Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso penal
N.° 24 / 2008
Recorrentes: A, B, C, D, E, F
1. Relatório
A (1º arguido), B (2º arguido), C (3º arguido), D (4º arguido), E (6º arguido) e F (9º arguido), juntamente com outros quatro arguidos, forma julgados no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.º CR3-06-0198-PCC.
Segundo o acórdão de primeira instância, os referidos arguidos foram todos absolvidos do crime de dano previsto no art.º 206.º, n.º 1 do Código Penal (CP) por falta de queixa por parte do ofendido e condenados nos seguintes termos:
- o 1º arguido A foi condenado pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto e punido pelos art.ºs 138.º, al. c), 140.º, n.ºs 1 e 2 e 129.º, n. 2, al. c) do CP na pena de 4 anos de prisão e de um crime de uso de armas proibidas previsto e punido pelos art.ºs 262.º, n.º 1 do CP e 1.º, n.º 1, al. f) e 6.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 5 anos de prisão;
- o 2º arguido B e o 3º arguido C foram condenados pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto e punido pelos art.ºs 138.º, al. c), 140.º, n.ºs 1 e 2 e 129.º, n. 2, al. c) do CP na pena de 4 anos de prisão;
- o 4º arguido D foi condenado pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto e punido pelos art.ºs 138.º, al. c), 140.º, n.ºs 1 e 2 e 129.º, n. 2, al. c) do CP, agravado por reincidência, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;
- o 6º arguido E e o 9º arguido F foram condenados pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física previsto e punido pelos art.ºs 138.º, al. c), 140.º, n.ºs 1 e 2 e 129.º, n. 2, al. c) do CP na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Inconformados com a decisão do Tribunal Judicial de Base, tais arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Por acórdão proferido no processo n.º 108/2008, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou os recursos.
Vêm agora os mesmos arguidos recorrer para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões nas suas motivações de recurso:
“1. Depois de uma leitura atenciosa dos dois Relatórios médico/legais constantes das fls. 230 e 1056 dos autos, afigura-se que, ao redigir relatórios, os médicos sempre tomam o laudo médico como referência, inclusive pareceres médicos.
2. Assim, os recorrentes não entendem por que se verificaram diferenças entre os pareceres constantes das fls. 237 e 238 e o relatório médico/legal constante da fls. 230, pois, segundo o médico G, de Neuro-cirurgia, o ofendido precisou de 17 dias para tratamento e se recuperou bem, tendo alta do hospital em 5 de outubro de 2005, enquanto o médico H, de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, afirmou que o ofendido foi fazer nova consulta na Cirurgia Plástica e Reconstrutiva em 13 de Outubro de 2005, não foram vistos traumatismos evidentes na face, por isso, o ofendido não precisava de mais consultas; porém, no Relatório médico/legal constante da fls. 230, vê-se a versão de que o ofendido precisou de 30 dias para recuperação por doença.
3. Pelo exposto, os recorrentes entendem que o acórdão recorrido enferma, sem dúvida alguma, do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.
4. Mais, os 6 recorrentes foram condenados pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física p. e p. pelo art.º 138.º, al. c), art.º 140.º, n.ºs 1 e 2, art.º 129.º, n.º 2, al. c), art.º 69.º e art.º 70.º do Código Penal, com a circunstância agravante de que os arguidos agiram “por motivos insignificantes”.
5. Se não se enganam, para os recorrentes, motivos insignificantes qualificados pelo Tribunal devem consistir em “... o 1º arguido e o 2º arguido trocaram olhares de hostilidade com o ofendido, enquanto o 1º arguido, apontando para o ofendido, falou ainda: “Que raio de olhar é esse?”.
6. Além do facto acima mencionado, houve uma discussão depois da dita frase “Que raio de olhar é esse?...” e antes do início de ataques entre o 1º e o 2º arguidos e o ofendido, o que foi gravada pela câmara Video-vigilância no Bar Karaoke, veja o auto com imagem da gravação do video constante da fls. 156, com a seguinte descrição: o ofendido I e sua namorada J estavam numa desavença com dois homens no corredor do Bar Karaoke, instantes depois, o ferido I mandou a namorada se afastar (parece mandando-a chamar alguém para os ajudar), enquanto os dois homens também voltaram à sala e chamaram vários outros homens para acercar o ferido.
7. Da descrição supra citada, foi entendido que o ofendido I e sua namorada J estavam numa discussão com dois homens no corredor do Bar Karaoke, discussão significa uma manifestação de hostilidade das duas partes quanto a algum assunto, ou seja, o ofendido também tem dito algumas palavras, mas não se sabe o que ele falou. Porém, sem dúvida alguma, foram com essa discussão que as duas partes foram às suas salas do Bar Karaoke para chamar outros para desavença, em vez de ser incitada apenas por troca de olhares de hostilidade.
8. O conteúdo acima referido se opõe ao facto já dado como provado de “... o 1º arguido e o 2º arguido trocaram olhares de hostilidade com o ofendido, enquanto o 1º arguido, apontando para o ofendido, falou ainda: “Que raio de olhar é esse?...”.
9. Desta maneira, sem dúvida alguma, o acórdão recorrido enferma do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.
10. Como é sabido, um indivíduo homo medius pode distinguir os actos egoístas, intolerantes, opressivos e imorais, porém, depois de tomar algumas garrafas de cerveja, um indivíduo com homo medius poderia ter sua sabedoria diminuída sob os efeitos de álcool, até se tornar mais explosivo .
11. Dos factos já provados e dos elementos constantes dos autos, sabe-se que na noite em que ocorreu o caso sub judice, indivíduos envolvidos nessa desavença das duas partes beberam e cantaram nas respectivas salas do Bar Karaoke, vêem-se nas fotos constantes das fls. 33 e 34 dos autos, vestígios e sinais de eles terem bebido muito, inclusive divertiam-se num jogo de tomar vinho, com muitas latas vazias de cerveja. Por outro lado, nas declarações constantes dos autos, os arguidos reconheceram que os 6 arguidos beberam muito naquela noite até cerca das 3 horas da madrugada.
12. Pelo exposto, pode-se concluir que os actos praticados pelos arguidos na noite do caso foram feitos sob os efeitos do álcool, razão pela qual, não se pode avaliar tais actos como se fossem praticados por indivíduos homo medius que podiam evitar tal desavença desgraçada, nem se pode considerá-los como pessoas normais que praticassem actos moralmente censuráveis; se não fosse, os recorrentes não poderiam praticar tais actos que ofenderam a integridade física do ofendido. Pois, se os recorrentes pudessem ofender o ofendido só por não se contentar com um olhar do ofendido, os recorrentes deveriam ter praticado muitos casos de ofensa à integridade física de outros na vida cotidiana.
