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Processo nº 868/2019
(Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 16 de Julho de 2020

ASSUNTO:
- Revogação da autorização de residência.
- Prática de factos que constituem um tipo legal de crime.
- Poder discricionário.

SUMÁRIO:
- Demonstrada a prática de factos que constituem um tipo legal de crime é possível concluir pelo perigo para a segurança e ordem pública, fundamento da Revogação da autorização de residência, independentemente da eventual condenação criminal;
- Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – artº 21º nº 1, al. d) do CPAC -.
- A intervenção do tribunal fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre o acto praticado e os interesses particulares sacrificados.


____________________________
Rui Pereira Ribeiro















Processo nº 868/2019
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Julho de 2020
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
  I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 30.05.2019 que rejeita o recurso hierárquico necessário mantendo a revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 26, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente titula o TI/TNR n.º 20173571, válido até 2020.12.10.
2. Em 2019.07.10, o recorrente recebeu a notificação n.º 400098/STNRDARP/2019P(MIG.86/2019/TNR/R) emitida em 2019.05.30 pela Subdivisão de Trabalhadores Não Residentes do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, no qual manteve a decisão feita pelo Comandante do CPSP em 2019.04.03 no sentido de revogar a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador e rejeitou o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente.
3. Tendo recebido a notificação, inconformado, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso junto do Mm.º tribunal superior, o qual foi interposto oportunamente.
4. De acordo com o despacho proferido em 2019.05.30 pelo Secretário para a Segurança, é mantido o despacho proferido em 2019.04.03 pelo Comandante do CPSP no sentido de revogar a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador.
5. O fundamento do despacho citado é que tinha verificado a existência do conteúdo da acusação de B n.º 142/2019 lavrada em 2019.01.18 relativamente à causa de inquérito n.º 5401/2018 e, portanto, tinha concluído que o acto praticado pelo recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas em Macau.
6. Salvo o devido respeito, não se conforma o recorrente com o despacho, entendendo que o Secretário para a Segurança interpretou erroneamente o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão».
7. É de notar, só é uma forma exemplificativa a parte de “nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM” em “Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM”, referido no art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004.
8. Por isso, refere-se na parte final do artigo “nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM”. Estes factores não implicam a existência inevitável do conteúdo em causa, nem se aplicam inevitavelmente no caso concreto. Ou seja, não é facto que constitui perigo para a segurança e ordem públicas, uma vez que o agente pratique ou prepare crimes na RAEM.
9. Por isso, o núcleo do presente caso é como verifica a situação actual do recorrente constituir “perigo para a segurança ou ordem públicas” na RAEM.
10. O entendimento do Tribunal de Última Instância no acórdão proferido em 2000.5.3, no processo n.º 9/2000 faz análise sobre “perigo para a segurança ou ordem em Macau”:
11. A prognose supradita significa juízo feito por meio de avaliação da capacidade duma actividade futura, de implicação da evolução futura dum processo social ou de valorização do risco dum assunto futuro. É inegável que, antes do juízo, tem que existir alguns factos verificados de forma suficiente como fundamento.
12. O julgamento do “perigo para a segurança ou ordem em Macau” é espaço livre atribuído pela lei à Administração, o que, porém, não significa que o órgão administrativo não é sujeito a qualquer tutela. No caso de erro notório ou irrazoabilidade absoluta, o tribunal pode apreciar a decisão feita pelo órgão administrativo.
13. O erro notório pode ser interpretação errónea ou aplicação indevida da regra de direito (erro de direito) ou erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto).
14. Com a interpretação do texto do art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», pode-se concluir: este artigo constitui condições de revogar a autorização de permanência de trabalhador, mas as situações revogáveis não têm ou aplicam o art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003 e, por isso, não há base para verificar o conceito incerto de “perigo para a segurança ou ordem públicas” através de “fortes indícios”.
15. Por isso, entende o recorrente que a interpretação correcta do art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão» é no sentido de que, tendo provado sem qualquer margem de dúvida o administrado ter praticado ou se preparar para a prática de quaisquer crimes na RAEM, só é possível verificar através dos factos criminosos o perigo para a segurança ou ordem públicas.
16. Voltamos ao presente caso. O despacho recorrido, excepto o fundamento acima referido, não invoca outro facto para verificar o perigo para a segurança ou ordem públicas.
17. Entende o recorrente que quando a autoridade administrativa verifica, certamente e sem qualquer margem de dúvida, o perigo para a segurança ou ordem públicas, só é aplicável o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão».
18. O delegado do procurador apenas presume os indícios (suficientes) em causa e lavrar os factos na acusação, sob pressuposto dos dados nos autos. Por isso, entendemos que os factos na acusação lavrada pelo delegado do procurador com “indícios suficientes” não implicam a verificação, completa e sem qualquer margem de dúvida, dos factos criminosos.
