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Processo nº 247/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 23 de Julho de 2020

ASSUNTO:
- Especiais relações entre o vendedor e sócio ou gerente da sociedade compradora
- Impugnação da matéria de facto

SUMÁRIO:
- Estando demonstrado que a vendedora era sócia maioritária e gerente da sociedade compradora representada no negócio pelo filho daquela, bem se andou ao concluir que a sociedade apenas serve ao desígnio de querer criar a aparência de um negócio com um suposto terceiro de boa-fé – a dita sociedade – que na prática é um mero instrumento daquela.
- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 247/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Julho de 2020
Recorrentes: A, e
B Limitada
Recorrida: C Limitada
Interveniente: Região Administrativa Especial de Macau
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

C Limitada, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
A, e
B Limitada, ambos, também com os demais sinais dos autos.
Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e improcedente a Reconvenção, em que:
1. declara nulo o contrato de compra e venda celebrado em 4 de Junho de 2005 entre a 1ª Ré, A, e a 2ª Ré, B Limitada, tendo por objecto as fracções autónomas designadas “E2” e “F2”, ambas do 2º andar “E” e “F” do prédio sito na Estrada Marginal do Hipódromo, n.º 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 20803, a fls. 186 do livro B45;
2. Ordena o cancelamento da inscrição nº 112473G na Conservatória do Registo Predial;
3. Reconhece a Autora, C, Limitada, como titular do direito resultante da concessão por arrendamento do prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 20803, a fls.186 do Livro B45, na percentagem de 26%;
4. Absolve a 2ª Ré, do restante pedido formulado pela Autora; e
5. Absolve a Autora e a interveniente, Região Administrativa Especial de Macau, dos pedidos reconvencionais formulados pela 2ª Ré.
Não se conformando com a sentença proferida vieram as Rés interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
(i) O objecto de recurso
1. O objecto do presente recurso consiste na seguinte parte da sentença recorrida:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência:
1. Declara nulo o contrato de compra e venda celebrado em 4 de Junho de 2005 entre a 1ª Ré A, e a 2ª Ré B LIMITADA, tendo por objecto as fracções autónomas designadas “E2” e “F2”, ambas do 2º andar “E” e “F” do prédio sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45;
2. Ordena o cancelamento da inscrição nº 112473G na Conservatória do Registo Predial;
3. Reconhece a Autora, C, LIMITADA, como titular do direito resultante da concessão por arrendamento do prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, na percentagem de 26%;
4. …
5. Absolve a Autora… dos pedidos reconvencionais formulados pela 2ª Ré.”
(ii) Impugnação sobre a matéria de facto
(a) Factos que não deviam ter sido dados por assentes – os quesitos nºs 27, 30 a 32, 35 da base instrutória
2. Segundo as recorrentes, de acordo com as provas produzidas no julgamento, os quesitos nºs 27, 30 a 32, 35 da base instrutória não deviam ter sido dados por totalmente assentes.
3. Quanto ao quesito nº 27 da base instrutória, tal como indica a sentença recorrida nos factos provados alínea C): em 16 de Março de 1978, um incêndio destruiu totalmente o edifício no qual estavam as fracções autónomas em causa.
4. Segundo mostra o documento constante dos autos a fls. 788 a 795, a Associação dos Condomínios do edifício no qual estavam as fracções autónomas em causa – o Edifício Industrial Tong Son reuniu-se em 12 de Janeiro de 1983, em 28 de Agosto de 1986 e em 14 de Abril de 1987, para discutir sobre a venda do Edifício Industrial Tong Son para fim de reconstrução.
5. Das 3 reuniões acima mencionadas, D, testemunha arrolada pela recorrida, participou na 2ª e na 3ª em nome da FÁBRICA DE ARTIGOS DE VESTUÁRIO E, e assinou na parte final das actas mostrando-se de acordo com o conteúdo das reuniões (vd. a fls. 789 e 790v dos autos).
6. A testemunha D confirmou o facto de que os contactos entre a 1ª recorrente e o sócio da recorrida F tinham sido feitos directamente através dela.
7. Além disso, a testemunha da recorrida G indicou também o seguinte: embora a testemunha D não tivesse sido empregada pela recorrida e tivesse sido apenas responsável pelos contactos, todas as pessoas em Macau que contactavam a recorrida, contactavam-na por intermédio de D.
8. Disso pode-se ver que pelo menos na altura segundo os condóminos proprietários do Edifício Industrial Tong Son, D tinha a legitimidade para passar a declaração da recorrida em nome desta.
9. Apesar do facto de que não consta dos autos nenhum documento que possa comprovar que na altura D tenha tido a procuração adequada, nada obstava ao facto de que na realidade, na opinião dos condóminos proprietários, ela já tinha poder representativo suficiente.
10. Portanto, depois de D ter assinado nas actas acima mencionadas, todos os condóminos proprietários do Edifício Industrial Tong Son, incluindo a 1ª recorrente, consideravam que a recorrida já tinha participado nas reuniões dos condóminos através de D e que já tinha concordado com o conteúdo discutido, incluindo a venda de todas as fracções autónomas do Edifício Industrial Tong Son.
11. Então, visto que depois da destruição do edifício pelo incêndio, a Autora não tinha participado nos trabalhos sucessivos durante muitos anos, e que D já tinha assinado pessoalmente e tinha concordado com o conteúdo discutido nas reuniões dos condóminos proprietários, com base nisso, a 1.ª recorrente vendeu todas as todas as fracções autónomas em representação dos condóminos proprietários do Edifício Industrial Tong Son; não era minimamente possível que ela estivesse consciente de que os actos dela violavam direitos da recorrida.
12. Quanto aos factos 30º a 32º da base instrutória, foi através do depoimento unilateral prestado pela testemunha da recorrida H é que o tribunal recorrido deu por assentes.
13. Quanto à credibilidade da testemunha, as recorrentes devem indicar o seguinte: na fase inicial da prestação de depoimento dele, já por várias disse que não se lembrava da relação entre ele e a 2ª recorrente; indicando que uns anos antes tinha caído do alto, partido ossos e que tinha desmaiado. Portanto a memória ficou seriamente comprometida.
14. A testemunha afirmou não saber que a 1.ª ré tinha exercido actividades comerciais com os familiares.
15. No que respeita ao documento que segundo a testemunha, devia ter sido “se calhar” assinado por ele, já não se lembrava da data da assinatura daquele documento.
16. Disso pode-se ver que são muito limitados tanto a precisão da memória da testemunha H quanto o âmbito de conhecimento dele.
17. Portanto, salvo o documento que, devia ter sido “se calhar” assinado por ele na opinião dele, e o facto de que a empregadora dele “devia ter sido” a 1ª ré, o depoimento desta testemunha não tem condições suficientes com base nas quais o juiz pudesse formar a convicção.
18. Além disso, deve-se indicar sobretudo o seguinte: mesmo se são acreditáveis os factos sobre os quais H prestou depoimento, aqueles factos aconteceram em 2002. Mas no presente processo o que está colocado em dúvida foi a transacção entre as recorrentes em 2005. Portanto, não se pode em todo o caso usar o depoimento de H para determinar a relação entre as recorrentes quando aconteceu a transacção em 2005, sobretudo a relação entre as recorrentes depois da mudança dos direitos dos accionistas em 2002 indicada nos pontos 27, 30, 31 a 32 ou como base do facto ponto 35.
19. Ao fornecer depoimento de parte, a 1.ª recorrente indicou claramente que no caso da 2ª recorrente a mudança dos direitos dos accionistas em 2002 tinha sido provocada por problemas de capitais; negou que depois da venda de acções pela 2ª recorrente a empresa estivesse ainda a ser controlada por ela, porque na altura o estado mental e a memória já estavam a piorar gradualmente.
20. Alegou também que antes tinha sido a gerente-geral; mas que para o momento já não estava ocupada com aquilo, que já o tinha deixado ao cuidado dos empregados; porque não tinha mente clara.
21. Na realidade, segundo os documentos constantes dos autos a fls. 754 a 762, A é paciente da hiperlipoproteinemia, da hipertensão e da diabetes tipo II, e sofre de demência ligeira; tem que tomar vários medicamentos todos os dias; isso mostra que já há um tempo bastante longo que não consegue "controlar" sozinha as actividades duma empresa.
22. Nem sabia se a 2ª recorrente ainda estava a ser controlada por ela própria.
23. Sabe-se que no pessoal da gestão administrativa da 2ª recorrente, para além de A, também estava I.
24. Embora o posto de I fosse gerente, a partir da forma de assinatura mostrada no registo comercial e das cláusulas 6 e 8 dos estatutos, pode-se ver que no caso da 2ª recorrente, o gerente e o gerente-geral tinham o mesmo poder representativo; qualquer acto praticado em nome da sociedade por um dos membros da gestão administrativa era vinculativo para a 2ª recorrente.
25. O que é bem diferente dos casos da sociedade anónima, para a qual se distinguem “o presidente do conselho de administração” e “administrador”, no Código Comercial de Macau não se distingue entre o “gerente-geral” e o “gerente”.
26. A testemunha J, ex-empregada da 1ª recorrente, não pensava que 2ª recorrente estivesse a ser controlada pela 1ª recorrente, porque já tinha visto mais tarde que a 1ª recorrente já não estava bem mental e fisicamente; já havia muitos anos não ligava a assuntos da empresa.
27. A testemunha indicou o seguinte: a mudança dos direitos dos accionistas na 2ª recorrente em 2002 tinha sido consequência do início do enfraquecimento da saúde da 1ª recorrente; na altura estava bastante mal mentalmente; não pensava que os novos sócios estivessem a ser controlados pela 1ª recorrente; senão não teria sido necessário vender os direitos dos accionistas.
28. Disso pode-se ver, seja factual seja juridicamente, não é verdadeiro que a 2ª recorrente esteja sempre a ser controlada pela 1ª recorrente até ao presente momento.
29. Quanto ao quesito nº 35 da base instrutória, com o mesmo motivo com o qual ficou dado por assente o facto nº 27 da base instrutória, o juízo recorrido deu por assente o facto nº 35 da base instrutória.
30. Como dito atrás, o facto nº 27 da base instrutória não devia ter sido dado por provado.
31. Depois da averiguação realizada no julgamento, não ficou provado que a 1ª recorrente tivesse comunicado a 2ª recorrente do seu conhecimento, no sentido de que as facções autónomas em causa pertenciam à recorrida (cf. o facto nº 28 da base instrutória).
32. Portanto, mesmo supomos que a 1ª Recorrente tenha tido conhecimento do conteúdo mencionado no ponto nº 27 da base instrutória (com o qual não concordamos), isso não significa necessariamente que a 2ª recorrente tenha estado igualmente ao corrente.
33. Na realidade, mesmo o mandatário judicial da recorrida pensava, aquando da discussão sobre a matéria de factos antes do fim do julgamento, que não podia ser provado o ponto nº 35 da base instrutória.
(b) Factos que deviam ter sido dados por assentes – os quesitos nºs 14 a 18, 20 a 25 da base instrutória
34. Por outro lado, de acordo com as provas produzidas no julgamento, os quesitos nºs 14 a 18, 20 a 25 da base instrutória deviam ter sido dados por assentes.
