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Processo nº 297/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 23 de Julho de 2020

ASSUNTO:
- Competência do Tribunal em sede de execução.
- Atribuição da competência a tribunal de outra jurisdição para a resolução do litígio.

SUMÁRIO:
- Constando do título executivo que a execução de qualquer sentença pelo credor contra o devedor poderá ser intentada em tribunal de qualquer jurisdição é de concluir que não foi afastada a competência dos tribunais de Macau para a execução.
- Beneficiando o credor de título executivo bastante para exigir a cobrança coerciva do seu crédito nos tribunais de Macau, pode instaurar execução para o efeito sem necessidade de obter sentença da jurisdição estrangeira a que se atribuiu competência para a resolução dos litígios.


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Rui Pereira Ribeiro


















Processo nº 297/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Julho de 2020
Recorrente: A
Recorrida: B Pte. Ltd.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
veio deduzir embargos à execução em que é exequente
B, Pte. Ltd., também esta com os demais sinais dos autos,
Invocando a incompetência do tribunal de Macau para a execução, a prescrição do direito à acção à luz da lei de Singapura e da de Macau e a prescrição dos juros também nos termos do C.Civ. de Macau.
Foi proferido despacho saneador sentença, tendo sido julgado o Tribunal competente e improcedentes a invocada prescrição do direito à acção e dos juros, improcedendo os embargos.
Não se conformando com a sentença proferida no que concerne à competência do tribunal, veio o embargante interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso foi interposto da douta sentença constante de fls. 32 a 34v, proferida em 16 de Outubro de 2019 pelo Tribunal Judicial de Base, que julgou improcedentes os embargos de executado instaurados pelo Embargante, ora Recorrente (doravante, a “Sentença”).
2. O Embargante, ora Recorrente, irá unicamente debruçar-se sobre a questão da incompetência do Tribunal de Macau para conhecer do litígio em questão.
3. Uma vez que o Recorrente não se conforma com a Sentença e sua fundamentação no que toca à referida matéria, irá adiante demonstrar a V. Exas. por que razão deve a mesma claudicar.
4. Concretamente, demonstrar-se-á que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não reflecte uma correcta interpretação quer da matéria de facto, quer do direito aplicável ao caso concreto.
5. Assim, o Recorrente vem submeter à superior apreciação de V. Exas. as presentes alegações, convicto que das mesmas resultará a revogação da Sentença recorrida.
6. Em linhas gerais, recordemos sumariamente os vários argumentos propugnados pela douta Sentença:
1º Argumento:
a. existem divergências entre a versão chinesa e a versão inglesa do contrato designado por B PTE. CREDIT AGREEMENT - referido no artigo 5º do requerimento inicial da Exequente (doravante, o “Contrato”);
b. os interessados acordaram, no artigo 16º do Contrato, que no caso de haver divergência entre as versões chinesa e inglesa prevaleceria a versão inglesa;
c. assim, a versão inglesa deverá prevalecer, a qual não exclui a jurisdição dos tribunais de Macau, pelo que a excepção do Embargante não tem fundamento.
2º Argumento:
a. as partes não estão de acordo quanto à versão a aplicar-se;
b. quer haja divergência nas versões do Contrato, quer o Embargante não domine a língua inglesa, a versão chinesa não pode vincular ambas as partes;
c. assim, não se pode concluir que as partes tenham decido afastar a jurisdição dos tribunais de Macau.
3º Argumento:
a. o marker (junto aos presentes autos como documento 7 com o requerimento inicial de Execução), que consubstancia o título executivo que permitiu instaurar a acção executiva a quo (doravante, o “Título” ou o “Marker”), consiste apenas numa declaração unilateral do Embargante;
b. sendo uma declaração do Embargante, o Título não vincula a Embargada;
c. assim, o Título não pode considerar-se como um acordo de vontade entre o Embargante e a Embargada, nem o mesmo tem a consequência de excluir a jurisdição dos tribunais de Macau;
4º Argumento:
a. Nas jurisdições como as de Macau, onde existe um regime de execução com base em documento particular, não se pode exigir às partes que obtenham primeiro uma sentença de uma outra jurisdição, só para depois intentarem em Macau a execução, sendo tal procedimento inútil para o credor;
b. o que na realidade as partes pretenderam foi permitir a submissão da execução, pelo credor, em qualquer jurisdição, e não apenas em caso de obtenção de uma sentença prévia de condenação;
c. assim, mesmo que a versão chinesa do Contrato e o Título vinculem ambas as partes, a jurisdição dos tribunais de Macau não poderá ser excluída de maneira nenhuma;
7. É fundamental recordar-se, desde logo, que nos encontramos em sede de execução, onde conforme expressamente o tribunal a quo reconhece, foi o Marker, que consubstancia o título executivo, que permitiu instaurar a presente acção executiva. Ou seja, é por força da existência e apresentação em juízo do Marker que foi efectivamente possível a presente execução ter lugar.
8. Por outro lado, importa também ter presente que é o título executivo que toda a execução tem por base que, além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (vide o artigo 12º, nº 1 do CPC), apresentando-se como requisito essencial da acção executiva. Tais limites são, com RODRIGUES BASTOS [vide RODRIGUES BASTOS, JACINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 3ª edição, Lisboa, 1999, p. 100], “a espécie e o montante da dívida, a identidade da coisa, a delimitação do facto” (negrito nosso).
9. Não restam, pois, dúvidas no caso sub judice que o documento base e único da execução é o Título, e não o Contrato.
10. Ora, se a Exequente/Recorrida pretende fazer apelo aos elementos constantes no Contrato, deverá a mesma intentar uma acção declarativa para o efeito, permitindo nessa sede discutir, provar e habilitar uma decisão tendente a dar validade e aplicabilidade às suas cláusulas.
11. Neste conspecto, dir-se-á, com CÂNDIDA DA SILVA ANTUNES PIRES ANTUNES [vide ANTUNES PIRES, CÂNDIDA, Lições de Processo Civil de Macau, Processo de Declaração, Procedimentos Cautelares Processo de Execução, 2ª edição revista e ampliada, Livraria Almedina, 2015, p. 451] que “ao passo que a acção declarativa e respectivo processo têm a estrutura de um juízo cognitivo, de apreciação, traduzindo-se fundamentalmente em decisões, i.e., na resolução de questões e de problemas com base nas provas produzidas, a estrutura da acção executiva corresponde à sua finalidade material de efectivação de um concreto direito no plano dos factos, e traduz-se fundamentalmente em operações (...)”.
12. No penúltimo parágrafo do Título foi estipulado entre as partes que i) o Título e todos os assuntos com ele relacionados seriam regulados pelas leis de Singapura; ii) quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o capital e juros devidos, incluindo, mas não limitados a qualquer conduta do subscritor, (ora Executado), ou da credora (ora Exequente), decorrentes, no ou relacionadas com o casino ou no resort nele integrado ou no local designado no qual o resort integrado se encontra construído, estão sujeitos à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura; e iii) a execução de qualquer sentença pelo credor contra o devedor poderá ser intentada em tribunal de qualquer jurisdição.
13. Ou seja, de harmonia com o estabelecido no Título, a Exequente/Recorrida só podia dar à execução uma sentença proferida por qualquer tribunal, incluindo os de Singapura. O que não lhe é facultado é dar directamente à execução em Macau o Título, violando assim o pacto de atribuição de jurisdição dele constante.
14. Título esse, o qual, não obstante ter sido apenas assinado pelo Executado/Recorrente, não só foi preparado pela Exequente/Recorrida, como por esta utilizado para instaurar a presente execução, pelo que não restam dúvidas que merece a sua inteira anuência.
