打印全文
Processo nº 1158/2018
Data do Acórdão: 23JUL2020


Assuntos:

Contrato administrativo de empreitada de obras públicas
Actos opinativos proprio sensu
Actos opinativos a que se refere o artº 173º do CPA
Tripla definitividade de actos administrativos
Acção sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas
Prazo da caducidade da acção
Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes
Princípio da substanciação
Adequação da forma processual


SUMÁRIO

1. Não sendo actos administrativos propriamente ditos, os actos opinativos proprio sensu têm como destinatários terceiros que estão (ou pretendem estar) em relação jurídica com a Administração, ou os próprios serviços desta, e não visam preparar ou auxiliar qualquer decisão administrativa, mas apenas dar conta do entendimento que a Administração tem a propósito de determinada questão.

2. Os actos opinativos a que se refere o artº 173º do CPA são algo diferentes e correspondem a declarações unilaterais de vontade jurídica da Administração, muito embora, por serem proferidas no seio de relações contratuais (em matéria de sua interpretação e validade, e fora, portanto, dos casos em que, mesmo aí, é dado à Administração praticar actos administrativos), não vinculam a contraparte – senão mediante prévia confirmação judicial – traduzindo-se assim (em sentido impróprio) em opiniões do contraente público sobre os direitos ou deveres que entende constituem o conteúdo da respectiva relação contratual.

3. No que respeita aos poderes da Administração na execução de um contrato administrativo, esta – por um lado, esta não goza do poder de interpretar unilateralmente o conteúdo do contrato: “Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade” são considerados “não definitivos e executórios (actos meramente “opinativos”), “pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor ao tribunal competente” (tudo de acordo com o artigo 173º); – por outro, ela não tem, como vimos, já o poder de obter a execução forçada das prestações em falta (artigo 174º).

4. Os actos opinativos, a que se refere o artº 173º/1 do CPA não têm de percorrer toda a tramitação de um do procedimento administrativo típico que culmina com a produção de actos administrativos proprio sensu e não estão portanto sujeitos às suas regras procedimentais, nem, por conseguinte, à sindicância por via de recurso contencioso de legalidade que tem por objecto actos administrativos proprio sensu.

5. Por força do princípio da substanciação consagrado no nosso processo civil, ao autor cabe articular os factos de onde deriva a sua pretensão ou do direito cuja tutela jurisdicional se busca.

6. Não obstante o Juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 567º do CPC) e ser legalmente viável o enquadramento jurídico dos factos articulados pelo autor de forma diversa do que este fez, o Tribunal fica limitado à qualificação jurídica dos factos articulados pelo autor e vedado a substituir-se ao autor no suprimento da materialidade fáctica essencial em falta mas necessária à satisfação do direito ou da pretensão que o autor pretende fazer valer mediante a instauração da acção.

7. O enriquecimento à custa de outrem consiste numa deslocação patrimonial de uma esfera jurídica para outra com empobrecimento daquele outrem. Enriquecer à custa de outrem é ver a sua esfera jurídica patrimonial aumentada por força de uma diminuição da esfera jurídica de outrem.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 1158/2018


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção sobre contratos administrativos, instaurada por A Internacional, Limitada, devidamente identificada nos autos, contra a Região Administrativa Especial de Macau, ora representada pelo Ministério Público e doravante simplesmente designada por RAEM, que correm os seus termos no Tribunal Administrativo onde foi registada sob o nº 266/16-CA, foi proferida, na fase de saneamento, a seguinte sentença julgando procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção relativa a diversas quantias reclamadas no âmbito da execução do contrato de empreitada em causa e improcedentes os restantes pedidos da acção, absolvendo a Ré de todos os pedidos:
I. Relatório
Autora A Internacional, Limitada (A國際有限公司), melhor id. nos autos,
Vem intentar a presente
Acção sobre Contratos Administrativos
Contra
Ré Região Administrativa Especial de Macau
com os fundamentos apresentados constantes da p.i. de fls. 2 a 54 dos autos,
Conclui pedindo que:
- seja a R. condenada a pagar à A., um montante total de MOP93,321,857.44, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento, quantia essa abrange nomeadamente:
a) Compensação indemnizatória total por danos causados à A. pela não disponibilização total do local da obra, MOP52,670,382.30 referentes a:
1) custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP2,340,940.00;
2) custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”)), designadamente para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP19,544,030.80 ;
3) custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP1,552,236.00 ; e
4) custos fixos e outros encargos indirectos no montante total de MOP29,233,175.50.
b) Montantes devidos e não pagos à A. e relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações (“ELS”) - MOP26,518,865.14.
c) Montantes devidos e não pagos à A. relativos a itens de trabalhos executados e em falta nas Listas de Quantidades e de Preços Unitários LQ (“missing items”) - MOP14,132,610.00.
E subsidiariamente,
- seja a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de MOP93,321,857.44 , a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros vencidos e vincendos;
*
A R. contestou a acção com os fundamentos de fls. 1090 a 1104 dos autos, concluiu pedindo que seja julgada procedente a excepção de caducidade, improcedente a acção e absolvida a R. dos pedidos.
*
A A. apresentou a sua réplica com os fundamentos de fls. 1803 a 1832 dos autos.
***

II. Saneamento
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções dilatórias, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
*
O processo já contém todos os elementos para a decisão sobre o pedido, sem necessidade de mais provas, cumpre conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do art.º 429.º, n.º 1, alínea b) do CPCM.

III. Motivação

1. Matéria de facto provada
Consideram-se assentes os seguintes factos que interessam à decisão da causa:

1. A A. é uma sociedade comercial cujo objecto consiste no estudo e elaboração de projectos, preparação de orçamentos, execução, medição, fiscalização e gestão de obras, elaboração de propostas, redes de serviços, elevadores, escadas rolantes, redes de segurança, ar condicionado, acabamentos e decorações, arranjos exteriores, paisagismos, limpezas, operação e manutenção de instalações técnicas e especiais (conforme consta documento de fls. 57 a 68 dos autos).

2. A A. apresentou a sua proposta ao Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (doravante designado por GIT), para o Concurso público para a empreitada de Construção da Obra da 1.ª Fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira (doravante designada por “obra”).
3. A empreitada da obra é por série de preços (conforme consta documento de fls. 72 a 74 dos autos).
4. Para instruir proposta referida, a A. juntou nomeadamente as Listas de Quantidades e de Preços Unitários (LQ), o Programa de Trabalhos, o Programa de Pagamentos.
5. Em 10 de Abril de 2012, a R. enviou à A., a minuta do contrato da empreitada de obra para comentários (conforme consta documento de fls. 247 a 254 dos autos).

6. Em 9 de Maio de 2012, foi adjudicada pelo Chefe do Executivo à A. a execução da empreitada da obra, no montante de MOP428,000,000.00 pelo período de 849 dias, contados a partir da data da consignação (conforme consta documento de fls. 255 dos autos).
7. Como consequência da referida adjudicação, a A. prestou a caução definitiva no valor de 5% da adjudicação, correspondente a MOP21,400,000.00.
8. A consignação da empreitada teve lugar no dia 8 de Junho de 2012 (conforme consta documento de fls. 1668 a 1681v dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. A A. assinou o auto de consignação sem reclamação ou reserva (conforme consta documento de fls. 1668 a 1681v dos autos).
10. Em 14 de Dezembro de 2012, a A. celebrou com a R. o Contrato de a empreitada de Construção da Obra da 1.ª Fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira (conforme consta documento de fls. 369 a 375 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 22 de Janeiro de 2013, foi pago o abono antecipado no montante correspondente a 25% do valor do contrato.
12. Nas Listas de Quantidades e de Preços Unitários, os trabalhos relativos às Estruturas de Suporte Lateral e Escavações, encontram-se descritos na Soma da Lista n.º 3 - Obras de fundação e estrutura, com a indicação dos preços unitários de MOP90,900,048.00 e dos montantes discriminados (conforme consta documento de fls. 1440 a 1443 dos autos).
13. 根據工程量表及單價表1號清單─“一般工作”第3點3.1項“臨時交通安排”規定:於工程時期規劃和實施需要的臨時交通安排;建築及拆除臨時混凝土牆、聯絡和協調;修訂任何理由的臨時交通安排的實施;適當地處置所有臨時交通安排的物品;復原有關地點的交通設置。相關的臨時交通需要和有關政府部門取得共識 (詳見卷宗第1423頁至第1611頁及背頁工程量表及單價表,尤其第1429頁背頁,在此視為完全轉錄)。
14. 根據投標案卷中 “各專業之施工圖則(文件及圖則)”IV.2.“技術規範及產品目錄”IV.2.1.“一般與基礎”載有下列規定:
第1.2條承攬工程的範圍規定:“該工程是包括以下的多項工序: (...) b)臨時支撐設計,安裝(...)。”(詳見卷宗第1313頁至第1319頁及背頁投標案卷 IV.2.1.一般與基礎,尤其第1316頁背頁,在此視為完全轉錄)。
15. 根據投標案卷中“各專業之施工圖則(文件及圖則)”IV.2.“技術規範及產品目錄”IV.2.2.“開挖和土方工程”載有下列規定:
第2.7條臨時支撐第2.7.1款規定:“承建商須負責設計、提供、架設及移除支持所有基坑所需的板架支撐或橫撐組件(...)”
第2.7.2款規定:“合同中所列臨時支撐圖紙只供參考之用。”
第2.7.5款規定:“承建商提交的計劃書包括: a)臨時支撐的圖紙,包括所有結構件、尺寸、接駁及如須要在土壤中的灌槳。(...) e)詳細臨時支撐設計 (...)此計劃書應在工程開展三個月內提交,以供工程師及有關政府部門批核。”(詳見卷宗第1320頁至第1325頁及背頁投標案卷 IV.2.2.開挖和土方工程,尤其第1322頁及背頁,在此視為完全轉錄)。
16. 根據工程量表及單價表1號清單─“一般工作”備註第7點m)項規定:“清單內的單價應最少己包含下列費用: (...) (m)進行所有設計工作的費用(...)”(詳見卷宗第1425頁背頁至第1426頁及背頁)。
*
No que respeita à matéria de excepção, consideram-se provados os seguintes factos:
- quanto aos custos com a implementação de extensas medidas de desvio de tráfego, mudanças de tapumes e construção de vias provisórias:
17. No dia 1 de Agosto de 2012, a A. requereu ao GIT a autorização dos trabalhos a mais no valor total de MOP235,540.00, juntando a cotação n.º VO-002 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/008 de fls. 410 a 428, dos autos).
18. No dia 13 de Agosto de 2012, o GIT respondeu que não considerou os trabalhos a mais, por terem sido incluídos na Lista de Quantidades para Preços do Processo de Concurso (conforme consta o ofício ref. n.° GIT-O-12-01720 de fls. 430 dos autos).
19. No dia 23 de Agosto de 2012, a A. prestou mais esclarecimentos ao GIT e solicitou que este levasse em conta sua opinião (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/013, de fls. 1867 a 1868, dos autos).
20. No dia 18 de Setembro de 2012, a A. requereu ao GIT, a autorização dos trabalhos a mais no valor total de MOP496,600.00, juntando a cotação n.º VO-003 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/019, de fls. 626 a 634 dos autos).
21. No dia 1 de Novembro de 2012, o GIT respondeu que não acolheu o seu requerimento (conforme consta o ofício GIT-O-12-02243, de fls. 1106 a 1109 dos autos).
22. No dia 6 de Novembro de 2012, a A. por via da carta dirigida ao GIT, manifestando a sua discordância, prestou mais esclarecimentos (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/035 de fls. 1869 a 1875 dos autos).
23. No dia 22 de Novembro de 2012, a A. requereu ao GIT a autorização dos trabalhos a mais no valor alternativo de MOP14,440.00 ou MOP40,000.00, correspondente às soluções alternativas propostas, juntando a cotação n.º VO-006 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/045, de fls. 635 a 639 dos autos).
24. No dia 23 de Janeiro de 2013, o GIT respondeu que não acolheu a proposta (conforme consta o ofício ref. n.° GIT-O-13-00128, de fls. 1111 a 1112v dos autos).
25. No dia 25 de Janeiro de 2013, a A. reiterou junto ao GIT a sua posição discordante (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/065, de fls. 1877 dos autos).
26. No dia 7 de Dezembro de 2012, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais no valor de MOP1,594,360.00, juntando a cotação n.º VO-008 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/052, de fls. 640 a 647 dos autos).
27. No dia 22 de Dezembro de 2012, a A. recebeu a resposta negativa (conforme consta da carta ref. n.° 1064/PAL/SM/0170/12, de fls. 1114 a 1115 dos autos).
28. No dia 2 de Janeiro de 2013, a A. por via da carta dirigida ao GIT, reiterou a sua posição discordante (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/059, de fls. 1878 a 1879 dos autos).
*
- quanto aos custos decorrentes dos trabalhos de execução das novas redes de drenagem:
29. No dia 22 de Abril de 2013, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais no valor de MOP13,952,320.00 juntando a cotação n.º VO-018 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/094, de fls. 1117 a 1143 dos autos).
30. No dia 28 de Junho de 2013, o GIT respondeu que não acolheu o seu requerimento (conforme consta do ofício GIT-O-13-01019, de fls. 1145 a 1149v dos autos).
31. No dia 15 de Julho de 2013, a A. junto ao GIT reiterou a sua posição discordante (conforme consta ref. n.° J01/2012/OLV/L/125 de fls. 1880 a 1884 dos autos).
*
- quanto ao montante resultante dos trabalhos executados mas omissos na Lista de Quantidades para Preços:
32. No dia 6 de Março de 2013, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais, juntando a cotação n.º VO-011 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/074 de fls. 863 a 864 dos autos).
33. No dia 3 de Junho de 2013, o GIT respondeu que não acolheu a sua proposta (conforme consta do ofício ref. n.° GIT-O-13-00862, de fls. 1151 e v dos autos).
34. No dia 6 de Junho de 2013, a A. reiterou junto ao GIT a sua posição discordante (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/104, de fls. 1885 a 1887 dos autos).
*
35. Nos dias 11 de Dezembro de 2015 e 18 de Março de 2016, a A. dirigiu os pedidos ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas (doravante designado por STOP), solicitando o ressarcimento dos custos adicionais por si incorridos (conforme consta das cartas de fls. 548 a 551 e 580 a 597 dos autos).
36. Nos dias de 25 de Janeiro de 2016 e 19 de Abril de 2016, o GIT notificou a A. que lhe negou os direitos (conforme consta dos ofícios ref. n.° GIT-O-16-00168 e ref. n.° GIT-O-16-00745, de fls. 552 a 579 e 601 a 606 dos autos).
37. No dia 11 de Julho de 2016, o GIT enviou à A. a certidão dos documentos solicitados pela A. (conforme consta do ofício ref. n.° GIT-O-16-01519 de fls. 1837 a 1866 dos autos).

2. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se essencialmente na análise da prova documental junta aos autos, nomeadamente, os documentos que integram o processo de concurso, inclusivamente, Lista de Quantidades e de Preços Unitários (LQ), Projecto de execução de cada especialidade e a Proposta apresentada.

Em relação aos factos referidos em 8 e 9, o Tribunal considerou-os provados pelo auto de consignação apresentada pela R. cuja autenticidade pareça não ser discutível, nem ser posta em causa pela A..

No que concerne à matéria exceptiva, são dados como provados os factos pela correspondência trocada entre as partes e juntas neste processo.

3. De Direito
Questões a resolver pela seguinte ordem:
a. Excepção peremptória - caducidade de alguns pedidos da A. ;
b. Ocorreu ou não a entrega total e efectiva do local da obra e as consequências;
c. Montantes devidos e não pagos relativos a trabalhos de contenção periférica para os efeitos de escavações; e
d. Enriquecimento sem causa.
*
a. Excepção peremptória - caducidade de alguns pedidos da A (quanto aos pedidos a).1) e 2))

A R. contestou por excepção, levantou a questão de caducidade dos direitos reclamados pela A., a respeito das diversas despesas ocorridas na execução do contrato de empreitada, constante das “cotações” n.ºs VO-002, VO-003, VO-006, VO-008, VO-018r1, VO-011, correspondente:
- aos custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP2,340,940.00, como referido no pedido a).1);
- aos custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”)), designadamente para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP19,544,030.80, como referido no pedido a).2);
- aos montantes devidos e não pagos à A. relativos a itens de trabalhos executados e em falta na LQ – de MOP14,132,610.00, como referido no pedido c).