35. Quanto ao quesito nº 14 da base instrutória, segundo o facto provado alínea F) na sentença recorrida, em 25 de Abril de 2005, transitou em julgado a sentença que declarava a 1ª recorrente como a única proprietária das 2 fracções autónomas em causa.
36. Segundo o facto já provado nº 5 da base instrutória, em 18 de Maio de 2005, a 1ª recorrente registou a aquisição mencionada no facto provado alínea F).
37. Segundo o facto provado alínea K) na sentença recorrida, em 4 de Junho de 2005, foi outorgada a escritura de compra e venda com a qual a 2ª recorrente comprou da 1ª recorrente as 2 fracções autónomas em causa.
38. O que significa que quando a 2ª recorrente comprou da 1ª recorrente as 2 fracções autónomas em causa, a proprietária constante do registo das fracções autónomas era a 1.ª recorrente.
39. Pode-se deduzir com a lei de experiência, salvo casos imprevisíveis, é difícil para um indivíduo comum duvidar da eficácia e da certeza de uma decisão definitiva não recorrível e de uma certidão de registo predial.
40. Dado que no dia quando a 1ª recorrente vendeu as fracções autónomas em causa ela já tinha adquirido a confirmação por parte do tribunal através de uma decisão final na qual tinha sido confirmada a sua propriedade, e já tinha registado a propriedade, então à falta de outros factos que possam servir de base, a 2ª recorrente, enquanto compradora, não tinha razão para duvidar da legitimidade do direito da 1ª recorrente como vendedora.
41. Quanto ao quesito nº 15 da base instrutória, tal como o quesito nº 33; o juízo recorrido negou ambos os factos.
42. O quesito nº 15 da base instrutória diz respeito à onerosidade do acto jurídico acima mencionado; enquanto o quesito nº 33 toca ao seu ser gratuito.
43. De acordo com as provas documentais nos autos em conjugação com os depoimentos das testemunhas, devia-se ter dado por provado o quesito nº 15 da base instrutória, mais precisamente:
44. Lê-se na escritura de compra e venda providenciada pela recorrida que a 1ª recorrente tinha fixado o preço de venda para as 2 fracções autónomas em causa em MOP$600.000,00, que era ligeiramente superior ao preço estimado pela DSF MOP$561.600,00 (vd. a fls. 63 dos autos).
45. Na escritura de compra e venda acima referida, 1ª recorrente declarava já ter recebido o preço das fracções autónomas em causa.
46. Apesar da existência de alguns pareceres, segundo os quais a força probatória plena dos documentos autênticos em si não inclui a veracidade da declaração dos outorgantes, nada obsta a que, sem impugnação levantada pelos outorgantes do documento em relação à autenticidade das assinaturas deles, a veracidade das declarações em causa tenha força probatória plena para com os outorgantes.
47. A escritura de compra e venda acima referida faz parte das provas documentais apresentadas pela recorrida, segundo a regra da indivisibilidade da declaração, querendo usar a parte favorável a si da prova documental, a recorrida deve obrigatoriamente aceitar a veracidade da parte restante da prova documental, excepto se pode apresentar prova em contrário para ilidir o conteúdo em questão.
48. Além disso, nos termos do artº 387º e do artº 388º do CC, para ilidir a força probatória plena da onerosidade da compra e venda em questão, não se deve admitir apenas prova testemunhal.
49. Visto que os outorgantes nunca impugnaram a autenticidade das assinaturas na escritura de compra e venda apresentada pela recorrida, e que nem a recorrida apresentou prova em contrário que fosse capaz de ilidir a autenticidade das declarações feitas pelos outorgantes, então o preço das fracções autónomas ali constante, deve ser considerado como ter força probatória plena.
50. Por outro lado, a testemunha J, ao prestar depoimento, disse que a quantia tinha sido contabilizada na secção dela; como não se tratava de muito dinheiro, o pagamento foi efectuado em numerários; o que se comprou foi apenas a propriedade de um sítio em ruínas, sobretudo porque já havia o projecto de reconstrução; e que tinha visto a entrega da quantia em numerários na empresa.
51. Como fundamento suplementar, lê-se assim o facto nº 15 da base instrutória: “A 2ª Ré adquiriu as fracções E2 e F2 a título oneroso?”
52. A expressão “a título oneroso” em si significa apenas “ficando sujeito a um pagamento”, ou seja, no fundamento do acto jurídico em causa – no presente caso é a escritura de compra e venda contante dos autos – já está afirmado claramente que o mesmo acto jurídico é oneroso.
53. Para provar o facto de que “no fundamento do acto jurídico em causa já está afirmado claramente que o mesmo acto jurídico é oneroso” não é preciso provar obrigatoriamente que “a contraprestação exigida no caso do acto jurídico oneroso já tenha sido efectivamente efectuada.”
54. Para ser prudentes, as recorrentes reiteram o facto de que a onerosidade em discussão já ficou provada pela força probatória plena da própria escritura de compra e venda.
55. Quanto aos quesitos nº 16 a nº 18 da base instrutória, o juízo recorrido não explicou por que não deu por assentes os 3 factos acima mencionados.
56. Segundo as recorrentes, os 3 factos acima mencionados já ficaram provados pelos documentos 1 a 10, 11 a 21, 22 a 123 da contestação (vd. respectivamente a fls. 127 a 136, a fls. 137 a 147, 148 a 249 dos autos)
57. Quanto ao quesito nº 21 da base instrutória, este devia ter sido dado por provado pelos documentos 22 a 123 da contestação (vd. a fls. 148 a 249 dos autos).
58. Quanto aos quesitos nº 20, nº 22 a nº 25 da base instrutória, os 5 factos dizem respeito aos comportamentos e ao estado de espírito da 2ª recorrente depois de ter comprado as 2 fracções autónomas em causa.
59. Tal como indicou a testemunha J durante o julgamento quando prestava depoimento: mais tarde, a DSSOPT ia demolir o prédio no qual se encontravam as fracções autónomas em causa; então contactou a 2ª recorrente; indicou também que a partir de 2005, ninguém tinha ido ao terreno em causa para mostrar-se contra os actos da 2ª recorrente ou ainda para acusar a 2ª recorrente com faixas por ter ocupado à força o terreno, e portanto, para reclamá-lo.
60. A mesma testemunha afirmou ainda que todos os vizinhos reconheciam que a proprietária era a 2ª recorrente, explicando que uma vez muitos viciados em drogas tinham entrado lá para viver e sujado muito o lugar. Eles receavam que isso provocasse incêndio, então foram ter com a 2ª recorrente para arranjar seguranças que os expulsassem e lhes mandassem deitar fora os lixos.
61. A testemunha disse também que a 2ª recorrente já tinha comprado as outras 2 fracções autónomas e que tinha como intenção reconstruir o prédio.
62. Segundo a condição do registo constante dos autos a fls. 15 da propriedade horizontal do prédio no qual se encontravam as fracções autónomas em causa antes da destruição pelo incêndio, pode-se verificar que o prédio continha 6 fracções autónomas, que eram, respectivamente “E2”, “F2”, “AR/C”, ”BR/C”, “C1” e “D1”.
63. Segundo os factos provados K), P), Q), R) e S), em 10 de Janeiro de 2006, a 2ª recorrente adquiriu toda a propriedade das 6 fracções autónomas acima mencionadas.
64. Segundo os factos provados N) e O), em 4 de Junho de 2005, depois de ter adquirido a propriedade das 2 fracções autónomas em causa, a 2ª recorrente começou imediatamente a reconstrução; uma mera detentora não teria ter desenrolado a reconstrução.
65. Segundo os factos 16 a 18 da base instrutória, que deviam antes ter sido dados por provados, depois de ter adquirido as fracções autónomas em discussão, a 2ª recorrente comportou-se sempre como uma proprietária e responsabilizou-se efectivamente pela manutenção e pela reparação relacionadas com o prédio no qual se encontravam as fracções autónomas em causa.
66. Nem os documentos nem as testemunhas nos autos são capazes de provar que a partir de 4 de Junho de 2005, i.e., quando a 2ª recorrente começou a agir como a proprietária, os direitos dela tenham sido objecto de qualquer dúvida ou oposição.
67. Sobretudo não se consegue provar os nºs 36 e 37 da base instrutória – a 1ª recorrente e a 2ª recorrente já foram avisadas uma vez do recurso extraordinário interposto pela recorrida.
68. A recorrida nem consegue até entregar uma carta com a qual se exigisse às recorrentes “parar de ocupar” os terrenos em causa.
(iii) Interpretação e aplicação erradas da lei
(a) A posse de boa fé o de má fé
69. Com base na apreciação feita dos seguintes factos (tal como referido atrás, excepto o facto no quesito nº 28 da base instrutória que passam a citar, as recorrentes não concordam com a apreciação feita pelo juízo a quo dos outros factos abaixo mencionados, e pedem que fiquem a ser dados por não assentes), a sentença recorrida qualificou a posse das 2 fracções autónomas em questão pela 2ª recorrente como posse de má fé:
- A 1ª Ré pretendia locupletar-se das duas fracções, que bem sabia não serem suas, sabendo que a sua conduta prejudicava os direitos da Autora (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- A 1ª Ré é gerente-geral da 2ª Ré (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- A 2ª Ré não tem qualquer real autonomia, perante a 1ª Ré (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- Apesar da transferência da maioria do capital da 2ª Ré para as sociedades XXX International Limited e YYY International Limited em 2002, a 1ª Ré continuou a controlar a 2ª Ré, enquanto sua gerente-geral até ao presente. (resposta aos quesitos 31.º e 32.º da base instrutória).=
- A 2ª Ré sabe que a Autora era a dona das fracções E2 e F2 e dos direitos a elas correspondentes na concessão, por arrendamento, do prédio nº 20803 (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
70. Então, como dito atrás, deviam ter sido dados por factos assentes os quesitos nºs 14, 15 a 18, 20 a 25 da base instrutória
71. Nos termos do Artigo 1184º do CC:
“Artigo 1184º
(Posse de boa fé)
1. A posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.
2. A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.” (sublinhado e negrito nossos)
72. Nos termos do Artigo 1183º, nº 1 do CC:
“Artigo 1183º
(Posse titulada)
1. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo abstractamente idóneo para adquirir o direito nos termos do qual se possui, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade do negócio jurídico.”
73. Pode-se ver evidentemente da expressão da lei que o critério segundo o qual decidir se a posse seja de boa fé ou de má fé é a convicção subjectiva do possuidor ao momento ao adquiri-la.
74. De ponto de vista de direito comparado, expressaram a idêntica opinião o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal no Processo nº 593/2002.L1.S1, de 27/10/2011 e o Tribunal da Relação de Lisboa de Portugal no Processo nº 7885/05.2TBCSC.L1-1, de 8 de Janeiro 2013.
75. No presente processo, nunca ficou provado que a 2ª recorrente, ao adquirir as fracções autónomas em causa, ou seja, em 4 de Junho de 2005, já tivesse sabido que existisse a possibilidade de que estivesse a violar os direitos da recorrida.
76. Portanto, segundo a presunção do artº 1184º, nº 2 do CC, deve-se considerar de boa fé a posse das 2 fracções autónomas em causa por parte da 2ª recorrente.