19. Caso não se conformar com o entendimento supradito, de acordo com o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», o “perigo para a segurança ou ordem públicas” é conceito incerto, da qual a aplicação depende da avaliação feita pela Administração sobre o caso concreto.
20. Assim sendo, só após a avaliação sobre o caso concreto, pode-se julgar se existe “perigo para a segurança ou ordem públicas” referido no art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão».
21. Conforme a situação actual, até hoje, o recorrente nunca pratica qualquer acto que prejudica a segurança e ordem públicas em Macau, nem se vislumbra qualquer ameaça ofensiva à segurança e ordem públicas em Macau.
22. A situação actual do recorrente não basta revelar qualquer ameaça ofensiva à segurança e ordem públicas em Macau.
23. Antes do acontecimento da situação referida na acusação, o recorrente obedece à lei e é sempre um cidadão bom, sem qualquer registo da violação da lei ou registo criminal, quer nos EUA quer em Macau.
24. Desde o processo penal no qual é acusado o recorrente até hoje, ele continua a ficar em Macau, não praticando qualquer acto criminoso nem se envolvendo em outro processo de inquérito criminal.
25. O recorrente reafirma que ele veio a Macau só para cumprir a sentença de divórcio para sustentar os quatro filhos, cumprir a responsabilidade contratual no contrato estabelecido, bem como inspeccionar o negócio da sociedade, não praticando qualquer acto ofensivo à segurança e ordem públicas em Macau.
26. O recorrente permanece em Macau para gestão válida à sociedade, o que, para além de não implicar qualquer perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM, produz efeito positivo à economia de Macau.
27. Por isso, de acordo com a situação objectiva do recorrente constante nos autos, ele nunca pratica qualquer acto que constitua perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM e, portanto, não é preenchido o requisito material previsto no art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM.
28. Nestes termos, entende o recorrente que o despacho recorrido incorre no erro notório, aplicando erroneamente o art.º 11.º, n. 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, e padece do vício da violação da lei. Por força do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 21.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, existe o vício da violação da lei, o qual é anulável.
29. O despacho proferido em 2019.05.30 pelo Secretário para a Segurança indica que não é aplicável o princípio da presunção de inocência no presente acto administrativo e, ao mesmo tempo, cita como suporte o acórdão de 2016.10.27 do Tribunal de Segunda Instância, no processo n.º 77/2016.
30. De acordo com o acórdão supra citado, o princípio da presunção de inocência é um dos princípios fundamentais no processo penal, mas a Administração não pondera ou avalia a responsabilidade penal do requerente, mas apenas tem o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos, aplicando medidas de natureza meramente preventivas.
31. Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma nada com o entendimento do Secretário para a Segurança no sentido de o princípio da presunção de inocência não ser aplicável no presente caso.
32. De acordo com o despacho proferido em 2019.05.30 pelo Secretário para a Segurança, nos autos de recurso n.º 77/2016 do Tribunal de Segunda Instância de 2016.10.27 o Secretário para a Segurança aplicou ao recorrente a decisão administrativa da interdição de entrada na RAEM por três anos, no qual era aplicável a Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», sendo pressuposto art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004 e art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
33. Simplesmente, no caso em que um indivíduo não residente seja interdito de entrar na RAEM, o pressuposto da aplicação dos art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004 e art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003 é que a Administração verifica, através dum determinado facto (não obrigatório a ser provado), fortes indícios de o interessado ter praticado ou se preparar para a prática de quaisquer crimes, a qual pode aplicar ao indivíduo não residente a interdição de entrada na RAEM.
34. Pelo contrário, a revogação da autorização da permanência do recorrente na qualidade de trabalhador tem como fundamento o art.º 15.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 8/2010, conjugado art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão».
35. Feita a interpretação dos art.º 11.º, n.º 1, al. 3) e art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», conjugado art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, pode-se concluir como seguinte:
36. O artigo referido em primeiro constitui condições para revogar a autorização de permanência para não residentes na qualidade de trabalhador, no qual, porém, não existe nem é aplicável o disposto do art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003. O artigo referido em primeiro constitui a interdição de entrada na RAEM para não residentes, no qual é aplicável o disposto do art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, ou seja, uma vez verificados “fortes indícios” para ter praticado ou se preparar para a prática de quaisquer crimes.
37. Devido à diferença radical entre os requisitos constitutivos, não se funciona a lógica da interpretação ou a forma da aplicação do art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», conjugado art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
38. Entende o recorrente que podemos ver o acórdão de 2016.11.24, no processo n.º 1083/2015. São conceitos diferentes a interdição de entrada e a revogação da autorização de permanência, as quais têm diferentes pressupostos de aplicação. Por isso, não se pode julgar, através da base da aplicação da interdição de entrada, a aplicação da revogação da autorização de permanência. O recorrente concorda completamente com a aplicação e a interpretação feitas no acórdão supra citado.