13. Porém, dos factos já provados, os recorrentes A, B, C e E são primários, e mesmo os recorrentes D e F não são primários, também não têm praticado crimes de ofensa à integridade física.
14. Ao julgar que os arguidos referidos, ora recorrentes atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes, o acórdão recorrido está em oposição ao facto de que esses 6 recorrentes praticaram tais actos ilícitos sob os efeitos do álcool.
15. Assim, o acórdão recorrido enferma, sem dúvida alguma, do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.
16. Além disso, o acórdão recorrido mencionou que “... em conformidade com os factos já provados, os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes, causando lesões graves no corpo do ofendido...”.
17. Não obstante, mesmo em conformidade com os factos já provados, só se pode dar como provado que os arguidos 1º e 2º atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes, causando lesões graves no corpo do ofendido, e não se pode provar que os arguidos 3º, 4º, 6º e 9º também atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes.
18. Os factos já provados revelaram que, foram os arguidos 1º e 2º trocaram o olhar de hostilidade com o ofendido, o 1º arguido, apontando para o ofendido, falou ainda “Que raio de olhar é esse?” , foram por tais motivos que originaram a desavença do caso sub judice, pois, só se limita à uma briga entre os arguidos 1º e 2º com o ofendido.
19. Os outros recorrentes participaram em desavença não por motivos supra citados, os arguidos 3º, 4º, 6º e 9º participaram em desavença por serem chamados pelo 1º arguido quem tinha voltado à sala do Bar Karaoke pedindo ajuda deles, ou seja, esses participaram em ataques por motivos de ajudar os arguidos 1º e 2º para ofender o ofendido, ou por motivos de ajudar os arguidos 1º e 2º num impulso de força psicológica. Mas, nem os actos por ajuda a outros são elogiados, os actos referidos para ajudar amigos são moralmente intolerados. Mas, tem de salientar que o juízo deles estava influenciado pelo álcool.
20. Assim, ao julgar que “os arguidos 3º, 4º, 6º e 9º atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes”, o acórdão recorrido está contraditório com o facto de “os arguidos 3º, 4º, 6º e 9º atacaram violentamente o ofendido por motivos de ajudar os amigos num impulso de força psicológica”.
21. Tal interpretação jurisprudencial consta também do acórdão recorrido, pois o acórdão recorrido julgou o 1º arguido pela prática do crime de uso de armas proibidas ao invés de julgar os 6 recorrentes pela prática do crime de uso de armas proibidas, pois, foi só o 1º arguido quem pegou uma faca para atacar outros; da mesma razão, foram os arguidos 1º e 2º que deram início à desavença por motivos insignificantes com o ofendido, por isso, deve-se julgar apenas os arguidos 1º e 2º por atacar violentamente o ofendido por motivos insignificantes, ao invés de julgar outros recorrentes por atacar violentamente o ofendido por motivos insignificantes, pois, quando eles intervieram na briga, a desavença anteriormente ocorrida já não era mais um caso por motivo insignificante, mas sim, tornou-se uma desavença entre as duas partes com a adesão de seus amigos.
22. Nestes termos, para os recorrentes, o acórdão recorrido enferma, sem dúvida alguma, do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.
23. Verifica-se o excesso das penas aplicadas no acórdão recorrido pelos seguintes fundamentos:
24. O acórdão recorrido condenou os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º pela prática de um crime de ofensa qualificada à integridade física p. e p. pelo art.º 138.º, al. c), pelo art.º 140.º, n.º s 1 e 2, e pelo art.º 129.º, n.º 2, al. c) do Código Penal de Macau, na pena aplicável de 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses de prisão.
25. Ao determinar a medida concreta, o acórdão recorrido concluiu assim: “Nestes termos, no caso sub judice, considerando as culpas dos arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º, as consequências negativas decorrentes do acto praticado dos 6 arguidos à saúde e a bens do ofendido e à estabilidade da sociedade; a conduta dos arguidos 1º, 2º e 3º de confessar parcialmente os crimes na audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo entende como adequado, condenar os arguidos 1º, 2º e 3º pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, respectivamente na pena de 4 anos; condenar o 4º arguido pela prática de ofensa à integridade física qualificada em reincidência, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão; condenar os arguidos 6º e 9º pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, respectivamente na pena de 4 anos e 6 meses;...”
26. Pelo exposto, o acórdão recorrido condenou esses arguidos pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física, tendo aplicado, ao 1º arguido A, a pena concreta de 4 anos de prisão, ou seja, no limite mínimo legal acrescentado de um ano e 4 meses; tendo aplicado, ao 2º arguido B e ao 3º arguido C, a pena concreta de 4 anos de prisão efectiva, ou seja, no limite mínimo legal acrescentad de um ano e 4 meses; tendo aplicado, ao 4º arguido D, a pena concreta de 4 anos e 9 meses de prisão efectiva, ou seja, no limite mínimo legal, acrescentado de 2 anos e 1 mês; tendo aplicado ao 6º arguido E e ao 9º arguido F, a pena concreta de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, ou seja, no limite mínimo legal acrescentado de 1 ano e 10 meses.
27. Assim, sem dúvida alguma, o acórdão recorrido não ponderou as circunstâncias do caso sub judice para atenuação especial da pena.
28. Dos factos já provados e do que consta da fls. 911 dos autos, o ofendido I já recebeu a indemnização pecuniária (indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais) paga pelos arguidos dos autos, nomeadamente pelo 1º arguido A), pelo 2º arguido B, pelo 3º arguido C e pelo 6º arguido E, razão pela qual, o ofendido já declarou não exigir mais indemnização tanto por danos patrimoniais como por danos não patrimoniais e estar disposto de desistir do direito de exigir responsabilidade civil e criminal dos arguidos envolvidos sub judice.
29. Segundo o art.º 66.º, n.º 2, al. c) do Código Penal, “ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados” é considerada como circunstância para atenuação especial da pena, desse modo, deve-se alterar a pena legal em conformidade com o art.º 67.º, ou seja, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido ao mínimo legal, enquanto o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço.
30. Por isso, ao não ponderar as circunstâncias de atenuação especial da pena e não aplicar a previsão do art.º 67.º do Código Penal sobre a alteração da pela legal, o acórdão recorrido violou o estabelecido do art.º 66.º, n.º 2, al. c) e do art.º 67.º do Código Penal.