15. Assim, tendo a ora Recorrente intentado uma acção Executiva, deve a mesma limitar-se, tout court, aos termos e condições delimitados pelo conteúdo do Título, cuja redação, sem ambiguidades ou obscuridades, nos diz claramente que se concede ao credor o direito de escolha do local de execução de sentença proferida pelos Tribunais de Singapura (e já não em Macau ou noutro sítio qualquer): “I acknowledge that this shall not preclude the enforcement of any judgement against me by the Company in the courts of any other jurisdiction chjosen by the Company”. Leia-se: “eu aceito que isto não prejudica a execução de qualquer sentença contra mim pela Sociedade nos tribunais de qualquer outra jurisdição escolhida pela Sociedade (tradução livre)”.
16. Quer dizer: de acordo com o Marker, a liberdade da Exequente/Recorrida para instaurar uma acção declarativa (e aí discutir, inter alia, a dívida e as cláusulas do Contrato) é total, podendo fazê-lo em qualquer parte do mundo. Depois, a sentença dessa acção também pode ser executada em qualquer sítio. Mas para a Exequente/Recorrida instaurar uma acção executiva em Macau com base no Marker tem esta necessariamente que obter primeiro uma sentença de Singapura, não podendo fazê-lo directamente.
17. Em suma, a instauração de uma execução em Macau entrará em directa violação com o conteúdo clausulado e estipulado entre as partes, o que deverá naturalmente ser evitado a todo o custo, sob pena de violação dos mais elementares princípios como sejam a autonomia privada e a autodeterminação da pessoa por meio do negócio jurídico e violação do pacto de atribuição de jurisdição, por um lado, e a necessidade da segurança do tráfico jurídico e do princípio da confiança, por outro.
18. Por último, não deixe de se tecer algumas considerações relativamente ao raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, de que a vontade das partes foi incorrectamente veiculada, por se revelar desrazoável para a credora, ora Embargada/Recorrida, e que por isso a declaração emitida não poderia ser outra senão aquela que, segundo o entendimento do douto Tribunal, melhor serviria o interesse das partes.
19. Salvo o muito e devido respeito, tampouco sufragamos aqui o aliás douto entendimento supra do Meritíssimo Juiz a quo e a razão disso está na natureza das coisas.
20. O raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, repita-se, é de que a vontade das partes foi incorrectamente veiculada, por se revelar desrazoável para a credora, ora Embargada/Recorrida, e que por isso a declaração emitida não poderia ser outra senão aquela que, segundo o entendimento do douto Tribunal, melhor serviria o interesse das partes.
21. Estamos, como se facilmente deduz, no domínio da interpretação e integração da declaração negocial
22. Impõe-se, por consequência, regressar às origens.
23. Para já, e fazendo uso das palavras vertidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 12.03.2013, Proc. nº 2398/07, diremos que “Na interpretação de uma declaração de vontade, para além do elemento literal, que se presume dever corresponder a uma correcta expressão de um conteúdo de vontade, livremente assumido, autonomamente formado e intelectualmente consolidado, haverá que ter em consideração outros elementos circunstanciais e envolventes que serviram para a formação de um contrato, o fim que se teve em vista para a formação da vontade de cada um dos intervenientes num contrato”.
24. Ora, atento o conteúdo reproduzido do Título, resulta por demais evidente, de forma clara e precisa, que se concede ao credor o direito de escolha do local de execução de sentença proferida pelos Tribunais de Singapura: “I acknowledge that this shall not preclude the enforcement of any judgement against me by the Company in the courts of any other jurisdiction chosen by the Company”. Leia-se: “eu aceito que isto não prejudica a execução de qualquer sentença contra mim pela Sociedade nos tribunais de qualquer outra jurisdição escolhida pela Sociedade (tradução livre)”.
25. Depois, no que toca à ratio por detrás da escolha do foro, cumpre referir que à execução apenas faria sentido abrir caminho a outras jurisdições tendo por base uma sentença anteriormente proferida em Singapura, no local de onde brotou, em primeiro lugar, a relação contratual ali definida e celebrada entre as partes.
26. A contrario, caso a intenção das partes fosse verdadeiramente a de poder intentar procedimentos judiciais em Singapura ou qualquer outra jurisdição - o que não se concebe, mas apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona -, desnecessário seria às partes estipularem expressamente o referido direito à execução de sentença conferido à Embargada/Recorrida.
27. Pelo que, tendo em atenção o supra exposto, conclui-se inequivocamente que as partes quiseram submeter, através do pacto de aforamento por estas apreendido e executado, o julgamento dos litígios que dali surgissem em conexão, decorrentes ou relacionados com o Título, apenas aos tribunais e à lei de Singapura.
28. Mais, não compete ao Tribunal fazer interpretações correctivas da vontade das partes.
29. A este propósito, acompanhamos de perto HOSTER, HEINRICH EWALD [vide HOSTER, HEINRICH EWALD, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1ª edição, Livraria Almedina, 1992, p. 507], cuja formulação é não só inequívoca como de fácil apreensão:
“Tendo-se tornado eficaz (...) ou tendo sido concluída (...), a declaração negocial ou o contrato podem dar lugar a dúvidas quanto ao seu conteúdo ou objecto. Quer dizer, pode acontecer que seja obscuro ou sejam vários os sentidos de uma declaração negocial, respectivamente de um contrato. Mas também é possível que a declaração negocial ou o contrato não sejam propriamente obscuros ou equívocos, mas que se apresentem uma lacuna. Se uma destas situações se verificar - e apenas neste caso! - será necessário captar o sentido da declaração negocial ou do contrato que constitui elemento, por via de interpretação ou preencher a lacuna existente com o recurso à integração.
Se uma declaração é unívoca não há razão para recorrer a uma “interpretação”, mesmo que ela não pareça “razoável” ou que não “faça sentido” para uma pessoa “sensata”. Uma interpretação é diferente de uma avaliação. A interpretação serve para captar o sentido, o próprio conteúdo da declaração, mas não para avaliar o conteúdo sob o aspecto da razoabilidade ou da sua conformidade ou não com a lei. Uma coisa é captar o sentido, outra coisa é avaliar o sentido captado” (sublinhado e negrito nossos)
30. Em suma, os dois únicos documentos assinados pelo Executado - o Título (documento 7) e o Contrato (documento 4) - prevêem expressamente o foro de Singapura como o foro exclusivo para dirimir quaisquer questões emergentes dos mesmos.
31. AD CAUTELAM, caso este superior tribunal não venha a entender procedente o sobredito relativamente aos Título e Contrato - hipótese que não se concede e que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona - não deixe de se referir, a título subsidiário, o que se passa a expor infra.
32. É consabido que para haver negócio jurídico é necessária, desde logo, a existência de pelo menos uma declaração de vontade que o integre, ou seja, o primeiro passo para o negócio jurídico consiste numa declaração de vontade.
33. Não se esqueça, por outro lado, que o Contrato foi executado em língua chinesa, acompanhado, por sua vez, de um outro documento complementar ou acessório, o qual se encontra redigido em língua inglesa e que não foi assinado por nenhuma das partes.
34. Quer dizer, para declarar a sua vontade em se vincular ao empréstimo, a Embargada/Recorrida e o Embargante/Recorrente escolheram um meio próprio para o fazer, de forma expressa, tendo ambos os contraentes optado de forma directa, consciente e voluntária por se vincular somente ao documento redigido em chinês, rectius, o Contrato.
35. Aliás, no que toca à declaração negocial emitida pelo Embargante/Recorrente, esta foi manifestada no Contrato justamente por aquele se tratar de um documento redigido em língua chinesa, a única que o mesmo domina e que inclusive assinalou de forma expressa como preferida, tendo colocado um visto no local assinalado para a opção conferida pelo próprio instrumento negocial.
36. Já a versão inglesa do contrato não chegou sequer ao conhecimento das partes, não tendo estas demonstrado qualquer vontade no sentido de se vincularem aos seus termos.
37. Tanto é assim que o documento redigido em língua inglesa não tem sequer indicação das partes contratantes ou do montante a ser emprestado pela Embargada/Recorrida ao Embargante/Recorrido, entre outros elementos de monta.