Para tanto, alegou que a A. devia ter proposto e não propôs, a acção dentro do prazo de 180 dias, contado desde a data da notificação das decisões do Chefe do GIT, negativas da sua pretensão, nos termos do art.º 219.º do DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro.
A isso opôs-se a A., alegando, em síntese, os seguintes argumentos úteis:
- as decisões desfavoráveis tomadas pelo GIT, sendo mero acto provisório, não têm carácter definitivo e final, de que não caberia a acção sobre contratos.
- as decisões foram tomadas pelo GIT, que é órgão incompetente para praticar actos definitivos.
- as notificações das decisões não contém os elementos essenciais, portanto, não eram susceptíveis de marcar o início a contagem do prazo para a propositura da acção.

Cumpre decidir.

A respeito da caducidade da acção sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, dispõem os art.ºs 217.º, 218.º, 219.º, 220.º e 221.º do DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, o seguinte:
“Artigo 217.º
(Tribunais competentes)
As questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, que não sejam dirimidas por meios de impugnação administrativa, podem ser submetidas aos tribunais competentes.

Artigo 218.º
(Forma do processo)
1. Revestem a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais competentes sobre interpretação, validade ou execução do contrato, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
2. O disposto no número anterior não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
Artigo 219.º
(Prazo de caducidade da acção)
1. As acções propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.
2. O prazo previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às acções propostas pelo dono da obra.
Artigo 220.º
(Aceitação do acto)
1. O cumprimento ou acatamento pelo empreiteiro de qualquer decisão tomada pelo dono da obra não se considera aceitação tácita da decisão acatada.
2. Todavia, se dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da decisão o empreiteiro não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão reputa-se aceite.

Artigo 221.º
(Matéria discutível)
O indeferimento de reclamações formuladas oportunamente pelo empreiteiro ao dono da obra não inibe o empreiteiro de discutir a matéria dessas reclamações, em acção para o efeito proposta, com observância do disposto nos artigos 219.º e 220.º”

Com respeito à posição divergente, afigura-se-nos que as normas supra referidas sejam suficientemente claras quanto ao início da contagem do prazo para propositura da presente acção: é a partir da data da notificação da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos.

Voltemos ao caso sub judice.

Quanto ao primeiro argumento da A. – a falta da definitividade das decisões desfavoráveis tomadas pelo GIT.

Entende a A. que ela contra as respostas negativas tinha apresentado sucessivamente as reclamações, veio a acolher finalmente a resposta definitiva do STOP, notificada em 11 de Julho de 2016 (ref. n.° GIT-O-16-01519).

Que da referida resposta, sendo expressão da última vontade do dono da obra, caberia o meio de acção sobre os contratos. Assim, a presente acção, intentada em 22 de Julho de 2016, era ainda em tempo.

Antes de mais, importa averiguar a natureza da “decisão” ou a “deliberação” referida no art.º 219.º do mesmo DL.

Como se vê do disposto do art.º 218.º, a mencionada “decisão” ou a “deliberação” não é necessariamente um acto administrativo definitivo, contenciosamente impugnável, não obstante se admite que um e outro possam coincidir. Neste caso, o acto sendo destacável, é susceptível de recurso contencioso, e além disso, a mesma matéria será discutível na acção sobre contratos.

Bem afirmado pela A. na sua réplica, que as decisões em causa até podiam ser qualificados como actos opinativos, quando interpretem cláusulas contratuais ou se pronunciem sobre a respectiva validade, pelo que“não são definitivos e executórios” (cfr. art.º 173.º, n.º 1 do CPA).

Dito por outra forma, tais actos, embora não susceptíveis de contencioso administrativo, poderão sempre dar origem às acções sobre contratos.
Sendo assim, os actos que integram o objecto da acção, não têm que ser definitivos, quer horizontalmente, quer verticalmente, para não serem misturados com os actos contenciosamente impugnáveis.

Pois, o que interessa para a propositura da acção sobre contratos é que o dono de obra tinha uma pronúncia expressa e negativa sobre a pretensão do empreiteiro, formulado no percurso da execução da empreitada, independentemente de saber se se trata ou não da pronúncia que culminou todo o procedimento.

Não vendo satisfeita a sua pretensão pela resposta do dono da obra por via extrajudicial, o empreiteiro não tem que aguardar a decisão “final”, poderá imediatamente reagir contra esta decisão por via de acção sobre contratos.

Com isto quer dizer que o facto de ser acto “provisório” e não “final” na prospectiva da A, não lhe impede de lançar a mão do respectivo meio de contencioso contratual.

A tese da A. só deve naufragar.
*
Outra questão é saber se as decisões tomadas pelo dono de obra devem ter definitividade vertical.

No caso em apreço, perguntamo-nos: se estas decisões desfavoráveis do Chefe do GIT carecem da confirmação do STOP, para se tornarem em última palavra do dono da obra?

Repara-se que a formulação1 empregada pelo legislador de Macau é ligeiramente diferente daquela que foi adoptada na legislação portuguesa, ou seja, eliminado o “definitivo”, limita-se a referir “entidade competente para praticar actos administrativos” no preceito do art.º 219.º , n.º 1 do mesmo DL.

Não é difícil perceber que a lei de Macau não exige que o órgão decisor nos termos do referido preceito seja o superior da hierarquia, afastando assim a ideia da definitividade vertical.

Por outro lado, o Chefe do GIT, não obstante entidade subalterna em relação ao STOP, não deixa de praticar os actos administrativos, susceptíveis de produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta nos termos do art.º 110.º do CPA e perfeitamente cabível na referida norma do art.º 219.º, n.º 1 como entidade competente.

Aliás, do contrato de empreitada junto a fls. 369 a 375 dos autos, depreende-se que aquele que figura como parte é a RAEM, representada pelo Chefe do GIT, com poder de outorga delegado pelo STOP.

E a RAEM não deixa de ser sempre representada pelo GIT, enquanto seu órgão, na execução do respectivo contrato.

Mais de acordo com o disposto do n.º 3, als. 4) e 5) do Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, compete ao GIT “acompanhar e fiscalizar os actos e contratos necessários à execução da infra-estrutura da rede do metro ligeiro”; “acompanhar e controlar a execução dos custos estimados relativos a cada fase de implementação do sistema de metro ligeiro”.

Não há dúvida que a matéria em causa incide sobre as atribuições do GIT, e o Chefe do GIT tem competência para tomar decisões necessárias à execução da empreitada, como no caso concreto, e a sua competência encontra-se definida nas normais legais.

O fundamento da A. não pode deixar de cair.

Questão diversa é saber se das reclamações apresentadas podem resultar os efeitos pretendidos pela A. – os de impedir a caducidade da acção.

Nos termos do art.º 220.º acima transcrito, se o empreiteiro, dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da decisão, não reclamar nem formular reserva dos seus direitos, considera-se a decisão aceite. Neste caso, é evidente que a aceitação do acto preclude o seu direito de recorrer nos termos do art.º 34.º do CPAC.

Se, pelo contrário, o empreiteiro optou por reclamar contra a decisão tomada, ele reserva do direito de recorrer deste acto. Além disso, o indeferimento da sua reclamação não impede que esta proponha acção para discutir a mesma matéria.

Por outras palavras, a reclamação tempestiva da decisão do dono da obra visa exclusivamente afastar a aceitação do acto pelo empreiteiro, a fim de que este possa vir a recorrer dela contenciosamente.

Não obstante, a reclamação não se afigura relevante para o efeito da propositura da acção sobre contratos.
Pois, como é previsto no art.º 221.º do mesmo DL, o indeferimento da reclamação não impede o empreiteiro de usar uma acção sobre contratos, mas deve este fazê-lo dentro do prazo estabelecido para a propositura da acção, uma vez que o n.º 2 da mesma norma não lhe exime de observar os limites decorrentes do art.º 219.º, quer em relação a prazos, quer em relação ao início da sua contagem.

É óbvio que como o prazo de caducidade é legalmente estabelecido, não poderia estar na mão das partes de o manipular por qualquer forma.

Concluindo, considera-se que, não obstante as reclamações, o prazo para a propositura da acção previsto no art.º 219.º, n.º 1 inicia a sua contagem desde a notificação do primeiro acto de vontade da entidade competente, de conteúdo negativo expresso e inequívoco.
*
Quanto à alegada falta dos elementos essenciais da notificação das decisões.

Convém saber que não estamos perante a notificação do acto administrativo.

Como se vê, a notificação da decisão para o efeito da propositura da acção, funcionalmente se diverge da notificação do acto administrativo para a interposição do recurso contencioso, não sendo obrigatório cumprir escrupulosamente as exigências legais nos termos do art.º 70.º do CPA.

Portanto, a falta dos elementos essenciais ainda que fosse comprovada, não acarretaria as consequências desejadas pela A..
*
Improcedem as questões suscitadas pela A., vejamos agora se ocorre a alegada caducidade da acção.
Da matéria de facto provada resulta que dentre as referidas notificações efectuadas das decisões do dono da obra, a mais recente foi a de 28 de Junho de 2013. Até à propositura da presente acção, decorreu sem dúvida mais que 180 dias.

Nestes termos, julga-se procedente a excepção, e nos termos do art.º 219.º, n.º 1 do DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, declara-se parcialmente caduca a acção nos termos invocados pela R..
*
De seguida, cumpre conhecer as outras questões não tratadas.
*
b. Ocorreu ou não a entrega total e efectiva do local da obra e as respectivas consequências (quanto aos pedidos a). 3) e 4))

A A. configurou na sua p.i. como causa de pedir a não disponibilização total do local de obra por parte da R., de que resultaria os custos a ser ressarcidos pela R..

Para tanto alega o seguinte, em síntese:
- que ao tempo da assinatura do auto de consignação, houve apenas entrega “formal” do local de obra, não a sua entrega efectiva ou “material”;
- que nunca houve entrega total do local da obra, mas apenas uma entrega faseada até 15 de Abril de 2014;
- que foi outorgado o contrato de empreitada em 14 de Dezembro de 2012, após a data de consignação; e
- que a R., sendo responsável para obter a autorização necessária junto da DSAT do plano de desvio de trânsito e para coordenar com as concessionárias (CEM, CTM, SAAM etc), não cumpriu o seu dever de colaboração, nem comunicou à A. a sua omissão, impossibilitando assim o início da execução da empreitada pela falta da entrega do local na sua totalidade.
Não obstante, creio que a sua tese é difícil de sustentar no enquadramento legal.

Desde logo, da matéria de facto provado resultou que, foi feita a consignação da empreitada no dia 8 de Junho de 2012 e que a A. assinou o auto de consignação sem reclamação ou reserva.

Como se estabelece na norma do art.º 127.º do DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro,“Entende-se por consignação da obra o acto pelo qual o dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto que sejam necessárias para proceder a essa execução.”

E mais se estatui quanto ao prazo da consignação, nas normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 128.º do mesmo DL:
“1. O prazo fixado no contrato para a execução da obra começa a contar-se da data da consignação.
2. Sempre que, por imposição do dono da obra ou em virtude de deferimento de reclamação do empreiteiro, sejam executados trabalhos a mais, o prazo contratual para conclusão da obra é prorrogado a requerimento do empreiteiro.
…”

E quanto ao auto de consignação, refere-se na norma do artigo 132.º o seguinte:
“ 1. Da consignação é lavrado auto, no qual é feita referência ao contrato e se mencionam:
a) As modificações que se verifiquem em relação ao projecto ou que se tenham dado no local em que os trabalhos vão ser executados, e que possam influir na execução da obra ou no seu custo;
b) As operações executadas ou a executar, tais como restabelecimento de traçados, implantações de obras e colocação de referências;
c) Os terrenos e construções de que se dá posse ao empreiteiro;
d) Quaisquer peças escritas ou desenhadas, complementares do projecto, que no momento se entreguem ao empreiteiro;
e) As reclamações ou reservas apresentadas pelo empreiteiro relativamente ao acto da consignação e os esclarecimentos que forem prestados pelo dono da obra.
2. O auto de consignação é lavrado em duplicado e assinado pelo representante do dono da obra que fizer a consignação, e pelo empreiteiro.
3. Nos casos de consignação parcial são lavrados tantos autos quantas as consignações.”

Mais se prevê no art.º 134.º do mesmo DL o seguinte:
“1. O empreiteiro deve exarar as suas reclamações no próprio auto de consignação, podendo limitar-se a enunciar o seu objecto e a reservar o direito de apresentar exposição fundamentada, por escrito, no prazo de 10 dias.
2. Se o empreiteiro não proceder como se dispõe no número anterior, o auto produz efeitos, sem prejuízo, todavia, da possibilidade de reclamar contra erros e omissões do projecto, se for caso disso.
3. A reclamação exarada ou enunciada no auto é decidida pelo dono da obra no prazo de 15 dias, a contar da data do auto ou da entrega da exposição, conforme os casos, e com essa decisão tem o empreiteiro de conformar-se para efeitos do prosseguimento dos trabalhos, sem prejuízo de poder utilizar os meios de impugnação administrativa ou contenciosa ao seu dispor.
4. Atendida pelo dono da obra a reclamação, ou se a notificação da decisão não for expedida no prazo fixado no número anterior, considera-se como não efectuada a consignação na parte em relação à qual devia ter sido suspensa.”

É inequívoco que, de acordo com os preceitos legais acima transcritos, do acto de consignação decorre os seguintes efeitos relevantes:
- a entrega pelo dono de obra ao empreiteiro, dos locais para a execução dos trabalhos;
- a entrega das peças do projecto necessárias à execução da obra; e
- o início da contagem do prazo contratual para a execução da obra à partir da data de consignação.

Aliás, a entrega do local da obra, como a entrega de outras peças ou documentos necessários para a sua execução, devem ser todos necessariamente mencionados no auto de consignação.

Se o empreiteiro não se conforma com a consignação feita ou necessita de mais esclarecimentos junto ao dono de obra, poderá sempre socorrer-se dos meios graciosos legalmente facultados, deduzir as reclamações ou formular as reservas, todas serão devidamente exaradas ou registadas no próprio auto de consignação, como exigem também as normas do art.º 132.º, n.º 1, alínea e) e art.º 134.º, n.º 1 do mesmo DL.

Mais, se o empreiteiro não fizer nada, nem deduzir reclamações nem formular reservas nos termos legais, o auto de consignação produz efeitos, sem prejuízo da possibilidade de reclamar contra erros e omissões do projecto, nos termos do art.º 134.º, n.º 2 do mesmo DL.

Voltemos ao caso em apreço, sucedeu que:
- a A. devidamente representada, presenciou no acto de consignação;
- a A. emitiu sua declaração, confirmando os termos em que foi exarado o auto, nomeadamente na parte que refere que“neste acto: a) definiram-se os limites de intervenção da empreitada; b) foram entregues em mão ao adjudicatário as peças desenhadas; c) Foi declarado pelo adjudicatário que o mesmo se encontrava em condições de dar início à obra”; e
- a A. achou o auto conforme e assinou, sem deixar nenhuma reclamação ou reserva.

Daí que o auto por si, é susceptível de produzir os seus efeitos nos termos legais, sendo por isso apto a nos demonstrar que houve a entrega do local de obra na sua totalidade.

Caso contrário, se a entrega tivesse sido meramente parcial, podia o dono de obra ao abrigo dos art.ºs 130.º, n.º 1 e 132.º, n.º 3 do mesmo DL, proceder a consignações parciais, começando pelos locais que, com base nas peças escritas e desenhadas, permitam o início dos trabalhos. Neste caso, serão lavrados tantos autos quantas as consignações.

No caso, não foram efectuadas as consignações parciais.

Consideramos que a tese da “entrega formal” nos termos defendidos pela A., não tem nenhum suporte legal.

Por outro lado, enquanto sociedade dedicada especialmente à execução das empreitadas de obras públicas, a A. não se pode escusar de conhecer os preceitos legais em causa, deve ter conhecimento e bem das diferentes fases da empreitada da obra pública, bem como o sentido e o alcance dos actos praticados em cada fase.

Dito por outra forma, a A. sabia quais os efeitos que poderia implicar a consignação, mesmo assim, decidiu-se conformar com o auto de consignação, sem ter manifestado nenhuma objecção ou reserva, teria ela de aceitar inelutavelmente as respectivas consequências daí decorridas.

Por motivo idêntico, também não procede o outro argumento da A., isto é, a celebração do contrato de empreitada ainda adiada não é susceptível de provocar a extensão do prazo contratual ou de causar os danos alegados.

Como atrás referido, o prazo contratual para a execução da obra conta a partir da data de consignação e não da da celebração do contrato público.

Assim sendo, o pedido da A. não pode proceder, visto que foi comprovada antes a entrega do local de obra, contrária à causa de pedir consubstanciada pela A.

Ainda que se admita que a intenção da A. era alegar que não obstante a entrega do local de obra, esta ficou impedida de ter acesso ao local de obra, pela causa imputável à R., pela omissão do seu dever de coordenação com outros serviços públicos para obter autorização do plano de tráfego, o seu fundamento careceria da viabilidade.

