Processo n.º 487/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 23 de Julho de 2020
ASSUNTOS:
- Rectificação do registo predial
- Regime matrimonial de bens à luz da lei de casamento da RPC
SUMÁRIO:
I – Em rigor, o artigo 19º da Lei Matrimonial da RPC de 1980, revista em 2001, não consagra um “regime supletivo de bens dos casados”, mas sim uma regra supletiva que permite que os casados, mediante acordo escrito, determinem a titularidade (em totalidade ou determinada percentagem), de um bem concreto, quer adquirido antes do casamento ou na constância de matrimónio.
II – Provando que a Requerida/Recorrente (adquirente de um imóvel) se casou com o Requerido/Recorrido na RPC, sem convenção antenupcial, há-de mandar rectificar o registo predial, já que neste se mencionou que a Requerida/Recorrente era “solteira”.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 487/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 23 de Julho de 2020
Recorrente : A (Requerida)
Recorrido : B (Requerente)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente/Requerida, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 20/11/2019, que julgou procedente a acção, dela veio, em 19/02/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 151 a 155, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. 現上訴人就本上訴陳述作出以下結論。
2. 上訴人認為原審法院作出的被上訴的裁判存在兩個方面的違法問題。
3. 第一個問題,上訴人認為原審法院不應裁定被上訴人的補充請求成立,並且認為原審法院作出該判決所持的理據,是錯誤地解釋「內地婚姻法」中的夫妻財產制分類的結果。
4. 原審法院在理解和適用「內地婚姻法」第17、18、19條之規定時,認定在沒有任何相反協議的情況下應存在某種可適用的候補財產制度,從而認為根據「內地婚姻法」的相關規定,上訴人與被上訴人之間的婚姻財產制度應適用“中國候補財產制度”。
5. 雖然,上訴人贊同原審法院排除上訴人與被上訴人的婚姻財產法律關係適用澳門《民法典》規定的“取得共同財產制”這一觀點,但正如原審法院指出的,澳門現行關於婚姻財產制度的法律規定中,不存在與「內地婚姻法」所規定的法定制度完全相同的制度,故此不能勉強將澳門法律規定的婚姻財產制度套用在上訴人與被上訴人的婚姻財產法律關係上。
6. 另一方面,上訴人認為,在裁定應作出的更正內容時,應依據「內地婚姻法」的規定選擇準確的術語,而不應該將澳門法律制度內的或者類似的概念或適用規則套用在「內地婚姻法」上,創造出容易引起爭議的法律術語和適用方法。
7. 因為「候補財產制度」是一個來源於澳門《民法典》的概念,它的存在是以澳門法律框架為基礎,其理由是澳門的法律為結婚人提供了數種法定財產制度的選擇,結婚人透過協議,既可約定從《民法典》規定的四種財產制度中選出一種,亦可約定在法律限制之範圍內訂定認為適合的財產制度(見《民法典》第1567條)。而當結婚人之間無婚前協定,或該協定失效、非有效或不產生效力之情況下,法律為結婚人之間的婚姻財產關係選擇了其中一種財產制度,即我們所稱為的“候補財產制度”(見《民法典》第1579條)。
8. 如果我們直接以澳門的法律邏輯解析「內地婚姻法」第19條第一段的條文“夫妻可以約定婚姻關係存續期間所得的財產以及婚前財產歸各自所有、共同所有或部分各自所有、部分共同所有。約定應當採用書面形式。沒有約定或約定不明確的,適用本法第十七條、第十八條的規定。”,或許可以視該段最後部份所述的適用第17及18條是確立了“候補財產制度”。
9. 但是,「內地婚姻法」是以內地法律框架為基礎,理應依據內地的學理作出分析。
10. 在內地的學理上,對於由「內地婚姻法」所規定的夫妻財產制度,始終只有作出兩種區分:“約定財產制”和“法定財產制”。
11. 而且必須要指出,「內地婚姻法」之中並沒有“候補財產制”這一概念。
12. 故此,原審法院裁定採用“中國候補財產制度”這一術語,使人難以理解其含義及內涵,並容易產生實踐上的問題 — 在內地,究竟何種制度是候補財產制度?其內涵和適用範圍是什麼?