38. Ora, às cláusulas redigidas em língua inglesa, as quais não foram subscritas ou tornadas conhecidas pelas partes - pelo menos, por parte da Embargante, ora Recorrente -, não poderá atribuir-se o mesmo valor que foi conferido às cláusulas do Contrato, que mereceram não só a apreensão, como a concordância e a execução de ambas as partes.
39. Sentido que, de resto, não pode deixar de ser sintonizado com a função do negócio jurídico, traduzido na autodeterminação da pessoa dentro da sua autonomia privada, em conformidade com a sua vontade real.
40. É, aliás, o que resulta do citado artigo 216º, nº 1, do Código Civil (doravante, o “CC”): “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.
41. É cristalino que foi apenas o documento livremente e de boa-fé subscrito por ambas as partes, redigido em língua chinesa, aquele com o qual as partes contaram e segundo o qual dirigiram e formaram a sua vontade de contratar, ab initio, e que depois foi consolidado no Título.
42. Quanto ao silêncio - onde nem sequer existe uma “manifestação” - a lei parte do princípio de que não possui valor declarativo nenhum (nem é equivalente a uma recusa): o silêncio, em termos de declaração negocial por via de regra não vale nada. Apenas nos casos expressamente previstos, ou seja, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso, ou convenção, é que o silêncio vale como declaração negocial (cfr. o artigo 210° do CC). Portanto, também não pode haver qualquer aprovação tácita possível, no que diz respeito ao documento redigido na língua inglesa.
43. Nestes termos, e tendo em devida consideração os referidos princípios da autonomia privada e da autodeterminação da pessoa por meio do negócio jurídico, por um lado, e a necessidade da segurança do tráfico jurídico e do princípio da confiança, por outro, não se deve nem pode, de maneira nenhuma, atribuir-se valor jurídico a um documento que, em lado nenhum, contém os elementos identificativos das partes e do contrato, bem como os elementos mais elementares demonstrativos da vontade das partes em vincular-se àquele, desde logo a assinatura das partes - nem expressamente, nem de forma tácita - sendo tais cláusulas ineficazes, nos termos do artigo 216º, nº 1, do CC.
44. Por outro lado, sempre se poderá dizer - como disse o Tribunal a quo ­ que a cláusula 16 do Contrato prescreve, de forma inequívoca, que a versão inglesa terá prevalência no caso de haver divergência entre as versões chinesa e inglesa, pelo que a mesma vincula o Recorrente.
45. No entanto, tal cláusula tem que ser lida cum grano salis, no pressuposto evidente e necessário de que as partes se vincularam não apenas ao Contrato, como também ao documento redigido em Inglês. O que, de resto, não sucedeu de todo.
46. Também aqui se deve atentar às regras da perfeição da declaração negocial, maxime, o supra referido normativo constante do artigo 216º, nº 1, do CC.
47. De facto, como é possível dizer-se, como fez o douto Tribunal a quo, que as partes decidiram atribuir prevalência a um documento sobre o qual nem sequer houve assentimento ou aquiescência, antes de mais? Parece­nos, salvo melhor opinião, um resultado interpretativo forçado, desrazoável e legal, pelo que o mesmo será de se afastar.
48. Destarte, tal cláusula não poderá nunca vincular as partes, sendo a mesma ineficaz, por se tratar de uma ofensa ostensiva aos ditâmes da boa-fé, que é princípio exponencial de todo o convívio social e, quer nos preliminares negociais, quer na formação dos mesmos.
49. Mais uma vez, também daqui não podemos presumir - como fez o Tribunal a quo - de forma tácita, uma declaração ficta do Embargante/Recorrente, no sentido de este se vincular à sobredita versão inglesa do Contrato - a qual, repita-se, não chegou nunca ao seu conhecimento nem dele mereceu qualquer expressão ou manifestação de vontade.
50. Pelo que em nada adianta vir dizer que a circunstância de o Contrato conter uma cláusula a dar prevalência à versão inglesa, em caso de discrepância com a versão chinesa, serviria para atribuir competência aos tribunais de Macau para julgamento da presente execução.
51. Tudo, em clara contradição (e violação) do pacto atributivo contido no Contrato, e que, como se sabe, atribui competência exclusiva aos tribunais de Singapura.
52. Entende ainda o Meritíssimo Juiz a quo que o documento subscrito pelo Embargante/Recorrente é uma declaração unilateral, de donde se extrai, segundo a mesma, que o Título não pode vincular a Embargada/Recorrida, uma vez que não houve acordo de ambas as partes na sua realização.
53. Todavia, assim não entende o aqui Recorrente, pois trata-se de um negócio entre o Embargante/Recorrente e a Embargada/Recorrida, totalmente realizado no âmbito da sua liberdade contratual e da sua livre disponibilidade.
54. Na realidade, o facto de a ora Recorrida não ter assinado o Marker não significa que a mesma não lhe tenha dado o seu acordo. Prova disso mesmo é a aceitação in limine pela Embargada/Recorrida do Título assinado pelo Embargante/Recorrente, nomeadamente fazendo uso dele para a instauração da acção Executiva a quo - ainda que o esteja a utilizar, conforme se referiu, em contrariedade com os seus termos e condições.
55. Vir agora dizer, como veio a Exequente/Recorrida, que o Título é unilateral e que nada tem a ver com a mesma é no mínimo um comportamento contrário à boa-fé e uma violação à doutrina da confiança na vertente do venire contra factum proprium, pois se aquela apresentou o Título é porque está integralmente de acordo com ele - não só quanto ao montante, mas também quanto aos restantes elementos que o integram, incluindo as suas cláusulas.
56. Assim, e contrariamente ao que advoga o douto Tribunal a quo, estamos perante um título executivo na forma de escrito particular bilateral, máxime, um documento confirmativo ou complementar do contrato de mútuo e que vem inclusive replicar algum do conteúdo das cláusulas contratuais gerais contidas no Contrato.
57. Aliás, uma leitura mais atenta do Título (e do Contrato) bastará para se compreender que o mesmo contém cláusulas contratuais gerais elaboradas pela Embargada/Recorrida - que a doutrina habitualmente designa por contratos de adesão ou condições gerais de contratação - e não uma mera declaração sem qualquer consequência jurídica para a Embargada/Recorrida.
58. A propósito dos contratos de adesão, temos como pacífico o entendimento no sentido de que “As cláusulas contratuais gerais visam moldar a vontade dos intervenientes nos negócios jurídicos que as mesmas respeitam. Estes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as, como declaratórios, assumem posições negociais que, no todo ou em parte, lhes correspondem. As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários”. (negrito e sublinhado nossos)” [cfr., MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA e A. MENEZES CORDEIRO, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 17].
59. Sendo igualmente este o teor do nº 2, do artigo 1º da Lei nº 17/92/M de 28.09, que estabelece o “Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais”, e onde se preceitua que “Por cláusulas contratuais gerais entende-se as que são previamente formuladas para valer num número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta à outra, que se limita a aceitar, para a conclusão de um contrato singular”.
60. Como sobre a matéria se considera também que o contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (cfr., ANTUNES VARELA, “Das Obrigações”, 2ª ed., 1º-220, 3ª ed., 1º-237, podendo­se ver ainda M. PINTO, in “Direito Civil”, 1980-15 e, bem assim, o Acórdão do T.U.I. de 22.07.2012, Processo nº 44/2012, onde se considerou que as cláusulas contratuais gerais referem-se a contratos de adesão dando como exemplo os “contratos de consumo” como o de “fornecimento de electricidade, água, seguro”, etc.).
61. Em face do exposto, considerando que (i) a Embargada/Recorrida foi a efectiva proponente do Título, que (ii) as cláusulas do Título foram pré­elaboradas sem possibilidade de alterações pelo Embargado/Recorrente, e que (iii) o Embargado/Recorrente se limitou a aceitar as condições impostas pela Embargada/Recorrida, podemos concluir com segurança estarmos perante um contrato de adesão confirmativo ou complementar do mútuo, in casu, o Contrato.