31. Uma vez aplicado o estabelecido do art.º 67.º do Código Penal, a pena legal deve ser alterada: Os seis recorrentes podem ser condenados pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física na pena de 1 mês a 8 anos e 10 meses e 20 dias de prisão.
32. Então, as penas concretas a ser aplicadas aos 6 recorrentes pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física devem ser alteradas segundo a respectiva percentagem:
33. O 1º arguido A deve ser condenado na pena concreta de 1 ano e 5 meses de prisão efectiva, ou seja, no mínimo legal mais 1 ano e 4 meses; o 2º arguido B e o 3º arguido C devem ser condenados na pena concreta de 1 ano e 5 meses de prisão efectiva, ou seja, no mínimo legal mais 1 ano e 4 meses; o 4º arguido D deve ser condenado na pena concreta de 2 anos e 2 meses de prisão efectiva, ou seja, no mínimo legal mais 2 anos e 1 mês; o 6º arguido E e o 9º arguido F devem ser condenados na pena concreta de 1 ano e 11 meses de prisão efectiva, ou seja, no mínimo legal mais 1 ano e 10 meses.
34. Além disso, no acórdão recorrido revela-se que durante os ataques, o ofendido ficou desmaiado e deitado no chão, porém, os pareceres médicos constantes das fls. 144, 230 e 1056 dos autos não descreveram que o ofendido estava num desmaio, mas apenas afirmou que “... o examinado foi levado à Urgência do Centro Hospitalar de Conde S. Januário, às 4 horas e 10 minutos da madrugada do dia 18 de Setembro de 2005 por ser atacado , onde se encontrava num estado de delírio e impaciência, ...” .
35. Segundo a previsão do art.º 149.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
36. Consta do n.º 2 do mesmo artigo supra citado que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.
37. Ora, o acórdão recorrido entendeu que o ofendido se encontrava desmaiado, o que diverge do juízo contido no relatório médico legal, mas, o acórdão recorrido não fundamentou a divergência, razão pela qual, o acórdão recorrido violou a previsão do art.º 149.º, n.º s 1 e 2 do Código de Processo Penal.
38. Pelo expendido, o acórdão recorrido violou a norma sobre o valor da prova pericial, em consequência, enferma do vício de erro notório na apreciação da prova referida no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal.
39. Contudo, o acórdão recorrido determinou a pena concreta ao abrigo do art.º 40.º e 65.º do Código Penal.
40. Dessa maneira, foi natural que o acórdão recorrido considerou as circunstâncias do desmaio do ofendido, consequências muito desfavoráveis aos recorrentes e suficientes para aumentar o grau da culpa dos recorrentes, intensidade da ilicitude, e gravidade de suas consequências, de modo a causar influências não favoráveis na determinação das penas aplicadas aos recorrentes.
41. Por outro lado, o acórdão recorrido não tem ponderado o estado dos recorrentes sob os efeitos do álcool que podiam reduzir sua capacidade de juízo e de controle, o que não podia revelar de maneira exacta o dolo subjectivo, factor esse foi suficiente para aumentar o grau da culpa dos recorrentes, de modo a causar influências desfavoráveis na determinação das penas concretas aos recorrentes.
42. Além disso, o crime de ofensa qualificada à integridade física imputado aos recorrentes não foi praticado de maneira premeditada, mas foi praticado sem premeditação e sob os efeitos do álcool, o que revelou o grau de culpa dos 6 recorrentes relativamente reduzido, este factor devia ser ponderado na determinação da pena concreta aplicada aos seis recorrentes.
43. A culpa, genericamente entendida, é o fundo animador e psicológico do agente a respeito do acto ilícito praticado e de suas consequências. A diferença entre a forma e o conteúdo da culpa revela a diferença do dolo subjectivo, ao mesmo tempo, é também diferente a responsabilidade criminal do acto ilícito inspirado por culpas diferentes. Em geral, quanto maior for a culpa, maior será a responsabilidade criminal; quanto for menor a culpa, menor será a responsabilidade criminal.
44. Como o acórdão recorrido deu como provado o facto de o ofendido ficar desmaiado na desavença, na violação da previsão do art.º 149.º, n.º s 1 e 2 do Código de Processo Penal, e determinou as penas concretas, no módulo do limite mínimo mais alguma pena determinada, os recorrentes entendem que se deve proceder alterações na medida da pena:
45. Condenar o 1º arguido A pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física na pena de prisão efectiva inferior a 1 ano e 5 meses; condenar o 2º arguido B e o 3º arguido C pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física na pena de prisão efectiva inferior a 1 ano e 5 meses; condenar o 4º arguido D pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física na pena efectiva de prisão inferior a 2 anos e 2 meses; condenar o 6º arguido E e o 9º arguido F pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física na pena efectiva de prisão inferior a 1 ano e 11 meses.
46. Deve-se conceder a suspensão da execução da pena aplicada aos recorrentes por seguintes fundamentos:
47. O acórdão recorrido condenou os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º pela prática do crime de ofensa qualificada à integridade física, pois, uma vez aplicada a atenuação especial da pena, o 1º arguido A deve ser condenado na pena de prisão inferior a 1 ano e 5 meses, o 2º arguido B e o 3º arguido C devem ser condenados na pena de prisão efectiva inferior a 1 ano e 5 meses, o 4º arguido D deve ser condenado na pena de prisão efectiva inferior a 2 anos e 2 meses, o 6º arguido E e o 9º arguido F devem ser condenados na pena de prisão efectiva inferior a 1 ano e 11 meses.
48. Nestes termos, as circunstâncias dos 6 recorrentes satisfazem o estabelecido do n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal, quer dizer, a pena de prisão aplicada no agente em medida não superior a 3 anos.
49. Além disso, o caso sub judice ocorreu em 18 de Setembro de 2005, ocasião em que, os 6 recorrentes eram ainda jovens sem habilitação académica de nível superior, dos quais, os recorrentes B, C e E tinham apenas 17 anos de idade. Como os 6 recorrentes não tinham habilitação académica de nível superior, suas consciências morais, a maturidade e a capacidade de se controlar eram também baixas, nomeadamente os recorrentes B, C e E.
