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Processo nº 458/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 16 de Julho de 2020
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 25/02/2020, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$228,451.28, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7. De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, a quantia de MOP$119.995,00 - e não apenas MOP$59.997,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 268 a 272 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a C, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003, aprovado pelo Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003. (A)
2. Entre 04/01/2003 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da C, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
3. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da C para a Ré (B), com efeitos a partir de 21/07/2003. (C)
4. Desde 22/07/2003 até, pelo menos, 15/02/2018, o Autor exerce as suas funções para a 2.ª Ré (B), enquanto trabalhador não residente, mantendo na 2.ª Ré (B) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (C). (D)
5. O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela 2.ª Ré. (E)
6. Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, entre: (F)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
03/02/2004
26/02/2004
01/02/2005
24/02/2005
25/03/2006
20/04/2006
04/01/2007
28/01/2007
03/01/2008
27/01/2008
7. Até Julho de 2010, a 2.ª Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. (G)
8. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a 2.ª Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (1.º)
9. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da 2.ª Ré. (2.º)
10. Entre 22/07/2003 a 31/07/2010, a 2.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º)
11. Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2.ª Ré (B) durante 28 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes. (4.º)
FERIADOS
ANOS

2003
2004
2005
2006
2007
2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
1
1
1
3 DIAS DE ANO
0
3
0
3
3
3
NOVO CHINÊS






1 DE MAIO
0
1
1
1
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
1
1
1
12. Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (5.º)
13. Entre 22/07/2003 e 30/04/2010, a 2.ª Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (6.º)
14. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (7.º)
15. Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem da 2.ª Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
16. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (9.º)
17. O Autor sempre compareceu ao serviço da 2.ª Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (10.º)
18. Em concreto, entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou 1619 dias/turnos de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré. (11.º)
19. A 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pela prestação de mais 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (12.º)
20. Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13.º)
21. Desde 22/07/2003 até 31/12/2008, o Autor prestou 233 dias de trabalho efectivo junto da 2.ª Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (14.º)
22. A 2.ª Ré (B) nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (15.º)
23. A 2.ª Ré B pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (16.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$119,995.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 16 de Julho de 2020.
Ho Wai Neng
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)



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458/2020