77. Mesmo seguindo o raciocínio do juízo recorrido, de que em 14 de Outubro de 2015, depois de a 2ª recorrente ter sido citada no presente processo, já sabia – se considera – que as fracções autónomas pertenciam à recorrida; então, antes daquela data, a 2ª estava de boa fé; apenas a partir daquela data é que ficou de má fé.
78. Em conjugação com o facto provado alínea N), em 10 de Junho de 2005, a 2ª recorrente registou o título de aquisição dela.
79. Nos termos do Artigo 1219º do CC:
“Artigo 1219º
(Posse titulada e registo do título)
Sendo a posse titulada e havendo registo do título de aquisição, a usucapião tem lugar:
a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por 10 anos, contados desde a data do registo; ou
b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado 15 anos, contados da mesma data.”
80. A usucapião das 2 fracções autónomas em causa por parte da 2ª recorrente já satisfaz o disposto legal: sendo a posse titulada e havendo registo do título de aquisição, e quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por 10 anos contados desde a data do registo, tem lugar a usucapião.
81. Portanto, se as 2 fracções autónomas em causa já foram destruídas pelo incêndio pelo que não podem ficar a ser objectos da usucapião, segundo o princípio da “incorporação do solo no prédio”, a 2ª recorrente deve poder, segundo a proporção ocupada pelas fracções autónomas em causa no prédio inteiro antes da destruição, adquirir proporcionalmente o direito de concessão do terreno por usucapião.
(b) Quanto à acessão da posse
82. Segundo a sentença recorrida, no caso da 2ª recorrente, sendo a posse de má fé, o prazo da usucapião dura 15 anos, mesmo no caso da acessão da posse por parte da 2ª recorrente e da posse por parte da proprietária precedente das fracções autónomas em causa, não estão satisfeitos na mesma os requisitos para a usucapião, eis porque: 1) a 2ª recorrente não pretendeu a acessão da posse em discussão; 2) ao adquirir as fracções autónomas, a 2ª recorrente não adquiriu necessariamente a posse.
83. Em relação ao ponto 1, na contestação nº 79, a 2ª recorrente já pretendeu realizar a acessão da posse dela com a posse por parte da proprietária precedente.
84. Em relação ao ponto 2, segundo o facto provado N), assim que a 2ª recorrente tinha adquirido a propriedade das fracções autónomas em causa, ela já começou imediatamente a reconstrução.
85. Em conjugação com os motivos atrás expostos, pelos quais os nºs 16 a 18, 21 da base instrutória deviam ter sido dados por provados, ou seja, desde a aquisição das fracções autónomas em causa, paga sempre a renda, a contribuição predial, tem a empresa de gestão contractada à disposição que lida com a gestão e paga os custos de gestão, tudo mostra que uma vez adquirido a propriedade das fracções autónomas em causa, a 2ª recorrente já exerceu apreensão material das 2 fracções autónomas em causa, através de actos concretos.
86. Por isso, depois de ter assinado a escritura de compra e venda mencionada no facto provado alínea K), a 2ª recorrente adquiriu não apenas a posse das fracções autónomas em causa, mas também teve lugar a acessão da posse com a posse por parte da proprietária precedente das fracções em causa; feita a acessão, a posse já durou muito mais do que 20 anos.
Nestes termos, pede-se ao Mm.º Juiz:
1) Anular a sentença proferida pelo juízo recorrido;
2) Dar procedência à excepção da inoponibilidade da nulidade apresentada pelas recorrentes na contestação; se não entender o mesmo, então como pedido suplementar, pede-se decidir que a situação jurídica da 2ª recorrente, enquanto terceiro de boa fé, não seja mais influenciada pela decisão proferida no recurso de revisão; e
3) Dar procedência à reconvenção interposta pelas recorrentes, declarar que a 2ª recorrente adquiriu, por usucapião, a propriedade das fracções autónomas designadas “E2” e “F2”, do prédio sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, Macau (descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45); se não entender o mesmo, então como pedido suplementar, pede-se julgar parcialmente procedente a reconvenção interposta pelas recorrentes e declarar que a 2ª recorrente adquiriu, por usucapião, o direito de concessão do terreno no qual ficava o prédio onde se encontravam as 2 fracções autónomas acima mencionadas, proporcional à percentagem correspondente.
Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando a seguinte resposta às alegações de recurso, da qual não constam conclusões:
Por douta sentença de fls. 872 e segs., foi a presente acção julgada parcialmente procedente e, consequentemente, foi (i) declarado nulo o contrato de compra e venda celebrado em 4 de Junho de 2005 entre a 1ª Ré e a 2ª Ré, tendo por objecto as fracções autónomas E2 e F2 do prédio sito Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45; (ii) ordenado o cancelamento da inscrição nº 112473G na Conservatória do Registo Predial; (iii) reconhecida a Autora como titular do direito resultante da concessão por arrendamento do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, na percentagem de 26%.
Inconformadas, as Rés interpuseram recurso, com o qual pretendem (i) a revogação da sentença recorrida; (ii) que seja julgada procedente a excepção de inoponibilidade da nulidade ou, supletivamente, ser a 2ª Recorrente considerada terceiro de boa fé, cujo direitos não poderão ser afectados pela sentença de revisão; (iii) que seja a reconvenção julgada procedente e, consequentemente, seja a 2ª Recorrente reconhecida como tendo adquirido a propriedade das duas fracções autónomas por usucapião ou, supletivamente, que seja a reconvenção julgada parcialmente procedente e a 2ª Recorrente declarada titular de um direito sobre o prédio proporcional às duas fracções autónomas.
DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO
A - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
As Recorrentes dedicam o grosso das suas alegações à impugnação da matéria de facto, com o que pretendem obter respostas diferentes daquelas que foram dadas pelo Tribunal Colectivo a, nada mais, nada menos, do que 16 artigos da base instrutória. Na verdade, as Recorrentes pretendem fazer tábua rasa de toda a apreciação da prova, recorrendo para tanto a esparsos trechos extraídos de depoimentos testemunhais que o Tribunal Colectivo levou em devida consideração nas respostas que deu à matéria de facto.
Analisando-se as alegações produzidas pelas Recorrentes, facto a facto:
Artigo 27º da Base Instrutória
Pergunta-se no artigo 27º da Base Instrutória se a 1ª Ré pretendia locupletar-se das duas fracções, que bem sabia não serem suas, sabendo que a sua conduta prejudicava os direitos da Autora?
O Tribunal Colectivo julgou provado que A 1ª Ré pretendia locupletar-se das duas fracções, que bem sabia não serem suas, sabendo que a sua conduta prejudicava os direitos da Autora. A convicção do Tribunal fundou-se, no que a este facto respeita, no facto de as Recorrentes terem conhecimento de que nunca validamente adquiriram as duas fracções autónomas, convicção que extrai dos documentos juntos aos autos, do depoimento de parte e do depoimento das testemunhas.
Para procurar alterar a resposta dada a este facto para não provado, as Recorrentes lançam mão da presença da testemunha D nas reuniões de condóminos, onde foi discutido o destino a dar ao edifício, depois da sua destruição pelo fogo. Porém, conforme resulta dos documentos referenciados pelas Recorrentes, a referida D assinou as actas na qualidade de representante da Fábrica de Artigos de Vestuário E, que operava no local, conforme consta do averbamento datado de 13 de Julho de 1972 à licença industrial nº 789, junta aos autos, ao abrigo de um contrato de arrendamento, igualmente junto aos autos. Não o fez em representação da Recorrida, para o que, de resto, manifestamente não possuía poderes.
A boa análise da questão implica que se percorram um pouco os diversos meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento e os demais factos provados. A 1ª Recorrente sempre sustentou a tese de que havia prometido comprar as fracções em causa à Recorrida, na sequência de deliberações dos condóminos e de um contrato-promessa de compra e venda datado de 29 de Julho de 1987. No que a este contrato diz respeito, ficou provado que, em 29 de Julho de 1987, a 1ª Ré e K, arrogando-se da qualidade de representantes da assembleia do condomínio do Edifício Industrial Tong Son, declararam vender as 10 fracções autónomas sitas em Macau na Estrada Marginal do Hipódromo com entrada pelo nº 94 a 102 à 1ª Ré pelo preço de HKD5.250.000,00 (resposta ao artigo 11º da Base Instrutória). Isto é, a 1ª Recorrente, simultaneamente na qualidade de vendedora e compradora, assumiu a representação da Recorrida para celebrar um suposto contrato­promessa de compra e venda e não existe uma qualquer expressão de vontade, da parte da Recorrida, em pretender alienar aquelas fracções autónomas.
D estava apenas habilitada a comparecer às reuniões para depois reportar ao seu patrão, L, o qual havia adquirido a fábrica por trespasse, conforme averbamento datado de 31 de Maio de 1972 àquela mesma licença.
É, neste contexto, totalmente destituído de fundamento afirmar, como o fazem as Recorrentes, que todos os condóminos do edifício consideravam que D tinha legitimidade para representar a Recorrida na venda das suas fracções autónomas. Os factos apontam, todos eles, em sentido contrário, apontam para que a 1ª Recorrente pretendeu impor à Recorrida uma transacção que esta nunca quis realizar de sua livre vontade, procurando por todos os meios forçar a venda.
D confirma, em depoimento, a qualidade em que esteve presente nas reuniões, dando conta de que representava a Fábrica de Artigos de Vestuário E e reportava o que se discutia ao seu patrão, através da secretária, M, bem como que o seu patrão, proprietário da Fábrica, não manifestou vontade de vender as fracções autónomas, nunca assinou qualquer contrato nesse sentido e nunca recebeu qualquer quantia por conta da venda das duas fracções autónomas (depoimento registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 15.24.48 (2JC7P!HG02620319), 7:18 a 18:00).
O depoimento de D é corroborado por M, a qual declarou que a 1ª Recorrente contactou com D para saber se o seu patrão, L, sócio da Recorrida, queria vender as duas fracções autónomas, ao que L respondeu que ainda não tinha decidido vender. Disse ainda a testemunha que a Recorrida nunca celebrou qualquer contrato em que se comprometesse a vender as fracções autónomas e que não tinha dado poderes à 1ª Recorrente ou a K para tratarem da venda em seu nome. O contrato datado de 29 de Julho de 1987 foi assinado pela 1ª Recorrente e por K sem poderes de representação da Recorrida, a qual nunca recebeu qualquer quantia por conta da venda das fracções autónomas. Já depois de 29 de Julho de 1987, a 1ª Recorrente chegou a solicitar cópia do documento de identificação de L para tratar do pagamento da sisa e da escritura e estes documentos nunca lhe foram facultados (depoimento registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 10.50.44 (2JC)G^8102620319), 12:45 a 27:00).
Estes depoimentos estão devidamente suportados nos documentos juntos aos autos, designadamente nas actas das reuniões de alguns dos condóminos, na cópia do contrato datado de 29 de Julho de 1987 e na troca de faxes de 28 de Julho de 1987.