50. Devido ao facto de os 6 recorrentes serem jovens, dos quais, B, C e E tinham apenas 17 anos de idade, com habilitação académica de nível baixo, conceito de ética ainda não estabelecido, imaturidade, além de efeitos do álcool, eles encontravam-se numa capacidade baixa de se controlar e de juízo, mas, o dolo subjectivo deles não era grande, ao mesmo tempo, os recorrentes C, D, E e F atacaram o ofendido por insensibilidade apenas querendo ajudar o amigo, partindo da chamada “fidelidade” . Agora, os 6 recorrentes já reconheceram o erro praticado e estão determinados a se corrigir.
51. Desde o ano de 2005, ano em que ocorreu o caso sub judice, até agora, os 6 recorrentes não cometeram novos crimes, comportando-se, de modo a poder viver igual a outros com responsabilidade perante a sociedade.
52. Além do mais, os recorrentes A, B, C e E são primários, mesmo o recorrente D e o recorrente F não são primários, foi pela primeira vez que eles cometeram o crime de ofensa à integridade física.
53. Depois da ocorrência do caso dos autos, os 6 recorrentes fizeram todo o possível para minimizar suas culpas, tendo prestado ao ofendido a indemnização pecuniária por danos morais e patrimoniais por ele sofridos.
54. Felizmente, o ofendido já declarou não exigir qualquer indemnização tanto por danos patrimoniais como por danos não patrimoniais e estar disposto de desistir do direito de exigir responsabilidade civil e criminal dos arguidos envolvidos sub judice, pelo que é notado que o ofendido já perdoou os 6 recorrentes por seus actos praticados naquele dia.
55. Assim, a simples censura do facto e a ameaça da prisão aos 6 recorrentes já pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
56. Segundo a doutrina jurídica, deve-se dar aos 6 recorrentes a oportunidade de reinserção na sociedade que poderá contar com mais 6 indivíduos bem comportados.
57. Sem habilitação académica de nível superior, a maioria dos 6 recorrentes tem recebido o ensino primário ou até o curso do 2º ano do ensino secundário geral, dos quais, os recorrentes A, C, D e F têm emprego legítimo que se sustentam, enquanto os recorrentes B e E, mesmo ainda não estão empregados, têm muitas perspectivas de B e E terem emprego no futuro devido ao actual ambiente económico de Macau.
58. Em suma, seja pelos próprios recorrentes, seja pela sociedade, deve conceder a suspensão da execução da pena aos 6 recorrentes em conformidade com o art.º 48.º do Código Penal.”
Pedindo que sejam julgados procedentes os recursos, com a absolvição dos recorrentes do crime de ofensa qualificada à integridade física, e fixadas de novo as medidas de penas e dada a oportunidade de suspensão da pena.
Em resposta, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Nas alegações do recurso, os recorrentes imputaram ao acórdão recorrido a contradição insanável da fundamentação, erro notório na apreciação da prova e excesso da pena, considerando que deve lhes conceder a atenuação especial da pena e a suspensão da execução da pena.
Depois de avaliar os dados constantes dos autos e a respectiva decisão judicial recorrida, cremos que não procede o recurso.
Em primeiro lugar, os recorrentes puseram em causa se o caso enquadra-se na ofensa qualificada prevista pelo art.º 138.º, al. c) do Código Penal, indicando que se verificou a diferença entre os pareceres médicos constantes das fls. 237 e 238 com o relatório medico/legal constante da fls. 230 dos autos, pelo que, imputaram ao acórdão recorrido a contradição insanável da fundamentação.
Neste caso sub judice, o Tribunal de primeira instância proferiu sua sentença tendo como fundamentos os pareceres e relatórios médico/legais quanto às lesões sofridas pelo ofendido.
Segundo os relatórios médicos/legais constantes das fls. 230 e 1056 dos autos, as lesões sofridas pelo ofendido enquadram-se na previsão do art.º 138.º, al. c) do Código Penal.
Mesmo os pareceres médicos constantes das fls. 237 e 238 dos autos não descreveram as lesões sofridas pelo ofendido da mesma maneira, não significa que esses dois pareceres médicos estão contraditórios com o Relatório Medico/legal. Pois, os pareceres acima referidos não excluíram a ofensa grave à integridade física do ofendido, além do mais, mesmo o ofendido teve alta quando cuja saúde melhorada, é de conhecimento de todos que isso não significa que ele estava plenamente recuperado. Por isso, não existe contradição entre o Relatório médico/legal e os pareceres médicos supra citados.
Além disso, o Tribunal a quo, ao abrigo do art.º 336.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, examinou, na audiência de julgamento, o Relatório médico/legal e escutou a declaração prestada pelo autor do relatório médico/legal, tendo assim formado a convicção sobre as lesões sofridas pelo ofendido.
Em resumo, a nosso ver, não existe contradição nenhuma na fundamentação do acórdão recorrido.
Em segundo lugar, os recorrentes puseram em causa as penas aplicadas pelo Tribunal a quo em conformidade com a previsão do art.º 129.º, n.º 2, al. c) a respeito de ofensa qualificada.
Do acórdão recorrido, o Tribunal a quo deu como provado que os recorrentes atacaram violentamente o ofendido por motivos insignificantes, causando lesões graves no corpo do ofendido.
Avaliado os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, sabemos que a desavença ocorreu quando os recorrentes A e B encontraram-se no corredor do Bar Karaoke com o ofendido, e o primeiro, apontando o ofendido, falou ainda: “Que raio de olhar é esse?”. Porém, o ofendido não reagiu. Em seguida, os dois ora recorrentes ordenaram ao ofendido que não vá embora e foram chamar outros (inclusive, C, D, E e F) para acercar e atacar o ofendido, causando graves lesões no corpo do ofendido.
Os recorrentes alegaram existir antes a discussão com o ofendido que foi gravada pelo Video vigilância do Bar Karaoke, “o ofendido também falou alguma coisa durante a discussão, .... cujo conteúdo ninguém sabe, porém, sem dúvida alguma, foi a discussão prévia que alterou ânimos das duas partes que voltaram a suas salas para chamar outros numa desavença, ao invés de ser incitada apenas por um olhar de hostilidade”.
É de afirmar que, por um lado, os factos impugnados pelos recorrentes não foram dados como provados pelo Tribunal a quo, por outro lado, mesmo tendo existido a discussão, foi ainda por aquela expressão “Que raio de olhar é esse?...” dirigida ao ofendido que deu início à desavença quando os recorrentes A e B encontraram-se no corredor do Bar Karaoke com o ofendido e com ele trocaram o olhar de hostilidade.