Pois, é indiscutível que os referidos trabalhos – a coordenação com os serviços públicos quanto às medidas provisórias de trânsito, foram expressamente incluídos na Lista de Quantidades e de Preços Unitários, junta pela própria A. ao processo de concurso, Lista n.º 1 –Geral, 3.1 Medidas provisórias de trânsito, nos seguintes termos:
   “於工程時期規劃和實施需要的臨時交通安排;建築及拆除臨時混凝土墻、聯絡和協調;修訂任何理由的臨時交通安排的實施;適當地處理所有臨時交通安排的物品;復原有關地點的交通設置。相關的臨時交通需要和有關政府部門取得共識。”

Daí resulta claramente que por força da referida cláusula contratual, os alegados trabalhos de conciliação e comunicação no sentido de fazer alcançar o consenso quanto ao plano de desvio de trânsito eram de responsabilidade da A.

Quanto a isso, a A. ao tempo da apresentação da sua proposta para o concurso público e da inclusão na proposta das respectivas Listas de Quantidades e de Preços Unitários, já teve perfeita consciência, e ainda assim, assumiu como devidos todos os trabalhos aí referidos.

Por conseguinte, a A. já não podia tornar a culpabilizar o dono de obra da empreitada pela falta de cumprimento dos trabalhos que eram seus.

Neste sentido, os factos alegados a respeito do ocorrido na reunião preparatória em 1 Junho de 2012, se bem que fossem todos comprovados, não teriam relevância para sustentar a pretensão da A..

Pois, mesmo acompanhando a versão fáctica alegada pela A. (nos artigos 37.º a 40.º da p.i), a R. também nunca assumiu expressamente o respectivo dever contratual pela ocasião daquela reunião.

Assim, julga-se improcedente o pedido.

c. Montantes devidos e não pagos relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações (quanto ao pedido b))

Mais a A. reclamou os montantes devidos e não pagos relativos a trabalhos de de contenção periférica para efeitos de escavações, no valor de MOP26,518,865.14, com base no art.º 30.º, n.º 3 do DL n.º 74/99/M, de 8 de Novembro.

Segundo a A., o valor reclamado de MOP26,518,865.14, resultou da diferença entre o valor total de compromisso proposto de MOP85,278,850.94 e o valor provisório de MOP58,759,985.80,
O seu pedido é manifestamente improcedente.

Como se estabelece na referida norma o seguinte,
“1. Em qualquer momento dos trabalhos, o empreiteiro pode propor ao dono da obra variantes ou alterações ao projecto relativamente a parte ou partes dele ainda não executadas.
2. Tais variantes ou alterações devem obedecer ao disposto no presente diploma sobre os projectos ou variantes apresentados pelo empreiteiro, e o dono da obra pode ordenar a sua execução desde que aceite o preço global ou os preços unitários propostos pelo empreiteiro ou com este chegue a acordo sobre os mesmos.
3. Se da variante ou alteração aprovada resultar economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra, o empreiteiro tem direito a metade do valor economizado.”

Assim, a fim de reclamar o direito com base no acima preceituado, é sempre necessário que:
- se trate da variante ou alteração do projecto;
- haja a variante ou alteração do projecto apresentada pelo empreiteiro e aprovada pelo dono de obra ;
- seja o preço global ou os preços unitários referentes à execução da variante ou alteração aceite pelo dono de obra, ou houve acordo sobre os mesmos; e
- da variante ou alteração resulte economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra.

Nota-se que a respeito dos pressupostos acima referidos, nenhum facto foi minimamente alegado pela A.

Logo à partida, dos factos provados nos pontos 14, 15 e 16, resulta sem equívoco que é o empreiteiro responsável pela elaboração do projecto relativo aos trabalhos em causa.

Mesmo admitindo que a questão não seja pacífica, isto é, deixando aberta a questão de saber a quem compete a elaboração do projecto, como parece ser insistido pela A, tudo aquilo que ela alegou só poderia conduzir a uma conclusão oposta:
- a A. propôs os esclarecimentos quanto à contradição dos documentos contratuais (conforme o alegado no art.º 159.º da p.i.) ;
- a A., não obstante as dúvidas não esclarecidas, contratou um projectista, executou o solicitado projecto (conforme o alegado no art.º 164.º da p.i);
- a A. propôs-se avançar com alguma actividade que fizeram parte dos referidos trabalhos (conforme o alegado no art.º 165.º da p.i);
- o seu projecto veio a ser rejeitado pelo GIT, que solicitou o seu projectista para apresentar outro projecto (conforme o alegado no art.º 167.º da p.i); e
- a A., ao receber o projecto apresentado pela R., constatou que este era “grosso modo” uma cópia do projecto anteriormente por si apresentado (conforme o alegado no art.º 170.º da p.i).

Pois, é evidente que a A. nunca propôs qualquer alteração do projecto, mas sim apenas alguns esclarecimentos, e a tal “alteração” nunca chegou a ser aprovada pela R..

A A. também não referiu em que medida que o seu projecto alterou o projecto inicialmente acordado.

Tanto mais que resulta da correspondência trocada entre as partes e junto aos autos, que nunca foi alcançado nenhum acordo quanto ao preço global ou aos preços unitários sobre a execução da alteração.
Para não falar que, a A. nada disse sobre os eventuais efeitos económicos resultantes da execução do tal projecto, e se a economia afecta a utilidade, duração e solidez da obra.

Nesta prospectiva, não nos resta senão improceder o referido pedido, seguindo a única solução juridicamente plausível.

d. Enriquecimento sem causa

Como pedido subsidiário, a A. ainda pediu que fosse ressarcida uma quantia a título de enriquecimento sem causa.

Cumpre referir que estamos no âmbito da acção sobre contratos administrativos, que“tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual”, nos termos do art.º 113.º, n.º 1 do CPAC.

Pelo que, não seria difícil perceber que o enriquecimento sem causa, sendo fonte autónoma de obrigação, é algo fora do âmbito de litígios dirimíveis por via desta forma de acção.

Afigura-se que a acção sobre contratos administrativos escolhida pela A. não constitui o meio processual adequado para conhecer o referido pedido.

Neste sentido, o verificado erro na escolha do meio processual justificaria a absolvição da R. da instância quanto a este pedido subsidiário nos termos do art.º 12.º do CPAC.

Aliás, é óbvio que o referido pedido não tem mínimo fundamento, mesmo na hipótese ser possível conhecê-lo no âmbito da acção sobre contratos administrativos.

Como é previsto na norma do art.º 467.º do CC:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

No nosso caso, a. A não alegou nem tentou provar nenhum facto concreto referente aos pressupostos inerentes a este instituto jurídico, em especial, não alegou se a R. enriqueceu e a forma como se enriqueceu, e se esta enriqueceu à custa da A. na eventual hipótese da comprovação de que a A. se torna empobrecido por causa dos danos alegadamente sofridos.
***
Tudo visto, deve-se improceder todos os pedidos da A..

IV. Decisão

Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e em consequência, decide absolver a R. dos pedidos.
*
Custas pela A..
*
Registe e notifique.

Não se conformando com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

Para o efeito a Autora formulou as seguintes conclusões:

a. Vem o presente recurso interposto da supra referida sentença que, no âmbito de uma "acção sobre contratos administrativos" que a A., "A Internacional, Limitada", ora recorrente, intentou contra a Região Administrativa Especial de Macau (R.A.E.M.), julgou a mesma improcedente e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos formulados.
b. A A., recorrente, havia peticionado contra a R., recorrida, o pagamento da quantia de MOP$93,321,857.44, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos até ao integral pagamento, quantia que discriminou da seguinte forma:
a) Compensação indemnizatória total por danos causados à A. pela não disponibilização total do Local da Obra - MOP$52,670,382.30, referentes a:
1) Custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP$2,340,940.00;
2) Custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem, com recurso a trabalhos de contenção ("ELS"), designadamente, para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP$19,544,030.80;
3) Custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,552,236.00; e
4) Custos fixos e outros encargos indirectos no montante total de MOP$29,233,175.50.
b) Montantes devidos e não pagos à A. e relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações das caves ("ELS") - MOP$26,518,865.14.
c) Montantes devidos e não pagos à A. relativos a itens de trabalhos executados e em falta na LQ ("missing items") - MOP$14,132,610.00.
Quado assim se não entendesse, o que então se admitiu, sem conceder,
Deveria a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de MOP$93,321,857.44, a título de "enriquecimento sem causa", também aqui, acrescida de juros vencidos e vincendos; (...)
c. O pagamento peticionado estava (está) relacionado com a empreitada de obra pública denominada "Construção da Obra da 1ª Fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira", na qual a A. figurou como "empreiteiro" e a R. como "dono da obra".
d. A sentença recorrida deu como assentes determinados factos e decidiu pela improcedência da acção por (i) caducidade parcial da mesma - julgando procedente a excepção peremptória alegada pela R. -; por, (ii) ao contrário do alegado pela A., entender que, o local da obra foi efectivamente entregue à A., o que resulta do auto de consignação da obra; por (iii) o valor reclamado dos trabalhos de contenção periférica para efeito de escavações das caves ("ELS") resultar de uma alteração do projecto e tal alteração nunca ter sido aprovada pela R., e, também, porque a A. também não referiu em que medida o seu projecto alterou o projecto inicialmente acordado; e, finalmente, quanto ao subsidiariamente peticionado "enriquecimento sem causa", por (iv) esta acção sobre contratos administrativos não constituir o "meio processual adequado para conhecer o referido pedido" e, também, pelo facto de a A. não ter alegado nem tentado provar "nenhum facto concreto referente aos pressupostos inerentes a este instituto jurídico".
     Vejamos, então,
e. Depois de analisados e comentados os factos que a sentença recorrida deu como assentes, passou-se às questões decididas, sobre quais a A. entende que a sentença recorrida julgou, com o devido respeito, erradamente.
Assim, da (im)procedência da excepção de caducidade da acção.
f. A Recorrente entende que a mencionada Sentença do tribunal a quo, ao julgar procedente a excepção peremptória da caducidade da acção, invocada pela R., fez errada interpretação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente, dos artigos 217.º e seguintes do REOP e 97.º/al. d) e seguintes do CPAC;
g. AA., relativamente à empreitada dos autos, realizou trabalhos e teve custos (nos anos 2012 e 2013) que, por terem ocorrido em momento posterior ao concurso, nele não foram previamente contabilizados, nem aprovados;
h. Para serem aprovados, contabilizados e liquidados, a A. submeteu ao Coordenador do GIT e à PAL as cotações n.ºs VO-002, VO-003, VO-006, VO-008, VO-018rl e VO-0011;
i. Sobre as cartas do Empreiteiro (ora A.), em que esta identifica os trabalhos a mais e respectivos custos, o dono da obra (ora R.), através do GIT/PAL, proferiu declarações negociais, onde são emitidas opiniões no sentido de não acolhimento das pretensões da A.;
j. Tendo em conta o disposto no artigo 220.º do REOP e à cautela, a A. reclamou, dentro do prazo de 10 dias, das opiniões emitidas pelo GIT/PAL;
k. Na impossibilidade de a A. chegar a acordo com o dono da obra, através do GIT, e sendo o S.T.O.P. a única entidade competente para comprometer a Administração perante o empreiteiro, a A. solicitou os seus "bons oficios", no sentido da obtenção de um acordo entre o dono da obra e o empreiteiro, que pudesse pôr termo ao desequilíbrio financeiro em que a A. se viu envolvida, por execução de trabalhos a mais não liquidados.
l. Entre a A. e o S.T.O.P. foi, assim, trocada correspondência (final de 2015 e 2016), a qual culminou na certidão dos documentos solicitados pela A., que o GIT lhe enviou, em 11 de Julho de 2016;
m. AA. propôs a acção dos autos, no Tribunal Administrativo, no dia 22 de Julho de 2016, dentro, pois, do prazo dos 180 dias, contados desde da notificação da decisão do S.T.O.P, entidade competente para praticar actos administrativos, de "indeferimento" das pretensões da A.;
n. A Sentença recorrida sustenta a tese de que, não obstante as reclamações, formuladas pela A., esta deveria ter proposto a acção, dentro do prazo de 180 dias, contados, não da notificação do acto do S.T.O.P., de 11 de Julho de 2016, mas de cada uma das declarações negativas do Coordenador do GIT (dos anos de 2012 e 20l3), em que a mais recente foi a de 28 de Junho de 2013;
o. Essa conclusão da Sentença recorrida apoia-se no entendimento de que o prazo para a propositura da acção, previsto no art.º 219.º, n.º 1 do REOP, inicia a sua contagem, a partir da notificação do primeiro acto de vontade da entidade competente, de conteúdo negativo expresso e inequívoco.
p. Todavia, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo lavra em erro porque, se é verdade que o n.º 1 do artigo 219.º do REOP estipula um prazo que se deve contar a partir da notificação «da decisão ou deliberação da entidade competente» para o efeito (S.T.O.P.), já não é verdade que esse prazo comece a contar desde notificações de declarações negociais (actos opinativos) de entidade (GIT/PAL) incompetente para comprometer a Administração perante o Empreiteiro, no que aos trabalhos e seus custos, em litígio, diz respeito.
q. Efectivamente, a tal entidade (GIT/PAL), apenas lhe foram conferidos poderes de "supervisão e fiscalização", de "controlo de execução de custos", quer pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, quer pelo Despacho do S.T.O.P. n.º 91/2007, de 1 de Novembro de 2007, que se encontrava em vigor à data dos pedidos (2012 e 2013), e não poderes decisórios quanto a actos e contratos e, pois, sobre a matéria em causa.
r. Poderes decisórios esse que, obviamente, só se inserem na competência do S.T.O.P., de quem o GIT depende, tal como decorre do n.º 10 do sobredito Despacho do Chefe do Executivo;
s. Antes do despacho de subdelegação do S.T.O.P. (de 2015), o Coordenador do GIT, não tinha sequer competência par autorizar a realização de trabalhos a mais e autorizar trabalhos a menos, em empreitadas de obras públicas;
t. O GIT e a PAL proferiram declarações negociais ou actos opinativos, no sentido de rejeição das pretensões do empreiteiro e a sentença recorrida, aderindo à tese da R., extraiu, dessas declarações negociais, a conclusão de que o dono da obra rejeitou os trabalhos a mais em litígio e, pois, também os seus custos. Todavia,
u. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, também lavra em erro, porquanto nenhuma das entidades em causa (GIT/PAL) exerceu o poder de direcção, dando qualquer ordem, verbal ou por escrito, à A., para proceder à reposição da situação anterior, nem antes, nem depois da recepção da obra e da conta final, nem aplicou à A. qualquer multa;
v. Também, no momento em que a A. recorreu aos "bons ofícios" do S.T.O.P. (2015 e 2016), para a resolução extrajudicial do litígio sobre a indemnização devida, aquele não manifestou qualquer posição de rejeição dos trabalhos em causa, nem os seus custos, antes, pelo contrário, o mesmo solicitou à R. que lhe detalhasse os exactos montantes em dívida, a fim do dono da obra proceder à sua liquidação;
w. Com a recepção da obra, sem que sobre os mencionados trabalhos tivesse havido seja o que for, por parte do dono da obra, os mesmos devem considerarse como tendo sido efectiva e definitivamente aceites, ainda que supervenientemente, bem como os respectivos custos, no montante total, que consta do pedido da A., o qual, não obstante isso, se mantém por liquidar;
x. O dono da obra violou o dever de colaboração, que pelo artigo 19.º do CPA, era devido ao Empreiteiro, já que aprovou, no concurso, um plano de trabalhos delimitado em toda a sua extensão, sabendo que o mesmo não poderia ser disponibilizado na sua totalidade ao empreiteiro, por a tal se opor a DSAT, que considerava que o tráfego, utilizando a via junto ao edifício Windsor Arch, não deveria ser desviado, para não provocar descontentamento junto da opinião pública;
y. E, apesar de estar na posse dessa informação, o GIT não a transmitiu, oportunamente, antes da aprovação do Plano de Trabalhos da A., no Concurso, nem no momento da assinatura do Auto de Consignação, apenas, dela a A. veio a tomar conhecimento, quando deu início aos trabalhos, que tiveram lugar, junto à via de circulação de viaturas e passageiros do edifício Windsor Arch;
z. Os actos opinativos, porque não definem unilateral e autoritariamente uma situação jurídica e porque lhes falta-lhes o elemento decisão, não são actos administrativos stricto sensu;
aa. Devem considerar-se como actos opinativos ou actos administrativos materialmente não definitivos as declarações negociais de rejeição das pretensões da A., quer por parte do GIT/PAL, quer por parte do STOP;
bb. A excepção à regra, estabelecida no artigo 173.º do CPA (actos opiniativos), é constituída pelos poderes públicos de autoridade que, por força do princípio da reserva de lei e fora de outros previstos em legislação especial (v.g.: REOP), são apenas aqueles que se encontram tipificados no artigo 167,° do CPA;
cc. O exercício de tais poderes administrativos deve limitar-se à conformação do contrato e não pode operar a sua transformação;
dd. No litígio nos autos não está em causa o exercício de qualquer desses poderes públicos de autoridade, designadamente, o poder de modificação unilateral do contrato.
ee. Nos casos em que o Empreiteiro se vê na necessidade de realizar novos trabalhos em virtude de uma alteração das circunstâncias, devida a terceiros (DSAT) (REOP, art. 169.º/4) ou ao próprio dono da obra (REOP, art. 170.º), de modo que a execução dos trabalhos se torna mais dificil e onerosa, por os trabalhos terem de ser realizados em condições diversas e mais adversas - como ocorre nos autos - tais trabalhos não devem ser considerados como actos administrativos, por aí não estar em causa o poder de modificação unilateral, nem qualquer outro poder de conformação contratual.
ff. Em caso de modificação objectiva do contrato, esta tem de ser sempre concretizada por acordo entre as partes ou por decisão judicial, e não como é próprio da modificação com fundamento em interesse público, que se efectiva por vontade unilateral do contraente público;
gg. Se houver modificação unilateral por parte da Administração, a respectiva execução só pode ser feita por via judicial caso o co-contraente a não aceite voluntariamente, porque o acto de modificação não é executório;
hh. No contrato de empreitada de obras públicas, o dono da obra pode alterar, em qualquer momento, o plano de trabalhos em vigor, ficando o empreiteiro com o direito a ser indemnizado dos danos sofridos em consequência dessa alteração (artigo 137.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8.11);
ii. A alteração do plano de trabalhos configura actuação por meio de acto administrativo, que deve ser impugnada por meio de recurso contencioso e não objecto de acção, mas no caso de apenas se pretender a indemnização, o meio processual adequado é a acção;
jj. Do artigo 173.º, n.º 1 do CPA, deve extrair-se a conclusão de que não relevam, para efeitos de qualificação como actos administrativos destacáveis, eventuais posições assumidas pela Administração em tal âmbito;
kk. As declarações negociais de rejeição das pretensões da A. não constituem a resolução final do procedimento administrativo, já que, até à reclamação necessária da conta final, o dono da obra sempre pode mudar de opinião e vir a aceitar, o que anteriormente rejeitou, tal como sucedeu na empreitada dos autos. Deste modo,
ll. As declarações negociais de rejeição sub judice poderão, eventualmente, também ser qualificados, agora no plano da definitividade horizontal, como actos provisórios, se se entender que tal pode acrescer à sua qualidade de actos opinativos;
mm. Não podem ser qualificados como actos administrativos verticalmente definitivos, nomeadamente a) os actos praticados por órgãos subalternos sujeitos a recurso hierárquico necessário; e b) os actos praticados por delegação de poderes ou subdelegação de poderes, quando a lei os considere não definitivos;
nn. As als. 4) e 5) do n.º 3, do Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, só atribuem competência ao GIT para: "acompanhar e fiscalizar os actos e contratos necessários à execução da infra-estrutrura da rede do metro ligeiro" [al. 4)] e para "acompanhar e controlar a execução dos custos estimados relativos a cada fase de implementação do sistema de metro ligeiro" [al. 5)];
oo. O GIT não tinha (nem tem) competência para determinar ou fixar os "custos estimados relativos a cada fase de implementação do sistema de metro ligeiro", já que tão somente lhe foi conferido o poder de "controlar a execução dos custos" e "controlar a execução dos custos" não é o mesmo que determinar ou fixar os custos ou rejeitá-los;
pp. O Despacho do S.T.O.P. n.º 91/2007, diploma de subdelegação de poderes, no Coordenador do GIT, vigente à data dos pedidos (2012 e 2013), não lhe conferiu o poder decisório quanto a actos e contratos, nem sobre a matéria em litígio,
qq. Os actos praticados pelo Coordenador do GIT não eram actos administrativos verticalmente definitivos porque, "Dos actos praticados ao abrigo desta subdelegação cabe recurso hierárquico necessário" (n.º 3 do mencionado Despacho);
rr. O poder decisório sobre a matéria em litígio nos autos, ficou sempre na esfera de competência do STOP, de quem o GIT depende, tal como decorre do n.º 10 do sobredito Despacho do Chefe do Executivo;
ss. Aas declarações negociais de rejeição das pretensões da A., por parte do GIT/PAL, objecto do litígio, que opõe o empreiteiro ao dono da obra, não são actos administrativos definitivos, por não preencherem o princípio da tripla definitividade: não são definitivos em sentido material, horizontal e vertical. E, pois, não são actos administrativos propriamente ditos ou actos administrativos stricto sensu;
tt. No recurso contencioso, vigora o princípio da tripla definitividade, mas no domínio próprio das acções sobre contratos administrativos (incluindo os contratos de empreitadas públicas), vigora o princípio da dupla definitividade, em que, apenas, está excluída a definitividade material, continuando a exigir-se a definitividade horizontal e vertical;
uu. Assim, no domínio do n.º 1 do artigo 219.º do REOP, sempre que o objecto de uma acção seja passível da prática de acto administrativo, deve considerar-se que a entidade competente para o praticar tem competência para praticar actos administrativos definitivos, no sentido horizontal e vertical, já que no sentido material, lhe não é exigível, por se estar no domínio da acção sobre contratos administrativos e não no domínio de recurso contencioso de actos administrativos.
vv. O entendimento do Tribunal a quo - com o qual a A. não concorda - basta uma pronúncia expressa e negativa, adoptada por uma entidade competente para praticar actos administrativos(no caso seria o GIT e, eventualmente, também a PAL), para que, independentemente da sua natureza, o empreiteiro ficasse perante uma "decisão ou deliberação", nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 219.º do REOP;
ww. Trata-se de um conceito de acto administrativo em sentido amplíssimo, que vai ao arrepio de toda a tradição doutrinal e jurisprudencial de Macau e da RAEM, para além de que a A. não conhece nenhuma entidade administrativa, que não tenha competência, própria ou delegada, para praticar actos administrativos stricto sensu, ainda que restrita à gestão do seu pessoal.
xx. No caso dos autos, não se trata apenas de saber se a entidade em causa (GIT/PAL) é uma "entidade competente para praticar actos administrativos", mas se é uma entidade competente para praticar actos administrativos stricto sensu, isto é, definitivos, horizontal e verticalmente, sobre a matéria em litígio, o que não sucede com o GIT e o seu Coordenador;
yy. O Despacho do S.T.O.P. n.º 91/2007, vigente à data dos pedidos da A. (2012 e 2013), apenas autorizava o Coordenador do GIT a realizar despesas com os trabalhos realizados pelo empreiteiro, sem necessidade de recorrer ao S.T.O.P., até ao montante de MOP$300 000,00, o que constituía um montante inferior aos pedidos;
zz. O Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007 conferiu ao GIT competência para "acompanhar e fiscalizar os actos e contratos necessários à execução da infra-estrutrura da rede do metro ligeiro" [al. 4)] e para "acompanhar e controlar a execução dos custos estimados relativos a cada fase de implementação do sistema de metro ligeiro" [al, 5)];
aaa. O Despacho em causa não atribuiu competência ao GIT aceitar ou rejeitar os custos em causa e para determinar ou fixar o seu quantum;
bbb. A A. sempre teria de submeter ao GIT (como submeteu) o pedido de autorização de despesas para, em caso de indeferimento, as manter, antes e no momento da elaboração da Conta de Empreitada; neste caso, como reclamações pendentes até serem definitivamente decididas e liquidadas (REOP, art. 194.º/2) ou inscrevê-las no Mapa de trabalhos e Valores relativo às reclamações do empreiteiro ainda não decididas (REOP, art. 194.º/c));
ccc. Só o S.T.O.P. detinha o poder para praticar actos administrativos stricto sensu, definitivos, em sentido horizontal e vertical, respeitantes à obrigação de indemnização e à determinação do seu quantum;
ddd. À medida que o empreiteiro foi apresentando ao dono da obra (GIT) cada uma dessas "Variation Orders", que consubstancia uma parcela do montante global pedido - e a última ocorreu em 28 de Junho de 2013 (VO-018rl) - foi reclamando do respectivo indeferimento, para assegurar o direito de acção, a que se refere o artigo 219.º do REOP;
eee. Não estão em causa amiudadas ordens, dadas pelo dono da obra no decurso da execução da empreitada, em que o empreiteiro, embora discordando das mesmas, as cumpre ou acata, para evitar ser-lhe imputada responsabilidade por incumprimento do contrato.
fff. Face ao disposto no artigo 34.º do CPAC, o empreiteiro viu-se na contigência de reclamar, nos termos do artigo 220.º do REOP, sob pena de se ver privado da possibilidade de recorrer contenciosamente.
ggg. É duvidoso que, aplicando-se no caso dos actos administrativos stricto sensu, a mesma disposição também possa aplicar-se às declarações negociais, aos actos opinativos, como são as declarações negociais de rejeição em litígio, sobretudo, quando esteja em causa, a "maior onerosidade" ou "dificuldade na execução da empreitada" (REOP, art. 170.º), em que a lei se limita a conferir ao "empreiteiro direito ao ressarcimento dos danos sofridos", sem lhe exigir quaisquer outras diligências, como as mencionadas, por exemplo, no artigo 171.º do REOP.
hhh. Devidas ou não no caso dos autos, em que estão em causa declarações negociais, que se limitam a traduzir opiniões negativas por parte do GIT, a verdade é que a A. concorda com o Tribunal a quo quando, na mesma linha de interpretação, considera que o artigo 221.º do REOP não impede o direito, que esse preceito reconhece ao empreiteiro, de "discutir a matéria dessas reclamações, em acção para o efeito proposta".
iii. Devidas ou não, as reclamações no caso dos autos, a verdade é que - no quadro de um procedimento de resolução extrajudicial de reclamações pendentes, que a A. pormenoriza na sua Réplica - elas parecem exercer uma função similar à do artigo 9.º da Proposta de Lei intitulada "Lei da Arbitragem", o qual impõe à parte o dever de ir arguindo os vícios ao longo do processo até à decisão final, sob pena de preclusão dos vícios não arguidos e da sua consolidação;
jjj. No entender da A., a acção proposta para discutir a matéria das reclamações, a que se refere o artigo 221.º do REOP, pode ter lugar em momento posterior, precisamente, quando o empreiteiro seja notificado de uma "decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos administrativos", definitivos horizontal e verticalmente (art. 219.º/1 do REOP), que não pode deixar de ser as decisões do S.T.O.P., de 25 de Janeiro de 2016 e 19 de Abril de 2016, notificadas à A., em 11 de Julho de 2016 (conforme consta do oficio ref. n.º GIT-O-1-01519 de fls. 1837 a 1866 dos autos);
kkk. Tendo a acção sido proposta, dentro do prazo de 180 dias, mencionado no n.º 1 do artigo 219.º do REOP, então, deve entender-se que não ocorreu a caducidade da acção, invocada pela R., pelo que a Sentença recorrida decidiu com errada interpretação da lei.
lll. Considerar-se, como a sentença recorrida considera, que actos administrativos, a que se refere o n.º 1 do artigo 219.º do REOP, são os actos administrativos, no seu sentido mais amplo do termo (como qualquer "pronúncia expressa e negativa" de um órgão administrativo) que são definidos no artigo 110.º do CPA, então, deve aplicar-se aos mesmos o regime substantivo, que consta desse Código e que o artigo 222.º do REOP, aliás, manda aplicar como direito subsidiário, bem como o regime processual do CPAC, pelo que, nomeadamente, as notificações à A. deveriam conter as menções, previstas no artigo 70.º do CPA e os elementos essenciais, prescritos no artigo 26.º, n.º 1 do CPAC, o que não sucedeu;
mmm. As pretensões da A. foram rejeitadas:
- sem ter havido previamente qualquer audiência da A., tal como o artigo 93.º do CPA o impõe aos órgãos competentes para praticarem actos administrativos, antes de proferirem decisão final no procedimento, o que acarreta a sua nulidade, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental dos administrados [CPA, art. 122.º, n.º 2, al. d)], nulidade essa que impede a produção de efeitos jurídicos (CPA, art. 122.º, n.º 1), é "invocável a todo o tempo" e "pode ser declarada, a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou tribunal" (CPA, art. 123.º, n.º 2);
- sem constar desses "indeferimentos" as menções obrigatórias, enunciadas no artigo 113.º do CPA;
- sem os "indeferimentos", nalguns casos, apresentarem, os fundamentos de facto e de direito do "indeferimento" - ainda que através de sucinta exposição - ou, noutros casos, adoptando fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclarecem devidamente a motivação dos actos negativos, tal como o exigem os artigos 114.º e 115.º do CPA;
nnn. A A. considera que o REOP(M) do Decreto-lei 74/99/M, de 8 de Novembro (Macau) é tributário do REOP(P) do Decreto-lei 59/99, de 2 de Março (Portugal), pelo que não há razões substanciais, que justifiquem que, no n.º 1 do artigo 219.º do REOP(M) se esteja a exigir que se trate apenas de uma "decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos administrativos", em sentido amplo (como qualquer "pronúncia expressa e negativa"), e por maioria de razão quando o órgão em causa (Coordenador do GIT) é incompetente para praticar actos administrativos stricto sensu, definitivos, em sentido horizontal e vertical sobre a matéria discutida nas reclamações, que são objecto da acção, pelo que não se pode falar em decisão ou deliberação de órgão competente para comprometer a Administração perante o empreiteiro;
ooo. Pelos diplomas legais aplicáveis, constata-se que o GIT não tinha qualquer competência decisória na matéria, cabendo unicamente ao STOP assumir uma pronúncia vinculante;
ppp. Não existe qualquer acto impugnável à luz do artigo 219.º do REOP(M), que praticado em 2012/2013, tenha provocado a caducidade do direito de acção daA.;
qqq. Não se compreende que, devendo o litígio ser decidido pelo Tribunal, não esteja este habilitado previamente com a opinião do órgão, a final o único competente para comprometer a Administração perante o empreiteiro;