Não tendo nunca a Recorrida assentido na venda, directamente ou por interposta pessoa, das duas fracções autónomas à 1ª Recorrente, não tendo nunca celebrado qualquer contrato de venda, provisório ou definitivo, não tendo recebido qualquer quantia por conta de tal venda, tendo ainda sido dito à 1ª Recorrente que o sócio e gerente da Recorrente, L, não tinha ainda decidido vender as fracções autónomas, não pode senão dar-se resposta positiva ao quesito. A 1ª Recorrente sempre soube que não contratou com a Recorrida a compra dos imóveis e que nada pagou por eles, porque a Recorrida nunca manifestou a vontade de os vender.
Artigos 30º, 31º e 32º da base Instrutória
Pergunta-se no artigo 30º da Base Instrutória se a 2ª Ré é um mero instrumento da 1ª ré, sem qualquer real autonomia, destinado a melhor organizar o seu património, sem que isso acarrete qualquer controlo?
O Tribunal Colectivo julgou provado que a 2ª Ré não tem qualquer real autonomia, perante a 1ª Ré.
No artigo 31º da Base Instrutória pergunta-se se a 1ª Ré é, na realidade, quem controla a 2ª Ré, enquanto sua gerente-geral desde a data da constituição até ao presente?
E no artigo 32º da Base Instrutória pergunta-se se a transferência da maioria do capital da 2ª Ré, em 2002, para as sociedades XXX INTERNATIONAL LIMITED e YYY INTERNATIONAL LIMITED não altera em nada a situação, não passando aquelas sociedades de veículos societários destinados a facilitar futuras transacções e a obscurecer as transacções, com recurso a offshores em paraísos fiscais?
A estes dois quesitos doi o Tribunal Colectivo a seguinte resposta conjunta: apesar da transferência da maioria do capital da 2ª Ré para as sociedades XXX lnternational Limited e YYY lnternational Limited em 2002, a 1ª Ré continuou a controlar a 2ª ré, enquanto sua gerente-geral até ao presente.
Para assim responder a estes quesitos, terá sido determinante a análise dos documentos juntos aos autos, as declarações da 1ª Ré e o depoimento da testemunha H, conforme resulta da fundamentação do Tribunal Colectivo, onde esta matéria é profusamente examinada.
As Recorrentes, para procurarem infirmar estes factos, usam uma mão-cheia de nada: procuram desvalorizar o depoimento da testemunha H, como se de uma pessoa mentalmente diminuída se tratasse, procuram atirar a 1.ª Recorrente para o asilo, pintando-a como demente, e pouco mais. Mas sem qualquer sucesso, como se verá.
Antes de tudo o mais, importa frisar a relevância da testemunha H: ex-funcionário da 1ª Ré (motorista), a Recorrente nada dele sabia, senão que assinou em 2002, em representação das cessionárias, os contratos pelos quais a 1ª Recorrente transmitiu as suas quotas na 2ª Recorrente a favor da XXX International Limited e da YYY International Limited, documentos que se encontram juntos aos autos. A sua localização apenas foi possível mediante a assistência do Tribunal e das autoridades (fls. 696), quer para comparecer em juízo como testemunha, quer para dar cumprimento ao despacho de fls. 665, no qual se ordenava a sua notificação para juntar aos autos cópia das actas das sociedades YYY International Limited e XXX International Limited, ambas datadas de 15 de Março de 2002, que o haviam habilitado a assinar os referidos contratos.
Notificado, H apresenta a resposta escrita de fls. 716, na qual afirma que não pode apresentar os dois documentos em causa porque não sabe deles e que só assinou os documentos porque lhe foi pedido pela patroa.
Seguidamente, durante o seu depoimento (que se encontra registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 15.47.02 (2JC8C$8W02620319), sendo que desta faixa se extraem as referências que se seguem ao seu depoimento), H, que de início se procura justificar alguma falta de conhecimento dos factos com problemas de memória, revela possuir perfeito conhecimento dos factos e afirma, designadamente, que a 1ª Recorrente foi sua patroa há mais de 10 anos (09:50), que o nome da 2ª Recorrente não lhe diz nada (09:50 e 10:15). Quando lhe é exibido o contrato de transmissão de quota a favor da XXX International Limited (11:20 em diante), a testemunha diz que já lá vai muito tempo mas que parece que a assinatura é sua; não se recorda do que assinou, assinou uns documentos a pedido da patroa, ela tinha uma sociedade e precisava de uma assinatura dele, como testemunha, era o trabalho dele.
Quando lhe é exibido o contrato de transmissão de quota a favor da YYY International Limited, H não tem qualquer dúvida em reconhecer a sua assinatura (15:40), acrescentando que trabalhava como motorista (adiante esclarece que era camionista) e que a 1ª Recorrente lhe pediu para o fazer porque queria constituir uma sociedade; como trabalhava para ela, tinha medo de perder o trabalho e fez o que lhe foi pedido.
Afirma ainda que nunca lhe explicaram o que ia assinar (17:23 e, a instâncias da Senhora Juiz Presidente, a 25:10, que assinou sem ler, sem conhecer o conteúdo), não sem antes ter confirmado, sem hesitações ou dúvidas, que confirmava serem suas as assinaturas (24:15, a instância da Senhora Juiz Presidente).
Declarou também que não obteve qualquer benefício através da assinatura dos documentos (a 24:00, em sede de contra-instância).
Isto é, o suposto representante das duas sociedades que adquiriram o total do capital social da 2ª Recorrente era um motorista que trabalhava para a 1ª Recorrente, que assinou os documentos sem os ler e sem saber o seu conteúdo, apenas porque recebeu para isso instruções da 1ª Recorrente, que não retirou disso qualquer benefício, que nem o nome da sociedade 2ª Recorrente lhe diz alguma coisa (sociedade em relação à qual, conforme referido, interveio na compra de 99% do capital social).
A isto acresce a prova documental, que revela que a 2ª Recorrente foi constituída por escritura de 31 de Janeiro de 1997, com o capital social de MOP100.000,00 e tendo a 1ª Recorrente como gerente e sócia maioritária, detendo uma quota no valor de MOP99.000,00 (resposta ao artigo 6º da Base Instrutória). Por contrato de 18 de Maio de 2002, a 1ª Recorrente dividiu a sua quota em duas de igual valor, transmitindo uma quota de MOP49.500,00 a favor da XXX International Limited, sociedade constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas, controlada pela 1ª Recorrente (resposta ao artigo 7º da Base Instrutória). Por contrato de 24 de Maio de 2002, a 1ª Recorrente dividiu a sua outra quota remanescente, no valor de MOP49.500,00 a favor da YYY International Limited, sociedade igualmente constituída nas Ilhas Virgens Britânicas (resposta ao artigo 8º da Base Instrutória). Por deliberação de 24 de Maio de 2002, a 2ª Recorrente procede a uma alteração do pacto social, e a 1ª Recorrente foi nomeada como gerente-geral, continuando a exercer este cargo que vinha exercendo desde a constituição da 2ª Recorrente até à presente data (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória). Apesar da transferência da maioria do capital da 2ª Recorrente para as sociedades XXX International Limited e YYY International Limited em 2002, a 1ª Recorrente continuou a controlar a 2ª Recorrente, enquanto sua gerente­geral até ao presente.
Para contrariar estes factos, as Recorrentes não são capazes de avançar com um único facto que permita colocar em dúvida o controlo que a 1ª Recorrente exerce sobre a 2ª Recorrente, antes das divisão e cessão de quotas e depois de estas ocorrerem, para além da tentativa desesperada e deselegante de “pintar” a 1ª Recorrente como uma velha senil, que já não teria capacidade para dirigir os destinos da 2ª Recorrente, o que fazem sem sequer apresentar um cenário plausível alternativo, onde o controlo da 2ª Recorrente pertencesse a outra ou outras pessoas.
Com o depoimento da testemunha J, referido no parágrafo 35º das alegações de recurso, pretendem as Recorrentes dar conta da situação claudicante da 1ª Recorrente. Fora isso, o depoimento não contém mais do que afirmações opinativas e sem suporte da parte da testemunha: que acha que a 1ª Recorrente não controla as duas sócias da 2ª Recorrente (mas sem esclarecer, então, quem controla?) e que se controlasse, a 1ª Recorrente não teria vendido a 2ª Recorrente, o que não passa de uma opinião falaciosa, muitos são os motivos que podem levar alguém as suas participações sociais de offshores em paraísos fiscais, como é do conhecimento geral e aparece publicamente noticiado todos os dias.
De resto, as primeiras declarações da 1ª Recorrente, em depoimento de parte, de forma espontânea e inesperada, foram no sentido de que “as duas fracções pertencem-me a mim” (registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 10.12.19 (2JC(9B4102620319), 00:50), logo de seguida esclarecendo que lhe pertencem depois de as ter adquirido por usucapião). Isto em declarações prestadas mais de uma dúzia de anos depois de terem sido vendidas à 2ª Recorrente ...
Artigo 35º da Base Instrutória
Pergunta-se no artigo 35º da Base Instrutória se a 2ª Ré sabe que a Autora era a dona e legítima possuidora das fracções E2 e F2, e dos direitos a elas correspondentes na concessão, por arrendamento, do prédio nº 20803 e que a “posse” que exercia sobre o prédio prejudicava direitos da Autora?
O Tribunal Colectivo deu como provado que a 2ª Ré sabe que a Autora era a dona das fracções E2 e F2 e dos direitos a elas correspondentes na concessão, por arrendamento, do prédio nº 20803.
A fundamentação encontrada para esta resposta é a mesma que a encontrada para a resposta dada ao quesito 27º, o que bem se compreende, uma vez dada a resposta aos artigos 30º a 32º da Base Instrutória. Se a 2ª Recorrente não tem real autonomia face à 1ª Recorrente, é inevitável que o conhecimento da 1ª Recorrente, relativamente à situação das duas fracções autónomas em causa, seja partilhado pela 2ª Recorrente.
A este respeito, invocam as Recorrentes que o mandatário da Recorrida entendeu, em alegações de facto, que o facto não deveria ser dado com provado. Ouvida a gravação, constata-se que essa afirmação foi feita mas sem qualquer fundamentação, o que indicia que o mandatário, ora signatário, no final da audiência e das alegações, possivelmente já cansado, se confundiu. Na realidade, o facto deveria ser dado como provado, como o foi, na sua versão abreviada, adoptada pelo Tribunal Colectivo. Nas alegações de facto, o mandatário signatário pretendeu significar que não havia posse das fracções, porquanto estas já não existiam, o que inviabilizava a prova, nos termos em que o quesito estava formulado, objecção que já não colhe com a versão dada como provada pelo Tribunal Colectivo.
Artigo 14º da Base Instrutória
Pergunta-se no artigo 14º da Base Instrutória se em 4 de Junho de 2005, a 2ª Ré adquiriu as fracções E2 e F2 com plena convicção que a 1ª Ré era legítima proprietária, desconhecendo o vício do negócio alegado pela Autora nos presentes autos?
A resposta dada pelo Tribunal Colectivo foi de não provado.
O Tribunal Colectivo fundamentou esta resposta negativa no documento de fls. 796 e no depoimento de testemunhas, que comprovaram que a 1ª Recorrente sabia, antes da assinatura daquele documento, que a Recorrida não tinha ainda tomado uma decisão sobre a venda das fracções autónomas, o que impossibilitava que a prova do quesito.