Pelo motivo torpe ou fútil referido no art.º 129.º, n.º 2, al. c) do Código Penal, entende-se os “motivos” não importantes, não relevantes, inexplicáveis e que não devem ser motivos. Ou seja, o agente praticou, por um motivo muito fútil, algum acto obviamente inadequado ou excessivo do ponto de vista do homo medius.
Entendemos que devido aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, às consequências decorrentes dos ataques sofridos pelo ofendido, não está inadequada a aplicação da norma do art.º 129.º, n.º 2, al. c) do Código Penal por parte do Tribunal a quo.
Os recorrentes ainda alegaram que, sob os efeitos do álcool, eles não podiam actuar com a ética de pessoas normais, porém, tal fundamento não foi confirmado pelo Tribunal a quo.
Além disso, é de salientar que, o que está “do ponto de vista do homo medius”, expressão anteriormente citada, não é o estado psicológico dos recorrentes ao praticar o acto ilícito de se manter ou não a consciência de pessoa normal, mas sim, são o acto praticado pelo agente e os motivos obviamente inadequados e excessivos do ponto de vista do homo medius. Ou seja, é uma inadequação obvia entre o acto e o motivo que pode ser observada por qualquer pessoa com juízo comum.
Por outro lado, ao abrigo do art.º 284.º do Código Penal, deve ser punido ainda que por negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida alcoólica ou substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito típico.
Nestes termos, mesmo os recorrentes praticaram o acto sob os efeitos do álcool ou até num estado de embriagados, o que não podia ser o motivo de atacar o outro, nem podia escapar da pena prevista no art.º 129.º, n.º 2, al. c) do Código Penal a respeito de ofensa qualificada.
Na suposição de que os recorrentes A e B atacaram o ofendido por motivos insignificantes, os outros recorrentes praticaram o acto ilícito de ofensa sem nenhum motivo, pois, o pretexto de “ajudar o amigo” não serve para justificar a pratica do acto, seja observado por qualquer ângulo de ponto de vista.
Os recorrentes ainda alegaram que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo em relação ao estado de desmaio do ofendido depois dos ataques são diferentes do relatório médico/legal, mas o acórdão recorrido não fundamentou tal diferença, por isso, o acórdão recorrido violou a norma do art.º 149.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal; em consequência, como o acórdão recorrido violou a norma sobre o valor da prova pericial, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.
Porém, não consideramos que assiste a razão aos recorrentes. Pois, os médicos elaboraram os pareceres médicos segundo o estado do examinado já encontrado no hospital, com a descrição sobre o que observou naquela hora e não sobre o que aconteceu durante os ataques. E pelo Relatório médico/legal, não está excluída a conclusão de o ofendido não ter ficado desmaiado, razão pela qual, não existe a contradição entre o julgamento e o conteúdo do relatório médico legal, ora, está claro que não existe o pressuposto da aplicação da norma do art.º 149.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, por isso, o Tribunal a quo não tem nenhuma obrigação para dar explicação sobre tal diferença.
Por fim, os recorrentes ainda alegaram o excesso da pena, considerando que, por seus actos enquadrados na previsão do art.º 66.º, n.º 2, al. c) e do art.º 48.º do Código Penal, o Tribunal a quo deve conceder a atenuação especial da pena e a suspensão da execução da pena.
Porém, não concedemos o provimento ao pedido dos recorrentes.
É de salientar que, mesmo já pagaram a indemnização pecuniária ao ofendido quem declarou também desistir do direito de exigir a responsabilidade civil e criminal, os recorrentes ainda não estão com condições de atenuação especial da pena.
Como é sabido, as circunstâncias referidas no art.º 66.º, n.º 2 do Código Penal—mesmo existindo—não conduziriam necessariamente à atenuação especial da pena.
De acordo com o n.º 1 do mesmo artigo, constitui o pressuposto necessário para a atenuação especial da pena “diminuir por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
“Diminuir por forma acentuada” é forma exigida pela lei, ao invés de qualquer diminuição por forma comum. No caso sub judice, só a existência de certas circunstâncias que possam diminuir por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, poderá justificar a atenuação especial da pena.
Neste caso dos autos, avaliando a natureza do acto ilícito, a gravidade das suas consequências e as exigências da prevenção criminal, não consideramos que os fundamentos expressados pelos recorrentes satisfazem ao requisito para a atenuação especial da pena prevista pela lei.
Por outro lado, quanto à medida das penas concretas, o Tribunal a quo não violou respectivas normas, designadamente a previsão dos artigos 40.º e 65.º do Código Penal, o que se vê na fundamentação do acórdão recorrido.
Nas alegações do recurso, os recorrentes não tomaram os factos já dados como provados pelo Tribunal como seus fundamentos para atenuar a pena.
Considerando todas as circunstâncias deste caso, o grau da culpa dos recorrentes, as penas legais em relação ao crime e as graves influências negativas causadas pelo acto praticado pelos recorrentes à saúde e bens do ofendido e à estabilidade da sociedade, bem como as exigências da prevenção criminal, entendemos que o Tribunal a quo determinou correctamente as penas sem desproporcionalidade nenhuma.
Além disso, devido ao facto de que os recorrentes foram condenados na pena de prisão com duração superior a 3 anos, não se verifica o elemento formal para a suspensão da execução da pena prevista no art.º 48.º do Código Penal, razão pela qual, carece de fundamentos jurídicos o pedido de suspensão da execução da pena formulado pelos recorrentes.
Pelo exposto, cremos que deve rejeitar o recurso por improcedência de seus fundamentos.”
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Matéria de facto
Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
“Em 18 de Setembro de 2005, por volta de 1:00 da madrugada, o ofendido I e sua namorada J foram ao “Bar Karaoke....”, situado na [Endereço]. Ao entrar na sala 2ª, mais de 20 amigos já estavam lá, cantando e bebendo.
Na altura, o 1º arguido A, o 2º arguido B, o 3º arguido C, o 4º arguido D, o 5º arguido K, o 6º arguido E, o 7º arguido L, o 8º arguido M, o 9º arguido F e o 10º arguido N estavam se divertindo numa outra sala VIP deste Bar Karaoke junto com amigos não identificados.
Cerca das 3:00 horas da madrugada do mesmo dia, o 1º arguido A e o 2º arguido B deixaram juntos a sala VIP e dirigiram-se ao banheiro do átrio. Ao passar pelo corredor, encontraram-se com o ofendido I e J.