39. Assim sendo, se dá “nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM” como pressuposto de constituir “perigo para a segurança ou ordem públicas”, então, não pode usar a situação da aplicação da interdição de entrada na revogação da autorização de permanência.
40. Entende o recorrente que se constitui a revogação da autorização de permanência, só é possível verificar o perigo para a segurança ou ordem públicas de Macau, através de provar sem qualquer margem de dúvida o facto de ter praticado ou se preparar para a prática de quaisquer crimes. A verificação da existência de facto criminoso só pode ser realizada por meio da sentença, a qual é transitada em julgada.
41. Não existe certamente perigo para a segurança ou ordem públicas, mesmo que verifique sem qualquer margem de dúvida o facto de ter praticado ou se preparar para a prática de quaisquer crimes, mas deve analisar com base na factualidade geral do agente.
42. Voltamos ao presente caso. A Administração revoga a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador, com base nos factos verificados na acusação do Ministério Público.
43. Excepto o fundamento em cima, a Administração não apresenta factos para provar o recorrente implicar actualmente perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
44. Ao abrigo dos art.º 29.º e art.º 43.º da Lei Básica e art.º 49.º do Código de Processo Penal, entende o recorrente que apesar de ser acusado pelo Ministério Público pela prática do crime, ele deve ser presumido inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
45. Até agora, ainda não aparece sentença condenatória definitiva, o que, por isso, corresponde aos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, ou seja, o recorrente é presumido inocente pelo menos na vertente jurídica.
46. O recorrente é presumido inocente, isto é, os factos verificados actualmente não podem confirmar sem qualquer margem de dúvida que o recorrente pratica ou se prepara para prática de quaisquer crimes na RAEM.
47. Só existe a acusação do Ministério Público, sem provas mais suficientes nos autos para verificar o recorrente ter praticado ou se preparar para a prática de quais quer crimes na RAEM. Como verifica que o recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas de Macau?
48. Por isso, é incorrecto o entendimento do despacho recorrido no sentido de que não é aplicável ao presente o princípio da presunção de inocência nos autos de recurso n.º 77/2016 de 2016.10.27 do Tribunal de Segunda Instância, citada erroneamente pelo despacho recorrido, o qual viola obviamente os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
49. Nestes termos, entende o recorrente que o despacho recorrido incorre no erro notório, aplicando erroneamente o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004 e padecendo do vício da violação da lei. Ao abrigo dos art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, existe o vício da violação da lei, o qual é anulável.
50. Em fim, indica o recorrente que o despacho recorrido viola o princípio da proporcionalidade prevista no art.º 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
51. A jurisprudência agora também entende que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
52. Voltamos ao presente caso. Se os factos da suspeita da violação da lei verificados na acusação pelo delegado do Procurador implicam a verificação de o recorrente ter praticado ou se preparar para a prática de quais quer crimes na RAEM e, por isso, se é compatível com o princípio da proporcionalidade a decisão administrativa, a qual verifica que ele constitui “perigo para a segurança ou ordem públicas” de Macau por causa da existência dos factos criminosos supraditos? Perante isso, o recorrente não se conforma.
53. Como mostra o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», é conceito incerto o “perigo para a segurança ou ordem públicas” usado pelo artigo. A aplicação deste conceito incerto depende da avaliação geral sobre o caso feita pela Administração.
54. A interpretação do conceito incerto “perigo para a segurança ou ordem públicas” é explicado em várias sentenças judiciais com o critério da interdição de entrada.
55. A interpretação do “perigo para a segurança ou ordem públicas” com a interdição de entrada baseia-se em outras leis (art.º 12.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», conjugado art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003), as quais usam o conceito de “fortes indícios” para verificar.
56. É de reafirmar, o pressuposto da revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador não pode ser considerado como critério da interdição de entrada, as quais não podem ser confundidas.
57. A conclusão, no sentido de que são conceitos diferentes os pressupostos da revogação da autorização de permanência na qualidade de trabalhador e aqueles da interdição de entrada, é revelada no acórdão de 2016.11.24, nos autos de recurso contencioso n.º 1083/2015.
58. Por isso, é inadequado e improporcional julgar, com o critério da interdição de entrada, o facto de o administrado “ter praticado ou se preparar para a prática de quais quer crimes na RAEM” ou verificar o facto de “constituir perigo para a segurança ou ordem públicas” e, por consequência, revogar a autorização de permanência na qualidade de trabalhador.
59. Com base nas razões em cima, sem preenchimento do art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, «Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão», a decisão pela revogação da autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador, apenas com base nos factos verificados temporariamente pela acusação, ignorando completamente a situação concreta do recorrente e as consequências desfavoráveis provenientes da revogação da autorização de permanência, o que é improporcional e inadequado e, por consequência, prejudica o direito fundamental do recorrente e viola o art.º 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