rrr. Se, por mera hipótese de raciocínio se admitir, sem conceder, que as pronúncias do GIT, em representação do dono da obra, nos anos de 2012 e 2013, pudessem ser considerados como constituindo verdadeiros actos de "indeferimento" dos pedidos da A., praticados por "entidade competente para praticar actos administrativos", a verdade é que, tal como se demonstrou anteriormente, não se deu cumprimento ao regime procedimental (CPA) e processual (CPAC), já que não houve verdadeiras notificações, ao abrigo do regime do procedimento administrativo porque não houve hipótese de audiência prévia, nem uma notificação que cumprisse os elementos essenciais para dar a conhecer, ao destinatário dos actos, o seu conteúdo;
sss. Ainda que se admita por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, que o próprio artigo 255.º do REOP(P) não se opõe à propositura da acção de actos opinativos, ainda que emanados de órgãos sem competência para comprometer a Administração perante o empreiteiro e que, portanto, por equivalência, o prazo de 180 dias, mencionado no n.º 1 do artigo 219.º do REOP(M) correria logo a contar da notificação das declarações negociais do GIT/PAL, a verdade é que, tal poderia compreender-se à luz do REOP(P), visto que o diploma de Portugal prevê, no seu artigo 260.º, a tentativa de conciliação e a interrupção da prescrição e da caducidade, tal como resulta do seu artigo 264.º, ao contrário do que sucede no REOP(M);
ttt. Em empreitadas de complexa grande e envergadura, como a do Metro ligeiro, a que respeitam os autos, as divergências entre todas as partes envolvidas são uma constante durante o período em que a mesma se desenrola, pelo que, não faz sentido interpretar o artigo 219.º do REOP(M) como consagrando um ónus de impugnação permanente (e imediata) de qualquer pronúncia desfavorável ao Empreiteiro que venha a ser formulada por um órgão representante do Dono da Obra, impedindo o Empreiteiro de aguardar pelas pronúncias do S.T.O.P., no ano de 2016 - órgão este único, legalmente competente para o efeito;
uuu. Só os actos do STOP é que constituem definitivas, no plano horizontal e vertical, declarações negociais de rejeição das reclamações da A., que se encontravam pendentes, sendo susceptíveis de serem respondidas, no mesmo prazo de 180 dias a contar da realização de uma notificação que contém os elementos legalmente obrigatórios, através do meio processual previsto naquele artigo 219.º;
vvv. As reservas e reclamações apresentadas pela A. devem ser subsumidas nos artigos 220.º e 221.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, considerando-se como reclamações pendentes e não resolvidas, justificando assim que o prazo de 180 dias previsto no artigo 219.º não tenha começado a correr até 2016;
www. Deverá considerar-se que, tendo em conta a (falta de) competência do GIT nesta matéria e o próprio teor das suas pronúncias, inseridas em correspondência continuada com o Empreiteiro e deste com o STOP, tais pronúncias devem ser qualificadas como actos meramente opinativos emitidos por uma entidade não "competente" na matéria e que não são susceptíveis de impugnação judicial ao abrigo do meio processual, a que se refere o mencionado artigo 219.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M;
xxx. À semelhança do artigo 254.º do REOP(P), que fala em submeter aos tribunais as "questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, que não sejam dirimidas por meios graciosos", o artigo 217.º do REOP(M) utiliza, para o mesmo efeito, a expressão "que não sejam dirimidas por meios de impugnação administrativa", o que não poderá deixar de ter o mesmo sentido;
yyy. O legislador do REOP, numa legislação e na outra, pretendeu que o empreiteiro se socorresse dos "meios de impugnação administrativa" ou "graciosa" (reclamação e/ou recurso hierárquico), para tentar resolver as "questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas", antes de as mesmas serem imediatamente submetidas ao tribunal competente, através da acção prevista no artigo 219.º do REOP(M); sendo que a Cláusula XII do Contrato, assinado pelas partes, vai nesse sentido;
zzz. É duvidoso que um mero acto opinativo, não definitivo e emitido por uma entidade não competente para comprometer a Administração perante terceiros (empreiteiro) (o GIT/PAL), possa ter a aptidão para constituir a negação de um direito ou pretensão do empreiteiro ou de permitir ao dono da obra arrogar-se direito que a outra parte não considere fundado, tal como resulta do artigo 219.º, n.º 1, "in fine";
aaaa. Tal como resulta da Petição Inicial, a A. intentou a presente acção ao abrigo do artigo 30.º, n.º 2, alínea 3), sub-alínea III), da LBOJ e nos termos dos artigos 97.º, alínea d), 98.º e 113.º, n.º 1 do CPAC;
bbbb. Tratando-se de uma empreitada de obras públicas, aplica-se, como legislação processual especial, o disposto nos artigos 217.º e seguintes do REOP, tal como a A. arguiu no n.º 128 da sua Petição Inicial, e nos termos que desenvolveu na Réplica, ao contraditar a excepção invocada pela R.;
cccc. Tratando-se de meras declarações negociais e de actos opinativos, que faz com que os litígios só possam ser resolvidos por acordo das partes e, na sua impossibilidade, por decisão judicial, pode suscitar-se a questão de saber se, a conjugação das disposições gerais das acções sobre contratos administrativos [CPAC, arts. 97.º/d) e ss.] com as disposições especiais do REOP (arts. 217.º e ss.), não poderá comportar uma outra construção;
dddd. No caso de declarações negociais ou actos opinativos não definitivos (porque não susceptíveis de comprometerem a Administração perante terceiros), o Empreiteiro poderá propor a acção, ao abrigo do artigo 113.º, n.º 1 do CPAC e dentro do prazo geral («a todo o tempo»), previsto no artigo 98.º deste Código;
eeee. No caso de declarações negociais ou actos opinativos definitivos (porque susceptíveis de comprometerem o contraente público perante o co-contraente particular), alcançáveis por recurso aos meios de impugnação administrativa ou graciosa (reclamação e/ou recurso hierárquico) (REOP, art. 217.º), o Empreiteiro terá de propor a acção, ao abrigo do n.º 1 do artigo 219.º do REOP, dentro, pois, do prazo especial (de 180 dias), prescrito no mesmo preceito legal;
ffff, A não propositura da acção, ao abrigo do artigo 113.º, n.º 1 do CPAC, não impede a propositura da acção, ao abrigo do n.º 1 do artigo 219.º do REOP, desde que, obviamente, neste caso, o Empreiteiro o tenha feito, respeitando o prazo especial de 180 dias;
gggg. Mesmo, nesta interpretação da lei - a ser possível - a A. teria proposto a sua acção tempestivamente, pelo que a caducidade nunca teria operado;
hhhh. Odono da obra, no domínio da legislação portuguesa, goza do prazo geral ("a todo o tempo") diferente do prazo especial (180 dias) do dono da obra, no domínio da legislação da RAEM;
iiii. Tal deve-se ao facto de, no artigo 255.º do REOP(P), não existir uma disposição similar à do n.º 2 do artigo 219.º do REOP(M), que remete para o seu n.º 1;
jjjj. Deste modo, não é irrelevante, na perspectiva do dono da obra, o momento que se definir para o início da contagem do prazo de 180 dias, mencionado no n.º 1 do artigo 219.º do REOP, para o empreiteiro.
De seguida, da assente entrega efectiva do local da Obra
kkkk. Sob a epígrafe "ocorreu ou não a entrega total e efectiva do local da obra e as respectivas consequências (quanto aos pedidos a).3 e 4)", veio a sentença recorrida julgar improcedentes estes dois pedidos por entender que o local da "Obra" foi efectivamente entregue à A. no dia 8 de Junho de 2012, data em que foi feita a Consignação da empreitada.
llll. Isto é, na versão formalista da sentença recorrida, houve Consignação; a A. "recebeu" a totalidade do local da obra, o que fez sem reserva; não reclamou; e, como tal, começou a contar o prazo para a execução da empreitada, pelo que, os pedidos formulados pela A. - relacionados com a alegada não disponibilização efectiva da totalidade do local da obra - não podem ser considerados procedentes, porque a A. decidiu conformar-se "... com o auto de consignação sem ter manifestado nenhuma objecção ou reserva ..." e, como tal, "... teria ela de aceitar inelutavelmente as respectivas consequências daí decorridas" (sic).
mmmm. Com o devido respeito, trata-se, como se disse, de mera aplicação da lei a uma situação normal de uma empreitada de obras públicas que, no entanto, nada tem que ver com a situação efectiva da obra dos presentes autos.
nnnn. E a R. sabe-o bem, até porque, no decurso da empreitada - inicialmente, como supra referido, com um prazo de 849 dias - foram concedidas 7 (sete) prorrogações graciosas do prazo (num total de 1012 dias), o que fez com que, uma obra que deveria findar em 5 de Outubro de 2014, apenas acabaria por ser concluída num prazo superior ao inicialmente contratado em cerca de 220% (em Julho de 2017).
oooo. Mas esta é também a única conclusão a retirar dos factos alegados na petição inicial- como se disse, no mínimo, a apurar em audiência de julgamento
- em conjugação com as disposições legais.
Mesmo aquelas invocadas na sentença recorrida.
De facto, consta do supra referido art.º 127º, invocado na sentença recorrida, que, no acto da consignação, "... o dono da obrafaculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos ..."
Ora, e como acima já se realçou, a R. não facultou à A. a totalidade do local da "Obra"
pppp. E estava obrigado a facultá-lo, nos termos contratualmente previstos, porquanto, como referido, o “esquema/plano de desvio do trânsito automóvel” constava da Proposta apresentada pela A., aceite pela R., o que resulta do disposto no art.º 10.1 do contrato de empreitada assinado pelas partes, segundo o qual todos os documentos e informações submetidos com a proposta a Concurso são parte integrante do contrato, e em caso de discrepâncias, atenderse-ia à respectiva cronologia, em termos de prevalência do mais recente.
qqqq. Partindo desta premissa, (e nada foi dito à A. que indiciasse o contrário!), foi esta a razão pela qual a A. assinou, de boa fé, o Auto de Consignação, em 8 de Junho de 2012, no pressuposto de que a R. iria garantir, junto da D.S.A.T., aquela autorização de desvio do trânsito automóvel.
rrrr. Tanto mais que, na reunião de 1 de Junho de 2012 ("kick off meeting"), obviamente, a R. assumiu como sua a responsabilidade de obtenção daquela autorização.
ssss. Não corresponde, por isso, à verdade que a A. não tenha reclamado - o que, aliás, fez abundantemente, muitas vezes sem resposta da R. - quanto ao facto de o local da "Obra" não lhe ter sido facultado nos termos contratualmente previstos.
tttt. Fê-lo, nomeadamente, em 11 de Junho de 2012 (v. docº nº17 da p.i.).
Sem que, por um lado, a R. tivesse decidido favoravelmente às pretensões da A., mas admitindo por outro lado, tacitamente, que a razão assistia à A., o que, independentemente de outras motivações pontuais, resulta das supra referidas sucessivas prorrogações graciosas do prazo da empreitada, concedidas nos termos do nº 2 do art.º 128º do supra referido D.L. nº 74/99/M.
uuuu. Não corresponde também à verdade, como referido na sentença recorrida, que a A. se tenha "conformado com o auto de consignação".
O que aconteceu, isso sim, é que a A. agiu sempre de boa fé, no pressuposto de que a R. acabaria por cumprir o que estava contratualmente disposto, ou, de outro modo, assumiria as correspondentes consequências e responsabilidades.
vvvv. Reiterando o que constava da sua Proposta submetida ao Concurso, a A. considerou como condição para realização da "Obra" nos termos daquela (e, por isso, contratuais), o encerramento ao trânsito automóvel, numa lª fase, do ramo Norte da estrada Governador Albano de Oliveira, junto ao Edificio "Windsor Arch"; e a abertura aos dois sentidos de circulação automóvel do respectivo ramo Sul, junto ao "Jockey Club".
O que nunca aconteceu.
Com as consequências que motivaram os pedidos correlacionados da A..
wwww. Afigura-se à A. que tudo aquilo que envolva mais do que uma mera "colocação de sinais" ou um mero condicionamento relativo provisório do tráfego, em vias de trânsito automóvel, não incumbirá forçosamente à A., mas aos serviços competentes da D.S.A.T..
xxxx. Por força da respectiva Lei Orgânica, incumbe à D.S.A.T., nas respectivas atribuições, coordenar a optimização de infra-estruturas rodoviárias, organizar o tráfego, fiscalizar o funcionamento das redes rodoviárias e, mais especialmente, emitir autorizações para obras que, durante a sua execução, impeçam ou condicionem o trânsito normal de automóveis ou de peões.
No nosso caso, é esta última incumbência exactamente o que está em causa...
yyyy. A decisão recorrida - imputando, erradamente, com o devido respeito, à A. "a coordenação com os serviços públicos quanto às medidas provisórias de trânsito" (no local da "Obra") - parte do pressuposto errado de que aquelas "medidas" não terão sido implementadas porque a A. não actuou junto dos "serviços públicos" (leia-se, a D.S.A.T.) como alegadamente deveria ter feito.
zzzz. Mas, tal não corresponde à verdade, para além de constituir, com o devido respeito, uma distorção do que está em causa, (a) não só pelo que acima se referiu - no sentido de que aquelas medidas provisórias de trânsito, sendo uma incumbência da da D.S.A.T. e carecendo de coordenação com o G.I.T. (o Dono da Obra e nunca apenas com a entidade privada - a A.); aliás, no que respeita à A., e após a adjudicação da empreitada, foram sempre objecto de trabalhos de conciliação e comunicação no sentido de fazer alcançar o consenso entre todas a partes; (b) mas também porque competia clara e indiscutivelmente à R., antes da adjudicação da empreitada, certificar-se junto da D.S.A.T., de que o esquema/plano de desvios de tráfego em que a A. baseara a sua Proposta (adjudicada sem reservas) merecia o acordo daquela.
Verificou-se, porém, logo a seguir à data da Consignação, que, de facto, assim não acontecera.
aaaaa. Neste cenário, é óbvio que os custos com tais medidas provisórias de tráfego em que a A. teve que incorrer excederam largamente aqueles que previra na sua Proposta, com base em tal plano, não tendo, pois, outra alternativa senão reclamar o ressarcimento dos custos adicionais.
bbbbb. Mas, pior do que isso, através do Documento nº 10 adicionado aos autos pela própria R. a propósito e na sequência da sua Contestação, documento esse, datado de 17/02/2017 - numa altura em que os presentes autos estavam obviamente em curso - e que consiste numa missiva da D.S.A.T. dirigida ao Digno Agente do MP (em representação processual da R.A.E.M., na acção), prova-se exactamente o contrário daquilo que a sentença recorrida refere.
ccccc. Aqui chegados, entende a A. que tudo aquilo que afirmou na sua petição inicial quanto a esta primordial questão deveria, no mínimo, ser apurada em audiência de julgamento.
Veja-se, o que a A. alegou nos art.ºs 29º, 31º, 32º, 36º, 37º 38º e 39º da p.i., mas, sobretudo, o respectivo doc. nº 17, que é uma longa missiva, datada de 11 de Junho de 2012 (apenas 3 dias após a consignação da obra!), de que aA. não obteve resposta, na qual a A. claramente expõe à R. a imperiosa necessidade do desvio imediato do trânsito, conforme a Proposta submetida ao concurso, e de coordenação dos trabalhos da empreitada com as diversas concessionárias de serviços públicos (electricidade, telecomunicações, água, parques automóveis, etc.) (v. art.ºs 41º a 51º da p.i.).
Não se diga, pois, que a A. não reclamou.
Foi sempre reclamando, mas poucas respostas obteve.
ddddd. Aliás, se assim não fosse (mas é!), nunca a R. viria a admitir que à A. é devido o valor peticionado sobre o nº 3 - "custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,522,260.00" - o que aconteceu muito recentemente a propósito da "conta final" da "Obra ", a qual, no entanto, ainda pendente de aprovação entre as partes (v. Docº nº 1).
Adiante,
Passemos agora a analisar a questão relacionada com os trabalhos de "ELS".
eeeee. Como referido na sentença recorrida, a A., atráves do pedido que identificou como b), reclamou (e reclama) da R. um valor de MOP$26,518,865,14 e, de forma sistemática, explicou claramente o motivo pelo qual reclama aquele valor, relacionado com os trabalhos relativos às Estruturas de Suporte Lateral e Escavações para a execução das estruturas da caves, os quais se encontram contratualmente referidos na Lista nº 3 da LQ - Obras de Fundação e Estrutura, com indicação do valor total de referência de MOP$90,900,048.00 (facto assente nº 12).
fffff. Basta uma leitura atenta dos art.ºs 60° a 72° e 150° a 185° para se perceber o que se passou, e o motivo do valor reclamado.
Contudo, de uma penada, com o devido respeito, a sentença recorrida "arruma a questão", com base na interpretação que faz do disposto no art.º 30º do D.L. nº 74/99/M, não curando de analisar os factos alegados pela A. que, reitera-se, no mínimo, teriam de ser apreciados em audiência de julgamento.
ggggg. O referido projecto "variante" apresentado pela R ("grosso modo", importa repeti-lo, uma cópia do projecto anteriormente desenvolvido e apresentado pela A.), segundo o regime da "série de preços" teve, na opinião da A., como contrapartida um preço de MOP$79,657,853.89, antes da ponderação do nº3 do art. 30º do citado DL..
hhhhh. O valor reclamado pela A., apenas com base no disposto no nº 3 do art.º 30º do citado D.L., corresponde a 50% do valor economizado pelo dono da obra, ou seja, a metade da diferença entre o valor total de referência (MOP$90,900,048.00) (Lista nº 3 da LQ contratual) e aquele novo total obtido (MOP$79,657,855.89), donde também o valor total reclamado de MOP$85,278,850.94, já supra citado.
iiiii. Do projecto apresentado pela A. resultou, ao contrário do que é referido na sentença recorrida um manifesto "efeito económico", a favor da R.; e deste efeito económico favorável, não foi obviamente afectada a "utilidade, duração e solidez da obra", porquanto a referida "Obra" foi já provisoriamente recebida pela R., sem reservas, nomeadamente, quanto às estruturas das caves para cuja execução foi necessária a execução dos dos trabalhos de "ELS".
jjjjj. E foi recebida nos termos em que foi executada, ou seja, nos termos do projecto "variante" efectuado pelo Projectista da própria R., ainda que, "grosso modo", uma cópia do projecto anteriormente executado pela A..
kkkkk. A R. apenas pagou à A., por estes trabalhos de "ELS", a quantia, ainda provisória, de MOP$58,759,985.80, pelo que a A. reclama da R. a diferença entre aquele montante e o valor de MOP$79,657,855.89, supra referido, acrescido dos supra referidos 50% da economia total [(MOP$90,900,048.00- MOP$79,657,855.89)*50% = MOP$5,621,096.05].
llll. Ora, analisados os factos supra referidos, de duas uma: ou o preço a pagar pela R. pelos trabalhos "ELS" seria aquele que resulta da proposta apresentada pela A. e do contrato, com base nas peças desenhadas e patenteadas a concurso (MOP$90,900,048.00) ; ou o preço a pagar pela R. por estes trabalhos, é aquele que resulta do projecto "variante" apresentado pela R, com base, "grosso modo", no projecto anteriormente elaborado pela A. - que, como tal, tem de ser considerado uma "alteração proposta pelo empreiteiro" - que se computou, antes da aplicação do nº 3 do art. 30º do citado DL, num valor de MOP$79,657,855.9.
mmmmm. Entende, por isso, a A. que a sentença recorrida, com o devido respeito, errou na apreciação desta questão, dando como assentes factos que estão manifestamente em contradição com a versão dos factos da A., ínsita na p.i..
Não se percebe, aliás, como é que a sentença recorrida conclui que, dos factos constantes dos art.ºs 159º, 164º, 165º, 167º e 170º da p.i., resulta uma "conclusão oposta" daquela de que resulta o pedido da A..
nnnnn. Dir-se-ia, reiterando o que se tem vindo a dizer que: se há uma contradição dos documentos contratuais; se, não obstante as dúvidas, a A. contratou um projectista para a elaboração do projecto; se o projecto apresentado pela A. foi rejeitado; e se o projecto "alternativo" apresentado pela R. era "grosso modo" uma cópia do da A.; tudo isto são factos que carecem de ser apreciados em audiência de julgamento, justamente porque os mesmos indiciam "má fé" da R. no cumprimento das obrigações contratuais.
ooooo. De facto, afirmar-se que a A. "nunca propôs qualquer alteração do projecto, mas sim apenas alguns esclarecimentos", ("esclarecimentos" estes que, diga-se, foram apenas quanto à contradição nos documentos contratuais...) é negar um facto que a A. se propunha provar em audiência de julgamento.
ppppp. Bem como, se proporia a A. provar que o seu projecto alterou (ou melhor, especificou) o projecto patenteado a concurso; e que, do mesmo, pela lógica dos números, resultou em beneficio material para a R. (o tal "valor economizado"), com o qual a R. concordou, pelo recebimento da "Obra". Finalmente, agora, a questão
Finalmente, quanto ao pedido de procedência da acção por "enriquecimento sem causa" da R..
qqqqq. Veio, a final, a A. formular um pedido subsidiário.
Isto é, tendo formulado pedidos que derivam da interpretação e execução do contrato administrativo "subjudice", a A. formulou igualmente um pedido subsidiário, na (remota) eventualidade dos pedidos anteriormente formulados não serem julgados procedentes.
Daí a expressão constante da p.i, "quando assim se não entenda...".
rrrrr. Para tanto, invocou a A. que, nos termos factuais que indicou na sua petição, pelo menos desde 1 de Junho de 2012, incorporou no Local da "Obra", a solicitação da R., mão de obra e materiais; mais indicando que o respectivo contravalor excede manifestamente, por motivos da exclusiva responsabilidade da R., o preço inicialmente estipulado entre as partes para a realização da empreitada.
Peticionou, por isso, a A. o valor de MOP$93,321,857.44, acrescido de juros vencidos e vincendos, resultante do enriquecimento da R. à custa do empobrecimento da A..
sssss. Quanto a este pedido subsidiário, veio a sentença recorrida decidir que, por um lado, a acção prevista no art.º 113° do C.P.A.C. "não constitui o meio processual adequado para conhecer o referido pedido"; e, mesmo que assim fosse, a A. não alegou factos (nem tentou provar) que justificassem uma condenação da R. por aquela fonte de obrigações.
ttttt. Dir-se-á que os factos alegados pela A., quanto a este pedido de condenação da R., por enriquecimento sem causa, estão todos elencados na petição.
Para tal, remete-se para os respectivos art.ºs 220º a 226º.
uuuuu. Quanto à possibilidade de comprovação de tais factos, reitera-se que àA. foi vedada tal possibilidade, por ausência de quesitação da matéria de facto alegada, a discutir em audiência de julgamento.
vvvvv. Quanto à decisão de que a acção em causa não é o meio processual para a efectivação deste pedido subsidiário, com o devido respeito, a sentença recorrida não fundamenta a decisão.
wwwww. Ora, nos termos do art.º 222° do já citado D.L. nº 74/99/M, sob a epígrafe "Direito subsidiário", é expressamente referido que em tudo o omisso neste diploma, aplicam-se "as disposições do Código de Procedimento Administrativo, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares e, na sua falta ou insuficiência, as disposições da lei civil".
xxxxx. De uma leitura do Código de Procedimento Administrativo nada resulta que o preenchimento desta lacuna não possa ser feito mediante o recurso à lei civil, desde que não se mostrem ofendidos os princípios gerais de direito administrativo.
yyyyy. Analisados os princípios de direito administrativo vigentes na R.A.E.M., entende a A. que não há motivo algum que justifique que, num contrato de empreitada de obra pública, se não possa peticionar uma quantia alegadamente por via do enriquecimento sem causa, se existe similitude de situações entre um contrato nos termos da lei civil - fonte de obrigações no direito civil - e um contrato de obras públicas.
zzzzz. Se assim fosse - isto é, como diz a sentença recorrida, se a presente acção não fosse o "meio processual adequado para conhecer o referido pedido" - então, com o devido respeito tal envolveria "uma diminuição das garantias dos particulares" quando contratassem com a Administração.
aaaaaa. E corresponderia, também, a um inqualificável "enriquecimento" da Administração que se não justifica, face à disparidade económica-financeira entre os particulares e a Administração e à não violação de qualquer princípio geral do direito administrativo, pelo recurso àquele instituto.
bbbbbb. Se, como diz a A., a incorporação de mão de obra e materiais no local da "Obra" excedeu largamente o preço acordado para a empreitada; que tal situação foi solicitada pela R. - que, como supra se referiu, prorrogou graciosamente o prazo da obra em 1012 dias - então, não parece dúvidas haver que o enriquecimento da R. foi obtido à custa do empobrecimento da A. Injustificadamente.
Termos em que,
Deverá julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Assim se fazendo Justiça!