No momento, o 1º arguido A e o 2º arguido B trocaram olhares de hostilidade com o ofendido I, enquanto o 1º arguido A, apontando para o ofendido, falou ainda: “Que raio de olhar é esse?”. Porém, o ofendido não reagiu. Nessa altura, o funcionário do Bar Karaoke O estava trabalhando no local.
Em seguida, o 1º arguido e o 2º arguido ordenaram ao ofendido que não vá embora e foram à sala VIP chamar os outros arguidos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º para acercar o ofendido.
O 1º arguido deu primeiro soco com o punho direito na cabeça do ofendido, enquanto o 2º arguido lançou outro soco, ao mesmo tempo, outros arguidos começaram a atacar o ofendido com socos e pontapés, até o ofendido ficar deitado no chão.
Instantes depois, tendo sido informados do caso, vários amigos do ofendido chegaram da sala Vip e avançaram para impedir e gritaram “Pare!”, porém, até eles foram atacados por arguidos com copos de vidro e outros objectos, entre os quais, o 5º arguido K pegou uma lata metálica de lixo para atacar amigos do ofendido.
Nessa altura, o ofendido já deitado no chão sem se movimentar, não obstante, o 2º arguido B e o 3º arguido C ainda pisaram com força nele e deram pontapés na cabeça do ofendido, até o corpo do ofendido mudado de posição.
Depois de repelir amigos do ofendido, o 1º arguido, o 4º arguido e o 9º arguido voltaram, junto com outros arguidos, ao local onde se deitava o ofendido desmaiado que na hora já não se movimentava, mas, esses arguidos ainda chutaram várias vezes a cabeça do ofendido.
No momento em que os outros arguidos estavam dispostos a deixar o Bar Karaoke, o 1º arguido pulou para dentro do bar e pegou uma faca de lá com o comprimento de 33 cm de lâmina, mesmo o chefe da sala P tendo o impedido , mas sem sucesso.
Na altura, vários amigos do ofendido chegaram ao local e juntos carregaram o ofendido desmaiado no chão para deixar o local. Quando eles mal saíram do prédio, esses 10 arguidos supra citados vieram atacá-los de novo, tendo começado uma outra rodada de luta, enquanto o 1º arguido brandindo a faca contra outros.
Os ataques lançados pelos arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º no ofendido resultaram directa ou indirectamente em lesões mencionadas do relatório de exame médico constantes da fls. 230 dos autos. Estas lesões enquadram-se na ofensa grave prevista na al. c) do art.º 138.º do Código Penal de Macau e determinaram, ao ofendido, uma recuperação de 30 dias por doença dolosa, sem descartar sequelas de lesões cerebrais na conjuntura de cujas funções, um dano de 10% encontrando-se na incapacidade permanente de funcionamento.
Durante os ataques, os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, e 9º quebraram objectos do Bar Karaoke, causando um prejuízo no valor de ao estabelecimento do Bar Karaoke.
Por motivos insignificantes, os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º e 9º atacaram violentamente o ofendido, causando lesões graves no corpo do ofendido, com a intenção de ofender sua integridade física.
Durante os ataques, os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, e 9º quebraram objectos do Bar Karaoke, com a intenção de violar o direito de propriedade de bens de outros.
Os arguidos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 9º agiram de maneira livre, voluntária e consciente, em mútuo acordo, em conjugação de esforços e em coordenação de cada um, sabendo perfeitamente que suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.
O 1º arguido usou, de forma livre, voluntária e consciente, arma proibida (uma faca com a lâmina de 33 cm de comprimento) com a intenção de ofender outro e sabia perfeitamente que a conduta era proibida e punida pela lei.
Mais se provou:
O chefe do Bar Karaoke afirmou pela declaração que já recebeu um montante de MOP$31.410,00 pago pelos arguidos como indemnização pecuniária e alegou desistir de exigir a responsabilidade criminal dos arguidos.
O ofendido I alegou que já recebeu um montante de MOP$100.000,00 pago pelos arguidos 1º, 2º, 3º e 6º como indemnização pecuniária e declarou desistir de exigir as responsabilidades civil e criminal dos arguidos supra citados.
Na audiência de julgamento, os arguidos 1º, 2º e 3º confessaram parcialmente os factos constantes da acusação.
Os arguidos 2º, 3º, 6º, 7º e 8º tiveram apenas de 17 anos de idade no momento da ocorrência dos factos.
Os arguidos 5º e 10º tiveram apenas de 18 anos no momento da ocorrência dos factos.
Segundo o CRC, o 1º arguido é primário.
O 1º arguido era garçom num clube nocturno e auferia o vencimento mensal de MOP$8.000,00, dos quais, MOP$3.000,00 destinados à mãe para despesas familiares, convivendo com a mãe. O 1º arguido tem como habilitação académica o 2º ano do curso de ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 2º arguido é primário.
O 2º arguido é desempregado, vivendo a cargo dos pais divorciados. O arguido convive com o pai que é electricista e uma irmã menor e auferia o vencimento mensal de MOP$ 6.000,00 a 7.000,00, a irmã é aluna de uma escola nocturna. O arguido tem como habilitação académica o 2º ano do curso do ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 3º arguido é primário.
O 3º arguido era garçom, auferia o vencimento mensal de MOP$ 6.000,00, dos quais, MOP$1.000,00 destinados à mãe para despesas familiares, convivendo com os pais e um irmão menor. O arguido tem como habilitação académica o 6º ano do curso do ensino primário geral.
Segundo o CRC, o 4º arguido não é primário.
O 4º arguido tinha sido condenado em 15 de Maio de 2002 pelo 2º Juízo Criminal deste Tribunal no processo comum colectivo n.º PCC-075-01-02 (actual CRI-01-0026-PCC) pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente na pena de 5 anos de prisão e na multa de MOP$7500, ou em alternativa a esta, em 50 dias de prisão. A sentença foi transitada em julgado em 27 de Maio de 2002. O arguido havia praticado o crime supra citado em 8 de Janeiro de 2001. Segundo o despacho emitido em 11 de Maio de 2005, o arguido foi libertado por lhe ter sido concedida a liberdade condicional.
Desde 8 de Janeiro de 2001, o arguido encontrava-se recluso no Estabelecimento Prisional de Macau até 11 de Maio de 2005, data em que foi concedida a liberdade condicional que expirou em 8 de Janeiro de 2006.
O arguido tinha sido condenado no caso supra citado na pena de prisão efectiva de duração superior a 6 meses, porém, cometeu o crime do caso sub judice em 18 de Setembro de 2005 no período de liberdade condicional, o que mostra que a pena anteriormente aplicada não realizou de forma suficiente as finalidades da punição ao arguido para não repetir mais crime.