62. De outra parte, o elemento gramatical “I agree” (eu concordo/concordo que), presente no Título, a assinatura do “Supervisor” (representante da Embargada/Recorrida), ou a presença do logotipo da Embargada/Recorrida no Título, são apenas mais alguns dos elementos que indiciam a natureza bi­vinculante do Título.
63. Recordemos novamente que no penúltimo parágrafo do Título foi estipulado entre as partes que i) o Título e todos os assuntos com ele relacionados seriam regulados pelas leis de Singapura; ii) quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o capital e juros devidos, incluindo, mas não limitados a qualquer conduta do subscritor, (ora Executado), ou da credora (ora Exequente), decorrentes, no ou relacionadas com o casino ou no resort nele integrado ou no local designado no qual o resort integrado se encontra construído, estão sujeitos à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura, e iii) a execução de qualquer sentença pelo credor contra o devedor poderá ser intentada em tribunal de qualquer jurisdição.
64. Daqui decorre que as partes destinatárias do Título, por vontade livremente expressa, atento o princípio da boa-fé, não só escolheram como foro exclusivo – em benefício de ambas que não exclusivamente de uma só – os tribunais de Singapura para julgar todos os litígios, nomeadamente aqueles que respeitam à cobrança e pagamento de quaisquer quantias concedidas ao abrigo do mesmo, que surgissem em conexão, decorrentes ou relacionados com o Título, como também escolheram a lei aplicável, ou seja, a lei de Singapura.
65. Tendo, neste contexto, sido efectivamente excluída a aplicação de qualquer outra jurisdição que não a de Singapura, para instaurar execução com base no Marker.
66. Diz enfim o Tribunal a quo que nas jurisdições como as de Macau, onde existe um regime de execução com base em documento particular, não se pode exigir às partes que obtenham primeiro uma sentença de uma outra jurisdição, só para depois intentarem em Macau a execução, sendo que tal procedimento não é útil para os interesses do credor.
67. Partindo desta premissa, o entendimento avançado pela Sentença é que na realidade o que as partes pretenderam, com a redacção oferecida no Título, foi permitir a submissão da execução, pelo credor, em qualquer jurisdição, e não apenas em caso de obtenção de uma sentença prévia de condenação.
68. Salvo o muito e devido respeito, tampouco sufragamos aqui o aliás douto entendimento supra do Meritíssimo Juiz a quo, e a razão disso está na natureza das coisas.
69. Como acima se disse, o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo é de que a vontade das partes foi incorrectamente veiculada, por se revelar desrazoável para a credora, ora Embargada/Recorrida, e que por isso a declaração emitida não poderia ser outra senão aquela que, segundo o entendimento do douto Tribunal, melhor serviria o interesse das partes.
70. Ora, como se facilmente deduz, estamos no domínio da interpretação e integração da declaração negocial, pelo que, impõe-se regressar às origens.
71. Para já, e fazendo uso das palavras vertidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 12.03.2013, Proc. nº 2398/07, diremos que “Na interpretação de uma declaração de vontade, para além do elemento literal, que se presume dever corresponder a uma correcta expressão de um conteúdo de vontade, livremente assumido, autonomamente formado e intelectualmente consolidado, haverá que ter em consideração outros elementos circunstanciais e envolventes que serviram para a formação de um contrato, o fim que se teve em vista para a formação da vontade de cada um dos intervenientes num contrato”.
72. Atento o conteúdo reproduzido do Título, resulta por demais evidente, de forma clara e precisa, que se concede ao credor o direito de escolha do local de execução de sentença proferida pelos Tribunais de Singapura: “I acknowledge that this shall not preclude the enforcement of any judgement against me by the Company in the courts of any other jurisdiction chosen by the Company”. Leia-se: “eu aceito que isto não prejudica a execução de qualquer sentença contra mim pela Sociedade nos tribunais de qualquer outra jurisdição escolhida pela Sociedade (tradução livre)”.
73. Depois, no que toca à ratio por detrás da escolha do foro, cumpre referir que à execução apenas faria sentido abrir caminho a outras jurisdições tendo por base uma sentença anteriormente proferida em Singapura, no local de onde brotou, em primeiro lugar, a relação contratual ali definida e celebrada entre as partes.
74. A contrario, caso a intenção das partes fosse verdadeiramente a de poder intentar procedimentos judiciais em Singapura ou qualquer outra jurisdição - o que não se concebe, mas apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona -, desnecessário seria às partes estipularem expressamente o referido direito à execução de sentença conferido à Embargada/Recorrida.
75. Pelo que, tendo em atenção o supra exposto, conclui-se inequivocamente que as partes quiseram submeter, através do pacto de aforamento por estas apreendido e executado, o julgamento dos litígios que dali surgissem em conexão, decorrentes ou relacionados com o Título, apenas aos tribunais e à lei de Singapura.
76. Mais, não compete ao Tribunal fazer interpretações correctivas da vontade das partes.
77. A este propósito, acompanhamos de perto HORSTER, HEINRICH EWALD [vide HORSTER, HEINRICH EWALD, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1ª edição, Livraria Almedina, 1992, p. 507], cuja formulação é não só inequívoca como de fácil apreensão: “Tendo-se tornado eficaz (...) ou tendo sido concluída (...), a declaração negocial ou o contrato podem dar lugar a dúvidas quanto ao seu conteúdo ou objecto. Quer dizer, pode acontecer que seja obscuro ou sejam vários os sentidos de uma declaração negocial, respectivamente de um contrato. Mas também é possível que a declaração negocial ou o contrato não sejam propriamente obscuros ou equívocos, mas que se apresentem uma lacuna. Se uma destas situações se verificar - e apenas neste caso! - será necessário captar o sentido da declaração negocial, ou do contrato que constitui elemento, por via de interpretação ou preencher a lacuna existente com o recurso à integração.
Se uma declaração é unívoca não há razão para recorrer a uma “interpretação”, mesmo que ela não pareça “razoável” ou que não “faça sentido” para uma pessoa “sensata”. Uma interpretação é diferente de uma avaliação. A interpretação serve para captar o sentido, o próprio conteúdo da declaração, mas não para avaliar o conteúdo sob o aspecto da razoabilidade ou da sua conformidade ou não com a lei. Uma coisa é captar o sentido, outra coisa é avaliar o sentido captado” (sublinhado e negrito nossos)
78. Em suma, repita-se que os dois únicos documentos assinados pelo Executado - o Título e o Contrato - prevêem expressamente o foro de Singapura como o foro exclusivo para dirimir quaisquer questões emergentes dos mesmos.
79. Nos termos do artigo 29º do CPC, o pacto atributivo de competência territorial tem de obedecer, como forma mínima, à forma escrita e deve ser claro e preciso na indicação do tribunal escolhido.
80. Por outro lado, a disciplina jurídica da incompetência fundada na violação de pacto privativo de jurisdição, regulada nos termos do artigo 31, nº 2, do CPC, determina que a mesma só pode ser arguida pelo réu (in casu, o Embargante/Recorrido).
81. Nos termos do artigo 699º, nº 1, do CPC, se a execução se basear noutro título (que não judicial ou arbitral) pode o executado opor, além dos fundamentos referidos no artigo 697º, na parte em que sejam aplicáveis, quaisquer outros que lhe seriam permitidos deduzir como defesa no processo de declaração.
82. Deste modo, a incompetência do tribunal consubstancia uma excepção dilatória, nos termos do artigo 413º, al. a) do CPC, a qual é aplicável e produz os seus efeitos relativamente aos presentes embargos à execução, por força do artigo 699º, nº 1 do CPC.
83. No caso sub judice, já vimos que é exclusiva a competência internacional dos tribunais de Singapura para conhecer da acção, ex vi do artigo 29º do CPC, pelo que afastada está, atento o pacto atributivo de jurisdição presente no Contrato e no Título, a competência internacional dos tribunais de Macau, in casu, o Tribunal Judicial de Macau.