Para procurar dar o facto como provado, as Recorrentes limitam-se a procurar extrair ilações da sentença proferida no processo CV3-02-0010-CAO e do seu registo, sem invocarem qualquer outro meio de prova, como se de um terceiro de boa fé se tratasse.
Ora, sabendo a 1ª Recorrente que a Recorrida nunca havia manifestado a vontade de vender as fracções autónomas, tendo a 1ª Recorrente facultado naquele processo informação totalmente falsa (designadamente, que, em 29 de Julho de 1987, na qualidade promitente-compradora, havia celebrado um contrato promessa de compra e venda com a ora Recorrente, através de representantes desta, que a ora Recorrente havia recebido o correspondente preço mas que, por ter cessado actividade, não celebrou o contrato formal de venda ou escritura pública de compra e venda, requerendo, desde logo, a citação da ali Ré por éditos, etc.), o que se comprova pela leitura da petição inicial e da sentença ali proferida, ambas juntas aos autos, impossível é considerar que a 2ª Recorrente (que com a 1ª Recorrente se identifica) desconhecia os vícios de que enfermava o processo e o título de propriedade e, consequentemente, o vício do negócio. Por força da identificação entre as 1ª e 2ª Recorrentes, esta tinha necessariamente de conhecer todos os vícios que inquinavam o negócio e que vieram a ser postos a claro com a procedência do recurso de revisão e com a audiência de discussão e julgamento, desta segunda vez com a participação da Recorrente, como era suposto ter acontecido de início.
Artigo 15º da Base Instrutória
Pergunta-se no artigo 15º da Base Instrutória se a 2ª Ré adquiriu as fracções E2 e F2 a título oneroso?
O Tribunal Colectivo considerou o quesito não provado.
A fundamentação do Tribunal Colectivo assenta em que a alteração na composição social da 2ª Recorrente, com a entrada no capital social de duas sociedades das BVI, apenas serviu para dar uma aparência de autonomia da 2ª Recorrente face à 1ª Recorrente, para tanto convocando a fundamentação que subjaz à resposta dada aos quesitos 30º a 32º, que aqui se dá por reproduzida, a que acresce que as Recorrentes não conseguiram demonstrar que tenha havido lugar ao pagamento do preço de MOP600.000,00, declarado na escritura de compra e venda.
Sustentam as Recorrentes que o quesito deveria ter sido dado como provado, com base em prova documental e testemunhal.
Recorde-se que este facto, invocado pelas Recorrentes, a elas competia prová-lo, ao abrigo das regras de distribuição do ónus de prova, estabelecidas no Código Civil e, para o caso concreto, no nº 2 do artigo 335º, nos termos do qual a prova dos factos impeditivos modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
O documento - escritura pública de compra e venda - nada prova de relevante, apenas o que os outorgantes declararam, isto é, que o preço foi acordado e pago. Essas declarações não vinculam a Recorrida, que não outorgou na escritura.
De resto, a Recorrida tudo fez para que se fizesse prova sobre este quesito e a reacção obtida da parte das Recorrentes foi sempre muito pouco convincente. No requerimento de prova, oportunamente apresentado, requereu a Recorrida a 2ª Recorrente fosse notificada para juntar aos autos documento comprovativo do pagamento, à Primeira Recorrente, do preço respeitante à aquisição das fracções autónomas E2 e F2, para contra-prova artigo 15º da Base Instrutória e prova do artigo 33º da Base Instrutória.
De imediato responderam as Recorrentes a fls. 606 e segs. que o documento já se encontrava junto aos autos, nada mais, nada menos, do que a escritura pública de compra e venda, tentando assim cobrir o sol com a peneira. Não fosse o Tribunal não aceitar tal justificação, logo adiantaram que já se haviam passado 12 anos e que não estavam legalmente obrigadas a manter essa documentação nos seus arquivos.
Notificada a 2ª Recorrente, conforme despacho de fls. 611 verso, nada mais disse sobre o tema na sua resposta de fls. 659 e 660.
Em audiência de julgamento, vieram as Recorrentes, por intermédio da testemunha J, procurar provar que o preço foi pago em numerário. Este depoimento - e bem - não convenceu o Tribunal Colectivo, pois que desacompanhado de qualquer outro elemento probatório. A testemunha tentou justificar-se com o valor irrisório da transacção mas, convenha-se, MOP600.000,00 em 2005 não era, de modo nenhum, um valor que fosse transaccionado como se de avos se tratasse. Uma transacção desta grandeza, em que participava uma sociedade comercial, não podia ser realizada sem deixar rasto, um lançamento contabilístico nos livros de escrituração, um cheque sacado sobre um banco ou um talão de depósito no valor da compra, etc. A justificação dada pelas Recorrentes é totalmente inverosímil e assim foi, correctamente, considerada pelo Tribunal Colectivo, sobretudo no contexto de uma transacção realizada entre entidades em relação estreita.
Quanto ao argumento supletivo invocado pelas Recorrentes nos parágrafos 67º a 72º das suas alegações, é puro formalismo jurídico, destituído de qualquer conteúdo: a transmissão seria onerosa porque foi realizada mediante uma escritura de compra e venda, negócio que implica o pagamento de um preço, logo, onerosidade.
O que para estes autos interessa é se o negócio foi oneroso na sua substância, ou seja, se houve uma contraprestação, o efectivo pagamento de um preço ou uma troca ou outra forma de contrapartida. A ser como as Recorrentes defendem, um contrato de compra e venda seria sempre um negócio oneroso, independentemente de ser, ou não, pago o preço, independentemente de com ele se pretender simular uma venda quando, na realidade, se estava perante uma doação, um negócio substancialmente gratuito.
Artigos 16ºº a 18º e 21º da Base Instrutória
No artigo 16º da Base Instrutória pergunta-se se relativamente às fracções E2 e F2 em discussão, a 2ª Ré tem, desde a referida aquisição liquidado as respectivas rendas ao governo da RAEM, em cumprimento do contrato de concessão?
Pergunta-se no artigo 17º da Base Instrutória se relativamente às fracções E2 e F2 em discussão, a 2ª Ré, desde a referida da aquisição, liquida também a contribuição predial?
E, no artigo 18º da Base Instrutória, pergunta-se se relativamente às fracções E2 e F2 em discussão, a 2ª Ré contratou e paga as despesas de administração e segurança de todas as fracções, incluindo as fracções em discussão, desde a data da respectiva aquisição?
Pergunta-se no artigo 21º da Base Instrutória se desde a aquisição em 4 de Junho de 2005 e as demais escrituras de aquisição das demais fracções em causa, a 2ª Ré tem promovido pela segurança do prédio?
O Tribunal Colectivo deu todos estes factos como não provados, com fundamento em que ficaram dúvidas sobre quem efectivamente fez aqueles pagamentos, se a 1ª Recorrente, se a 2ª Recorrente, atenta a confusão existente entre uma e a outra.
Para infirmar esta resposta dada pelo Tribunal Colectivo, as Recorrentes limitam-se a fazer referência aos documentos juntos aos autos, que atestam os pagamentos em causa. O que esses documentos não esclarecem é sobre quem procedeu, efectivamente, aos referidos pagamentos, se a 2ª Recorrente, se a 1ª recorrente, se qualquer outra pessoa ou entidade.
Quanto aos documentos juntos pelas Recorrentes com a contestação sob os nºs 22 a 123, importa notar que não são endereçados a ninguém, ficando­se sem saber a quem os recibos são emitidos. Dizem respeito a um suposto armazém Tong Son, que não existe, pois que o edifício foi demolido em 2002 (alínea E) dos Factos Assentes) e durante todo o período a que respeitam, são no valor de MOP1.200,00, de 2006 a 2014, sem alterações nem actualizações, o que faz levantar muitas dúvidas em relação à sua genuinidade.
A identidade de quem procedeu aos pagamentos não foi também confirmada pela testemunha J, sendo de assinalar que ela só trabalhou para a 1ª Recorrente até 2006 ou 2007 (registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 16.39.46 (2JC@37IW02620319), 02:20), pelo que não teria conhecimento de quem procedeu ao pagamento durante todo o período relevante.
Artigos 20º, 22º, 23º, 24º e 25º da Base Instrutória
Pergunta-se no artigo 20º da Base Instrutória se desde, pelo menos, da escritura de compra e venda, ou seja, desde 4 de Junho de 2005, e das demais escrituras de aquisição das demais fracções autónomas em causa que a 2ª Ré passou a considerar-se e comportar-se como única e exclusiva proprietária do prédio urbano em causa, detendo-o e fruindo-o como proprietária, agindo com interesse próprio de adquirir a totalidade das fracções do prédio em causa, com o propósito de reedificar o prédio?
No artigo 22º da Base Instrutória, pergunta-se se a partir de 4 de Junho de 2005, a 2ª Ré tem vindo a agir sobre o prédio de forma permanente e ininterrupta, com a convicção de ser a sua exclusiva proprietária, assim se considerando e assim sendo considerada à vista de todos?
Pergunta-se no artigo 23º da Base Instrutória se sem violência nem oposição de ninguém durante mais de 10 anos, e sempre na convicção de que fruía o referido prédio porque o mesmo lhe pertencia e pertence, dele retirando todas as utilidades em proveito próprio?
No artigo 24º da Base Instrutória, pergunta-se se quer os comerciantes, quer os moradores dos prédios vizinhos, vêem a 2ª Ré como dona e legítima possuidora do prédio?
E, no artigo 25º da Base Instrutória, pergunta-se se a 2ª Ré tem praticado os actos acima referidos desconhecendo que poderia estar a lesar o direito de outrem?
O Tribunal Colectivo considerou todos estes factos como não provados.
A convicção do Tribunal assentou sobretudo no facto de tudo indicar que as fracções autónomas não saíram nunca da esfera jurídica da 1ª Recorrente para a da 2ª Recorrente, o que impossibilitaria que esta criasse uma qualquer convicção de ser sua proprietária.
Na verdade, para além da questão de a 2ª Recorrente não actuar com a convicção de ser proprietária, não foi apresentada prova pelas Recorrentes que permitisse dar aqueles quesitos como provados. A prova das Recorrentes limitou-se ao depoimento da testemunha J, que apenas trabalhou para a 1ª Recorrente até 2006 ou 2007, conforme se viu já, depoimento que foi extremamente vago, sem identificar datas ou períodos, sem conseguir determinar o que fazia por conta da 1ª Recorrente ou por conta da 2ª Recorrente e o que uma ou outra faziam ou como actuavam em relação ao prédio. A maior parte dos factos relatados pela testemunha reportavam-se aos anos 80 e 90 do século passado, que nada tinham que ver com a 2ª Recorrente.
Nenhum comerciante, nenhum morador vizinho, foi ouvido que permitisse ao Tribunal concluir no sentido de ser a 2ª Recorrente por todos reconhecida como proprietária.
As passagens referidas pelas Recorrentes são absolutamente insuficientes para dar os factos como provados.