Notificada das alegações do recurso interposto pela Autora, a Ré RAEM respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência – cf. as fls. 14160 a 14185 dos p. autos.

Subidos os autos a esta segunda instância, foi liminarmente admitido o recurso e foram colhidos os vistos.

Cumpre conhecer.
II

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com o vertido nas conclusões tecidas, a Recorrente colocou as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da caducidade do direito da acção relativa a diversas despesas reclamadas;

2. Da não entrega efectiva do local da obra e dos custos advenientes do aumento e alteração dos trabalhos causados pela não disponibilização do local da obra;

3. Do pagamento relativo a trabalhos de contenção periférica para escavações (ELS); e

4. Do enriquecimento sem causa.

Apreciemos.


1. Da caducidade do direito da acção relativa a diversas despesas reclamadas

A Autora pediu na petição, inter alia, a condenação da Ré no pagamento das diversas quantias, já reivindicadas, mas sem êxito, junto do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (doravante simplesmente designado por GIT), através das propostas de preço (報價單) nºs V0-002, V0-003, V0-006, VO-008, VO-018rl, VO-011, alegadamente resultantes de:

* Realização dos trabalhos dos desvios de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias e sinalização provisória, no valor de MOP2,340,940.00;

* Aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”)), designadamente para a protecção do tráfego não desviado, no valor de MOP19,544,030.80; e

* Não pagamento dos montantes devidos relativos a itens de trabalhos executados e em falta na lista de quantidades – no valor de MOP14,132,610.00.

Reagindo contra os pedidos relativos a estas quantias peticionadas, a RAEM deduziu excepção peremptória da caducidade do direito de acção relativa a estes créditos, tendo para o efeito alegado, em síntese, que:

* à luz do disposto no artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M, as acções que têm por objecto as questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos; e

* in casu, tendo a Autora sido notificada em 2012 e 2013 das decisões do Coordenador do GIT que lhe negaram ou não aceitaram as reclamações das tais despesas, é obviamente extemporânea a presente acção apenas intentada em 22JUL2016, na parte que diz respeito a estas despesas por caducidade do direito da acção.

A tese da Ré foi mais ou menos aceite pelo Tribunal a quo, e estes pedidos acabaram por ser indeferidos justamente com fundamento na caducidade do direito de acção para a reclamação judicial das tais despesas.

Inconformada com essa decisão, veio a Autora reagir por via do presente recurso.

Em sede de recurso, a Autora veio insistir na falta da tripla definitividade dos indeferimentos emanados do Coordenador do GIT das pretensões da Autora de reclamar as tais despesas, que sendo, na sua óptica, meros actos opinativos, meras declarações administrativas e não decisões, nunca operaram o início da contagem do prazo de 180 dias a que se refere o artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M.

Vejamos.

Sob a epígrafe “Prazo de caducidade da acção”, o artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M reza que as acções propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.

Resulta claro que o terminus a quo do prazo é a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos.

O ponto controvertido é o de saber quê decisão ou deliberação deve ser atendida?

Ou seja, se essa decisão ou deliberação deve ter a veste de um acto administrativo definitivo e executório, tal como defende a recorrente?

Entende o Tribunal a quo que não, pois tendo dito que:
Como se vê do disposto do art.º 218.º, a mencionada “decisão” ou a “deliberação” não é necessariamente um acto administrativo definitivo, contenciosamente impugnável, não obstante se admite que um e outro possam coincidir. Neste caso, o acto sendo destacável, é susceptível de recurso contencioso, e além disso, a mesma matéria será discutível na acção sobre contratos.
Bem afirmado pela A. na sua réplica, que as decisões em causa até podiam ser qualificados como actos opinativos, quando interpretem cláusulas contratuais ou se pronunciem sobre a respectiva validade, pelo que“não são definitivos e executórios” (cfr. art.º 173.º, n.º 1 do CPA).
Dito por outra forma, tais actos, embora não susceptíveis de contencioso administrativo, poderão sempre dar origem às acções sobre contratos.
Sendo assim, os actos que integram o objecto da acção, não têm que ser definitivos, quer horizontalmente, quer verticalmente, para não serem misturados com os actos contenciosamente impugnáveis.
Pois, o que interessa para a propositura da acção sobre contratos é que o dono de obra tinha uma pronúncia expressa e negativa sobre a pretensão do empreiteiro, formulado no percurso da execução da empreitada, independentemente de saber se se trata ou não da pronúncia que culminou todo o procedimento.

Em sede de recurso, a recorrente veio insistir dizendo que:
p. Todavia, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo lavra em erro porque, se é verdade que o n.º 1 do artigo 219.º do REOP estipula um prazo que se deve contar a partir da notificação «da decisão ou deliberação da entidade competente» para o efeito (S.T.O.P.), já não é verdade que esse prazo comece a contar desde notificações de declarações negociais (actos opinativos) de entidade (GIT/PAL) incompetente para comprometer a Administração perante o Empreiteiro, no que aos trabalhos e seus custos, em litígio, diz respeito.
q. Efectivamente, a tal entidade (GIT/PAL), apenas lhe foram conferidos poderes de "supervisão e fiscalização", de "controlo de execução de custos", quer pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, quer pelo Despacho do S.T.O.P. n.º 91/2007, de 1 de Novembro de 2007, que se encontrava em vigor à data dos pedidos (2012 e 2013), e não poderes decisórios quanto a actos e contratos e, pois, sobre a matéria em causa.
r. Poderes decisórios esse que, obviamente, só se inserem na competência do S.T.O.P., de quem o GIT depende, tal como decorre do n.º 10 do sobredito Despacho do Chefe do Executivo;
s. Antes do despacho de subdelegação do S.T.O.P. (de 2015), o Coordenador do GIT, não tinha sequer competência par autorizar a realização de trabalhos a mais e autorizar trabalhos a menos, em empreitadas de obras públicas;
t. O GIT e a PAL proferiram declarações negociais ou actos opinativos, no sentido de rejeição das pretensões do empreiteiro e a sentença recorrida, aderindo à tese da R., extraiu, dessas declarações negociais, a conclusão de que o dono da obra rejeitou os trabalhos a mais em litígio e, pois, também os seus custos. Todavia,
u. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, também lavra em erro, porquanto nenhuma das entidades em causa (GIT/PAL) exerceu o poder de direcção, dando qualquer ordem, verbal ou por escrito, à A., para proceder à reposição da situação anterior, nem antes, nem depois da recepção da obra e da conta final, nem aplicou à A. qualquer multa;

Ou seja, para a recorrente, não sendo mais do que declarações negociais ou actos meramente opinativos, as respostas consistentes nas pronúncias expressas e negativas emitidas pelo Coordenador do GIT sobre as propostas de preço apresentadas não têm o efeito operativo do início do tal prazo legal de 180 dias para a propositura da acção, o qual só se conta, para o empreiteiro, da notificação da decisão que lhe negue direito ou pretensão, a proferir pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, órgão competente para a prática de actos administrativos horizontal e verticalmente definitivos e executórios sobre a matéria em causa.

Ao que parece, a recorrente está a insinuar que a decisão ou deliberação a que se alude o citado artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M há de ser um acto administrativo destacável emanado pelo órgão administrativo que represente a última palavra da Administração, portanto, contenciosamente impugnável.

O CPA dispõe sob a epígrafe “Actos opinativos” no artº 173º, inserido no capítulo IV, dedicado ao contrato administrativo, integrante da Parte IV que regula a actividade administrativa, que:
1. Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.
2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.
Não obstante a sua denominação “actos opinativos”, coincidente com a utilizada pela doutrina para designar os actos que, não sendo actos administrativos propriamente ditos, têm como destinatários terceiros que estão (ou pretendem estar) em relação jurídica com a Administração, ou os próprios serviços desta, e não visam preparar ou auxiliar qualquer decisão administrativa, mas apenas dar conta do entendimento que a Administração tem a propósito de determinada questão, os actos opinativos assim denominados no artº 173º do CPA são algo diferentes e correspondem a declarações unilaterais de vontade jurídica da Administração, muito embora, por serem proferidas no seio de relações contratuais (em matéria de sua interpretação e validade, e fora, portanto, dos casos em que, mesmo aí, é dado à Administração praticar actos administrativos), não vinculam a contraparte – senão mediante prévia confirmação judicial – traduzindo-se assim (em sentido impróprio) em opiniões do contraente público sobre os direitos ou deveres que entende constituem o conteúdo da respectiva relação contratual (cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, actualizada, revista e aumentada, pág. 552).

No mesmo sentido, defende José Eduardo Figueiredo Dias que, no que respeita aos poderes da Administração na execução de um contrato administrativo, esta – por um lado, esta não goza do poder de interpretar unilateralmente o conteúdo do contrato: “Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade” são considerados “não definitivos e executórios (actos meramente “opinativos”), “pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor ao tribunal competente” (tudo de acordo com o artigo 173º); – por outro, ela não tem, como vimos, já o poder de obter a execução forçada das prestações em falta (artigo 174º) – in Manual de Formação do Direito Administrativo de Macau, pág. 324 e 325, CFJJ, 2009.

No Decreto-Lei nº 74/99/M que regula a matéria específica dos contratos administrativos de empreitada de obras públicas, o nosso legislador desenvolve ainda mais esse regime estabelecido na lei geral.

A este propósito, temos presente o seguinte teor normativo nos artºs 217º a 221º do Decreto-Lei nº 74/99/M:
Artigo 217.º
(Tribunais competentes)
As questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, que não sejam dirimidas por meios de impugnação administrativa, podem ser submetidas aos tribunais competentes.
Artigo 218.º
(Forma do processo)
1. Revestem a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais competentes sobre interpretação, validade ou execução do contrato, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
2. O disposto no número anterior não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
Artigo 219.º
(Prazo de caducidade da acção)
1. As acções propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.
2. O prazo previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às acções propostas pelo dono da obra.
Artigo 220.º
(Aceitação do acto)
1. O cumprimento ou acatamento pelo empreiteiro de qualquer decisão tomada pelo dono da obra não se considera aceitação tácita da decisão acatada.
2. Todavia, se dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da decisão o empreiteiro não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão reputa-se aceite.
Artigo 221.º
(Matéria discutível)
O indeferimento de reclamações formuladas oportunamente pelo empreiteiro ao dono da obra não inibe o empreiteiro de discutir a matéria dessas reclamações, em acção para o efeito proposta, com observância do disposto nos artigos 219.º e 220.º
In casu, é dado assente e aceite pelas partes que as decisões do Coordenador do GIT que não aceitaram as diversas propostas de preços apresentadas pela recorrente integram nas ditas questões que se suscitem sobre a execução do contrato de empreitada de obras públicas (artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M).