84. Assim, a questão suscitada pela Exequente, ora Embargada, relativa à cobrança e ao pagamento das quantias ora reclamadas, não pode ser conhecida nos presentes autos dada a incompetência internacional dos tribunais de Macau para dirimir os litígios decorrentes do Título bem como do Contrato - conforme se viu -, sendo unicamente os tribunais de Singapura os competentes para apreciar e decidir sobre a questão controvertida.
85. Em conformidade, e decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição, devem ser declarados procedentes os embargos de executado apresentados pelo ora Recorrente, determinando-se a incompetência do tribunal a quo e consequentemente absolvido o Executado da instância de execução, nos termos do artigo 33º, nº 2 e 230º, nº 1, al. a), ambos do CPC.
Nestes termos, e nos demais em Direito aplicável, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, e declarar-se a incompetência dos Tribunais de Macau para conhecer o presente litígio, absolvendo-se desse modo o Executado da instância de execução, nos termos do artigo 33º, nº 2 e 230º, nº 1, al. a), ambos do CPC, só assim se fazendo a verdadeira e costumada... JUSTIÇA!
  Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso - sem que contudo, das suas contra-alegações constem conclusões – o que fez nos seguintes termos:
  I – O Título Executivo
O Recorrente invoca a incompetência dos tribunais de Macau, por força da violação de um pacto privativo de jurisdição, o que determinaria a absolvição do Recorrente da instância, nos termos do disposto no artigo 33º e na alínea a) do nº 1 do artigo 230º, ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Para tanto, o Recorrente por afirma, erroneamente, que o título dado à execução nestes autos é o marker junto ao requerimento executivo como documento 7.
Na realidade, o título dado à execução é um título complexo, composto, primeiro, pelo contrato de abertura de crédito datado de 30 de Janeiro de 2012 (documento 4 junto com o requerimento executivo), pelos seus dois aditamentos (documentos 5 e 6 juntos com o requerimento executivo) e pelo marker.
O marker faz prova da efectiva entrega de fichas ao Recorrente mas não dispensa o contrato de abertura de crédito e seus aditamentos, que estabelecem os termos e condições que regem os mútuos que venham a ser concedidos ao seu abrigo.
O marker é um negotiable instrument, nos termos das cláusulas 3ª, 5ª, 6ª e 8ª do contrato de abertura de crédito, devendo ambos, o contrato e o marker, ser lidos em conjunto, pois que essa foi, expressamente, a vontade das partes, que não quiseram fazer inscrever todos os termos e condições da abertura de crédito em cada um dos markers emitidos em seu execução.
Nada obsta a que as prestações previstas no contrato de abertura de crédito, o qual prevê prestações futuras, venham a ser realizadas contra a subscrição de documentos que, autonomamente e por si sós, possam constituir títulos executivos; importante é que exista uma conexão clara entre um e o outro, o que, manifestamente, é o caso.
De resto, o Código de Processo Civil vigente veio simplificar e agilizar os títulos executivos, face ao regime anterior. Dispunha o Código de processo Civil de 1961, no nº 2 do seu artigo 50º, que As escrituras públicas nas quais se convencionem prestações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura ou revestido de força executiva, que alguma prestação foi realizada em cumprimento do negócio. Essa norma dava corpo aos títulos executivos complexos, não obstante a prova da efectiva realização de uma prestação poder ser feita por documento revestido de força executiva.
É que a mais das vezes os concretos documentos comprovativos da realização da prestação não contêm em si todos os elementos caracterizadores do negócio e sua pormenorizada regulamentação, a qual é feita por remissão para um documento negocial mais amplo, ao abrigo do qual essas concretas prestações foram realizadas.
Não é, assim, verdade que o título executivo seja única e exclusivamente o marker e que o contrato de abertura de crédito seja para a instância executiva irrelevante, por não integrar o título executivo.
Ainda que fosse como o Executado sustenta, o que se não aceita, pelas razões já expendidas, ainda assim a douta sentença seria isenta de reparo.
O quarto parágrafo do marker deverá ser assim traduzido:
“Concordo que o presente instrumento, e todos os assuntos relacionados com este instrumento, rege-se pelas leis de Singapura e submeto-me à jurisdição exclusiva dos Tribunais de Singapura em relação a quaisquer litígios em relação à Dívida de Capital e a quaisquer Juros Devidos incluindo, sem restrição, a qualquer conduta minha ou da companhia no, sobre ou em relação ao casino ou ao resort integrado da Companhia ou ao espaço onde o resort integrado da Companhia está construído. Reconheço que isto não preclude a execução de qualquer sentença contra mim, pela Companhia, nos tribunais de qualquer outra jurisdição escolhida pela Companhia.” (sublinhado nosso)
Em primeiro lugar, o marker é um documento unilateral, no qual o mutuário declara ao mutuante que recebeu as fichas que lhe foram mutuadas; nunca o mutuante poderia vincular-se a uma cláusula compromissória, a um pacto privativo de jurisdição, num documento exclusivamente assinado pelo mutuário.
O marker não tem “partes”, tem uma parte, o mutuário, ora Recorrente, que faz uma declaração dirigida ao mutuante, que não subscreve o documento e, por conseguinte, que nele nenhuma declaração faz. O facto de o marker ser redigido pela Recorrida em nada altera a situação, significa apenas que a Recorrida quis que o Recorrente se comprometesse a cumprir determinadas regras, sem que isso signifique bilateralidade nessas regras.
Os pactos de jurisdição, privativos ou atributivos, são convenções nas quais as partes decidem atribuir, ou privar de, jurisdição aos tribunais de Macau.
Nunca a Recorrida poderia submeter-se à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura por via de um documento em que não intervém, que não assina, de que não é parte. A própria redacção do documento é clara, o Recorrente - e só o Recorrente - submete-se à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura.
Trata-se de uma cláusula de jurisdição unilateral ou assimétrica, onde uma das partes - o mutuário, neste caso -, aceita submeter-se à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura, caso pretenda intentar um procedimento judicial contra a mutuante, a qual poderá intentar acções contra o mutuário em qualquer jurisdição (que aceite a competência, naturalmente).
Esta cláusula tem de ser interpretada ao abrigo das leis de Singapura, onde a sua validade está fora de questão (vide, por exemplo, decisão [2017] SGCA 32 do Court of Appeal of the Republic of Singapore).
Sendo unilateral a cláusula, nunca ela poderia ser estabelecida em benefício de ambas as partes, foi-o em benefício exclusivo da Recorrente.
O próprio Recorrente aceita, agora, que a Recorrida poderia propor contra ele uma acção declarativa em qualquer parte do mundo. Porém, afirma também que a Recorrida não poderia, nunca, instaurar uma acção executiva sem que ela fosse precedida de uma acção declarativa (vide pág. 7 das alegações de recurso, que o Recorrente volta a contradizer na pág. 9).
Com o seu raciocínio, o que o Recorrente pretende é que o título executivo - recorde-se que é o próprio Recorrente que reconhece que o marker é um título executivo - não constitui título executivo, pois que o cumprimento da prestação apenas poderia ser exigido judicialmente com base numa sentença judicial, proferida no âmbito de uma acção declarativa.
Ora, se a Recorrida tivesse recorrido a uma acção declarativa, o Recorrente imediatamente clamaria que não se encontrava preenchido o pressuposto processual do interesse em agir, com isso pretendendo obter a absolvição da instância, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 73º do Código de Processo Civil.
Não se trata de pura ficção, trata-se, sim, da conduta prosseguida pelo Recorrente no processo CV2-18-0124-CAO, contra si proposto pela Recorrida, onde o Recorrente veio sustentar que, porque a Recorrida possui título executivo, não pode recorrer à via declarativa.