No parágrafo 89º das alegações de recurso, refere o depoimento da testemunha, que afirmou que, desde 2005, ninguém se opunha aos actos da 2ª Recorrente sobre o terreno e ninguém exigia a sua restituição. A verdade é que só a Recorrida o poderia fazer, pois que só ela foi prejudicada pelos actos da Recorrentes e a Recorrida, efectivamente, logo em 2006, interpôs recurso de revisão contra a sentença que havia declarado a 1ª Recorrente titular dos direitos de concessão sobre o terreno, por os ter adquirido por usucapião (alínea G) dos Factos provados).
No parágrafo 90º das suas alegações, as Recorrente fazem referência aos actos alegadamente praticados pela 2ª Recorrente sobre o prédio, no sentido de o limpar e desalojar toxicodependentes. Ora, esses factos foram praticados antes da demolição do edifício, que ocorreu em 2002, e até essa data era a 1ª Recorrente quem reclamava praticar todos os actos relativamente ao edifício, conforme resulta da petição inicial do processo nº CV3-02-0010-CAO, junta aos autos pela Recorrida durante a audiência de discussão e julgamento (vide sentença proferida naquele processo, junta como documento 4 com a petição inicial). Assim, aquele depoimento apenas pode ser interpretado como reportando-se aos actos praticados pela 1ª Recorrente nas décadas de 80 e 90 do século passado, o que foi confirmado pela própria testemunha (registado como Tradutor 1, em 15-Nov-2018 às 15.47.02 (2JC8C$W02620319), 47:35 a 48:55), em nada relevando para estes autos.
No parágrafo 91º das alegações, as Recorrentes fazem referência ao depoimento da mesma testemunha, quando esta afirma que a 2ª Recorrente pretendia reconstruir o edifício, como se isso pudesse inviabilizar qualquer consciência de estar a lesar direitos de terceiros. Trata-se de uma conclusão totalmente infundada, pois que a 2ª Recorrente, enquanto instrumento da 1ª Recorrente, pretendia proceder ao reaproveitamento do terreno em seu exclusivo benefício e com o óbvio prejuízo da Recorrida.
No parágrafo 94º das alegações, faz-se ainda referência aos factos provados nas alíneas N) e O) dos Factos Assentes, como isso, só por si, demonstrasse ser que a 2ª Recorrente se assumia como titular exclusiva dos direitos sobre o terreno. Porém, o acto praticado foi apenas o de contratar os serviços de uma sociedade – Macau Professional Services Ltd. – para desenvolver um projecto de reedificação do imóvel. Esse estudo não tem o potencial de, só por si, provar o que quer que seja, para além daquilo que ficou, efectivamente, dado como provado nos Factos Assentes.
B – MATÉRIA DE DIREITO
No que respeita à matéria de direito, toda a construção trazida aos autos pelas Recorrentes nas suas alegações assenta exclusivamente no pressuposto de a impugnação da matéria de facto vir a ser julgada procedente, o que, conforme se viu já, não tem qualquer justificação. Assim, a fundamentação de direito constante da douta sentença recorrida é totalmente correcta.
B.1 – A declaração de nulidade da escritura de compra e venda datada de 4 de Junho de 2005
O Tribunal a quo julgou procedente o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 4 de Junho de 2005 entre a 1ª Recorrente e a 2ª Recorrente, tendo por objecto as fracções autónomas E2 e F2 do prédio sito Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, e ordenou o cancelamento do respectivo registo. As Recorrentes, apesar de concluírem pedindo a revogação da sentença nessa matéria, não a incluíram nas suas conclusões. Não se vislumbra, ao longo das alegações de recurso, uma única referência a esta questão, quer no corpo das alegações, quer nas suas conclusões. Com efeito, os parágrafos 3º a 99º lidam com a impugnação da matéria de facto, os parágrafos 100º a 113º respeitam à questão de saber se a posse foi exercida de boa ou de má fé, para efeitos de usucapião, os artigos 114ºa 118º respeitam à acessão na posse. Quanto às conclusões, o mesmo, as conclusões 2ª a 68ª respeitam à impugnação da matéria de facto, as conclusões 69ª a 81ª à natureza da posse, de boa ou de má fé, as conclusões 82ª a 86ª à acessão na posse.
Não há uma única referência à impugnação da decisão que declarou a nulidade da escritura pública de compra e venda das duas fracções autónomas dos autos, as Recorrentes não facultam nem razões de facto, nem razões de direito, que justifiquem a revogação da sentença recorrida nesta matéria, quer por entenderem que inexiste nulidade, quer por julgarem que essa nulidade, a existir, lhes é inoponível. O mesmo se diga do pedido formulado pela Recorrida, relativamente ao cancelamento do registo da aquisição na Conservatória do Registo Predial. Assim sendo, trata-se de matéria que não é objecto do recurso, conforme resulta claramente do disposto no nº 3 do artigo 589º do Código de Processo Civil.
Conforme jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância, como este TSI teve já oportunidade de afirmar, «o tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões das suas alegações de recurso, transitando em julgado as questões nelas não contidas, mesmo que alguma vez tenham sido invocadas nas alegações»1.
Vale isto por dizer que «A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art. 589º, nº 3, do CPC), as quais funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento»2.
Ou significa que «as conclusões do recurso devem constituir a enumeração sintética das questões que o juiz deve tratar (estas entendidas como o conjunto de factos e regras jurídicas que fundamentam a viabilidade de determinada pretensão de quem as formula), indicando-se, igualmente em que sentido as deve resolver. As conclusões servem, pois, para delimitar o thema decidendum do recurso, constituindo um ónus do recorrente, não competindo ao tribunal retirar da análise das alegações quais as questões que deve tratar» (Proc. nº 148/2010, entre muitos outros).
Assim, a sentença recorrida transitou em julgado, quando declarou a nulidade da escritura e ordenou o cancelamento do registo, conforme peticionado.
Sem prescindir, entende a Recorrida que a douta sentença recorrida não merece reparo algum e que analisou a matéria atinente à interpretação e aplicação do artigo 284º do Código Civil de forma particularmente competente e exaustiva, no que deverá constituir exemplo para outros casos. Por essa razão, a Recorrida adere e dá por reproduzida toda a fundamentação da sentença constante de fls. 878 verso a 888 dos autos.
Ainda assim, acrescenta a Recorrida que, por escritura de compra e venda celebrada em 26 de Setembro de 1974, lavrada de fls. 27 e segs. do livro de notas para escrituras diversas nº 64-B do 1º Cartório Notarial de Macau, a Recorrida adquiriu a N e L direitos correspondentes a 2/3 das fracções autónomas designadas por E2 e F2, com entrada pelo nº 98 da Estrada Marginal do Hipódromo, do edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, edificado em terreno concedido por arrendamento pelo prazo de 50 anos a contar de 11 de Fevereiro de 1963 (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória). Esta aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº 46513, a fls. 166 verso do livro G38, conforme apresentação de 18 de Outubro de 1974 (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória).
Através de arrematação judicial, a Recorrida adquiriu o remanescente 1/3 dos direitos sobre aquelas fracções autónomas a P (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória). Esta segunda aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº 48620, a fls. 145 verso do livro G40, conforme apresentação de 15 de Janeiro de 1976 (resposta ao artigo 34º da Base Instrutória).
Ficou, assim, demonstrado que a Recorrida adquiriu a totalidade daquelas duas fracções autónomas, aquisição que ficou registada, ficando dispensada de provar uma forma de aquisição originária por força da presunção que o registo confere aos seus direitos.
A Recorrida tornou-se, assim, legítima dona e possuidora das fracções autónomas E2 e F2 do edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, que possuem o valor relativo de 26% da totalidade do prédio em regime de propriedade horizontal (alínea A) dos Factos Assentes).
Por escritura de compra e venda celebrada a 4 de Junho de 2005 lavrada a fls. 150 do livro de notas para escrituras diversas nº 34 e a fls. 1 e segs. do livro de notas para escrituras diversas nº 34 e 35, do notário Privado Dr. Adelino Correia, a 1ª Recorrente declarou vender à 2ª Ré, que declarou adquirir, as fracções autónomas E2 e F2 (alínea K) dos Factos Assentes), aquisição essa que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 112473G, com a apresentação nº 325 de 10 de Junho de 2005 (alínea M) dos Factos Assentes).
Antes disso, por sentença proferida em 8 de Abril de 2005, transitada em julgado a 25 de Abril de 2005, foi julgada procedente a acção declarativa intentada pela 1ª Recorrente em 31 de Julho de 2002 contra a Recorrida, Ministério Público e Interessados Incertos, a que foi atribuído o nº CV3-02-0010-CAO e, em consequência, foi a 1ª Recorrente declarada, para todos os efeitos, nomeadamente de registo, como única proprietária das fracções autónomas E2 e F2, por as ter adquirido por usucapião (alíneas D) e F) dos Factos Assentes).
Em 26 de Outubro de 2006, foi apresentado pela Recorrida um recurso extraordinário de revisão no âmbito daquele processo CV3-02-0010-CAO, com fundamento em falta de citação e, por sentença proferida em 28 de Fevereiro de 2008, o recurso extraordinário de revisão foi julgado procedente e, em consequência, foram anulados os termos do processo posteriores à citação da ora Recorrida e ordenada a sua citação para a causa (alíneas G) e H) dos Factos Assentes).
Feita a citação da ora Recorrida, a causa seguiu os seus termos e, por sentença de 3 de Setembro de 2012, foi a acção julgada improcedente. Da sentença interpôs a lª Recorrente recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o qual, por acórdão de 17 de Julho de 2014, transitado a 5 de Setembro de 2014, o julgou improcedente (alíneas I) e J) dos Factos Assentes).
O título de aquisição das fracções autónomas E2 e F2 por parte da lª Ré, a sentença que havia sido proferida em 8 de Abril de 2005, foi assim anulada e a 2ª Recorrente celebrou com a 1ª Recorrente um contrato de compra e venda de coisa alheia, nulo por força do disposto no artigo 882º do Código Civil doravante CC).
Consequência da declaração de nulidade é o cancelamento da inscrição nº 112473G na Conservatória do Registo Predial, conforme flui do artigo 14º do Código do Registo Predial.
Porém, as Recorrentes invocaram, em sede de contestação, que a 2ª Ré era um terceiro de boa fé, por isso merecendo a protecção conferida por lei no artigo 284º do CC.
A protecção concedida pelo artigo 284º do CC aplica-se apenas ao terceiro de boa fé que tenha adquirido direitos a título oneroso, quando o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade e ainda, cumulativamente, quando a acção de nulidade não tenha sido proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido.
Conforme foi bem identificado na douta sentença recorrida, o artigo 284º do CC não tem aqui aplicação porque a aquisição, pela 1ª Recorrente, não foi feita por negócio jurídico, mas sim por sentença, com o que a questão fica resolvida.
Porém, mesmo que o preceito fosse aplicável ao caso, de todos os pressupostos referidos, apenas se verificam dois: o registo da aquisição é anterior ao registo da acção de nulidade e a acção de nulidade não foi proposta e registada dentro do ano posterior à conclusão do negócio inválido. Já os demais pressupostos não se verificam.