Na esteira dos ensinamentos que citamos supra, as tais respostas consistentes nas pronúncias expressas e negatórias das pretensões de pagamentos extra por parte da ora recorrente, emitidas pelo Coordenador do GIT, enquanto actos opinativos, a que se refere o artº 173º/1 do CPA, que não sendo actos administrativos por não vincular a contraparte nem poder ser operados, sem o seu consentimento, senão através da acção judicial prévia, pela sua natureza necessariamente não definitiva nem executória, naturalmente não têm de percorrer toda a tramitação de um do procedimento administrativo típico que culmina com a produção de actos administrativos proprio sensu e não estão portanto sujeitos às suas regras procedimentais, nem, por conseguinte, à sindicância por via de recurso contencioso de legalidade que tem por objecto actos administrativos proprio sensu, tal como defende, para nós, erradamente, a ora recorrente.

A recorrente questiona também a competência do Coordenador do GIT para a prática de actos administrativos.

O GIT foi criado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, e tem natureza de equipa de projecto e funciona na dependência e sob a orientação do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.

Tem como seus objectivos promover a modernização e o aperfeiçoamento das infra-estruturas de transportes viários, incumbindo-lhe, designadamente, desenvolver projectos relacionados com grandes infra-estruturas de transportes viários, e para a prossecução desses objectivos, compete ao GIT coordenar e executar os projectos de desenvolvimento de grandes infra-estruturas de transportes viários na RAEM – parág. 1º/2-1) e 3º/1 do Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007.

Estando in casu em causa questões atinentes à execução do contrato de empreitada que tem por objecto a construção da obra da 1ª fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira, em fase daquilo que foi definido no despacho do Chefe do Executivo que criou o GIT, nomeadamente na parte que mencionámos supra, não temos dúvidas de que o Coordenador do GIT tem competência para praticar actos administrativos.

Assim, cai por terra toda a tese defendida pela recorrente, alicerçada na incompetência do Coordenador do GIT para a prática de actos administrativos, na falta da tripla definitividade das tais decisões do Coordenador e na inobservância das regras próprias do procedimento administrativo, nomeadamente as referentes aos elementos essenciais da notificação de actos administrativos proprio sensu.

2. Da não entrega efectiva do local da obra e dos custos advenientes do aumento e alteração dos trabalhos causados pela não disponibilização do local da obra

A Autora pediu, na petição inicial da acção, a condenação da Ré, a título de compensação indemnizatória total por danos causados à Autora pela não disponibilização total do local da obra, no pagamento do montante de MOP$52.670.382,30, referentes a
1) custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP$2,340,940.00;
2) custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”), designadamente para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP$19,544,030,80; e
3) custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,552,236.00.
4) custos fixos e outros encargos indirectos no montante total de MOP$29.233.175,50.

Os pedidos identificados nas al. 1) e 2), foram indeferidos pelo Tribunal a quo com fundamento na caducidade do direito de acção, o que foi confirmado por nós conforme decidimos supra.

Portanto, só resta saber se o Tribunal a quo andou bem ao julgar como julgou improcedentes os pedidos das quantias peticionadas nas al. 3) e 4).

A decisão recorrida apoiou-se essencialmente na comprovada efectivação, sem reclamação nem reserva, da consignação da obra, documentada no Auto de Consignação ora constantes das fls. 1668v e s.s. dos p. autos, e na responsabilidade assumida pela Autora na sua proposta apresentada para o concurso público quanto ao plano de desvios de tráfego necessários à realização das obras.

Portanto, para o Tribunal a quo, os invocados atrasos alegadamente causadores dos danos de que a Autora pretendeu ressarcir-se não são de responsabilidade da Ré.

A Autora insurgiu-se contra esse entendimento.

Para o efeito, defende que, não obstante a formal consignação da obra, o certo é que o local da obra não lhe foi disponibilizado e que só assinou de boa-fé o auto na convicção de que a Administração iria resolver os problemas dos desvios de tráfego. Mas na realidade, no momento da consignação da obra, o local ainda não lhe era materialmente disponível.

Não tem razão a recorrente.

Por um lado, conforme documentado no Auto de Consignação, ora constantes das fls. 1668v e s.s., foi declarado pelo representante da adjudicaria, ora recorrente, que se encontrava em condições para dar início à obra.

Entende-se por consignação da obra o acto pelo qual o dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto que sejam necessárias para proceder a essa execução – artº 127º do Decreto-Lei nº 74/99/M.

No que diz respeito à questão de saber a quem pertence a responsabilidade pelos desvios de tráfego por forma a viabilizar a realização das obras, o teor da proposta apresentada pela ora recorrente para a candidatura ao concurso público da empreitada já nos deu a resposta.

Pois conforme se vê na proposta apresentada pela ora recorrente, na observância e em cumprimento do exigido no ponto 13.1, alínea i) do processo de concurso, ora constantes das fls. 1422 e s.s., e de acordo com o estipulado no artº 10º/1-c) do contrato de empreitada, estão incluídas no ponto 3, alínea 3.1, da Lista nº 1 de 一般工作(dos trabalhos em geral) as medidas provisórias de trânsito consistentes em planeamento e implementação de medidas provisórias de trânsito durante a execução da obra; construção e demolição de paredes de betão; comunicação e conciliação; revisão das medidas provisórias de trânsito tomadas por qualquer razão; tratamento adequado de todos os objectos usados para medidas provisórias de trânsito; recuperação de instalações transitárias nos locais relativos – vidé as fls. 1429v dos p. autos.

Ora, se se tiver comprometido a encarregar-se de implementar as medidas provisórias de trânsito na realização das obras por força do contrato de empreitada e tiver sido confrontado com a rejeição pela DSAT do plano de desvios de tráfego por ela submetido consistente no encerramento total ao trânsito automóvel do ramo norte da Estrada Governador Albano de Oliveira, junto ao Edifício Windsor Arch e na abertura das duas faixas de circulação automóvel, uma em cada sentido, no ramo sul, junto ao Jockey Club, a recorrente deveria, com vista ao cumprimento das obrigações que assumiu no contrato de empreitada, ter avançado com outro plano alternativo por forma a satisfazer as exigências da DSAT e poder iniciar o mais cedo possível a realização das obras na sua plenitude.

Em vez de se proceder dessa maneira, antes pelo contrário, aguardava passivamente que os problemas fossem resolvidos pela Administração, e veio agora reivindicar os alegados montantes a título de 工程停工費用補償 (compensações pela suspensão da execução das obras) no período compreendido entre MAIO2013 e ABR2014, no valor de MOP$29.233.175,50, assim como a quantia de MOP$1.552.236,00, a título de sobrecustos alegadamente da importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, alegadamente em consequência da impossibilidade de armazenamento de solos escavados, dada a exiguidade das áreas de trabalho disponíveis por não disponibilização total do local da obra.

Havendo prejuízos causados pela suspensão da obra e pela falta do espaço para o armazenamento dos solos escavados, os tais prejuízos só podem ser suportados pela Autora que, enquanto empreiteiro, assumiu a responsabilidade contratual de planear e implementar medidas provisórias de trânsito durante a execução da obra por forma a poder disponibilizar todas as áreas úteis logo no início das obras.

Não o tendo feito, é a própria Autora que deve suportar tais prejuízos.

Assim, não é de proceder os tais pedidos, e bem andou o Tribunal a quo nesta parte da decisão.

3. Do pagamento relativo a trabalhos de contenção periférica para escavações (ELS)

A Autora, ora recorrente, pediu, na petição inicial da acção, com fundamento legal no disposto no artº 30º do Decreto-lei nº 74/99/M a condenação da Ré no pagamento a favor dela o montante de MOP$26.518.865,14, a título de montantes devidos e não pagos à Autora e relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações (ELS).

Para o efeito, a Autora alegou, na petição inicial, o seguinte:
  150. Nos termos, designadamente, do n.º 7.1 do Programa do Concurso e da cláusula 4.a das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos, o regime da empreitada é “por série de preços”, sendo pois os trabalhos executados pelo Empreiteiro pagos através da aplicação dos preços unitários de cada item das LQ incorporada no Contrato à quantidade real de cada um de tais itens executada em obra.
  151. De entre o âmbito da empreitada, destaca-se o subcapítulo do capítulo relativo às “Fundações e Estrututa”, designado por Escoramento (“支撐”), o qual trata essencialmente dos trabalhos de contenção periférica, isto é, de execução indispensável para suster as “paredes” laterais de toda a zona a escavar, trabalhos esses precedendo necessariamente a actividade de escavação das caves e que, em linguagem da especialidade, se designam usualmente por “Excavation and lateral support” (“ELS”).
  152. Tratando-se de uma empreitada “por série de preços”, o valor destes trabalhos deveria ser determinado através da medição dos trabalhos executados tendo naturalmente como base o correspondente projecto contratual. Porém
  153. De entre os documentos contratuais, existe uma contradição no que concerne a estes trabalhos: por um lado, e tal como já descrito no início desta petição, na LQ contratual, estes trabalhos, tal como quaisquer outros da LQ, são apresentados como se fossem paramedir normalmente, tendo em conta o já referido regime geral da empreitada, relativo a um extrato completo deste capítulo da LQ, devidamente itemizado, com base no projecto contratual, também este devidamente detalhado no respeitante a estes trabalhos em concreto). Por outro lado, porém,
  154. Numa outra peça contratual - o Capítulo IV.2 – “Especificações Técnicas e Catálogos”, no seu n.º 2, relativo a “Obras de Escavação e Terraplanagem” (n.º este, referindo-se essencialmente, no entanto, a trabalhos de escavação de menor dimensão eventualmente também requerendo contenção periférica, como por exemplo, abertura de valas para instalação de tubos de drenagem e/ou cabos eléctricos (ver um extrato de tal parte das Especificações no Doc. n.º 71), os concorrentes eram informados de que as peças desenhadas incluidas no Projecto patenteado a concurso tinham um carácter meramente informativo, devendo, portanto, o respectivo projecto de execução ser desenvolvido pelo futuro adjudicatário da empreitada. Ora,
  155. Representando este facto um claro conflito de interesses entre as partes: responsabilidades de projecto, versus, o regime do Contrato “à medição”, gerou-se desde cedo um conflito entre a A. e a R. à volta dele, cujos detalhes se expõem de seguida.
  156. Importa também realçar que, numa outra terceira parte das peças escritas patenteadas a concurso, integrada no n.º 2 (“Concepção Minuciosa das Estruturas de Suporte Lateral e de Escavações”) do subcapítulo IV.1 (“Memória Descritiva e Justificativa”) do capítulo IV (“Projecto de Execução de Cada Especialidade (Peças Escritas e Desenhadas)”) - (ver um extracto de tal parte no Doc. n.º 72) - esta sim, incidindo claramente sobre este tipo de trabalhos (“ELS”) em concreto, designadamente os relacionados com a escavação das caves, em particular, para execução de ambos os parques subterrâneos: para estacionamente de autocarros e transportes públicos (1) e para viaturas ligeiras privadas (2) nenhuma referência a tal facto é feita.
  157. Apesar de a LQ e o Projecto patenteados a concurso estarem normalmente detalhados, isto é, como se se tratasse de trabalhos à medição, tal como os demais, nas Especificações Técnicas define-se que o respectivo subprojecto será da responsabilidade do Empreiteiro, sendo as correspondentes peças desenhadas patenteadas a concurso apenas para referência, dependendo das condições encontrados “in situ”, particularmente, à medida que a escavação progride.
  158. Neste contexto, e convencida, de que o regime a aplicar a estes trabalhos em concreto era de igual modo por série de preços e execução com base no projecto da R. (suficientemente detalhado, como acima também já explicado),_na altura do concurso, e no contrato, a A. calculou os seus preços para cada um dos itens da Lista n.º 3 da LQ geral, também estes suficientemente detalhados e relacionados com o projecto patenteado a concurso, de forma agressiva e competitiva. Porém,
  159. Aquando do arranque dos trabalhos em obra, logo após a Consignação (e importa aqui sublinhar o quão crítica era a execução destes trabalhos, no contexto do âmbito global da empreitada, a executar, de resto, de acordo com o Programa de Trabalhos contratual), surgiu a já acima referida contradição dos documentos contratuais.
  160. Assim, como já anteriormente se referiu, a A., em 2 de Julho de 2012, emitiu à atenção da R. e do seu Projectista (Parsons Brinckerhoff (“PS”) um pedido de esclarecimentos (“Request for Information” – “RFI”), solicitando alguns esclarecimentos relativos ao projecto destes trabalhos.
  161. O referido Projectista viria a responder a 16 do mesmo mês, porém, e para surpresa da R., apenas remetendo a A. para o nº 2.7 do apítulo IV.2.2 das Especificações Técnicas e Catálogos", “Obras de Escavação e Terraplanagem” (Ver Doc. n.º ), mais acrescentando que, tal como aí definido, o projecto relativo a estes trabalhos em concreto era da responsabilidade da A.
  162. Em face desta reacção do Projectista da R. (que esta não desmentiu), a R. considerou estar perante uma contradição fundamental dos documentos contratuais, envolvendo um claro conflito de interesses, como já acima realçado, i.e. “mistura” responsabilidades de projecto com o regime contratual de “série de preços”, criando assim uma situação controversa.
  163. Tendo a A. imediatamente confrontado a R. com esta situação, esta, não só não se pronunciou sobre a referida contradição, como também confirmou a solicitação do Projectista para que a A. prosseguisse com o desenvolvimento do projecto para estes trabalhos.
  164. Não obstante a recusa da R. em esclarecer a contradição, preocupada com a necessidade de arrancar urgentemente com estes trabalhos, a A. decidiu, em boa fé, cumprir com a referida solicitação da R. e do seu Projectista, e contratou um projectista qualificado para, rapidamente, executar o solicitado projecto, à sua responsabilidade, sendo que, entre Setembro e Novembro de 2012, ao longo do desenvolvimento do referido projecto, foram realizadas inúmeras reuniões de coordenação entre as partes relativamente a este assunto. Em particular,
  165. Considerando que o progresso e a conclusão dos trabalhos eram a principal prioridade, designadamente, para o interesse publico, a A. propôs-se avançar de imediato com algumas das actividades que, fazendo embora parte dos trabalhos “ELS”, não eram afectadas pelo desenvolvimento do projecto em curso, deixando asssim para mais tarde um esclarecimento cabal das diferenças entre as partes relativamente ao assunto. Contudo,
  166. A boa vontade da A., assim manifestada, foi completamente ignorada pela R..
  167. Não obstante a inexistência de objecções técnicas relevantes, o GIT viria a recusar formalmente este subprojecto, após o que, solicitou ao seu Projectista a apresentação do seu próprio subprojecto.
  168. Ao agir, como agiu, o GIT evidenciou o propósito de contornar o direito do empreiteiro a cobrar o referido preço total contratado como contrapartida da responsabilidade contratualmente estabelecida da concepção / construção de tais trabalhos como um todo, já que tal capítulo da LQ passava, agora, a ser tratado em regime de preço global, em violação do disposto no contrato e nos documentos do concurso, que estabelecem o regime de série de preços.
  169. Para além de tentar contornar o estabelecido nos documentos do concurso e o acordado no contrato, não obstante ter sido o próprio GIT, inicialmente a lembrá-lo e a exigir o seu estrito cumprimento, agindo do modo como agiu, julgava conseguir também um outro propósito: o de transferir tais trabalhos para o regime geral do contrato de série de preços, contornando deste modo, também, qualquer veleidade do empreiteiro vir a pretender recorrer ao regime previsto no artigo 30.° do Decreto-lei n.º 74/99/M, no sentido de considerar estes trabalhos como uma alteração por si proposta. Mas,
  170. Qual não foi a supresa da A. quando, ao receber que o subprojecto apresentado pelo Projectista (da R.), constatou que este era afinal, “grosso modo”, uma cópia do projecto anteriormente por si apresentado.
  171. Não obstante esta inaceitável atitude de má fé por parte da R., dada a extrema urgência de se avançar com estes trabalhos do caminho crítico do programa (escusado seria realçar a significativa perda de tempo que tudo isto implicou!), a postura da A. foi o de colaborar com a R. na implementação da solução por si imposta, e quanto à parte comercial, confiou que logo se acertaria com a R. Assim,
  172. E mantendo, embora, a sua posição de reclamação, reviu a lista de medições e preços anteriormente apresentada, tendo em conta, tanto quanto aplicável, a utilização de preços unitários da LQ, e preços novos, nos demais casos. Isto é,
  173. Em vez de insistir num cenário de preço global para estes trabalhos (“ELS”), em que, contrariamente ao que se passava com todos os demais, o respectivo projecto era da responsabilidade da A, o compromisso consistia em considerer tal projecto da R. como uma alternativa/alteração proposta pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 30.° do Decreto-Lei n.º 74/99/M, aplicando-se, portanto, o seu n.º 3 Assim,
  174. Completamente “desgastada” com todas estas tentativas sem sucesso durante bem mais mais de um ano e agravando-se a sua situação de desequilíbrio financeiro, a A, através da sua carta de 27 de Novembro de 2013 (Ref.: J01/2012/OLV/L/189 (Doc. n.º 73), decidiu fazer um derradeiro esforço de aproximação às posições da R., apresentando uma proposta de compromisso, os respectivos pressupostos, e buscando um consenso com a R.
  175. Uma vez mais, a R. não se dignou sequer responder à proposta da A e, apesar das dúvidas acerca do valor a receber por tais trabalhos, e tendo em conta o interesse público, a A. prosseguiu e completou todos os trabalhos em 2014.
  176. Invocando o disposto no referido preceito legal, a A. solicitou que, a diferença entre o novo total obtido (MOP$79,657.853,89 (setenta e nove milhões e seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e cinquenta e três patacas e oitenta e nove avos) e os referidos cerca de MOP$90,900.048,00 (noventa milhões e novecentas mil e quarenta e oito patacas), incluídos no preço contratual, fosse repartida, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, em 50/50, o que conduzia ao novo total de compromisso de cerca de MOP$85.278.950,95 (oitenta e cinco milhões e duzentas e setenta e oito mil e novecentos e cinquenta mil patacas e noventa e conco avos).
  177. De notar que, os acima referidos valores de (MOP$79,657.853,89 e, por conseguinte, de MOP$85.278.950,95 diferem para menos dos correspondentes valores, contantes da também acima referida carta da A., de 27 de Novembro de 2013, como resultado de acertos de medições entretanto ocorridos.
  178. No respeitante aos respectivos pagamentos, foram certificados e pagos, apenas, MOP$51,491.237,40 (cinquenta um milhões quatrocentas e noventa uma mil e duzentas e trinta e sete patacas e quarenta avos), isto é, viria a receber somente cerca de 60% do total solicitado, sem ter jamais recebido uma justificação detalhada para o “corte” efectuado.
  179. Apesar dos persistentes protestos da A., relativamente a esta matéria, apenas através da carta, datada de 23 de Fevereiro de 2016 (Ref.: GIT-O-16-00328) (Doc. n.º 74) aqui dada por integralmente reproduzida, e na sequência das reuniões havidas com o STOP, viria o GIT a admitir, que o valor devido era afinal superior, isto é, MOP$58,759,985.80 (cinquenta e oito milhões e setecentas e cinquenta e nove mil e novecentas e oitenta e cinco patacas e oitenta avos). A A. reagiu a esta carta através da sua Ref.: J01/2012/OLV/L/621, de 1 de Abril de 2016 (Doc. n.º 75), a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, solicitando explicações relativamente carta da Ré. Porém e mais uma vez não teve resposta até à data e nem sequer entre a diferença anteriormente pagao e o valor ora reconhecido como devido foi pago. Ou seja,
  180. Ao fim de mais de 2 anos, o GIT aceita, mas ainda não de forma definitiva, que ainda há um valor a pagar ao empreiteiro. Mas,
  181. Não obstante a referida transitoriedade do valor aceite, logo a R. se apressa a alegar argumentos para redução do montante a pagar. Com efeito, por um lado,
  182. Pese embora tenha em seu poder uma caução que, no respeitante a estes trabalhos, representa 5% do montante de MOP$90,900.000,00 (noventa milhões e novecentas mil patacas), ou seja, o equivalente a MOP$4,500.000,00 (quatro milhões e quinhentas mil patacas), pretende agora mais garantias relativas a “trabalhos a mais” aí incluidos, invocando - sem razão - o disposto no n.º 2 do artigo 185.° do Decreto-lei n.º .74/99/M. Por outro lado,
  183. Ignorando completamente fazer uma análise global do assunto, porquanto, em termos globais, o valor final da empreitada é seguramente superior ao preço inicial do contrato, pretendendo, de imediato, acertar o ritmo de reembolso do abono antecipado! Em qualquer caso,
  184. Pelas razões já explicitadas, a A. não pode, de modo algum, aceitar suportar a diferença entre o valor total de compromisso proposto e legalmente devido, no montante de MOP$85.278.850,94 (oitenta e cinco milhões e duzentas e setenta e oito mil e oitocentas e cinquenta mil patacas e noventa e quatro avos) e o valor, ainda provisório, de MOP$58.759.985,80 (cinquenta e oito milhões e setecentas e cinquenta e nove mil e novecentas e oitenta e cinco patacas e oitenta avos), perfazendo tal diferença o montante de MOP$26.518.865,14 (vinte e seis milhões e quinhentas e dezoito mil e oitocentas e sessenta e cinco patacas e catorze avos).
  185. Porque, a R. tem arrastado, deliberadamente, o integral pagamento das importâncias devidas pelos trabalhos das “ELS” - justificando manterem-se, ainda, em análise alguns dos seus items -, e, porque a R. se recusa a cumprir o disposto na lei, deve o Tribunal condenar a R. a cumprir o disposto no artigo 30.º do Decreto-lei n.º 74/99/M e, em especial o seu n.º 3, bem como a pagar à A. a importância de MOP$26.518.865,14 (vinte e seis milhões e quinhentas e dezoito mil e oitocentas e sessenta e cinco patacas e catorze avos), com os correspondentes juros legais, vencidos e vincendos até ao seu integral pagamento.

