Processo n.º 18/2020
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Lau Lu Yuen
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 31 de Julho de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong
Assuntos: - Declaração de caducidade da concessão do terreno
- Audiência prévia de interessados
- Erro no pressuposto de facto e de direito
- Violação do princípio da decisão
- Violação dos princípios gerais
SUMÁRIO:
1. No que concerne à declaração de caducidade da concessão do terreno, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M).
2. A jurisprudência dos tribunais da RAEM vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
3. No caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha sido aproveitado o terreno, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão. Trata-se dum acto vinculado.
4. O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
5. Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
6. No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação e da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Lau Lu Yuen, melhor identificado nos autos e representado pela金磊發展有限公司, interpôs o recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 15 de Dezembro de 2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3,375 m2, designado por lote “SF”, situado na ilha de Coloane, na Zona Industrial de Seac Pai Van.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 7 de Novembro de 2019, foi julgado improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
Inconformado com a decisão, recorre Lau Lu Yuen para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- Vício de forma por preterição da audiência prévia;
- Erro no pressuposto de facto e de direito;
- Violação do princípio da decisão;
- Violação do princípio da boa fé;
- Violação do princípio da justiça e da igualdade;
- Violação do princípio da adequação e da proporcionalidade;
- Violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares; e
- Obrigação da Administração em rever a concessão ou negociar com o recorrente a troca por terreno equivalente.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.
2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Através do Despacho n.º 16/SATOP/89, publicado no 2.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 26/12/1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3,375m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SF”, a favor do Lau Lu Yuen (adiante designado por concessionário), afectado às finalidades industrial e de estacionamento, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 09/11/1990.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 08/11/2015.
3. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, fincando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de perfis de aço inoxidável, a explorar directamente pelo concessionário.
4. O prazo de arrendamento do lote “SF” terminou em 08/11/2015 e este não se mostrava aproveitado naquela data.
5. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 03/02/2016.
6. Reunida em sessão de 25/02/2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 08/11/2015, e que, a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º.
7. Em 02/03/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
“…
1. Através do Despacho n.º 16/SATOP/89, publicado no 2.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 375m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SF”, a favor do Lau Lu Yuen (adiante designado por concessionário), afectado às finalidades industrial e de estacionamento, cuja concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 9 de Novembro de 1990.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 8 de Novembro de 2015.
3. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 8 pisos, destinados às finalidades industrial e de estacionamento, fincando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de perfis de aço inoxidável, a explorar directamente pelo concessionário.
4. O prazo de arrendamento do lote “SF” terminou em 8 de Novembro de 2015 e este não se mostrava aproveitado naquela data. Nestas circunstâncias, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 25 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 8 de Novembro de 2015, e que, a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão do lote “SF” encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno...”.
8. Em 15/12/2016, o Senhor Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 16/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 2 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
3. O Direito
Cabe apreciar as questões suscitadas pelo recorrente.
3.1. Do vício de forma por preterição da audiência prévia
Alega o recorrente que a entidade recorrida não deu cumprimento ao estabelecido no art.º 93.º do CPA, verificando-se o vício de forma por preterição de formalidade de audiência de interessados, que conduz à anulabilidade do acto administrativo impugnado, como estatui o art.º 124.º do CPA.
Não se nos afigura assistir razão ao recorrente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
Sobre a questão ora colocada, este Tribunal de Última Instância teve já várias oportunidades para se pronunciar, tendo entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do CPA, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo1, entendimento este que se deve manter.
No caso vertente, decorrido o prazo da concessão provisória, sem que o terreno tenha sido aproveitado, o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade da concessão, uma vez que não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação do prazo de concessão provisória.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo2.
É de afirmar que, ao praticar o acto impugnado, o Chefe do Executivo está a actuar no exercício dos poderes vinculados, sendo vinculado o acto praticado, pelo que não há de proceder à audiência prévia do recorrente.
