição ou eliminação da dupla tributação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM que seja autonomamente invocável, à margem de qualquer previsão legal, muito menos poderia servir de fundamento da ilegalidade do acto tributário.

Basta-nos ver, como por exemplo, o disposto do art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, nos termos do qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”

Além disso, um outro exemplo, na norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), estabelece-se que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”

Nestas linhas, resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, em princípio, qualquer situação de dupla tributação, e que a sua eliminação não deveria ocorrer automaticamente, não se podendo portanto operar sem ter sido baseada na norma legal preexistente, seja esta norma que tenha relegado para a regulamentação da convenção internacional com aplicação directa, seja a norma que tenha habilitado, para o efeito, a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.

No entanto, o que é lamentável é que a existência de tal norma não foi devidamente demonstrada no caso vertente. Sendo assim, não se pode ter por verificado o vício de violação da lei.

Nestes termos, cremos ser evidente que este fundamento do recurso contencioso não pode proceder.
***

IV. Decisão

Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente o presente recurso e em consequência, manter o acto recorrido.
*
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 6UC.
*
Registe e notifique.
*

Quid Juris?
É do entendimento uniforme que as conclusões do recurso delimitam o âmbito cognoscitivo do Tribunal ad quem (cfr. artigo 598º do CPC). No caso, não obstante terem sido invocados vários vícios pela Recorrente no procedimento de 1ª instância, neste recurso, ela veio a invocar apenas um vício: erro nos pressupostos de facto e direito, por entender que, relativamente ao rendimento proveniente da B, ela não está sujeita ao pagamento do imposto complementar de rendimentos, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo ICR.
Para tal alegou o seguinte:
“(…)
2) A Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, "IEJ") à taxa de 35% (cfr. artigo 28.º da Lei n.º 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22.º da mesma Lei.
3) Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira B uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas .do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
4) A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da B.
5) Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
6) E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela B, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
7) Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da B (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
8) A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamento fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B.
(…)”.
Ora, neste recurso são as seguintes questões que importa analisar e decidir:
- Os Rendimentos percebidos pela Recorrente estão sujeitos ou não ao ICR?
- A existência do contrato entre a Recorrente e a B afasta a tributação incidente sobre a ora Recorrente?
- O não tributar pela Administração Fiscal sobre os rendimentos da mesma natureza durante certo período de tempo é razão bastante para continuar a tributar agora?
*
Primeira questão:
Importa realçar algumas ideias básicas para perceber quem afinal tem razão neste recurso.
1) – Comecemos pelo imposto sobre rendimentos. O que este é?
A este propósito escreveu-se:
     Nos impostos sobre o rendimento o facto gerador do imposto é a percepção de um rendimento no decurso de um determinado período - período de imposto ou período de tributação -, em geral correspondendo a um período de um ano, verificando-se (ou convencionando-se) o nascimento da obrigação de imposto no último dia do período de tributação. Esta noção de percepção de rendimento necessita, por vezes, de ser mais precisa, de acordo com a natureza dos rendimentos, podendo o facto gerador do imposto ser a realização do rendimento ou o facto de ser posto à disposição dos beneficiários.
     De uma maneira geral, em matéria de impostos sobre o rendimento derivados de actividades comerciais e industriais, o facto jurídico que dá origem à obrigação de imposto é a realização do rendimento, não se tornando necessário investigar se o contribuinte dispõe desse rendimento. Em sentido diverso é o que se passa com a tributação dos vencimentos e salários, que geralmente só ficam sujeitos a tributação depois de serem postos à disposição dos contribuintes, quer, seja por pagamento em espécie, quer, seja por transferência ou depósito bancário.
     Nos impostos sobre o rendimento a definição do facto gerador do imposto - realização ou disposição - é um elemento muito importante na aplicação da lei no tempo. Como as datas de realização e de disposição de um rendimento podem não coincidir, as condições de tributação podem variar, no caso de haver alterações legislativas entre as referidas datas, conforme o facto jurídico que for considerado como dando origem à obrigação de imposto.
     Do mesmo modo, este facto tributário tem também importância na aplicação da lei no espaço sendo um elemento da aplicação territorial da lei fiscal ou das convenções internacionais, verificando-se na generalidade regras distintas de tributação relativas à realização e à disposição. Se num espaço fiscal o facto tributário é a realização do rendimento, o rendimento de um estabelecimento pertencente a uma empresa local produzido noutro espaço fiscal não é, em princípio, tributado; por outro lado e em regra geral, o residente de um país, quer seja nacional ou estrangeiro, está sujeito a imposto sobre o rendimento pelo conjunto dos rendimentos de origem interna e externa de que dispõe. (in Apontamentos de Direito Fiscal, José Hermínio Paulo Rato Rainha, Faculdade de Direito da UM e Fundação Macau, 1996, pág. 207 e seguintes.)
2) - O que a ora Recorrente verdadeiramente aqui discute não é essa fixação stricto sensu, ou seja, não é a quantificação da matéria colectável, o que, na realidade questiona é a legalidade da própria tributação em sede de imposto complementar de rendimentos, uma vez que, em seu entender, os rendimentos que obteve no exercício em causa não estão sujeitos a essa tributação.
3) - Ora, a obrigação tributária é uma obrigação ex lege e não ex voluntate, o que quer dizer que a obrigação nasce pela mera concretização de um dado pressuposto legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte (cfr. nestes termos, SÉRGIO VASQUES, Manual…, p. 420).
4) - Olhando para a situação em apreço, não parece que possam suscitar-se grandes dúvidas quanto à verificação dos pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar tal como se encontram legalmente definidos.
5) - Na verdade, é incontroverso que a Recorrente é uma pessoa colectiva (sociedade comercial) que, no exercício correspondente ao ano de 2013, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial que aqui desenvolveu, pelo que, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR, estão preenchidos aqueles pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar (sempre se diga que a ora Recorrente é, fora de dúvida, uma empresária comercial e a actividade que desenvolveu e da qual provieram os rendimento tributados é uma actividade comercial, nos termos resultantes do disposto nos artigos 1.º, alínea b), 2.º, n.º 1 e 3.º do Código Comercial. Tanto assim que a ora Recorrente apresentou em devido tempo a sua declaração de rendimentos para efeitos de imposto complementar modelo M/1).
6) - Não se vislumbra, por outro lado, como se salientou no acto recorrido, que a Recorrente se enquadre em qualquer previsão normativa que consagre uma isenção fiscal, nomeadamente, a Recorrente não se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), pois que esta apenas abrange as concessionárias da exploração de jogo de fortuna ou azar, qualidade que a Recorrente manifestamente não detém, nem se enquadra em qualquer das alíneas elencadas no artigo 9.º do RICR, nomeadamente na da alínea e) do seu n.º 1.