Ou seja, na realidade e apesar do que o Recorrente agora diz, parece que para o Recorrente só a propositura de uma acção em Singapura o satisfaria. E é isso que resulta das alegações de recurso, um pouco mais à frente, na pág. 9, onde se afirma que à execução apenas faria sentido abrir caminho a outras jurisdições tendo por base uma sentença anteriormente proferida em Singapura, no local de onde brotou, em primeiro lugar, a relação contratual ali definida e celebrada entre as partes. Ou será que se deverá, antes, acreditar no que o Recorrente afirma na pág. 6 das alegações de recurso, isto é, que de harmonia com o estabelecido no Título, a Exequente/Recorrida só podia dar à execução uma sentença proferida por qualquer tribunal, incluindo os de Singapura. O que não lhe é facultado é dar directamente à execução em Macau o Título, violando assim o pacto de atribuição de jurisdição dele constante.
O Recorrente dá o dito por não dito e volta a desdizer-se, a cada passo, num exercício lamentável de quem não tem por onde se agarrar e lança mão a qualquer argumento que lhe pareça, a cada momento e por muito efemeramente que seja, viável. Logo de seguida esquecendo-se do que linhas atrás disse.
Esta conduta do Recorrente é altamente censurável e, ela sim, reveladora de má fé.
Na verdade, a referência à execução de sentenças, no marker, destina-se a deixar bem claro que o Recorrente sabia, desde sempre, que a Recorrida podia exigir coercivamente o cumprimento das suas obrigações em qualquer jurisdição, com base numa sentença proferida em Singapura ou em qualquer outra jurisdição. Daí que a douta sentença recorrida tenha interpretado, bem, o título executivo, no sentido de não fazer qualquer sentido que ele obrigue o credor a ter de recorrer a um título executivo judicial, quando pode lançar mão de um título executivo extra-judicial.
A necessidade de sentença como título executivo varia, naturalmente, de jurisdição para jurisdição, sendo perfeitamente legítimo o recurso à acção executiva com base em título extrajudicial, nas jurisdições onde ele seja admitido.
De resto, importa aqui repetir, a declaração constante do marker não vincula a Recorrida, vincula apenas o Recorrente, que é quem subscreveu o documento. A declaração de vontade nele expressa é a do Recorrente. Não pode, nunca, a Recorrida ficar privada do direito de propor uma acção executiva pelo facto de o Recorrente declarar que aceita que a Recorrida execute uma sentença proferida por um tribunal de Singapura em qualquer parte do mundo.
O Recorrente conclui a sua alegação, neste capítulo, com a surpreendente afirmação de que tanto o marker como o contrato prevêem expressamente o foro de Singapura como o foro exclusivo, sem sequer ter abordado, por mais perfunctoriamente que seja, o dito contrato, que logo havia arredado por ser, no seu entender, documento irrelevante para os autos.
II - O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E SUAS VERSÕES
O contrato de abertura de crédito foi celebrado nas línguas inglesa e chinesa, pois que a versão inglesa não constitui outro documento, constituindo as duas versões um único documento, face e verso da mesma folha de papel.
Admite-se que a tradução chinesa da cláusula 11 do contrato de abertura de crédito é deficiente.
As partes acordaram claramente, tanto na versão chinesa do contrato como na versão inglesa (cláusula 16) que, em caso de divergência entre as duas versões, a versão inglesa prevalece e que a versão chinesa é uma mera tradução da versão inglesa.
O Recorrente tinha conhecimento deste facto e se atentou na cláusula 11, sobre a jurisdição, também atentou na cláusula 16, mesmo na sua versão chinesa.
De resto, esta é também questão que deverá ser resolvida com recurso às leis de Singapura, aplicáveis ao contrato.
A Recorrida desconhece se o Recorrente domina, ou não, a língua inglesa. Supõe que a domine, já que tão afincadamente defende o texto inserto no marker, que se encontra apenas em língua inglesa e que corresponde a uma declaração negocial por si feita.
Porém, mesmo que desconhecesse a língua inglesa, o que se não admite, isso não é motivo para o Recorrente não se achar vinculado por um contrato que assinou, mesmo que redigido numa língua que não dominasse, conforme constitui jurisprudência dos tribunais de Singapura (vide, por exemplo, decisão [2011] SGCA 55 do Singapore Court of Appeal).
De resto, mesmo que a tese do Recorrente fosse verdadeira, isso significaria que a cláusula referida seria inexistente, como bem entendeu a douta sentença recorrida, por não existir consenso entre as partes, uma (o Recorrente) que pensava poder apenas ser demandado em Singapura e outra (a Recorrida) que não queria ficar privada da possibilidade de recurso a qualquer jurisdição.
Isto porque, para a Recorrida, foi sempre entendido que podia intentar acções em qualquer jurisdição contra o Recorrente, conforme resulta da versão original do contrato, em língua inglesa.
Não havendo acordo das partes sobre a cláusula 11, porque cada uma tem dela um entendimento diferente, não poderia a cláusula subsistir ou vincular qualquer uma das partes.
Não pode é o Recorrente fazer vingar a versão que lhe convém, que não corresponde à que foi querida pela Recorrida.
III- A CLÁUSULA 16ª DO CONTRATO
Entende o Recorrente que a cláusula 16ª do contrato é insuficiente, sem se conseguir entender bem onde reside essa insuficiência.
A cláusula 16ª está redigida em língua chinesa e faz expressa referência à versão inglesa do contrato, que prevalece. O Recorrente não invoca desconhecer o idioma chinês, pelo que a Recorrida assume que tenha lido e estudado a cláusula com atenção.
Repete-se que a versão inglesa não é outro documento, é o mesmo documento, face e verso. O Recorrente não podia ignorar a versão em língua inglesa, nem é razoável acreditar que assinou o contrato sem o ler. Se o fez, não pode invocar agora que desconhecia a versão em língua inglesa, pois que não pode aproveitar-se da sua própria negligência.
O Recorrente não invoca uma qualquer circunstância, interna ou externa, que o impedisse de tomar conhecimento do teor do contrato, nenhuma incapacidade permanente ou acidental, que lhe impedisse inteirar-se das cláusulas a que deu o seu assentimento. A argumentação do Recorrente mais não é do que uma tentativa de se exonerar das suas responsabilidades.
IV - NATUREZA UNILATERAL OU BILATERAL DO TÍTULO (MARKER)
Aqui, o Recorrente repisa a natureza unilateral ou bilateral do marker, para voltar a concluir que estamos perante um escrito particular bilateral, sob pena de violação da boa fé e da doutrina da confiança. Para tanto, o Recorrente invoca a aceitação da declaração negocial por parte da Recorrida e o regime das cláusulas contratuais gerais.
Em primeiro lugar, é preciso relembrar que o contrato de abertura de crédito e o marker estão sujeitos à lei de Singapura, não à lei de Macau, pelo que a referência ao regime dos contratos de adesão é totalmente deslocada.
No que respeita ao marker, é óbvio que se trata de um negócio jurídico unilateral, no qual o Recorrente reconhece uma dívida e se compromete a saldá-la em determinados termos. A Recorrida aceita esse reconhecimento de dívida, de tal forma que dá o título à execução, juntamente com o contrato de abertura de crédito. Isso não faz do negócio um negócio bilateral nem tem como consequência a vinculação do destinatário da declaração. As obrigações a que a Recorrida está adstrita constam do contrato de abertura de crédito, que o Recorrente teima em querer arredar da lide.
Em segundo lugar, o teor do documento é claro e aponta para uma vinculação unilateral do Recorrente. O documento encontra-se assinado apenas pelo Recorrente e dele constam as expressões “I promise”, “I also promise”, “I acknowledge”, “I agree”, “I submit”, “I acknowledge”, isto é, “Eu prometo”, “Eu também prometo”, “Eu reconheço”, “Eu concordo”, “Eu submeto-me”, “Eu reconheço”. Nenhuma declaração é, aqui, atribuída à Recorrida.