De facto, não se vislumbra qual a utilidade e necessidade da audiência prévia à decisão de declaração da caducidade, que não ficaria em nada afectada pela audiência dos concessionários.
A falta de tal formalidade não implica, a nosso ver, a anulabilidade do acto, dado que, face ao carácter vinculado da declaração de caducidade, a audiência de interessados torna-se uma formalidade não essencial do procedimento administrativo.
Improcede o vício imputado pelo recorrente.
3.2. Do erro nos pressupostos de facto e erro de direito
Na óptica do recorrente, a proposta do Secretário para os Transportes e Obras Públicas submetida ao Senhor Chefe do Executivo para declarar a caducidade da concessão do terreno limita-se a falar de prazo e aproveitamento e não menciona que o aproveitamento só não teve início por um acto do Governo ocorrido em 1993, isto é, a não concretização de revisão do contrato de concessão, não obstante várias iniciativas tomadas pelo recorrente.
Cabe chamar-se à colação, mais uma vez, o entendimento uniforme deste TUI, no sentido de que a falta de aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento de 25 anos implica necessariamente a declaração de caducidade da concessão do mesmo terreno, que é um acto vinculado, e não há nenhuma norma que permita à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando decorrido aquele prazo máximo de concessão.
Assim sendo, não se releve a atribuição de culpa à Administração ou ao concessionário nem a eventual repartição da culpa entre as duas partes.
Para o efeito de declaração de caducidade por decurso do prazo de concessão, basta o não aproveitamento do terreno neste prazo, que constitui o pressuposto de facto da declaração em causa.
Daí que não se verifica nenhum erro nos pressupostos de facto, pois o silêncio, ou a inércia, por parte da Administração, arrogado pelo recorrente, não pode assumir relevância na decisão administrativa ora em discussão nem produzir o efeito invalidante a tal acto.
Alega ainda o recorrente que os prazos de aproveitamento do terreno estavam suspensos por determinação da Administração e o prazo da concessão, necessariamente, também o estava.
Repete-se que não há previsão legal que permita a suspensão do prazo máximo de concessão provisória, que é de 25 anos, mesmo no caso de se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Por outro lado, não se vislumbra nenhum erro invocado pelo recorrente na interpretação e aplicação da regra de direito.
É de recordar que, no que concerne à declaração de caducidade, por decurso do prazo da concessão do terreno, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M), como decorre dos art.ºs 212.º a 223.º da Lei n.º 10/2013, que contêm disposições finais e transitórias.3
Na realidade, decorre expressamente do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013 que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo se o respectivo terreno se encontrar anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estiverem a ser aproveitados em conjunto, caso em que a concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo.
No caso dos autos não estamos perante a situação excepcional prevista, pelo que a concessão provisória do terreno não pode ser renovada.
Insiste o recorrente na aplicação da lei antiga, Lei n.º 6/80/M, alegando que, segundo o n.º 2 do art.º 54.º e o art.º 55.º deste diploma, “tanto as concessões provisórias, como as concessões definitivas, eram e são, susceptíveis de renovação”, sendo a regra prevista no n.º 1 do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013 uma “inovação”.
Ora, é de relembrar o seguinte entendimento deste Tribunal de Última Instância:
“Ao contrário do que defende a recorrente este regime não é inovador. Embora a Lei n.º 6/80/M não contivesse um preceito expresso como o n.º 1 do artigo 48.º, era também esse o regime nesta Lei antiga. Dos artigos 49.º, 54.º e 55.º desta Lei já resultava que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Na verdade, de acordo com o artigo 49.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converterá em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. E estatuía o n.º 1 do artigo 55.º que as concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são renováveis por períodos de dez anos. Os n.ºs 1 e 2 do artigo 54.º confirmavam que o prazo de concessão por arrendamento deve ser fixado no respectivo despacho de concessão, não podendo exceder vinte e cinco anos. E que o prazo das renovações sucessivas não deve exceder, para cada uma, dez anos. Estas renovações referiam-se à concessão definitiva, como não podia deixar de ser.”4
Improcede o argumento do recorrente.