13. 上訴人認為較為適當的表述或許可能是“中華人民共和國婚姻法的法定財產制”。
14. 綜合上述理由,上訴人認為原審裁判決定的首部份“Destarte e por todo o exposto julga-se procedente o pedido subsidiário de rectificação do registo supra assinalado”乃因錯誤分析「內地婚姻法」而作出,應予撤銷。
15. 第二個問題,上訴人認為被上訴的裁判沾有所作之判處有別於請求之事項或超出請求範圍的瑕疵。
16. 上訴人除了不認同原審判決的前半部份,亦認為原審裁判的後半部份與前半部份不相容,並且有別於或超出被上訴人的請求範圍。
17. 因為被上訴人在其聲請書狀中明確地要求了將系爭的物業登記中有關上訴人的婚姻狀況更正為“已婚,配偶B(被上訴人),採用中國候補財產制度”。
18. 但是,原審法院作出了另一個決定:“...por forma a que passe a constar, nos termos que a conservatória entender ajustado, que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precede qualquer celebração de convenção antenupcial.”(加粗效果由上訴人加上)
19. 物業登記的司法更正案的目的是獲得一個司法裁判,以該裁判作為更正登記的憑證。
20. 然而,被上訴的判決卻不能作為一個可以直接引用的、確切的更正憑證,因為它包含了不確定的表述內容,從而導致物業登記局不能直接依據該判決作出更正登記。
21. 如上所述,關於「內地婚姻法」所規定的法定財產制度,可以確定的是澳門《民法典》規範的四種財產制度中,沒有任何一種制度與之完全相同。
22. 此外,「內地婚姻法」的夫妻財產制度本身並沒有“候補財產制度”的概念;
23. 故此,在登記上作出“que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precede qualquer celebração de convenção antenupcial”的記錄,也是無法引導出“上訴人與被上訴人之間採用中國候補財產制度”這一結論的。
24. 此外,上述該部份判決實際上還賦予了物業登記局自行選擇更正內容的裁量權力,導致產生更正內容的不確定性,需經物業登記局進一步的理解,具體化和細化後,才能成為可登記的內容。
25. 這樣就明顯偏離了司法更正案的目的。
26. 上訴人認為,上述所作之裁判明顯有別於被上訴人在原審案件中所提出的原補充請求。
27. 因此,上述裁判違反了處分原則,同時違反了《民事訴訟法典》第564條第1款的規定:“判決時所作之判處不得高於所請求之數額或有別於所請求之事項。”
28. 根據《民事訴訟法典》第571條第1款e)項的規定,上述判決因所作之判處有別於所請求的事項而無效。
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B, Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 160 a 163, tendo formulado as seguintes conclusões:
一、有關上訴人認為被上訴裁判錯誤引用中華人民共和國婚姻法
1. 上訴人於上訴書中,第9點至第27點中認為,原審法院判處原告之補充請求成立,並以“中國候補財產制度”更正有關登記之決定並不恰當,應以“中華人民共和國婚姻法的法定財產制”來描述。
2. 對於上訴人觀點,被上訴人除給予應有的尊重外,但不能予以認同。
3. 首先,上訴人指出內地並無所謂的“候補財產制度”之法律用語或概念,因此應以內地婚姻法的學理來進行描述。
4. 民法典中有涉外民事法律的衝突規範,在涉外的民事行為中存在適用外地法律的情況,但如何適用有關法律及如何表述有關的法律效果,仍法院在理解有關法律後,以最適合本地區之法律用語去描述。
5. 在澳門本地區,所謂法定財產制,意指由法律所定出之婚姻財產制度,而本地區的法定財產制一共有四種,分別規定在民法典的第1581條(取得財產分享制)、第1601條(分別財產制)、第1603條(取得共同財產制)以及1609條(一般共同財產制)。
6. 那麼,倘若以“中華人民共和國婚姻法的法定財產制”來描述,並不能準確公示有關之利害關係人之婚姻法律狀況,亦可能令人猜想內地是否如澳門一樣有多種法定財產制度。
7. 然而,候補財產制度之概念則能明確表明,在無約定財產制度,又或協定失效、非有效或不產生效力時,視為適用何種財產制度。
8. 根據上述之概念,候補財產制度之描述,最終只會導引至一種財產制度。
9. 因此,使用中國候補財產制度這一描述是非常切合及準確地指向利害關係人之婚姻財產度,反而不可能如上訴書第22點所指,令人產生歧義。
10. 上訴人在上訴書中第24條指出,內地婚姻法中不存在“候補”財產制度。
11. 然而,端看內地的婚姻法之規定,亦從無明文表述何謂“法定財產制”,倘若按照上訴人的說法,內地婚姻法中亦不存在所謂“法定”財產制度。
12. 那麼,最能正確描述出在內地結婚時,無任何婚前或婚後協議之財產制度,正正是中國候補財產制。
13. 綜上所述,上訴人之上訴主張並無理據,應予以駁回。
二、有關上訴人認為被上訴裁判有別於所請求之事項
14. 上訴人於上訴書中,第28點至第39點中認為,原審法院判決有別於所請求的事項。
15. 同樣地,對於上訴人觀點,被上訴人除給予應有的尊重外,但不能予以認同。
16. 原審法院中已於判決書的決定中表明,被上訴人的補充請求成立。