60. À cautela de patrocínio, caso não concorda com a violação do princípio da proporcionalidade, o recorrente faz as alegações seguintes.
61. Até hoje, o recorrente nunca pratica qualquer acto que prejudica a segurança e ordem públicas em Macau, nem se vislumbra qualquer ameaça ofensiva à segurança e ordem públicas em Macau. Ademais, a situação actual do recorrente não basta revelar qualquer ameaça ofensiva à segurança e ordem públicas em Macau.
62. Antes do acontecimento da situação referida na acusação, o recorrente obedece à lei e é sempre um cidadão bom, sem qualquer registo da violação da lei ou registo criminal, quer nos EUA quer em Macau.
63. Desde o processo penal no qual é acusado o recorrente até hoje, ele continua a ficar em Macau, não praticando qualquer acto criminoso nem se envolvendo em outro processo de inquérito criminal.
64. O recorrente começou a trabalhar na C Architects nos EUA a partir do ano 2001 (vide documento 23), a qual é uma sociedade de arquitectura e desenha interna, incluindo hotéis, médico, serviços públicos, arquitectura comercial e desenha interna, é uma sociedade famosa com projectos em todos os sítios nos EUA, bem como tem vários prémios na área profissional (vide documento 24 nos autos da suspensão do efeito de acto administrativo).
65. Posteriormente, o recorrente estabeleceu a “Sociedade Internacional de Arquitectura C, Limitada” com a capacidade e experiência excelentes e ficou a ser sócio núcleo da sociedade, membro do órgão de administração e dirigente principal. (vide documentos 25 a 28 nos autos da suspensão do efeito de acto administrativo).
66. Quando o recorrente toma cargo em Macau, a sociedade concluiu, sob direcção dele, mais de 100 projectos (vide documentos 23, 25 e 28 nos autos da suspensão do efeito de acto administrativo), o que ganha reputação boa pela sociedade e por ele próprio.
67. A sociedade contrata cerca de 100 trabalhadores (vide documentos 87 a 89 nos autos da suspensão do efeito de acto administrativo), incluindo 20 trabalhadores não residentes e 80 residentes, os quais tomam cargos diferentes, e a maioria deles são profissionais.
68. Importa salientar que para além do recorrente, o outro membro do órgão de administração D não é residente de Macau e sempre não fica em Macau, não podendo realizar administração à sociedade.
69. Com base nisso, o recorrente é o único membro do órgão de administração da sociedade, o qual pode trabalhar em Macau e fazer administração. Se o recorrente não pode continuar a trabalhar em Macau, a sociedade não pode continuar a cumprir os contratos acima referido, ele não pode fazer gestão à sociedade ou manter os negócios da sociedade. Ou até constitui logo inadimplemento por faltar a indicar o requerente como Key personnel para prestar serviço.
70. Nessa altura, a sociedade, carecendo do trabalho e direcção do requerente, não pode continuar a cumprir os contratos ou constitui inadimplemento, o que faz com que a sociedade e o requerente sejam exigidos indemnização do duplo ou várias vezes dos montantes dos contratos por várias empresas de jogos. Aparece certamente o encerramento da sociedade. O encerramento da sociedade leva ao despedimento de cerca de 100 trabalhadores. Não só a sociedade obriga-se a pagar indemnizações aos trabalhadores, como também os cerca de 100 trabalhadores perdem empregos.
71. Em fim, o que preocupa o recorrente mais é a situação de que os quatro filhos dele e da ex-mulher precisam dos alimentos dele.
72. Embora os quatro filhos dele e da ex-mulher E todos vivem agora nos EUA, ele obriga-se a cumprir o acordo de divórcio (vide documento 8 nos autos da suspensão do efeito de acto administrativo). O recorrente, para além de pagar as despesas da vida pessoal, também tem que sustentar os quatros filhos e pagar todas as despesas de vida deles.
73. De acordo com o acordo de divórcio, o recorrente tem que pagar mensalmente à ex-mulher E a pensão alimentícia dos filhos, as despesas médicas e de saúde não pagas, a despesa da contratação de empregada, a indemnização patrimonial, o reembolso das dívidas comuns, as despesas de vida dos quatro filhos, os dinheiros para gastos pequenos directamente aos quatro filhos, as despesas de estudo dos quatro filhos e as despesas básicas para visita dos quatro filhos, no total não inferior a MOP 88.000 por mês.
74. A revogação da autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador faz com que ele saia de Macau, o qual, portanto, perde o rendimento de trabalho. De acordo com a situação económica actual, o requerente, tendo cumprido o dever acima referido, não tem depósito suficiente para enfrentar o desemprego.
75. Nessa altura, o recorrente perde a capacidade económica e o emprego e, por consequência, perde a fonte económica estável para pagar os alimentos dos quatro filhos e cumprir as ordens da sentença de divórcio, o que prejudica gravemente a vida familiar dele.
76. Os outros dois filhos menores F e G só têm 15 anos e 10 anos de idade, os quais não tem capacidade de independência e precisam do apoio económico do recorrente para arranjar a vida quotidiana.
77. Sem qualquer margem de dúvida, se o recorrente não pode trabalhar legalmente em Macau, ele não pode manter a capacidade económica actual, o que implica que os quatro filhos dele tem que abandonar o estudo porque o recorrente per de a origem de rendimento e não consegue pagar as propinas expensivas. Não podem continuar o estudo e perdem logo o suporte, o que deixa a vida na dificuldade.
78. Por isso, o recorrente reafirma que ele vem a Macau só para cumprir a sentença de divórcio, sustentar os quatro filhos, cumprir a responsabilidades dos contratos estabelecidos e examinar os negócios da sociedade, nunca praticando qualquer acto que prejudique a segurança e ordem públicas em Macau.