O 4º arguido era assistente na reforma de moradia e auferia o vencimento mensal de MOP$6.000,00, convivendo com os pais e o irmão mais velho. O arguido tem como habilitação académica o 1º ano do curso do ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 5º arguido é primário.
O 5º arguido era operário na reforma de moradia e auferia o vencimento diário de MOP$250,00, convivendo com os pais e as duas irmãs mais novas. O arguido tem como habilitação académica o 2º ano do curso do ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 6º arguido é primário.
O 6º arguido era desempregado, convivendo com os pais com a reserva pecuniária e a cargo da família. O arguido terminou o curso do ensino primário.
Segundo o CRC, o 7º arguido é primário.
O 7º arguido era trabalhador de uma loja de revelação fotográfica e auferia o vencimento mensal de MOP$4.500,00, dos quais, MOP$2.000,00 a 3.000,00 destinados a despesas familiares. O arguido convive com a mãe e a avó materna, os pais estão divorciados. O arguido tem como habilitação académica o 1º ano do curso do ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 8º arguido é primário.
O 8º arguido era funcionário da secção de relações públicas de um casino e auferia o vencimento mensal de MOP$8.000,00, dos quais, MOP$2.000,00 destinados à mãe para despesas familiares. O arguido convive com os pais. O arguido tem como habilitação académica o 2º ano do curso do ensino secundário geral.
Segundo o CRC, o 9º arguido não é primário.
O 9º arguido tinha sido condenado em 14 de Junho de 2001 pelo 4º Juízo Criminal no processo comum colectivo n.º PCC-008-01-4 (actual CRI-01-0087-PCC) pela prática de um crime de usura para jogos ilícitos na pena de 9 meses de prisão e de um crime de sequestro na pena de 20 meses de prisão, em cúmulo, condenado na pena única e global de 21 meses de prisão com a suspensão da execução da pena por 3 anos. A sentença foi transitada em julgado em 26 de Junho de 2001. O arguido cometera o crime supra citado em 5 de Agosto de 2000.
O 9º arguido era gerente de um casino e auferia o vencimento mensal de MOP$15.000,00, convivendo com a namorada.
Segundo o CRC, o 10º arguido é primário.
O 10º arguido era coupier de um casino e auferia o vencimento mensal de MOP$13.000,00, convivendo junto com o irmão mais velho com a mãe já divorciada. O arguido tem como habilitação académica o 2º ano do curso do ensino secundário geral.
Factos não provados:
Outros factos essenciais descritos na acusação que se revelam incompatíveis são os seguintes:
Por motivos insignificantes, os arguidos 5º, 7º, 8º e 10º atacaram violentamente o ofendido, causando lesões graves no corpo do ofendido, com a intenção de ofender sua integridade física.
Durante os ataques, os arguidos 7º, 8º e 10º quebraram objectos do Bar Karaoke, com a intenção de violar o direito de bens de outros.
Os arguidos 7º, 8º e 10º agiram de maneira livre, voluntária e consciente, em mútuo acordo, em conjugação de esforços e em coordenação de cada um, sabendo perfeitamente que suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.”
2.2 Contradição insanável de fundamentação
(1) Os recorrentes sustentam o vício de contradição insanável de fundamentação do acórdão recorrido com a diferença entre dois relatórios médicos sobre o estado de saúde do ofendido. Num dos relatórios a fls. 237 e 238, constam a informação do médico neurocirúrgico de que o ofendido precisou de 17 dias para tratamento com boa recuperação e teve alta do hospital em 5 de Outubro de 2005 e a informação do médico de cirurgia plástica e reconstrutiva de que o ofendido teve consulta desta especialidade no dia 13 do mesmo mês e constatou que não deixou traumatismo evidente na face da parte de maxila, sem necessidade de mais consulta médica. E no relatório médico legal clínico a fls. 230 refere-se que o período de doença do ofendido ultrapassou 30 dias.
Ora, basta uma simples leitura do teor dos relatórios médicos em causa para afastar qualquer dúvida suscitada.
Os relatórios a fls. 237 e 238 foram feitos pelos dois médicos de especialidades diferentes nos princípios de Novembro de 2005, próximos da alta do ofendido, em que relata o estado de saúde do ofendido na altura.
O ofendido sofreu vários ferimentos em consequência de agressões de que foi vítima. Para a especialidade de cirurgia plástica e reconstrutiva, não há necessidade de mais consultas por não verificação de traumatismos evidentes (fls. 238). Já para a área de neurocirurgia, no relatório do respectivo médico (fls. 237) limitou-se a referir que o ofendido teve 17 dias de tratamento conservador antes da alta do hospital, com boa recuperação e ia continuar com as consultas.
Por sua vez, no relatório médico legal clínico elaborado em 9 de Novembro do mesmo ano a fls. 230 também refere-se que o ofendido precisava ainda tratamento em consultas externas de neurocirurgia por não ter recuperado ainda, com manifestação de várias sequelas. E chegou a conclusão de que o ofendido esteve doente por mais de 30 dias.
Portanto, os conteúdos dos três relatórios são convergentes no sentido de necessidade de continuação de tratamento neurocirúrgico do ofendido. Tal facto é confirmado pelo relatório médico legal a fls. 1056, elaborado sob ordem do tribunal colectivo aquando da realização da audiência de julgamento em primeira instância, em que se refere que o ofendido precisou de 402 dias para a recuperação, com a manutenção de sequelas de traumatismo craniano traduzidas em diminuição geral de capacidade cerebral, e a incapacidade permanente parcial atinge 10%.
Assim, não se verificam qualquer divergência entre os relatórios médicos em causa e consequentemente a alegada contradição insanável de fundamentação do acórdão recorrido.
(2) Continuando a alegação do mesmo vício, os recorrentes consideram que o facto de que a agressão teve por origem a troca de olhares de hostilidade entre os 1º e 2º recorrentes e o ofendido está em contradição com o relato das imagens de câmara de vigilância do karaoke a fls. 156 de que os dois recorrentes e o ofendido envolveram em disputa sem, no entanto, conhecer o seu conteúdo.
Por outro lado, tal disputa resultada do referido relato de imagens também está em contradição com o facto provado de que o ofendido não respondeu depois de o 1º recorrente lhe disse “Que raio de olhar é esse?”
A disputa entre os dois recorrentes e o ofendido não consta dos factos provados, pelo que não se pode atender agora este facto para aferir se existe as contradições apontadas.