17. 雖然原審法院中在判決決定中的後半“ou seja, por forma a que passe a constar, nos termos que a conservatória entender ajustado, que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precede qualquer celebração de convenção antenupcial。”
18. 但是,在登記局在長年之登記實務上,一向是以“中國後補財產制”之表述來對類似於上訴人及被上訴人之婚姻財產制度作出登記。
19. 既然如此,原審法院之判決並不異於被上訴人之請求。
20. 因此,原審法院之判決並不染有《民事訴訟法典》第571條第1款e)項所指之瑕疵。
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Passando em resumo os pressupostos em que assentaremos a projectada decisão:
Em 24 de Junho de 2014, o requerente e a requerida registaram o seu casamento na cidade de Yu Lin, da Província de GuangXi da R.P.C.
As partes são cidadãos da China Continental.
Aquando da celebração do casamento, as duas partes não designaram qualquer regime de bens de casamento ou elaboraram qualquer acordo, no que respeita à divisão dos bens do casal, nem combinaram a escolha do local por cuja lei se iria regular esse regime de bens de casamento.
Após o casamento, as duas partes moraram juntos na China, Província de GuangDong, Cidade de ZhongShan, Vila de TanZhou , Edf. “Jia Jing Kang Cheng” (佳境康城), Bloco 12, Apt. º 2101.
Durante o casamento, ou seja, em 29 de Setembro de 2017, A prometeu comprar uma fracção autónoma para habitação, do prédio, situado em Macau, na Taipa, na Avenida de Kwong Tung, n.º S/N, XX.º andar XX (descrita sob o n.º 23194-A na Conservatória do Registo Predial, ou seja, a fracção, designada por C36, com número da matriz desse bem imóvel na Direcção dos Serviços de Finanças (não declarado).
Esse bem imóvel encontra-se inscrito em nome de A, sob o número 334378G na Conservatória do Registo Predial. O preço de compra da referida fracção é de HKD17.844.000,00, correspondentes a MOP18.379.320,00. (Vide doc. 4 – certidão de registo predial).
De acordo com a certidão de registo predial da referida fracção autónoma, a proprietária é A, cujo estado civil que dela consta, é “solteira, maior”.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I. RELATÓRIO
B, casado, de nacionalidade chinesa, residente na Taipa, na rua de Nam Keng, Edf. Hong Cheong, bl.2, XXº andar XX,
instaurou a presente acção de rectificação judicial nos termos do artº121 do C.R.P, identificando como interessada nos termos do nº1 do artº122 do CRP
A, com o requerente casada, de nacionalidade chinesa, residente na Taipa, na Rampa da Taipa Grande, Edf. One Grantai, Bl. 6, XXº andar XX.
Alega que a esposa, requerida aqui, prometeu comprar um imóvel em Macau, que id., e que diferentemente do que consta da certidão de registo predial do imóvel, à data do registo de aquisição provisório, estavam já ambos casados e no regime de bens da comunhão de adquiridos.