Em primeiro lugar, a 2ª Recorrente não é um terceiro, para efeitos de aplicação do artigo 284º do CC. Terceiro, para efeitos de aplicação do artigo 284º do CC, é o adquirente de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa (conforme foi considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, relativamente ao artigo 284º do Código Civil português, equivalente ao artigo 291º do Código Civil de Macau, no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/99, de 18 de Maio).
No caso dos presentes autos, a 2ª Recorrente não adquiriu direitos incompatíveis com os da Recorrida de um transmitente comum; adquiriu-os de um adquirente originário, com base numa sentença proferida num processo de usucapião em que todos os termos posteriores à citação foram anulados, incluindo, naturalmente, a sentença que havia servido de base ao registo de aquisição a favor da 1ª Recorrente.
Conforme muito recentemente foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, “Para funcionar a protecção conferida pelo art. 291º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.” (acórdão de 19.04.2016, proferido no processo 5800/12.6TBOER.L1-A.S1).
Por outro lado, a 2ª Recorrente não tem verdadeira autonomia relativamente à 1ª Recorrente (resposta ao artigo 30º da Base Instrutória), conforme se comprova pelos factos dados como provados. Assim, a 2ª Recorrente foi constituída por escritura de 31 de Janeiro de 1997, com o capital social de MOP100.000,00 e tendo a 1ª Recorrente como gerente-geral e sócia maioritária, detendo uma quota no valor de MOP99.000,00 (resposta ao artigo 6º da Base Instrutória). Por contrato de 18 de Maio de 2002, a 1ª Recorrente dividiu a sua quota em duas de igual valor, transmitindo uma quota de MOP49.500,00 a favor da XXX INTERNATIONAL LIMITED, sociedade constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas, controlada pela 1ª Recorrente (resposta ao artigo 7º da Base Instrutória). Por contrato de 24 de Maio de 2002, a 1ª Recorrente dividiu a sua outra quota remanescente, no valor de MOP49.500,00 a favor da YYY INTERNATIONAL LIMITED, sociedade igualmente constituída nas Ilhas Virgens Britânicas (resposta ao artigo 8º da Base Instrutória). Por deliberação de 24 de Maio de 2002, a 2ª Recorrente procede a uma alteração do pacto social, e a 1ª Recorrente foi nomeada como gerente a gerente-geral, continuando a exercer este cargo que vinha exercendo desde a constituição da 2ª Recorrente até à presente data (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória). Apesar da transferência da maioria do capital da 2ª Recorrente para as sociedades XXX INTERNATIONAL LIMITED e YYY INTERNATIONAL LIMITED em 2002, a lª Recorrente continuou a controlar a 2ª Recorrente, enquanto sua gerente-geral até ao presente.
O conceito de terceiro, para efeitos de aplicação do artigo 284º do CC, pressupõe que não haja identidade jurídica ou económica entre pessoas jurídicas, não merecendo protecção o terceiro. Muito menos é terceiro de boa fé, sobretudo em casos como o dos autos, onde a transacção se processa entre uma sócia e a sociedade, em que aquela detém directa ou indirectamente posição maioritária e de que é administradora. Esta proximidade ou identidade de sujeitos constitui mesmo uma presunção de má fé da parte do adquirente, sobretudo quando o alienante é conhecedor do vício. Conforme ensina Maria Clara Sottomayor, “Tudo depende, portanto, de saber se os sócios que compõem a sociedade têm ou não este conhecimento, bastando, para que o conhecimento dos sócios seja imputado à sociedade, que o sócio maioritário ou o que domina de facto a sociedade tenha conhecimento da inexactidão do registo” (Invalidade e Registo, A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, pág.456).
Num caso paralelo, de venda por um sócio gerente à sociedade, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que a segunda adquirente, a sociedade, não merecia protecção num caso de dupla alienação (acórdão de 08.10.1996, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo IV, págs. 34-38).
Ficou provado que a 1ª Recorrente pretendia locupletar-se das duas fracções, que bem sabia não serem suas, sabendo que a sua conduta prejudicava os direitos da Autora (resposta ao artigo 27º da Base Instrutória), bem como que a 2ª Recorrente sabe que a Autora era a dona das fracções E2 e F2, e dos direitos a elas correspondentes na concessão, por arrendamento, do prédio nº 20803 (resposta ao artigo 35º da Base Instrutória).
Por forma a provar a excepção invocada de inoponibilidade da nulidade, competia à 2ª Recorrente provar a sua boa fé, enquanto facto impeditivo da pretensão da Autora. Na economia do artigo 284º do CC, a boa fé é não só condição da salvaguarda dos direitos do terceiro mas também elemento constitutivo ou causal relativamente à sua aquisição (Maria Clara Sottomayor, ob. cit., pág. 758). Sobre a 2ª Recorrente recaía, pois, o ónus de alegar e provar a sua boa fé, conforme resulta do disposto no nº 2 do artigo 335º do CC.
De acordo com o nº 4 do artigo 284º do CC, “é considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento de aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.
Não só a 2ª Recorrente não conseguiu provar a sua boa fé como ainda ficou provada a sua má fé, pois que sabia que as fracções autónomas pertenciam à Autora e ainda, por via da lª Recorrente, sabia que a conduta desta prejudicava a Autora.
Um segundo requisito da inoponibilidade prevista no artigo 284º do CC é a natureza onerosa da aquisição por parte do terceiro. Também aqui e pelas mesmas razões cabia à 2ª Recorrente alegar e provar o título oneroso da aquisição, o que não conseguiu, conforme da resposta de não provado ao artigo 15º da Base Instrutória.
É certo que a aquisição feita pela 2ª Recorrente à 1ª Recorrente foi por escritura de compra e venda. Porém, cabia às Recorrentes demonstrar que a transmissão havia sido feita a título oneroso - e muitos foram os pedidos feitos para que o demonstrassem, sempre sem sucesso. As Recorrentes procederam a um negócio simulado no que respeita ao valor, pois que não foi pago qualquer preço pela transmissão das duas fracções autónomas, única conclusão a que se pode chegar por força da falta de prova de pagamento.
Na realidade, o negócio celebrado entre as Recorrentes foi um negócio gratuito, em que a 2ª Recorrente não fez à 1ª Recorrente o pagamento do preço estipulado no contrato de compra e venda. A simulação gera igualmente a nulidade do negócio jurídico, conforme resulta do disposto no artigo 232º do CC.
Na ausência de boa fé da parte da 2ª Recorrente e de prova do título oneroso da aquisição, fica irremediavelmente comprometida a excepção de inoponibilidade invocada pelas Recorrentes.
De resto, a venda é também nula porque, versando sobre fracções autónomas, estas já não existiam à data da venda, 4 de Junho de 2005, por inexistência de objecto, conforme resulta do disposto no artigo 273º do Código Civil. Na realidade, em 29 de Outubro de 2002, o edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102 foi demolido (alínea E) dos Factos Assentes). Esta consequência de nulidade havia sido, de resto, já assinalada pelo Tribunal de Segunda Instância no acórdão proferido em 17 de Julho de 2014, no processo nº 73/2013 (documento 5 junto com a petição inicial).
B.2 - Reconhecimento da Recorrida como titular dos direitos correspondentes às fracções E2 e F2, na percentagem de 26%
A sentença recorrida reconheceu a Recorrida como titular do direito resultante da concessão por arrendamento do terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, na percentagem de 26%.
Sobre este tema, a Recorrida dá igualmente por reproduzida toda a fundamentação constante da sentença a fls. 888 a 889 verso, à qual adere sem reservas.
Sobre este tema também as Recorrentes nada disseram, quer nas suas alegações de recurso, quer nas conclusões, razão pela qual a sentença, nesta matéria, não deverá ser objecto de recurso e transitou em julgado.
B.3 - Do pedido reconvencional
A 2ª Recorrente pediu para ser reconhecida como titular do direito de propriedade resultante da concessão por arrendamento que recai sobre as fracções autónomas E2 e F2 do prédio sito Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, e sobre o terreno onde estão edificadas, por usucapião ou, subsidiariamente, para ser reconhecida como titular do direito de propriedade resultante da concessão por arrendamento que recai sobre o prédio sito Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45.
o pedido reconvencional assim formulado foi julgado improcedente e a ele dedicam as Recorrentes os parágrafos 110º a 118º das suas alegações, bem como as conclusões 69ª a 86ª.
Também nesta matéria a douta sentença não merece crítica alguma, pelo que a Recorrida acolhe e adere à fundamentação constante da sentença, a fls. 889 verso a 893 verso.
Não obstante, a Recorrida destaca que o pedido reconvencional da 2ª Recorrente, para que fosse reconhecida como proprietária das fracções E2 e F2 ou sobre todo o prédio, por usucapião, assentava nos factos elencados nos artigos 16º a 24º da Base Instrutória. Desses factos, a 2ª Recorrente apenas logrou provar o facto contido no artigo 19º, claramente insuficiente para nele assentar o corpus e o animus necessários ao desencadear da aquisição por usucapião.
Na falta de prova de tais factos, não pode senão a pretensão da 2ª Recorrente improceder, sendo ocioso maior delonga em matéria de verificação dos requisitos da aquisição por usucapião.
Impossível seria, de qualquer forma, a aquisição, por usucapião, das fracções E2 e F2, por total falta de objecto, atenta a demolição do prédio ocorrida em 2002. Não havendo edificação não há propriedade horizontal e, não havendo esta, não há fracções autónomas.
A 2ª Recorrente invocou uma posse iniciada em 10 de Junho de 2005, anos depois da demolição do prédio e, consequentemente, anos depois da extinção da propriedade horizontal, a qual só pode ter por objecto o que consta do artigo 1315º do Código Civil. Isto é, o objecto da pretendida usucapião não existe, como já não existia ao tempo do alegado início da posse, pelo que se trata de uma posse impossível, sem objecto.
Enquanto pedido subsidiário, pretende a 2ª Recorrente usucapir o direito de propriedade resultante da concessão, por arrendamento, que recai sobre o prédio sito na Estrada Marginal do Hipódromo, nº 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 20803, a fls. 186 do livro B45, para tanto alegando ter entrado na posse do prédio em 10 de Junho de 2005, pelo que o prazo para usucapião terminaria em 10 de Junho de 2015.
Também este pedido subsidiário não pode proceder, por diversas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque a 2ª Recorrente, pelas razões já expostas, não conseguiu fazer prova da existência de actos de posse relevantes sobre o prédio.
Em segundo lugar, conforme bem anota a sentença recorrida, nunca a 2ª Recorrente poderia aspirar a mais de 9 anos e 9 meses de posse sobre a totalidade do prédio, uma vez que só em 10 de Janeiro de 2006 adquiriu a fracção autónoma D1 (alínea R) dos Factos Assentes) e a 2ª Recorrente foi citada para esta acção em 14 de Outubro de 2015, o que teve por efeito a interrupção do prazo de prescrição aquisitiva, por força do disposto no artigo 315º do CC. Em consequência, mesmo que a posse existisse, titulada, registada e de boa fé, exigia-se o mínimo de 10 anos de posse (artigo 1219º do CC).
Em terceiro lugar, a 2ª Recorrente actuou de má fé, razão pela qual a posse teria de ter durado 15 anos, no mínimo, para poder o pedido ser procedente.