79. O recorrente permanece em Macau e faz gestão efectiva à sociedade, o que, para além de não constituir qualquer perigo para a segurança ou ordem públicas em Macau, também produz efeito positivo à economia de Macau.
80. Nestes termos, ao abrigo dos art.º 5.º e art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, o acto administrativo no despacho é improporcional e inadequado e padece do vício da violação da lei, o qual é anulável. Por isso, a entidade recorrida deve considerar o direito gozado legalmente pelo recorrente e anular o acto administrativo.
81. Em fim, o despacho que revogou a autorização de permanência do recorrente na qualidade de trabalhador prejudica directamente o direito do recorrente a escolher trabalho na RAEM.
82. Analisando geralmente o despacho recorrido, este só se baseia nos factos na acusação, exceptas as quais, não há outro facto a provar que o recorrente constitui perigo para a segurança ou ordem públicas em Macau.
83. Por isso, entende o recorrente que é errónea a conclusão do despacho recorrido, o qual verifica, sem verificação suficiente dos factos criminosos e só com base na acusação lavrada pelo delegado do procurador por “indícios suficientes”, que o recorrente praticou os factos criminosos, e julga que o recorrente constitui “perigo para a segurança ou ordem públicas”.
84. O acto recorrido viola directamente o direito fundamental de opor emprego em Macau, atribuído ao recorrente pelos art.º 35.º e art.º 43.º da Lei Básica da RAEM.
85. Assim sendo, o despacho recorrido interprete erroneamente o art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004 e, portanto, viola o direito fundamental do recorrente de trabalhar em Macau, o qual, como acto ofensivo a direito fundamental, viola os art.º 35.º e art.º 43.º da Lei Básica da RAEM e padece do vício da violação da lei. Existe o vício da violação da lei nos termos dos art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, constituindo a nulidade. Caso o Mm.º Juiz do tribunal superior não concordar com a nulidade causada pela violação de princípio fundamental, pede a verificar, com base nos mesmos factos nas alegações, que o despacho recorrido padece do vício da violação da lei, o qual é anulável.
  Citada a entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar com os fundamentos constantes de fls. 46 a 58 apresentando as seguintes conclusões:
I. O acto recorrido é o despacho de indeferimento de recurso hierárquico que manteve a decisão de revogação de permanência na qualidade de trabalhador não residente do recorrente, proferido a 03 de Abril de 2019.
II. No seu requerimento, o Recorrente alega, em CONCLUSÃO, que:
   A) Erro sobre os pressupostos de facto;
   B) Erro sobre os pressupostos de direito;
   C) Violação do Princípio da Presunção de inocência;
   D) Violação do Princípio da Proporcionalidade;
   E) Violação da-Lei Básica da RAEM - direito ao trabalho.
III. Todavia, na verdade, nenhuma das alegações é passível de ser procedente.
IV. Não se vislumbra nos termos alegados e concluídos pelo Recorrente que se verifique qualquer erro nos pressupostos, quer de facto, quer de direito.
V. No que se refere aos factos, cumpre referir que o Recorrente não nega a prática dos factos. Nem se encontra oferecida prova que sustente tal entendimento.
VI. Acresce que o direito aplicado à situação aqui sub judice se encontra correcto e suportado pela jurisprudência dos Tribunais da RAEM.
VII. Por sua vez, nenhuma violação do princípio da presunção de inocência ocorre, atenta a circunstância da decisão recorrida e deste processo não revestir natureza penal, mas sim administrativa.
VIII. De igual forma, a decisão do recurso hierárquico aqui em análise não viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que foram devidamente ponderados todos os interesses em causa e a decisão proferida mostra-se ser a única possível de ser tomada.
IX. Por fim, refira-se que a decisão sub judice, não viola de qualquer forma a Lei Básica da RAEM, mormente na vertente do direito ao trabalho por parte do Recorrente.
X. Se assim se entendesse, então toda a legislação existente na RAEM sobre permissão de entrada de não residentes, seria ela própria violadora da Lei Básica, uma vez que impõe requisitos para que, validamente, qualquer pessoa, seja autorizada a entrar e permanecer em Macau, independentemente de ser motivada por motivos laborais.
XI. Deste modo, forçosamente se conclui que o acto administrativo recorrido não padece de qualquer ilegalidade.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  A, identificado nos autos, recorre contenciosamente do acto de 30 de Maio de 2019, do Exm.º Secretário para a Segurança, que, indeferindo-lhe recurso hierárquico, manteve a decisão de revogação da sua autorização de permanência na qualidade de trabalhador.
  Imputa-lhe os vícios de erro nos pressupostos, com violação do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, violação do princípio da presunção de inocência, violação do princípio da proporcionalidade e da adequação, bem como violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (liberdade de escolha de emprego).
  A entidade recorrida refuta a ocorrência de qualquer daqueles vícios, batendo-se pela improcedência do recurso e sequente manutenção do acto.
  Vejamos quanto ao erro nos pressupostos.
  O recorrente acha que, para que a Administração pudesse revogar-lhe a autorização de permanência com fundamento no artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, era necessário que houvesse a certeza, provada, de que cometera os crimes que alicerçam o juízo sobre o perigo para a segurança e ordem públicas, o que parece apontar para a necessidade de prévio julgamento e condenação penais.
  Crê-se que não tem que ser necessariamente assim.