7) – O imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº 16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada, com lucro sem lucro as concessionárias estão sujeitas a tal imposto de jogo! Uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática!
8) - Relativamente ao imposto que agora recai sobre a Recorrente, é um imposto sobre rendimentos por ela percebidos. Neste ponto, importa recapitular o que o RICR manda.
O artigo 2.º do RICR dispõe:
“O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”

E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
“1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.”
9) – Nesta óptica, o que a Recorrente recebe da B é, sem dúvida, um rendimento! Mas, este não é objecto de tributação no seu todo, porque o artigo 3º acima citado permite deduções (ex. lucros e dividendos distribuídos aos sócios), o remanescente é que está sujeito à tributação a título de imposto complementar de rendimentos.
10) - Pelo que, estando verificados os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar tal como se encontram legalmente definidos, improcede o argumento do Recorrente nesta parte.

*
Segunda questão:
Um outro argumento que a Recorrente invoca para tentar convencer que não estão verificados os pressupostos subjectivos e objectivos do imposto complementar de rendimentos é o de que entre ela e a B foi celebrado um contrato.
Se bem alcançamos o sentido da alegação da Recorrente, esta considera que o contrato que celebrou com a Sociedade de Jogos de Macau (B), é um contrato de associação em participação, enquadrável no artigo 551.º do Código Comercial, nos termos do qual a Recorrente, como associada, participa nos lucros da B, enquanto associante, restringindo-se essa associação a uma remuneração mensal por participação nas receitas da B na actividade de jogos de fortuna ou azar no casino situado num espaço localizado dentro do Hotel Grandview (cfr. artigo 61.º e 62.º da petição de recurso), sendo que, ainda de acordo com a alegação da Recorrente, a proprietária do dito hotel lhe concedeu uma autorização para o uso do espaço afecto à actividade de casino, consistindo a contribuição patrimonial da Recorrente em facultar à B o acesso a esse espaço e, adicionalmente, a assunção de todos os encargos inerentes ao marketing, promoção, publicidade, gestão e angariação de clientes e coordenação de todas as actividade do casino (cfr. artigo 63.º da petição de recurso).
Ora, a figura do contrato de associação em participação está prevista no artigo 551º (Noção e regime) do CCOM, que tem o seguinte teor:
     1. Contrato de associação em participação é aquele pelo qual uma pessoa é associada a uma empresa comercial exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.
     2. É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.
     3. As matérias não reguladas nos artigos seguintes são disciplinadas pelas convenções das partes e pelas disposições reguladoras de outros contratos, conforme a analogia das situações.
Depois, o artigo 554º (Contribuição do associado) do CCOM manda:
     1. O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante.
     2. A contribuição do associado pode ser dispensada no contrato, se aquele participar nas perdas.
     3. No contrato pode estipular-se que a contribuição prevista no n.º 1 seja substituída pela participação recíproca em associação entre as mesmas pessoas, simultaneamente contratada.
     4. À contribuição do associado deve ser contratualmente atribuído um valor em dinheiro; a avaliação pode, porém, ser feita judicialmente, a requerimento do interessado, quando se torne necessária para efeitos do contrato.
     5. Salvo convenção em contrário, a mora do associado suspende o exercício dos seus direitos legais ou contratuais, mas não prejudica a exigibilidade das suas obrigações.
É de verificar que o alegado contrato celebrado entre a Recorrente e a B não é um contrato de associação em participação, por não se verificarem as notas caracterizadoras da figura em causa, nomeadamente as previstas no artigo 551º/1, acima citada, e ainda as referentes ao exercício dos direitos de informação, de fiscalização e de intervenção na gestão pelos associados (artigo 552º do CCOM). O que existe entre eles é um contrato de promoção de jogos, ou seja, a B autoriza que a Recorrente desenvolve actividades de promoção de jogos de fortunas e azar e depois explora estas actividades nas instalações da B. Pois, é uma actividade que só pode ser exercida por quem está legalmente licenciada e no espaço devidamente autorizado.
Ou seja, há diplomas legais de carácter especial que regulam especificadamente as actividades de exploração de jogos e de promoção dos mesmos, nomeadamente a Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, o Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril (em matéria de promoção de jogos).
Logo, é irrelevante o argumento de que tais contratos fossem “chacelados” pelo Governo ou não, por não terem nenhum efeito sobre a tributação em causa.
Pelo que, improcede o argumento da Recorrente nesta parte do recurso, julgando-se improcedente o mesmo.