3.3. Da violação do princípio da decisão
Na óptica do recorrente, ao não responder aos pedidos por si apresentados, não se pronunciando sobre os mesmos, a Administração violou o princípio da decisão plasmado no n.º 1 do art.º 11.º do Código do Procedimento Administrativo.
É verdade que, nos termos do art.º 11.º do CPA, que tem o seguinte teor, é imposto à Administração o deve de decisão:
Artigo 11.º
(Princípio da decisão)
1. Os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares, e nomeadamente:
a) Sobre os assuntos que lhes disserem directamente respeito;
b) Sobre quaisquer petições, representações, queixas, reclamações ou recursos formulados em defesa da legalidade ou do interesse geral.
2. Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados desde a prática do acto até à data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
Ora, sem intenção de ignorar o invocado pelo recorrente, certo é que não se demonstra pertinente tal invocação para invalidar o acto impugnado.
Não se pode olvidar a figura de “indeferimento tácito” prevista no art.º 102.º do CPA (também no art.º 96.º do CPA anterior).
É consabido que, para além da decisão expressa, tem ainda a Administração a faculdade de tomar decisão de forma tácita, “praticando” actos de deferimento tácito ou indeferimento tácito.
A falta, no prazo fixado para sua emissão, de decisão sobre uma determinada pretensão dirigida a órgão administrativo competente conduz ao deferimento tácito dessa pretensão quando as leis especiais prevejam tal efeito (art.º 101.º n.º 1 do CPA), ou ao indeferimento tácito, caso em que é conferida ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação (art.º 102.º n.º 1 do CPA).
“O indeferimento tácito tem um cariz instrumental ou reactivo visando um objectivo garantístico – o de colocar na esfera do interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação. Portanto, o acto tácito, obtido a partir do silêncio da Administração ao fim de certo tempo, apresenta-se-nos como um remédio que permite ao interessado reagir imediatamente, não tendo de ficar à espera indefinidamente pela decisão que ao órgão incumbia expressamente tomar.”
E o acto de indeferimento tácito desenha-se “como uma mera presunção de acto, como uma simples ficção legal unicamente para garantir ao interessado o uso de uma via impugnatória, nomeadamente a contenciosa. É que esta, no ordenamento processual administrativo, impõe como requisito a existência de decisão prévia expressa ou tácita”.5
No caso vertente, não se encontra nenhuma disposição legal que preveja o deferimento tácito da pretensão formulado pelo concessionário.
Daí que estamos perante uma situação de indeferimento tácito, pois que, passado já o prazo fixado para a decisão, a Administração não se pronunciou sobre a pretensão do recorrente.
O acto de indeferimento tácito, decorrente da inércia da Administração, podia ser impugnado, em momento oportuno, pelo concessionário, que tinha toda a possibilidade de reagir, por meio legal, contra aquele acto. E se o não fez, tinha de aguentar as consequências.
É certo que o indeferimento tácito não desonera a Administração do dever de decisão imposto pelo art.º 11.º e até pode o interessado apresentar outro pedido no mesmo sentido e com os mesmos fundamentos, sobre o qual tem a Administração o dever de decidir.
No entanto, se a Administração não veio depois a tomar decisão expressa nem o interessado apresentar novo pedido, a não reacção tempestiva contra o acto de indeferimento tácito produz necessariamente as consequências legais, fazendo com que o interessado perde oportunidade de impugnar o acto.
Na verdade, a declaração da caducidade do terreno ocorreu em 15.12.2016, por decurso do prazo de concessão de 25 anos sem aproveitamento do terreno.
Uma vez que não foi oportunamente impugnado o “indeferimento tácito” dos pedidos por si apresentados, não se vê como pode o recorrente ver procedente o vício de violação de dever de decisão, invocado só no recurso contencioso do acto de declaração da caducidade da concessão do terreno, sendo irrelevante tal invocação.