  Desde logo, há que dizer, tal como nota a entidade recorrida, que o recorrente não põe em causa que tenha praticado os factos que integram os elementos do crime de emprego ilegal, pelos quais, aliás, foi acusado em sede de acção penal. Depois, importa ter presente que nem só os factos accionáveis criminalmente em juízo são relevantes para a formulação do juízo de prognose acerca do perigo para a segurança ou ordem públicas, pois a norma, além de utilizar o advérbio nomeadamente, fala também em preparação de crimes, e é sabido que os actos preparatórios não são puníveis, em regra (artigo 20.º do Código Penal). Além disso, há ilícitos penais que apenas poderão ser submetidos a juízo se houver acusação particular (crimes particulares) ou for atempadamente exercido o direito de queixa (crimes semi-públicos).
  Assim, afigura-se que a Administração, na sua actividade de valoração de comportamentos e situações da vida e respectiva integração nas normas legais, não tem que ficar a aguardar o que sobre idêntica matéria, mas noutro campo de intervenção que não o administrativo, venha a ser decidido por outras entidades, e, sobretudo, não pode ficar refém da inércia dos particulares, sob pena de não defender adequadamente o interesse público que lhe cumpre prosseguir.
  Não se divisa, pois, a existência de erro nos pressupostos, pelo que improcede este vício.
  Quanto à aventada violação do artigo 11.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 6/2004, o recorrente verbera o juízo da Administração sobre o perigo para a segurança e ordem públicas, contrapondo que a sua permanência em Macau não constitui perigo para a segurança e ordem públicas e procurando enfatizar as suas qualidades de bom cidadão cumpridor da lei.
  Esta é uma argumentação que não colhe.
  O juízo da Administração está estribado em factos, que integram crimes, três crimes, pelos quais o recorrente foi, de resto, acusado pelo Ministério Público, pelo que não se divisa erro na conclusão sobre a existência daquele perigo a partir dos factos criminalmente relevantes. E sendo um juízo que cabe no espaço de livre apreciação da administração, ele está, em princípio, subtraído à sindicância do tribunal, salvo ocorrência de erro notório ou palmar, que não se divisa.
  Improcede igualmente este vício.
  Passemos à violação do princípio da presunção de inocência.
  Este princípio, previsto na Lei Básica, tem especial acuidade em processo penal, cujo Código o consagra igualmente, significando que, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, não devem recair sobre o arguido quaisquer juízos que pressuponham o efectivo cometimento dos factos delituosos, devendo até lá beneficiar da presunção de que é inocente.
  Mas um tal princípio não pode ser levado ao ponto de impedir a própria investigação dirigida contra o arguido e a eventual dedução de uma acusação, pois isso seria a negação do próprio processo penal que lhe consagra esse estatuto de presumido inocente.
  E se é assim em processo penal, também em sede de procedimento administrativo não podem os processos paralisar só porque o administrado beneficia da presunção de inocência. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, em nada belisca a presunção de inocência dos arguidos. Tanto mais que é o próprio legislador quem, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração essa incumbência de integração de conceitos, indispensável à actividade administrativa.
  Improcede, também, a invocada violação do princípio da presunção de inocência.
  Vem seguidamente invocada a violação do princípio da proporcionalidade.
  Nesta sede, o recorrente argumenta que a decisão de revogar a autorização de permanência se apresenta desproporcional, vistas as coisas à luz do confronto entre os interesses e direitos em presença, enfatizando os prejuízos que a revogação da sua autorização de permanência importa, quer para si e para a sua família, quer para a empresa em que trabalha.
  Crê-se que, também neste ponto, não lhe assiste razão.
  O princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, neste caso a segurança e a ordem públicas, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar. Pois bem, estando em causa, como estava, a continuidade da autorização de permanência em Macau, só duas hipóteses se colocavam: mantê-la ou revogá-la. O acto recorrido, tomando em linha de conta a conduta infraccional plúrima do recorrente e o potencial de perigo daí resultante para a segurança e ordem públicas atribuiu supremacia ao interesse público, no confronto dos valores em presença, o que se compreende e é aceitável, afigurando-se que a primazia conferida ao interesse público não afronta o princípio da proporcionalidade, não padecendo o acto de erro ostensivo ou grosseiro que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.
  Soçobram, por isso, a desadequação e a desproporcionalidade atribuídas ao acto.
  Por fim, o recorrente acha que o acto ofende o conteúdo essencial do seu direito fundamental de escolha de emprego.
  Também aqui lhe falece razão.
  Enquanto permanecer em Macau, e por força da equiparação aos residentes prevista no artigo 43.º da Lei Básica, o recorrente goza, subordinadamente à lei, dos direitos e liberdades dos residentes previstos no capítulo II da Lei Básica. Se não puder permanecer em Macau, e independentemente das razões da impossibilidade de permanência, é óbvio que ele não poderá escolher e exercer emprego em Macau, tal como não poderá usufruir dos demais direitos e liberdades inerentes à condição de residente de Macau. Esses direitos e liberdades terão que ser exercitados perante o país ou território em que residir e de acordo com o quadro normativo da respectiva jurisdição, não se vislumbrando que Macau, ou o acto recorrido, possam interferir com as escolhas que o recorrente venha a efectuar.
  Também este vício claudica.
  Termos em que nos pronunciamos pela improcedência do recurso.
  