*
Terceira questão:
Um outro argumento invocado pela Recorrente neste recurso tem a ver com a ideia de que, no passado, até 2013, a Administração Fiscal considerava que os rendimentos provenientes das concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nas condições tal como as que está a ora Recorrente, não estava sujeitos ao ICR, e como tal a Entidade Recorrida agiu mal.
A circunstância de a Administração Fiscal, alegadamente, não ter seguido, no caso da Recorrente o entendimento que anteriormente definira para casos semelhantes, não gera a ilegalidade do acto recorrido, quando se constata que este resultou de uma correcta aplicação vinculada da lei.
Aliás, as isenções fiscais, por isso que representam despesa fiscal, estão sujeitas ao princípio da legalidade e portanto, a Administração só pode isentar um contribuinte do pagamento de imposto quando, em relação a ele se verifiquem, os pressupostos legais para conceder tal isenção (neste mesmo sentido de que a Administração carece de lei habilitante para poder isentar os contribuintes de impostos ou de taxas, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 22.6.2016, processo n.º 20/2016). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso presente, isto é, não se verifica que a Recorrente preencha pressupostos legalmente previstos de qualquer isenção fiscal de imposto complementar de rendimentos, pelo que resulta deslocada, com todo o respeito o dizemos, a invocação dos princípios gerais da actuação administrativa para, com base numa alegada violação dos mesmos, sustentar a ilegalidade do acto recorrido (de resto, como é sabido e tem sido continuamente reafirmado pelos nossos tribunais, a violação de tais princípios só assume relevância autónoma quando está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração, o que, no caso, não sucede: entre muito outros e por último, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
Pelo que, é julgar também improcedente o argumento nesta parte do recurso invocado pela Recorrente.

Face ao expendido, não se verificando o vício de erro nos pressupostos e de direito, nem o de violação dos princípios gerais da actividade administrativa invocados pela Recorrente, julga-se improcedente o recurso contencioso.
*
Síntese conclusiva:
I – O imposto de rendimento complementar (IRC) é impostos sobre o rendimento, cujo facto gerador é a percepção de um rendimento no decurso de um determinado período - período de imposto ou período de tributação -, em geral correspondendo a um período de um ano.
II – O IRC, quando incide sobre o rendimento derivado de actividades comerciais e industriais, o facto jurídico que dá origem à obrigação de imposto é a realização do rendimento, dispensando-se investigar se o contribuinte dispõe ou não desse rendimento.
III - A Recorrente, uma sociedade comercial constituída em Macau, no exercício correspondente ao ano de 2013, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial (pagos pela B) que aqui desenvolveu, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do RICR, reúne os pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar.
IV - O imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº 16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada, com lucro ou sem lucro as concessionárias estão sujeitas a tal imposto de jogo! Uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática!
V – O alegado contrato celebrado entre a Recorrente e a B não é um contrato de associação em participação, por não se verificarem as notas caracterizadoras da figura em causa, nomeadamente as previstas no artigo 551º/1 do CCOM, e ainda as notas referentes ao exercício dos direitos de informação, de fiscalização e de intervenção na gestão pelos associados (artigo 552º do CCOM). O que existe entre eles é um contrato de promoção de jogos, ou seja, a B autoriza que a Recorrente desenvolva actividades de promoção de jogos de fortuna e azar e depois explora estas actividades nas instalações da B. Pois, é uma actividade que só pode ser exercida por quem está legalmente licenciada e no espaço devidamente autorizado.
VI – Nestes termos, tal contrato não altera a natureza de rendimentos, pagos pela B, que está sujeito ao ICR, nos termos do artigo 2º do RICR.

*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
*
Custas pela Recorrente que se fixa em 7 Ucs.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 09 de Julho de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
M°P°
  Joaquim Teixeira de Sousa


2020-324-impos-complementar-jogo-tributação 30