Conclui pedindo a rectificação do registo referido e por forma a que dele conste que a requerida estava à data da aquisição casada consigo no regime referido ou, subsidiariamente, no regime de bens supletivo da RPC.
Citada a requerida deduziu oposição, aceitando tacitamente que é falsa a menção de que não estava casada à data da aquisição do imóvel, mas referindo que não há na China continental um regime igual ao da comunhão de adquiridos que vigora em Macau. Também não aceita que se mencione que o regime seja o supletivo da Lei China.
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O processo já contém todos os elementos para uma decisão conscienciosa sobre o pedido.
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Questão a resolver: estavam as partes estavam casadas à data do contrato de promessa supra referido? Se sim, em que regime? No regime de comunhão de adquiridos ou de acordo com o regime de bens supletivo da RPC?
II. MOTIVAÇÃO
A. De facto
(…)
B. De Direito
Pretende-se com a presente acção a rectificação do registo predial relativamente ao imóvel supra id. e para que nele passe a constar que o requerente e a requerida se encontram casados no regime de comunhão de adquiridos ou no regime bens supletivo da RPC.
A questão, cremos, é de resolução linear e está devidamente justificada pela mão do Senhor Conservador e pelo requerente, não obstante aquele apontar exclusivamente para o regime da comunhão de adquiridos, sendo que este abre a porta a que se mencione que o regime de bens do casamento é o supletivo da lei Chinesa.
Note-se que o casal em causa casou na China 24 de Junho de 2014 e são nacionais da RPC. Mais, não fizeram nenhuma convenção prévia ao casamento quanto ao regime de bens.
Isto posto, vejamos.
De acordo com o DIP (artº51 do CC) a lei a atender para definir o regime de bens do casal em causa é a lei da RPC.
À data do casamento do casal, na RPC, ocorrido em data anterior à data do contrato de promessa supra assente, vigorava a nova Lei do Casamento da RPC de 1981, entretanto revista em 2001.
De facto, em 10 de Setembro de 1980 foi publicada a nova «Lei do Casamento da R.P.C.», que entrou em vigor a partir de l de Janeiro de 1981, mas que foi entretanto revista.
Antes da revisão, a referida lei, no seu artigo l., cujo teor se mantém, previa que «esta lei constitui o conjunto normativo básico que enquadra as relações matrimoniais e familiares».
Antes da revisão, não obstante a Lei não versar directamente sobre o regime matrimonial de bens, o seu artigo 13° dispunha: «Salvo acordo em contrário, os bens adquiridos pelo marido e pela mulher, na constância de relação matrimonial, são possuídos em comum pelo casal. O marido e a mulher têm direito igual de disposição sobre os bens possuídos em comum.»
Refere Tam Peng Chun, citando o «Livro Completo de Anotações à Lei da R.P.C.», da edição principal de Zou Yu, que “o disposto neste artigo tem três sentidos:
1. Os bens possuídos em comum pelo marido e pela mulher, ou seja, os bens comuns do casal, consistem nos bens adquiridos por ambos os cônjuges na constância da relação matrimonial. Estes bens são: a) os rendimentos de trabalho e outros rendimentos legais de um ou ambos os cônjuges durante o casamento; b) os bens que um ou ambos os cônjuges adquirem por sucessão durante o mesmo período; c) os bens que um ou ambos os cônjuges adquirem por doação durante este período;
2. Em relação aos bens comuns do casal, ambos os cônjuges têm igual direito à sua posse, gozo, rendimento e disposição, sem que qualquer um deles tenha direito à sua disposição arbitrária;
3. A lei permite aos cônjuges a celebração de acordos de sentido diverso. A igualdade do direito de propriedade dos cônjuges, em relação aos bens comuns, previsto pela Lei de Casamento só constitui um princípio geral, não obstando a que os cônjuges celebrem acordos sobre os bens. Estes acordos têm de ser de livre vontade e legais. Caso haja acordos, estes serão respeitados.» - Cfr. A. cit. in Administração. n.° 41. vol. XI, 1998-3.°, 743-752 REGIMES MATRIMONIAIS DE BENS NO ORDENAMENTO JURÍDICO CHINÊS APÓS A PUBLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 1931: SUA RELEVÂNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE MACAU
Conclui este jurista: “Pelo exposto, pode-se deduzir que o regime legal de bens previsto pela Lei de Casamento de 1981 (ANTES DA REVISÃO) é um regime da comunhão de adquiridos.