Em suma, se queremos encontrar as vinculações da Recorrida, elas encontram­se no contrato de abertura de crédito, não no marker, que constitui um negócio unilateral de reconhecimento de dívida, se analisado ao abrigo do direito de Macau. Essa classificação não é aqui relevante, por se tratar de negócio sujeito à lei de Singapura, mas isso não retira ao documento a sua natureza unilateral.
No canhoto do marker, o supervisor limita-se a comprovar que as fichas foram efectivamente entregues ao Recorrente e que todos os procedimentos internos foram cumpridos. Não há aqui qualquer declaração negocial da Recorrida.
V - A VONTADE DAS PARTES, DECLARADA NO TÍTULO
Aqui, o Recorrente limita-se a repisar argumentos, que foram já rebatidos, não se justificando que a Recorrida reproduza o que sobre o tema já disse, pelo que se dispensa de o fazer com consumo de papel, a bem da Natureza.
VI - O PACTO DE JURISDIÇÃO
Sob este título, o Recorrente limita-se a invocar a excepção dilatória de preterição do pacto atributivo de jurisdição acordado entre as partes. Na realidade, a ser como o Recorrente defende, estaríamos perante um pacto privativo de jurisdição, não de um pacto atributivo de jurisdição, pois que a natureza do pacto deverá ser aferida da perspectiva do foro e a consequência desse pacto seria retirar competência aos tribunais de Macau.
O Recorrente é residente da Região Administrativa Especial de Macau, pelo que, dúvidas não há de que os tribunais de Macau são, em regra, competentes, por força do disposto na alínea a) do artigo 17º do Código de Processo Civil (vide, por exemplo acórdão do Tribunal de Última Instância, proferido no processo 4/2007, e acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo nº 479/2015). Nunca a Recorrida pretendeu retirar competência internacional aos tribunais de Macau, onde o Recorrente reside e onde possui os seus bens.
A Recorrida pretendia, com a cláusula 11ª do contrato, uma solução idêntica àquela que consta do marker, isto é, uma cláusula pela qual o mutuário se submete à jurisdição exclusiva dos tribunais de Singapura, caso pretenda demandar a mutuante, do mesmo passo que a mutuante pode intentar acções contra o mutuário em qualquer jurisdição.
Essa é, de resto, a solução natural, pois que o interesse da Recorrida num contrato de abertura de crédito será cobrar uma dívida, o que terá de fazer onde quer que o Recorrente se encontre e tenha bens, ao passo que o Recorrente, se pretende discutir o contrato, deverá fazê-lo em Singapura, onde a contraparte se situa.
O entendimento proposto pelo Recorrente conduziria a um resultado absolutamente absurdo, qual seja, obrigar a Recorrida a, sistematicamente, ter de recorrer a uma acção declarativa em Singapura, seguida de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira em Macau, para poder aqui executar uma dívida para a qual possui título executivo extrajudicial.
Termos em que devem o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a douta sentença recorrida.

  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
   
II. FUNDAMENTAÇÃO
  Na matéria posta em causa neste recurso é o seguinte o teor da decisão sob recurso:
  - Da questão de incompetência dos tribunais de Macau:
  A cláusula 11ª do “contrato de crédito” constante das fls. 11 e v do processo principal tem o seguinte teor:
  “(11) Qualquer acção proposta pelo creditando e todos os litígios emergentes do presente contrato, incluindo mas não se limitando a qualquer acto do creditando ou do creditado, praticado no respectivo casino, no resort integrado ou na área designada na qual o resort integrado é construído, são, em virtude do acordo entre o creditando e o creditado, sujeitos à competência exclusiva dos tribunais de Singapura. A lei aplicável às cláusulas do presente contrato é a lei de Singapura, não sendo aplicável qualquer princípio do conflito de leis. Mas o creditando tem direito a escolher o lugar da execução da decisão proferida.”
  A versão inglesa correspondente é a seguinte:
  “11 Any claim or action brought by Lender may be brought in Singapore or in any jurisdiction. All claims or actions of Borrower arising from or related to this Agreement including, but not limited to, any conduct of the Borrower or Lender in, on or about the casino or the integrated resort or the designated site within which the integrated resort is constructed are subject to the exclusive jurisdiction of the Courts of Singapore. This Agreement shall be governed by the laws of Singapore without regard to any conflicts of laws principles.”
  Ou seja “11 Qualquer reclamação ou acção do creditando pode ser proposta em Singapura ou em qualquer jurisdição. Todas as reclamações ou acções do creditado decorrentes do ou relacionadas com este contrato, incluindo mas não se limitando a qualquer acto do creditando ou do creditado, praticado no casino, no resort integrado ou na área designada na qual o resort integrado é construído, são sujeitos à competência exclusiva dos tribunais de Singapura. Este contrato rege-se pela lei de Singapura, sem necessidade de considerar qualquer princípio do conflito de leis.”
  E o documento constante das fls. 14 do processo principal tem o seguinte teor:
  “I agree that the present instrument and all matters relating to the instrument herein shall be governed by the laws of Singapore and I submit to the exclusive jurisdiction of the Courts of Singapore in relation to any disputes arising from the Principal Amount and any Interest Payable including, but not limited to, any conduct of mine or the Company in, on or about the casino or the integrated resort of the Company or the designated site within which the integrated resort of the Company is constructed. I acknowledge that this shall not preclude the enforcement of any judgment against me by the Company in the courts of any other jurisdiction chosen by the Company.”
  Ou seja “Concordo que o presente instrumento e todos os assuntos relacionados com o presente instrumento devem reger-se pela lei de Singapura, e sujeito-me à exclusiva competência dos tribunais de Singapura em relação a qualquer litígio decorrente do Montante Principal e qualquer Juro a Pagar, incluindo mas não se limitando a qualquer acto praticado por mim ou pela Companhia, no casino, no resort integrado da Companhia ou na área designada na qual o resort integrado da Companhia é construído. Reconheço que isso não impedirá a execução de qualquer sentença contra mim por parte da Companhia nos tribunais de qualquer outra jurisdição escolhida pela Companhia.”
  No entendimento do embargante, em súmula, de acordo com a versão chinesa da cláusula constante das fls. 11 do processo principal (entendeu o embargante que não devia ser aplicável a versão inglesa correspondente, por as partes terem apenas assinado a versão chinesa e não a versão inglesa) e a supracitada cláusula a fls. 14 do processo principal, os tribunais de Macau não são competentes em relação ao processo de execução instaurado pelo exequente.
  O embargado indicou que, não obstante a divergência entre as versões chinesa e inglesa da cláusula 11ª constante das fls. 11 e v do processo principal, essas duas versões constituíram um mesmo documento, e segundo o acordo entre as partes na cláusula 16ª do contrato, em caso de divergência entre a versão chinesa e a versão inglesa, prevalece essa última, por a versão chinesa ser apenas tradução da versão inglesa, com valor meramente referenciador. Ademais, o embargado ainda indicou que a cláusula constante das fls. 14 do processo principal era uma declaração prestada pelo embargante que aceitou voluntariamente a competência exclusiva dos tribunais de Singapura, e não vinculou o embargado.
  Cumpre apreciar.
  Primeiro, é certo que há divergência entre as versões chinesa e inglesa da cláusula 11ª constante das fls. 11 e v do processo principal. Porém, como referiu o embargado, segundo o acordo entre as partes na cláusula 16ª do contrato, em caso de divergência entre a versão chinesa e a versão inglesa, prevalece essa última. Com base nisso, segundo o acordo das partes e a versão inglesa da respectiva cláusula, esta não excluiu a competência dos tribunais de Macau, improcedendo, assim, a excepção do embargante.
  Independentemente de se o embargante entender ou não inglês, ou se verificar erro ou não na cláusula 11ª constante das fls. 11 e v do processo principal, não pode a versão chinesa da respectiva cláusula produzir efeito e vincular as duas partes. Isso porque, do ponto de vista do embargado que não alegou o não entendimento de inglês nem a verificação de erro, conforme o que estipulou a cláusula 16ª do contrato, a declaração de vontade do embargado é, necessariamente, a aplicação da versão inglesa da cláusula 11ª do contrato. Se o embargante, por qualquer motivo, entenda que é apenas aplicável a versão chinesa da cláusula 11ª, neste caso, devido à falta de acordo das partes, não se pode entender que as partes concordaram em excluir a competência dos tribunais de Macau.