3.4. Da violação dos princípios
Imputa ainda o recorrente a violação dos princípios da justiça, da igualdade, da colaboração entre a Administração e os particulares, da boa fé e da proporcionalidade.
A questão ora colocada também já foi objecto de apreciação em muitos acórdãos do Tribunal de Última Instância, que entende uniforme e reiteradamente que, face à natureza (vinculativa) do acto de declaração de caducidade da concessão quando o terreno não esteja aproveitado no fim do prazo de concessão de 25 anos, não pode o Chefe do Executivo deixar de declarar a caducidade, daí que não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do CPA.6
Nos presentes autos, estamos perante uma situação em que a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão.
O acto não foi praticado no exercício de poderes discricionários, sendo um acto vinculado7.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios da justiça, da igualdade, da boa fé, da adequação e da proporcionalidade, bem como do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares.
3.5. Da obrigação da Administração em rever a concessão ou negociar com o recorrente a troca por terreno equivalente
Alega ainda o recorrente que a impossibilidade de aproveitar o terreno constitui caso de força maior e, estando a entidade recorrida vinculada ao cumprimento da palavra dada, atendendo aos compromissos assumidos, à expectativa criada e atendendo à sua sujeição à Lei, deverá a entidade recorrida ser condenada à prática de acto administrativo legalmente devido nos termos do art.º 24.º n.º 1, al. a) do CPAC, que corresponde, in casu, em dar andamento ao processo de revisão de concessão.
Desde logo, é de notar que, não obstante a transcrita alegação, nos autos o recorrente nunca chegou a deduzir, formalmente, o pedido de determinação da prática de acto administrativo.
Não se constata na petição do recurso contencioso qualquer pedido formal neste sentido, limitando-se o recorrente a requerer a anulação do despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno (cfr. fls. 117 dos autos).
Mesmo que fosse formulado, seria sempre de indeferir tal pedido, pois não se nos afigura que, ao fim do prazo de arrendamento, a Administração está vinculada a rever o contrato de concessão, como pretende o recorrente, ou negociar com o recorrente a troca de terreno, em vez de declarar a caducidade da concessão.
Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 24.º do CPAC, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido “quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexiste, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado”.
Repetindo, é acto vinculado a declaração de caducidade da concessão do terreno se o terreno não se encontra ainda aproveitado dentro do prazo de concessão.
A Administração está vinculada a praticar o acto de declaração de caducidade da concessão, e não o acto de rever o contrato de concessão nem muito menos de negociar com o recorrente sobre a troca de terreno.
Acresce que a Lei n.º 10/2013 prevê várias formas de disposição de terrenos disponíveis, incluindo concessão por arrendamento, concessão de uso privativo, ocupação a título precatória e ocupação para fins de interesse público (art.ºs 27.º a 30.º).
Com a alegada negociação, o que pretende o recorrente será a concessão por arrendamento de um outro terreno equivalente.
Nos termos dos art.ºs 44.º e 54.º da Lei n.º 10/2013, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisória e a concessão provisória é precedida de concurso público, salvo situação de dispensa de concurso público previstos no art.º 55.º, em que não se encontra o presente caso.
Daí que é legalmente impossível a simples troca de terreno pretendido pelo recorrente.
Improcede o recurso, no seu todo.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 16 UC.
Macau, 31 de Julho de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
Sam Hou Fai
Lai Kin Hong
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cfr. Acórdãos do TUI, de 25 de Julho de 2012, Proc. n.o 48/2012; de 25 de Abril de 2012, Proc. n.o 11/2012; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
2 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
3 Neste sentido, cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.º 43/2018, entre outros.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018.
5 Cfr. Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, p. 510 e 511.
6 Cfr. Acórdãos do TUI, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018; de 31 de Julho de 2018, Proc. n.o 69/2017.
7 Cfr. Acórdãos do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018; de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018, entre outros.
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Processo n.º 18/2020