Não obstante esta conclusão cremos que o regime não era totalmente equiparável, disso também dando nota o autor, desde logo porque no nosso regime de comunhão de adquiridos são próprios dos cônjuges os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação. A Lei de Casamento da R.P.C. de 1981, no entanto, considerava como bens comuns do casal os bens que um ou ambos os cônjuges adquirem por sucessão ou por doação na constância da relação matrimonial.
Este dado colocaria o regime, digamos, supletivo, portanto se não existisse convenção em contrário, entre o nosso regime de comunhão de adquiridos e comunhão geral.
Com a revisão de 2001 da Lei do Casamento da RPC, as normas a considerar da referida Lei são agora as previstas nos artº17º, 18º e 19º.
A leitura destes artigos não afasta a conclusão que atrás se retirou em relação ao regime da Lei do Casamento antes da revisão de 2001.
Atente-se que o artigo 19º refere, expressamente, que na falta de acordo quanto ao regime dos bens adquiridos na constância do matrimónio, aplica-se o disposto no artº17º e 18º da mesma Lei, resultando do 17º que integram a comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do casamento, de seguida os enumerando, incluindo os bens recebidos por apenas um deles por sucessão ou doação (nº3 do artº17º), dado que, “a contrário”, impõe que se forem adquiridos a título oneroso são também comuns (argumento por maioria de razão).
Ora, não sendo o regime totalmente equiparável ao nosso regime de comunhão de adquiridos previsto no artº1603 e ss do CC, desde logo porque este impõe que os bens que ingressam no casamento a título não oneroso são daquele que titulam esse ingresso, não nos parece aceitável fazer inscrever no registo que as partes, estando casados, o estão no regime referido: comunhão de adquiridos.
Ao contrário do que refere a requerida, existe um regime supletivo se não houver convenção em contrário. Não é o nosso regime de bens de comunhão de adquiridos. Não. É o que resulta da lei referida.
Isto posto, tudo considerado, data do casamento, lei aplicável, data do contrato de promessa e registo, cremos que se impõe fazer constar do registo (88º nº1 al. d) do CRP ex vi artº38ºnº1., al. a) do CRP) a situação de casados das partes, igualmente a menção não foi feita qualquer convenção antenupcial.
Na verdade não auscultados que assim o impeça a lei.
III. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto julga-se procedente o pedido subsidiário de rectificação do registo supra assinalado, devendo em conformidade proceder à rectificação nos termos atrás decidido, ou seja, por forma a que passe a constar, nos termos que a conservatória entender ajustado, que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precedeu qualquer celebração de convenção antenupcial.
Custas pela requerida
Notifique e registe.
Após trânsito extaria certidão de todo o processo e remeta ao MP para os fins que tiver por conveniente, tudo conforme já anunciado no despacho de fls.85, última parte.
Quid Juris?
A Recorrente imputa à sentença dois vícios:
1) – Erro na aplicação da Lei Matrimonial da RPC de 1980, revista em 2001 (cfr. artigos 17º a 19º), por esta não conter o conceito de “regime supletivo de bens dos casados”;
2) – Vício de condenação em objecto diverso do pedido ou de excesso de pronúncia quando o Tribunal recorrido sentenciou na forma de “devendo em conformidade proceder à rectificação nos termos atrás decidido, ou seja, por forma a que passe a constar, nos termos que a conservatória entender ajustado, que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precedeu qualquer celebração de convenção antenupcial.”
Comecemos pelo primeiro vício alegado.