  Foram colhidos os Vistos.
  
  II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
  III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos

  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) Em 27.06.2011 foi concedida ao Recorrente a autorização de trabalhador não residente nº 20173571, o qual tendo sido sucessivamente renovado era válido até 05.04.2020 – fls. 71 do PA -;
b) Em 16.05.2018 foi elaborada a Participação nº 130/2018-Pº.225.47 a qual consta de fls. 38 a 43 do processo administrativo apenso e aqui se dá integralmente por reproduzida de onde em síntese consta que o Recorrente durante o ano de 2018 contratou três pessoas para prestarem trabalho sem que possuíssem algum documento que as autorizasse a trabalhar em Macau;
c) Em 18.01.2019 foi o Recorrente acusado de ter incorrido, em autoria material e na forma consumada, na prática de 3 crimes de emprego ilegal, p. e p. pelo artº 16º nº 1, 1ª parte, da Lei nº 6/2004;
d) Em 03.04.2019 foi proferido despacho a revogar a autorização de permanência na qualidade de trabalhador não residente do aqui Recorrente com os fundamentos constantes de fls. 89 do processo administrativo apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
e) Interposto recurso hierárquico necessário daquela decisão veio a ser negado provimento ao mesmo com os fundamentos constantes do despacho de fls. 116 a 120 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido;
f) O Recorrente foi notificado daquela decisão em 10.07.2019 conforme consta de fls. 126 do processo administrativo apenso.
  
  b) Do Direito.
  
  Nas suas alegações de recurso invoca o recorrente que o despacho recorrido enferma de erro nos pressupostos de facto uma vez que, baseando-se a acusação contra si deduzida em indícios de ter cometido os factos criminalmente puníveis que lhe são imputados e presumindo-se o arguido inocente até à condenação com trânsito em julgado, não está verificado que constitua perigo para a segurança ou ordem pública, nomeadamente pela prática de crimes ou sua preparação nos termos da al. 3, do nº 1 do artº 11º da Lei 6/2004.
  Mais invoca que a permanência em Macau do recorrente não constitui perigo para a segurança e ordem pública e a violação do princípio de presunção de inocência, violação do princípio da proporcionalidade e violação do direito fundamental da liberdade de escolha de emprego.
  
  Vejamos então.
  
  O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
  «O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
  Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
  (…)
  A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
  a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
  b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
  c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
  d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
  e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
  f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
  g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
  Toda a argumentação do Recorrente se reconduz ao vício de violação de lei, seja por erro nos pressupostos de facto, seja porque entende que foram violadas normas legais que indica.
  
  Quanto ao erro nos pressupostos.
  A autorização de permanência na RAEM do Recorrente foi revogada com base na alínea 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004, porquanto ao Recorrente é imputada a prática de 3 crimes de emprego ilegal, previstos e punidos na primeira parte do nº 1 do artº 16º dessa mesma lei.
  Segundo a alínea 3) do nº 1 do artº 11º da Lei nº 6/2004 «1. A autorização de permanência na RAEM pode ser revogada, sem prejuízo da responsabilidade criminal e das demais sanções previstas na lei, por despacho do Chefe do Executivo, quando a pessoa não residente: (…) 3) Constitua perigo para a segurança ou ordem públicas, nomeadamente pela prática de crimes, ou sua preparação, na RAEM.».
  Entende o Recorrente que na decisão sob recurso não está demonstrada a existência de perigo para a segurança e ordem pública, porquanto ainda não foi condenado pela prática dos crimes em causa e a acusação é deduzida apenas com base em indícios.
  Ora, tal como o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer sustenta «nem só os factos accionáveis criminalmente em juízo são relevantes para a formulação do juízo de prognose acerca do perigo para a segurança ou ordem públicas, pois a norma, além de utilizar o advérbio nomeadamente, fala também em preparação de crimes, e é sabido que os actos preparatórios não são puníveis, em regra (artigo 20.º do Código Penal). Além disso, há ilícitos penais que apenas poderão ser submetidos a juízo se houver acusação particular (crimes particulares) ou for atempadamente exercido o direito de queixa (crimes semi-públicos).».
  Por outro lado, tal como também resulta de todo o processo em momento algum o Recorrente põe em causa a prática dos factos que lhe são imputados, o que nada obstava que fizesse, demonstrando a sua inocência.
  Destarte, a exigência de uma decisão penal condenatória não é requisito fundamental para que se possa concluir no sentido de estar verificado o “perigo para a segurança e ordem públicas”, desde que, o juízo da administração assente em factos, que não tendo sido contrariados, permitam concluir que a conduta do sujeito em causa constitui um perigo para a segurança ou ordem públicas, por exemplo se esses factos forem enquadráveis em situações que sejam susceptíveis de vir a preencher algum tipo legal de crime, como é o caso dos autos.
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, tendo sido apurado que o agora Recorrente contratou três indivíduos não residentes de Macau sem que aqueles fossem titulares de documento exigido por lei para serem admitidos como trabalhadores, o que, não sendo legalmente admissível constitui matéria criminal, constando tal facto do acto recorrido e tendo sido com base no mesmo que se concluiu que o comportamento do ora Recorrente era “gerador de potencial perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM nas suas vertentes sociais e económicas”, impõe-se concluir que o acto administrativo objecto deste recurso não enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
  