(3) Em seguida, os recorrentes alegam que na noite da ocorrência da agressão, todos os arguidos estavam sob influência de álcool, para concluir a contradição entre a posição do tribunal colectivo de que as agressões violentas do ofendido resultaram de motivo fútil e a influência de álcool a que estavam sujeitos os recorrentes.
Ora, os dois aspectos invocados não é necessariamente contraditório, para além de que os recorrentes agiram sob efeito de álcool não tem base nos factos provados. De qualquer modo, não se pode justificar a agressão contra outra pessoa por o critério moral de um homem médio dos recorrentes estar influenciado por efeito de álcool.
(4) Finalmente, sobre o entendimento do acórdão recorrido de que os 3º, 4º, 6º e 9º recorrentes agrediram violentamente o ofendido por motivo fútil, entendem os recorrentes que tal posição está em contradição com o facto de que tais quatro recorrentes agrediram violentamente o ofendido apenas com o sentimento de ajudar os amigos.
Cremos que também não existe aqui qualquer contradição.
Se os tais quatro recorrentes agrediram o ofendido apenas por querer ajudar os seus amigos, significa que eles conformaram com o motivo que deu inicialmente origem à agressão. Ajudar amigos não pode justificar ou desculpar tudo.
2.3 Erro notório na apreciação da prova
Os recorrentes alegaram este vício na parte das motivações dedicadas à medida de penas, o que não obsta o seu conhecimento autónomo por ser um vício susceptível de levar à revogação do acórdão recorrido.
Segundo os recorrentes, do acórdão recorrido resulta que o ofendido ficou em coma depois de agressão. Mas nenhum dos relatórios médicos a fls. 144, 230 e 1056 refere que na altura o ofendido estava em coma, antes ficou apenas com a menção de que o ofendido se apresentava em estado de delírio e impaciência. Os recorrentes entendem que o tribunal não podia chegar a uma conclusão diferente do que resulta dos relatórios médicos, sem explicar a razão da divergência, em violação do art.° 149.° do Código de Processo Penal.
A questão suscitada não passa mais que um equívoco dos recorrentes.
Realmente, dos factos provados consta que o ofendido ficou desmaiado no chão da karaoke depois de ser agredido.
E o relatório médico legal clínico a fls. 144 refere que o ofendido apresentava na urgência com estado de delírio e impaciência.
Assim, é de notar que o mencionado facto provado refere ao momento em que ocorreu a agressão na karaoke e no relatório está descrita a situação do ofendido já na urgência do hospital. São situações em espaço temporal sucessivo.
Não existe contradição entre ambos. O ofendido foi diagnosticado com concussão cerebral. O principal sintoma de concussão cerebral é o obstáculo momentâneo de consciência que aparece logo com o ferimento, traduzindo em confusão de consciência ou estado de coma completo, com duração de uns segundos ou minutos, sem ultrapassar normalmente meia hora.1
A confusão e o delírio significa normalmente a disordem do sistema nervoso. São principais manifestações de lesões cerebrais, incluindo concussão cerebral, entre outros.2
Assim, o que está descrito é, na realidade, o desenvolvimento dos sintomas do ofendido desde a agressão até à consulta na urgência do hospital.
Por isso, não se verifica o alegado erro na apreciação da prova.
2.4 Medida de penas
Os recorrentes alegam que as penas impostas são demasiado pesadas, que foram fixadas sem considerar o pagamento de indemnização ao ofendido como uma circunstância de atenuação especial, nem o facto de que eles agiram sob efeito de álcool e sem premeditação, pedindo a redução das penas fixadas com a suspensão da sua execução.
De acordo com o art.° 66.°, n.° 1 do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
E o n.° 2, al. c) do mesmo artigo dispõe que os actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação dos danos causados, podem determinar uma atenuação especial da pena, mas não necessariamente.
É certo que ficou provado que o ofendido declarou que recebeu dos 1°, 2°, 3° e 6° recorrentes uma indemnização no valor de cem mil patacas.
No entanto, no presente caso, sem outros elementos, só este facto não é suficiente para demonstrar o arrependimento sincero dos recorrentes, que fosse capaz de diminuir acentuadamente a ilicitude dos actos praticados pelos recorrentes, a culpa destes ou a necessidade da pena.
Sobre a alegada influência de álcool, já foi referido que não conta da matéria apurada.
E a falta de premeditação também é difícil constituir uma circunstância de atenuação especial.
Ora, o crime de ofensa qualificada à integridade física previsto nos art.ºs 138.º, al. c) e 140.º, n.ºs 1 e 2 do CP é punido com a pena de 2 anos e 8 meses a 13 anos e 4 meses de prisão e com a pena mínima elevada de um terço para o 4° recorrente por reincidência.
O crime foi praticado por motivo sem importância, com bastante violência e até crueldade. Considerando todas as circunstâncias do crime, tais como a ilicitude e a culpa dos recorrentes, os sentimentos manifestados por estes na prática do crime, as graves consequências provocadas para o ofendido, o impacto para a tranquilidade da sociedade, a necessidade de prevenção geral e especial, o pagamento de indemnização ao ofendido, face às molduras de pena aplicáveis aos recorrentes, entendemos que são equilibradas as penas encontradas pelas instâncias.
As penas fixadas aos recorrentes para o crime de ofensa qualificada à integridade física são de 4 anos a 4 anos e 9 meses de prisão.
De acordo com o art.° 48.°, n.° 1 do CP, a execução de pena de prisão só pode ser suspensa quando a pena de prisão não for superior a 3 anos.
Uma vez que as penas fixadas são todas superiores a 3 anos de prisão, não há, assim, possibilidade de suspender a execução das penas, ficando prejudicado o conhecimento da questão de suspensão de execução de pena.
Portanto, os recursos devem ser rejeitados por manifesta improcedência.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em rejeitar os recursos.
Nos termos do art.º 410.°, n.° 4 do CPP, condena cada um dos recorrentes a pagar 4 UC.
Custas solidariamente pelos recorrentes com as taxas de justiça individuais de 5UC.
Passe mandados de detenção para cumprimento da pena.
Aos 30 de Julho de 2008.
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
1 外科學, vol. I, People’s Medical Publishing House, Beijing, 1ª ed., Agosto de 2005, p. 360.
2 Eugene Braunwald e outros, Principles of Internal Medicine, 15ª ed., vol. 1, McGraw-Hill, EUA, p. 132.
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Processo n.° 24 / 2008 1