Toda a controvérsia resida na interpretação e aplicação dos artigo 17º, 18º e 19º da Lei Matrimonial da RPC, que têm o seguinte conteúdo:
第十七条 夫妻在婚姻关系存续期间所得的下列财产,归夫妻共同所有:
(一)工资、奖金;
(二)生产、经营的收益;
(三)知识产权的收益;
(四)继承或赠与所得的财产,但本法第十八条第三项规定的除外;
(五)其他应当归共同所有的财产。
夫妻对共同所有的财产,有平等的处理权。
第十八条 有下列情形之一的,为夫妻一方的财产:
(一)一方的婚前财产;
(二)一方因身体受到伤害获得的医疗费、残疾人生活补助费等费用;
(三)遗嘱或赠与合同中确定只归夫或妻一方的财产;
(四)一方专用的生活用品;
(五)其他应当归一方的财产。
第十九条 夫妻可以约定婚姻关系存续期间所得的财产以及婚前财产归各自所有、共同所有或部分各自所有、部分共同所有。约定应当采用书面形式。没有约定或约定不明确的,适用本法第十七条、第十八条的规定。
夫妻对婚姻关系存续期间所得的财产以及婚前财产的约定,对双方具有约束力。
夫妻对婚姻关系存续期间所得的财产约定归各自所有的,夫或妻一方对外所负的债务,第三人知道该约定的,以夫或妻一方所有的财产清偿。
Ora, nos termos do disposto no artigo 19º da citada Lei, em rigor, não existe um regime supletivo de bens entre os casados, por na constância do casamento e relativamente a um bem concreto, o casal pode acordar a quota que cada um pode ter (ex. 1/3, 2/3, ou metade, ou outra proporção), desde que tal acordo seja celebrado por escrito.
É de ver que o que existe é uma regra supletiva, e não um regime. São dois conceitos diferentes, já que por regime se deve entender um conjunto de regras e princípios que compõem um sistema para regular um bloco de situações idênticas ou semelhantes de modo coerente e metódico.
O casal tem uma liberdade muito grande em acordar a titularidade dos bens adquiridos na constância do matrimónio.
Nesta óptica, também não é correcta a afirmação feita pela Recorrente que existe dois regimes de bens no ordenamento jurídico-matrimonial da RPC: regime legal e regime convencional. Tal como referimos, não existe um regime convencional, porque este regime (se podemos assim chamar) ele é desprovido de conteúdo, o que verdadeiramente existe é a consagração de uma liberdade dos casados na determinação dos bens adquiridos na constância do casamento. São duas realidades diferentes.
Nestes termos, a Recorrente tem razão porque no ordenamento jurídico da RPC não existe um regime supletivo de bens entre os casados, mas sim, regra supletiva da determinação da titularidade de bens por convenção escrita.
É certo que se encontra com alguma frequência a utilização do regime supletivo de bens nos documentos oficiais, particularmente nas escrituras públicas antigas, mas recentemente deixaram de a utilizar, por se começar a entender que não se trata de um regime, mas sim de uma regra.
Procede deste modo o recurso nesta parte interposto pela Recorrente.
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Relativamente à 2ª questão suscitada, o Tribunal recorrido proferiu a decisão com o seguinte teor:
Destarte e por todo o exposto julga-se procedente o pedido subsidiário de rectificação do registo supra assinalado, devendo em conformidade proceder à rectificação nos termos atrás decidido, ou seja, por forma a que passe a constar, nos termos que a conservatória entender ajustado, que a requerida é casada com o requerente e que a tal casamento não precedeu qualquer celebração de convenção antenupcial.
A Recorrente entende que tal condenação constitui uma pronúncia em excesso ou uma condenação em objecto diverso do pedido.