Ora, não obstante a mistura da matéria fáctica com juízos conclusivos e matéria de direito neste segmento da petição inicial, conseguimos com alguns esforços sintetizar a matéria puramente fáctica em que se apoiou a Autora para formular o pedido nos termos requeridos.

Sintética e simplesmente falando, o que pretende dizer a Autora é o seguinte:

* O regime adoptado na empreitada em causa é “por série de preços”, ou seja, os trabalhos executados pelo empreiteiro são pagos mediante a aplicação dos preços unitários de cada item das listas de quantidades à quantidade real de cada um dos itens executados;

* Por isso, os preços constantes das listas de quantidades são contrapartida dos trabalhos executados e calculados em função da quantidade desses trabalhos, não incluindo todavia a elaboração do projecto para a execução desses trabalhos, que é da responsabilidade da Ré;

* Neste contexto e não obstante a convicção de que o regime a aplicar a estes trabalhos era “por série de preços” e a execução era levada a cabo com base no projecto da Ré, só para não atrasar o andamento dos trabalhos, a Autora contratou um projectista para a elaboração do projecto para a execução dos trabalhos;

* O projecto veio a ser rejeitado pela Ré;

* A Ré, por sua vez, contratou um projectista seu para a elaboração do projecto para a execução dos trabalhos, que é grosso modo a cópia do projecto da autoria do projectista contratado pela Autora;

* A Autora acabou por concluir os trabalhos de contenção periférica e escavações, que foram recebidos pela Ré;

* Pelos trabalhos executados, foi-lhe pago o montante de MOP$51.491.237,40;

* O preço acordado no contrato é de MOP$90.900.048,00;

* O novo preço é de MOP$79.657.853,89; e

* Tem direito a Autora a receber o montante de MOP$26.518.865,14, a título da metade do valor economizado, a que se refere o artº 30º/3 do Decreto-Lei nº 74/99/M.

Ora, para sustentar o seu direito ao montante de MOP$26.518.865,14, a Autora invocou como fundamento legal o disposto no artº 30º do Decreto-Lei nº 74/99/M, que, sob a epígrafe “Alterações propostas pelo empreiteiro” dispõe:
1. Em qualquer momento dos trabalhos, o empreiteiro pode propor ao dono da obra variantes ou alterações ao projecto relativamente a parte ou partes dele ainda não executadas.
2. Tais variantes ou alterações devem obedecer ao disposto no presente diploma sobre os projectos ou variantes apresentados pelo empreiteiro, e o dono da obra pode ordenar a sua execução desde que aceite o preço global ou os preços unitários propostos pelo empreiteiro ou com este chegue a acordo sobre os mesmos.
3. Se da variante ou alteração aprovada resultar economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra, o empreiteiro tem direito a metade do valor economizado.
À luz do disposto neste artigo, o pressuposto de facto essencial exigido para operar a sua estatuição é o facto de empreiteiro ter proposto ao dono da obra variantes ou alterações ao projecto relativamente a parte ou partes dele ainda não executadas, que tenham sido aceites pelo dono da obra, mediante a simples aceitação ou através do acordo a acertar entre o empreiteiro e o dono da obra.

In casu, nada disso foi alegado pela Autora!

Como se sabe, a causa de pedir é o conjunto de factos jurídicos concretos invocados para servir de fundamento da acção, do qual emerge, por força do direito, o efeito jurídico pretendido pelo autor.

Assim, é preciso que o autor mencione os factos jurídicos concretos que lhe servem do fundamento e indicar o efeito jurídico que pretende obter com a instauração da acção.

E para além dos factos, o Autor deve indicar e expor as razões de direito em que assenta o efeito jurídico pretendido – artº 389º/1-c) e d) do CPC.

Por força do princípio da substanciação consagrado no nosso processo civil, aqui aplicável, ao autor cabe articular os factos de onde deriva a sua pretensão ou do direito cuja tutela jurisdicional se busca.

Visto o princípio da substanciação sob outro prisma, temos presente que o Tribunal fica limitado à qualificação jurídica dos factos articulados pelo autor e vedado a substituir-se ao autor no suprimento da falta ou insuficiência da materialidade fáctica essencial e necessária à satisfação do direito ou da pretensão que o autor pretende fazer valer mediante a instauração da acção.

Voltamos ao caso sub judice.

A Autora limitou-se a invocar a norma em que assenta o efeito jurídico pretendido.

Mas não alegou a materialidade fáctica essencial e necessária ao preenchimento dos pressupostos de facto exigidos no citado artº 30º do Decreto-Lei nº 74/99/M, nomeadamente, os factos demonstrativos da existência de uma proposta dos variantes ou alterações ao projecto inicial, que veio a ser aprovados pelo dono da obra, assim como o facto de que desses variantes ou alterações ter advindo economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra. E além disso, a Autora limitou-se a alegar conclusivamente o valor de MOP$85.278.950,95, como o novo preço total dos trabalhos executados, sem que todavia tivesse explicado como é que se calcularam os alegados quantitativos do tal novo total.

Assim sendo, tal como decidiu e bem o Tribunal a quo, mesmo que viesse a ser comprovada a matéria alegada pela Autora na petição inicial, cuja impertinência é óbvia, o pedido não pode deixar de improceder, dada a falta manifesta da matéria fáctica para sustentar o seu pedido.

Também aqui, bem andou o Tribunal a quo, e nada temos a censurar a decisão recorrida nesta parte.

Improcede assim esta parte do recurso.

4. Do enriquecimento sem causa

Subsidiariamente, a Autora avançou com o fundamento no instituto de enriquecimento sem causa para reivindicar as quantias peticionadas.

Para o efeito alegou na petição que:
  220. Resulta patente da matéria de facto referida e dos pedidos supra formulados que, desde, pelo menos, 1 de Junho de 2012 que a A. vem incorporando no Local da Obra, a solicitação da A. - primeiro, por via da adjudicação da obra em apreço que lhe foi feita e, depois, após a assinatura do contrato que assinou com a A. - mão de obra e materiais;
  221. Cujo o cômputo global excede manifestamente, por motivos de exclusiva responsabilidade da R., como se tem vindo a referir ao longo do presente articulado, o preço inicialmente estipulado entre as partes para a realização da empreitada.
  222. Aqui chegados, entende a A. que, subsidiariamente e na eventual improcedência dos pedidos supra - que, como se disse, corporizam uma deslocação patrimonial entre a A. e a R. - então, no mínimo, ocorreu um “enriquecimento sem causa” da R..
  223. A figura do “enriquecimento sem causa” está prevista no art.º 467º do C.C. segundo o qual:
  “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
  2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
  224. Estão preenchidos, pelo menos na versão da A., os requisitos cumulativos do enriquecimento sem causa, (v. Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado”, nota ao art.º 473º do C.C. da Repª Portuguesa ):
"a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
(...)
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa...
(...)
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
(...)”
  225. No caso, manifestamente, o enriquecimento da R., à custa do empobrecimento da A., carece de “causa justificativa”.
  226. Na versão da A., não houve qualquer justificação para que a R. tenha enriquecido à sua custa com a quantia de MOP$93,321,857.44 (noventa e três milhões, trezentos e vinte e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos) devidamente supra discriminada, incorporada em Obra da R., como se disse, através de mão de obra e material.

A título principal, o pedido foi indeferido por inidoneidade da acção sobre contratos administrativos para dirimir litígios que não têm por fonte um contrato administrativo.

Para nós, bem andou o Tribunal a quo.

Na verdade, não sendo da fonte de obrigações da natureza contratual, o instituto de enriquecimento sem causa não pode ser invocado nas acções sobre contratos administrativos, concebidas e vocacionadas para dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual – artº 113º/1 do CPAC.

Ex abundantia, o Tribunal a quo, com fundamento no incumprimento do ónus de alegar e provar a causa de pedir, julgou improcedente o pedido fundado no alegado enriquecimento sem causa.

Em sede de recurso, quanto a este fundamento “subsidiário”, a Autora limitou-se a remeter para “todos os factos elencados na petição, pois disse que “os factos alegados pela A., quanto a este pedido de condenação da R., por enriquecimento sem causa, estão todos elencados na petição”.

Muito sinteticamente falando, o enriquecimento à custa de outrem consiste numa deslocação patrimonial de uma esfera jurídica para outra com o empobrecimento daquele outrem. Enriquecer à custa de outrem é ver a sua esfera jurídica patrimonial aumentada por força de uma diminuição da esfera jurídica de outrem.

In casu, veio a Autora, ora recorrente, dizer, em sede de recurso, que todos os factos integrantes na causa de pedir já foram alegados na petição.

Sinceramente falando, não se sabe quais os factos materiais concretos em que a Autora se pretende apoiar na dedução do pedido com fundamento no enriquecimento sem causa, pois, pelo menos, ficamos sem saber em que termos a Administração se enriqueceu à custa da Autora sem causa justificativa?

Assim, não pode proceder essa parte de recurso.


Em conclusão:

1. Não sendo actos administrativos propriamente ditos, os actos opinativos proprio sensu têm como destinatários terceiros que estão (ou pretendem estar) em relação jurídica com a Administração, ou os próprios serviços desta, e não visam preparar ou auxiliar qualquer decisão administrativa, mas apenas dar conta do entendimento que a Administração tem a propósito de determinada questão.

2. Os actos opinativos a que se refere o artº 173º do CPA são algo diferentes e correspondem a declarações unilaterais de vontade jurídica da Administração, muito embora, por serem proferidas no seio de relações contratuais (em matéria de sua interpretação e validade, e fora, portanto, dos casos em que, mesmo aí, é dado à Administração praticar actos administrativos), não vinculam a contraparte – senão mediante prévia confirmação judicial – traduzindo-se assim (em sentido impróprio) em opiniões do contraente público sobre os direitos ou deveres que entende constituem o conteúdo da respectiva relação contratual.

3. No que respeita aos poderes da Administração na execução de um contrato administrativo, esta – por um lado, esta não goza do poder de interpretar unilateralmente o conteúdo do contrato: “Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade” são considerados “não definitivos e executórios (actos meramente “opinativos”), “pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor ao tribunal competente” (tudo de acordo com o artigo 173º); – por outro, ela não tem, como vimos, já o poder de obter a execução forçada das prestações em falta (artigo 174º).

4. Os actos opinativos, a que se refere o artº 173º/1 do CPA não têm de percorrer toda a tramitação de um do procedimento administrativo típico que culmina com a produção de actos administrativos proprio sensu e não estão portanto sujeitos às suas regras procedimentais, nem, por conseguinte, à sindicância por via de recurso contencioso de legalidade que tem por objecto actos administrativos proprio sensu.

5. Por força do princípio da substanciação consagrado no nosso processo civil, ao autor cabe articular os factos de onde deriva a sua pretensão ou do direito cuja tutela jurisdicional se busca.

6. Não obstante o Juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 567º do CPC) e ser legalmente viável o enquadramento jurídico dos factos articulados pelo autor de forma diversa do que este fez, o Tribunal fica limitado à qualificação jurídica dos factos articulados pelo autor e vedado a substituir-se ao autor no suprimento da materialidade fáctica essencial em falta mas necessária à satisfação do direito ou da pretensão que o autor pretende fazer valer mediante a instauração da acção.

7. O enriquecimento à custa de outrem consiste numa deslocação patrimonial de uma esfera jurídica para outra com o empobrecimento daquele outrem. Enriquecer à custa de outrem é ver a sua esfera jurídica patrimonial aumentada por força de uma diminuição da esfera jurídica de outrem.


Tudo visto, resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam negar provimento ao recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 23JUL2020

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

1 Artigo 255.º do DL n.º 59/99, de 02 de Março, (Prazo de caducidade): As acções deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar actos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado (sublinhado nosso).
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Ac. 1158/2018-93