  Mais entende o Recorrente que o acto administrativo em causa ofende o princípio de presunção de inocência.
  Mais uma vez remete-se para o que o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu Douto Parecer refere a respeito do princípio da presunção de inocência.
  Este princípio apenas implica que até que seja condenado não podem recair sobre o “suspeito” quaisquer efeitos decorrentes da prática dos factos criminalmente puníveis que lhe são imputados.
  No entanto, não invalida que noutra sede, que não a criminal, se possa fazer a prova dos mesmos factos para os efeitos que daí sejam decorrentes.
  Mais uma vez, volta à colação que não se exige que aquele a quem é revogada a autorização haja sido “condenado” por crime algum, sendo bastante que se faça a prova de lhe serem imputados factos que eventualmente possam levar a uma condenação, ainda que por outras razões aquela possa até nunca acontecer.
  No que concerne ao Recorrente, em sede de juízo criminal continua a beneficiar da alegada presunção, porém, aqui, onde os factos que lhe são imputados nem sequer são contraditados, face aos elementos existentes nos autos, convenceu-se a administração e este tribunal pela prática dos mesmos.
  Pelo que, não enferma o acto impugnado do vício de violação de lei por violação daquele princípio.
  Mais entende o Recorrente que o acto administrativo em causa ofende o princípio da proporcionalidade e o direito fundamental da liberdade de escolha de emprego.
  Dispõe o artº 5º do Código do Procedimento Administrativo que:
Artigo 5.º
(Princípio da igualdade e da proporcionalidade)
  1. Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
  2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
  O poder de revogar a autorização de residência é um poder discricionário a cargo da Administração.
  Actualmente é pacífico o entendimento de que mesmo no exercício de poderes discricionários pode haver vício de violação de lei quando se ofenderem «os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa-fé, etc.» – Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit a pág. 352.
  Para Vitalino Canas o princípio da proporcionalidade é um «princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins”1».
  Tem vindo a ser entendimento deste Tribunal e do TUI que «a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.» - Acórdão do TUI de 31.07.2012, Procº nº 38/2012, entre outros.
  A este respeito alega-se que da revogação da autorização de residência decorrem prejuízos para o cumprimento por banda do Recorrente das suas obrigações pessoais e familiares e a impossibilidade de continuar a exercer a sua actividade profissional em Macau.
  O princípio da proporcionalidade haverá de ser aferido em função do objectivo preconizado pela norma em causa, isto é, dos bens e interesses que se pretendem proteger ou alcançar em função da norma.
  Ora, os efeitos que resultam para os rendimentos do Recorrente por lhe ser revogada a autorização de residência não cabem no campo de protecção da norma em causa nem de outra que se sobreponha aos interesses que se pretendem garantir ao fazer depender a autorização de residência do cumprimento das regras de segurança e de ordem pública que enfermam o sistema jurídico da RAEM.
  O mesmo se diga dos interesses da sociedade de que segundo diz é o Recorrente o único ou principal administrador, cabendo à sociedade em si – que é uma entidade/pessoa distinta do Recorrente – decidir como irá proceder no futuro face à impossibilidade do Recorrente de trabalhar em Macau, recorrendo a uma outra pessoa para o efeito ou deixando de exercer a sua actividade, não se sobrepondo, contudo, os interesses comerciais de uma sociedade à protecção de normas de segurança e de ordem pública que são a razão subjacente à norma que fundamenta o acto administrativo em causa.
  O mesmo se passando com o direito à liberdade de escolha de emprego, o qual sendo um direito fundamental pode ser exercido na RAEM por quem for titular de documento exigido por lei para poder ser admitido como trabalhador e na medida do que estiver autorizado a exercer em Macau, situação na qual o Recorrente já não se enquadra uma vez que deixa de ter autorização de residência.
  Destarte, sendo o princípio da proporcionalidade também entendido como a proibição do excesso, cabendo a decisão de revogação de autorização de residência à Administração no âmbito de poderes discricionários, estando em causa a segurança e ordem pública, tal como se refere na decisão recorrida, na sua vertente social e económica, não resulta que a decisão em causa tenha violado de modo intolerável os interesses do interessado.
  Assim se concluindo que o acto recorrido não enferma dos vícios de violação de lei que o recorrente lhe imputa, deve em consequência ser negado provimento ao recurso.
  Em sentido idêntico ao destes autos tem este Tribunal vindo a entender, nomeadamente, nos acórdãos proferidos em 20.02.2019, Procº nº 389/2019, em 21.11.2019, Procº nº 11/2019 e em 14.05.2020, Procº nº 642/2017.
  
  IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s – artº 89º nº 1 do RCT -.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 16 de Julho de 2020
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Joaquim Teixeira de Sousa
  
1 Em O princípio da proporcionalidade Uma Nova Abordagem em Tempos de Pluralismo, de Laura Nunes Vicente, pág. 23, Publicação de Instituto Jurídico, Faculdade De Direito da Universidade de Coimbra.
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868/2019 REC CONTENCIOSO 34