Ora, o Recorrido formulou o pedido nos seguintes termos:
A. 基於上述的理由根據,懇請尊敬的法官 閣下命令物業登記局把物業之標示編號為23194-A,登錄編號334378 G內業權人A之婚姻狀況更正為“已婚,配偶B,取得共同財產制”;及
B. 請求通知承批人(即發展商)於相關承諾買賣合同中作出更正承諾購買人A的個人資料:“A之婚姻財產制為“已婚,配偶B,取得共同財產制”;或
C. 倘若上述請求不能成立,補充請求以“已婚,配偶B,採用中國後補財產制度”作出更正;以及
進行續後之訴訟程序。
Conforme os termos consignados na decisão final acima citada, não entendemos que há excesso de pronúncia, pelo contrário, em rigor das coisas, o Tribunal recorrido restringiu de mais em relação ao pedido do Requerente/Requerido, visto que a inexistência de convenção antenupcial reporta ao momento anterior do casamento, no caso, o que corresponde à verdade, mas nos termos do artigo 19º da Lei Matrimonial da RPC acima citada, mesmo que não tivessem celebrado convenção antenupcial, os casados podiam e podem acordar, na constância do casamento e por escrito, a titularidade de um bem concreto (ex. metade, 1/3, ou 2/3, ou outra percentagem). No caso, o que releva é, relativamente à fracção autónoma identificada nos autos, não houve acordo especificadamente convencionado pelas Partes.
Ou seja, ao nível do registo predial, não há necessidade de mencionar este ponto, porque não foi acordado nenhum acordo específico sobre o imóvel, nem existe convenção antenupcial.
Nestes termos, improcede obviamente o pedido, formulado pelo Recorrido/Requerente, de consignar que as Partes casaram no regime de comunhão de adquiridos, ou regime supletivo de bens.
Vistas as coisas noutra perspectiva, olhando para a situação na perspectiva da formação de caso julgado, que fixa os limites subjectivo e objectivo da situação decidida pelo Tribunal.
Nestes termos, a decisão recorrida não violou a regra de pronúncia em excesso, porque, relativamente aos limites subjectivos, estão fixados os limites que tocam às Partes deste processo e a decisão vincula as mesmas. Assim, bem andou o Tribunal recorrido ao sentenciar que no registo predial do imóvel em causa, deve consignar-se que a adquirente/Recorrente/Requerida está casada com o Requerente/Recorrido.
No que se refere aos limites objectivos, inexiste acordo específico entre as Partes deste processo relativamente ao imóvel identificado nos autos. Não há que mencionar-se o regime.
É isto que a sentença deve consignar e condenar, pois, não está em causa um imóvel adquirido anteriormente ao casamento, mas sim e apenas o bem identificado no autos, cujo registo deficiente é que nos tem suscitado controvérsia.
Relativamente ao pedido de consignação de regime matrimonial de bens, em bom rigor, como no registo predial actualmente existente não se encontra mencionado nada, não deve entender que tal faz parte do pedido de rectificação, porque rectificar pressupõe a existência de “algo” que não corresponde à verdade, no caso, não existe nada sobre este ponto. Pelo que, caso as Partes desejem registar também o eventual “regime” matrimonial de bens, deverão declarar e provar isto perante o competente conservador nos termos fixados pelo Código de Registo Predial (cfr. artigo 39º e seguintes).
Aliás, se a Recorrente/Requerida pretendesse alegar que o imóvel em causa é da pertença própria, terá de cumprir o ónus de prova nos termos fixados pelo artigo 17º a 19º da citada Lei Matrimonial da RPC.
Pelo que, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente/Requerida nesta parte, passando a consignar-se os termos acima referidos, de modo a eliminar as dúvidas que eventualmente possam existir.
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Síntese conclusiva:
I – Em rigor, o artigo 19º da Lei Matrimonial da RPC de 1980, revista em 2001, não consagra um “regime supletivo de bens dos casados”, mas sim uma regra supletiva que permite que os casados, mediante acordo escrito, determinem a titularidade (em totalidade ou determinada percentagem), de um bem concreto, quer adquirido antes do casamento ou na constância de matrimónio.
II – Provando que a Requerida/Recorrente (adquirente de um imóvel) se casou com o Requerido/Recorrido na RPC, sem convenção antenupcial, há-de mandar rectificar o registo predial, já que neste se mencionou que a Requerida/Recorrente era “solteira”.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento parcial ao presente recurso, passando a sentenciar da seguinte forma:
“Destarte e por todo o exposto julga-se procedente o pedido de rectificação do registo supra assinalado, devendo consignar-se no respectivo registo predial que o Requerente se casou com a Requerida na RPC sem convenção antenupcial.”
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Custas pelas Partes na proporção de metada para cada uma delas.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 23 de Julho de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
2020-487-rectificação-judicial-casada 19