  Nestes termos, a cláusula 11ª constante das fls. 11 e v do processo principal não é suficiente para excluir a competência dos tribunais de Macau.
  Em relação ao documento constante das fls. 14 do processo principal, como referiu o embargado, trata-se apenas de declaração unilateral do embargante (“...and I submit to the exclusive jurisdiction of the courts of Singapore...”). Essa cláusula também não pode ser considerada como acordo das partes, e não tem o efeito de excluir a competência dos tribunais de Macau.
  Em fim, subsidiariamente, cremos que mesmo que a versão chinesa da cláusula 11ª constante das fls. 11 e v do processo principal e a aludida cláusula constante do documento a fls. 14 vinculem as duas partes, essa última também não exclui a competência dos tribunais de Macau no que concerne à execução. Não obstante que fosse apenas indicado na cláusula que a execução da sentença pode ser realizada em qualquer jurisdição, e o que se instaurou nos tribunais de Macau não fosse a execução da sentença, mas o processo de execução resultante de documentos particulares, é de notar que, nem toda a jurisdição tem processo de execução instaurado com base em documentos particulares. Nas jurisdições em que existe tal regime (como Macau), não se pode exigir que o executado tenha de obter primeiro uma decisão judicial em Singapura, que depois serve como título executivo do processo de execução instaurado em Macau. Será tal exigência redundante para o credor, porque pode este instaurar, de imediato, o processo de execução em Macau com base nos documentos particulares. Por outro lado, qualquer declaratário normal de diligência razoável deve entender que o que a referida cláusula quer exprimir é, pode o credor instaurar execução em qualquer jurisdição, e não se deve entender que só pode o credor requerer a execução em qualquer outra jurisdição depois de ter uma decisão proferida pelos tribunais de Singapura.
  Nestes termos, julga-se improcedente a excepção do embargante.
  
  Vejamos então.
  Da conclusão 1 a 30 discorre o Recorrente sobre a interpretação da cláusula constante do título “a execução de qualquer sentença pelo credor contra o devedor poderá ser intentada em tribunal de qualquer jurisdição”.
  Pese embora a repetição sobre esta matéria diz-se na sentença sob recurso o seguinte: “e a aludida cláusula constante do documento a fls. 14 vinculem as duas partes, essa última também não exclui a competência dos tribunais de Macau no que concerne à execução. Não obstante que fosse apenas indicado na cláusula que a execução da sentença pode ser realizada em qualquer jurisdição, e o que se instaurou nos tribunais de Macau não fosse a execução da sentença, mas o processo de execução resultante de documentos particulares, é de notar que, nem toda a jurisdição tem processo de execução instaurado com base em documentos particulares. Nas jurisdições em que existe tal regime (como Macau), não se pode exigir que o executado tenha de obter primeiro uma decisão judicial em Singapura, que depois serve como título executivo do processo de execução instaurado em Macau. Será tal exigência redundante para o credor, porque pode este instaurar, de imediato, o processo de execução em Macau com base nos documentos particulares. Por outro lado, qualquer declaratário normal de diligência razoável deve entender que o que a referida cláusula quer exprimir é, pode o credor instaurar execução em qualquer jurisdição, e não se deve entender que só pode o credor requerer a execução em qualquer outra jurisdição depois de ter uma decisão proferida pelos tribunais de Singapura.”
  E mais não seria necessário dizer.
  Debatendo-se o recorrente da conclusão 31 a 85 numa confusão de defesa de que vale a versão escrita em chines do contrato e de que à escrita em inglês não foi dado o seu acordo, para depois voltar ao texto do marker, isto é, do título executivo, pretende o recorrente convencer o tribunal de que não se poderia recorrer a outra jurisdição sem que houvesse decisão dos tribunais de Singapura, mas falece a sua extensa argumentação de lógica e de razão.
  A ser como o recorrente defende para que se havia assinado o marker e o contrato que está subjacente ao mesmo?
  A qualquer acção judicial subjaz o interesse processual, isto é, recorrer-se ao tribunal para dirimir um conflito ou reconhecer um direito cuja existência dependa de reconhecimento judicial (v.g usucapião) ou que esteja a ser posto em causa ou ofendido.
  Interesse processual que no caso da jurisdição de Macau foi elevado a pressuposto processual, a ponto de, não ser admissível acção declarativa para reconhecimento de uma dívida quando o credor beneficia já de título executivo bastante para exigir a cobrança coerciva – salvo se houver outro motivo atendível e que seja invocado -.
  No caso em questão como resulta dos autos foi assinado um contrato de concessão de crédito entre o Recorrente e a Recorrida e assinado um marker, um título de crédito em que o ora Recorrente reconheceu dever à Recorrida a quantia exequenda.
  Ou seja, como resulta da sentença em causa o credor – aqui Recorrido e embargada – beneficiava já de título executivo, isto é de documento particular que lhe permitia instaurar a execução face ao disposto no nº 2 do artº 680º do CPC.
  Pretende o recorrente sustentar que a frase “a execução de qualquer sentença pelo credor contra o devedor poderá ser intentada em tribunal de qualquer jurisdição” exigia que apenas uma sentença proferida pelos tribunais de Singapura poderia ser executada nos tribunais de Macau.
  Mas labora em erro.
  Como alega e sustenta o Recorrente ao contrato subjacente aos autos aplicam-se a legislação de Singapura e para dirimir os conflitos resultantes deste contrato seriam competentes os tribunais de Singapura.
  Porém, a exigência de cumprimento do que é devido, a exigência do pagamento está para além de qualquer conflito do contrato.
  Diferente seria se se houvesse invocado questão que envolvesse a apreciação da validade do contrato.
  Mas note-se que este entendimento vale para os dois lados, o que significa que assim como não poderia vir o exequente/credor invocar nos tribunais de Macau questões relacionadas com a validade do contrato, também não o poderia vir o executado/devedor fazer em sua defesa.
  Isto é, se o aqui embargante/executado/devedor quisesse invocar alguma questão que envolvesse a validade do contrato em sua defesa, salvo melhor opinião, haveria de o fazer nos tribunais de Singapura.
  Porém, a questão que nos ocupa não envolve a validade do contrato mas apenas a exigência do que é devido.
  Ora, do título dado à execução resulta que qualquer decisão que viesse a ser proferida sobre o contrato em causa poderia ser executada fora dos tribunais de Singapura.
  Não estando em causa conflito algum a dirimir, mas apenas a execução coerciva daquilo a que se obrigou, isto é, a execução do contrato, não há razão para se excluir o menos quando o mais é permitido, ou seja, não há razão para excluir a simples execução do contrato da competência de outras jurisdições quando até as sentenças que fossem proferidas sobre o mesmo o poderiam ser.
  Por outro lado e como resulta da conjugação dos artigos 667º al. c) e 680º nº 2, ambos do CPC, podendo o documento assinado por particular em que se reconhece obrigação pecuniária servir de base à execução, nada obsta que na jurisdição de Macau seja instaurada execução para cobrança de quantia certa decorrente daquele.
  Não pondo o embargante em causa a validade do título executivo e não se excluindo no mesmo a possibilidade de recurso a tribunais de outras jurisdições para a execução do mesmo, bem se decidiu no despacho saneador sentença de que se recorre, sendo de negar provimento ao recurso, ficando prejudicada a necessidade de discorrer pormenorizadamente sobre as demais conclusões de recurso uma vez que nessas se discorre apenas “Ad Cautelam”, isto é subsidiariamente, sobre questões irrelevantes para a decisão da causa.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas pelo Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 23 de Julho de 2020
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong

297/2020 CÍVEL 40