Em quarto lugar, a 2ª Recorrente não formulou qualquer pedido no sentido de ser declarada titular dos direitos sobre o terreno, correspondentes às duas fracções autónomas E2 e F2, que já não existiam. O seu pedido subsidiário incide sobre o prédio, a totalidade do prédio (como claramente flui do artigo 101º da contestação) e não qualquer sua parte ou fracção. Só nas alegações de recurso pretende a 2ª Recorrente obter um resultado que não pediu oportunamente, pelo que nunca poderia o Tribunal considerar o pedido com essa formulação, sob pena de excesso de pronúncia.
Em quinto lugar, a 2ª Recorrente não invocou facto algum respeitante a actos de posse praticados por ante-possuidores, o que inviabiliza, em absoluto, a invocação da acessão na posse, tal como prevista no artigo 1180º do CC. Para haver acessão na posse, tinha a 2ª Recorrente de alegar e provar factos dos quais resultasse a sua posse e ainda a posse de quem a antecedeu, quer da 1ª Recorrente, quer dos demais ante-possuidores, de modo a conseguir completar o prazo mínimo necessário para a usucapião. Mas não o fez.
Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.

Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. FACTOS

Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte matéria de facto:
Da Matéria de Facto Assente:
- A propriedade das fracções autónomas designadas por E2 e F2, com entrada pelo n.º 98 da Estrada Marginal do Hipódromo, do edifício descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 20803, a fls. 186 do livro B45, corresponde a 26% da totalidade do prédio em regime de propriedade horizontal (alínea A) dos factos assentes).
- O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 20803, a fls 186 do livro B45, foi concedido por arrendamento, sendo a propriedade do terreno pertença da Região Administrativa Especial de Macau (alínea B) dos factos assentes).
- Em 16 de Março de 1978 deflagrou um incêndio que destruiu por completo o edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, n.º 94 a 102 e todas as suas fracções autónomas (alínea C) dos factos assentes).
- Em 31 de Julho de 2002, a 1.ª Ré intentou contra a Autora, Ministério Público e Interessados Incertos uma acção declarativa, a que foi atribuído o n.º CV3-02-0010-CAO, pedindo que fosse declarada proprietária das fracções autónomas E2 e F2, por as ter adquirido por usucapião (alínea D) dos factos assentes).
- Em 29 de Outubro de 2002, o edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, n.º 94 a 102 foi demolido (alínea E) dos factos assentes).
- Por sentença proferida em 8 de Abril de 2005, transitada em julgado a 25 de Abril de 2005, foi a acção julgada procedente e, em consequência, foi a 1.ª Ré declarada, para todos os efeitos, nomeadamente de registo, como única proprietária das fracções autónomas E2 e F2 (alínea F) dos factos assentes).
- Em 26 de Outubro de 2006, foi apresentado pela Autora um recurso extraordinário de revisão no âmbito daquele processo CV3-02-0010-CAO, com fundamento em falta de citação (alínea G) dos factos assentes).
- Por sentença proferida em 28 de Fevereiro de 2008, o recurso extraordinário de revisão foi julgado procedente e, em consequência, foram anulados os termos do processo posteriores à citação da ora Autora e ordenada a sua citação para a causa (alínea H) dos factos assentes).
- Feita a citação da ora Autora, a causa seguiu os seus termos e, por sentença de 3 de Setembro de 2012, foi a acção julgada improcedente (alínea I) dos factos assentes).
- Da sentença interpôs a 1.ª Ré recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o qual, por acórdão de 17 de Julho de 2014, transitado a 5 de Setembro de 2014, o julgou improcedente (alínea J) dos factos assentes).
- Por escritura de compra e venda celebrada a 4 de Junho de 2005, lavrada a fls. 151 e segs. do livro de notas para escrituras diversas n.º 34 e 35, do notário Privado Dr. Adelino Correia, a 1.ª Ré declarou vender à 2.ª Ré, que declarou adquirir, as fracções autónomas E2 e F2 (alínea K) dos factos assentes).
- A escritura de 4 de Junho de 2005, pela qual a 2.ª Ré adquiriu as fracções autónomas da Autora, foi outorgada pela 1.ª Ré, na qualidade de vendedora, e pelo seu filho I aliás I2, que interveio no acto na qualidade do gerente e em representação da 2.ª Ré (alínea L) dos factos assentes).
- A aquisição encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição n.º 112473G, com a apresentação n.º 325 de 10 de Junho de 2005 (fls. 16) (alínea M) dos factos assentes).
- Depois do acto de aquisição outorgado em 4 de Junho de 2005, 2ª Ré deu início imediato à reedificação do imóvel (alínea N) dos factos assentes).
- Para o que contratou a sociedade Macau Professional Services Ltd para desenvolver o plano arquitectónico de reedificação do imóvel a apresentar junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, tendo suportado os respectivos custos (alínea O) dos factos assentes).
- Por escritura lavrada no dia onze de Março de mil novecentos e noventa e oito, no Cartório Notarial das Ilhas, a 2ª Ré adquiriu a fracção autónoma designada por "AR/C", do rés-do-chão, "A", para armazém, com entrada pelo número 102 da Estrada Marginal do Hipódromo, com a área de duzentos e sessenta e dois metros quadrados e cinquenta centímetros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 20803, a folhas 186 do livro B-45, com o regime da propriedade horizontal inscrito sob o número 7570, do livro F-8. (fls. 417) (alínea P) dos factos assentes).
- Por escritura lavrada no dia um de Agosto de mil novecentos e noventa e sete, no Cartório Notarial das Ilhas, a 2ª Ré adquiriu a fracção autónoma designada por "B-R/C" do rés-do-chão, "B", para armazém, com entrada pelo nº 94 da Estrada Marginal do Hipódromo, com a área de trezentos e sessenta e três metros quadrados e vinte e cinco centímetros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 20803, a folhas 186, do livro B-45, com o regime da propriedade horizontal inscrito sob o número 7570, do livro F-8. (fls. 419) (alínea Q) dos factos assentes).
- Por escritura lavrada no dia 10 de Janeiro de 2006, no cartório do notário privado Dr. XX, a 2ª Ré adquiriu a fracção autónoma designada por "D1", para armazém, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 20803, a folhas 186, do livro B-45, com o regime da propriedade horizontal inscrito sob o número 7570, do livro F-8. (fls. 423) (alínea R) dos factos assentes).
- Por escritura lavrada no dia um de Agosto de mil novecentos e noventa e sete, no Cartório Notarial das Ilhas, a 2ª Ré adquiriu a fracção autónoma designada por "C1", para armazém, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número 20803, a folhas 186, do livro B-45, com o regime da propriedade horizontal inscrito sob o número 7570, do livro F-8. (fls. 421) (alínea S) dos factos assentes).
- A 1.ª Ré, viúva de O, é a mãe de I aliás I2 (alínea T) dos factos assentes).
- A presente acção foi proposta em 25 Agosto de 2015 (alínea U) dos factos assentes).
- A interposição do recurso extraordinário pela Autora tem como último objectivo a declaração da nulidade de quaisquer transmissões existentes ou futuras (alínea V) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- Por escritura de compra e venda celebrada em 26 de Setembro de 1974, lavrada de fls. 27 e segs. do livro de notas para escrituras diversas n.º 64-B do 1.º Cartório Notarial de Macau, a Autora adquiriu a N e L direitos correspondentes a 2/3 das fracções autónomas designadas por E2 e F2, com entrada pelo n.º 98 da Estrada Marginal do Hipódromo, do edifício sito na Estrada Marginal do Hipódromo, n.º 94 a 102, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 20803, a fls. 186 do livro B45, edificado em terreno concedido por arrendamento pelo prazo de 50 anos a contar de 11 de Fevereiro de 1963 (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- A aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 46513, a fls. 166 verso do livro G38, conforme apresentação de 18 de Outubro de 1974 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Através de arrematação judicial, a Autora adquiriu o remanescente 1/3 dos direitos sobre aquelas fracções autónomas pertencentes a P (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Esta segunda aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 48620, a fls. 145 verso do livro G40, conforme apresentação de 15 de Janeiro de 1976 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Na sequência da sentença referida na alínea F dos factos assentes, a 1.ª Ré registou a aquisição das fracções autónomas E2 e F2 na Conservatória do Registo Predial, conforme inscrição 110795G, datada de 18 de Maio de 2005 (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- A 2.ª Ré foi constituída por escritura de 31 de Janeiro de 1997, com o capital social de MOP100.000,00 e tendo a 1.ª Ré como gerente-geral e sócia maioritária, detendo uma quota no valor de MOP99.000,00 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Por contrato de 18 de Maio de 2002, a 1.ª Ré dividiu a sua quota em duas de igual valor, transmitindo uma quota de MOP49.500,00 a favor da XXX International Limited, sociedade constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, controlada pela 1ª Ré (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Por contrato de 24 de Maio de 2002, a 1.ª Ré transmitiu a sua outra quota, no valor de MOP49.500,00 a favor da YYY International Limited, sociedade igualmente constituída nas Ilhas Virgens Britânicas (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- Por deliberação de 24 de Maio de 2002, a 2.ª Ré procede a uma alteração do pacto social, e a 1.ª Ré foi nomeada como gerente a gerente-geral, continuando a exercer este cargo que vinha exercendo desde a constituição da 2ª Ré até à presente data (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- I aliás I2 é sócio gerente da 2.ª Ré (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- No dia 29 de Julho de 1987, a 1ª Ré e K, arrogando-se da qualidade de representantes da assembleia do condomínio do Edifício Industrial Tong Son, declararam vender as 10 fracções autónomas sitas em Macau na Estrada Marginal do Hipódromo com entrada pelo n.º 94 a 102 à 1ª Ré pelo preço de HK$5.250.000,00 (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- O que consta da alínea D dos factos assentes (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Na petição inicial da acção referida na alínea D) dos factos assentes, a 1ª Ré requereu logo a citação da Autora para contestar, por meio de éditos (resposta ao quesito 13ºA da base instrutória).
- Relativamente à reedificação do imóvel, a 2ª Ré solicitou os serviços da sociedade ZZZ Engineering Co. Ltd. para elaborar o estudo de engenharia sobre o terreno (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- A lª Ré pretendia locupletar-se das duas fracções, que bem sabia não serem suas, sabendo que a sua conduta prejudicava os direitos da Autora (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- A 1.ª Ré é gerente-geral da 2ª Ré (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- A 2.ª Ré não tem qualquer real autonomia, perante a 1ª Ré (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- Apesar da transferência da maioria do capital da 2.ª Ré para as sociedades XXX International Limited e YYY International Limited em 2002, a 1.ª Ré continuou a controlar a 2.ª Ré, enquanto sua gerente-geral até ao presente (resposta aos quesitos 31º e 32º da base instrutória).
- A 2.ª Ré sabe que a Autora era a dona das fracções E2 e F2 e dos direitos a elas correspondentes na concessão, por arrendamento, do prédio n.º 20803 (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
- Nas escrituras de compra e venda referidas nas alíneas P) a S) dos factos assentes, a 1.ª Ré intervém na qualidade de representante da 2.ª Ré, ora sozinha, na escritura de 10 de Janeiro de 2006, referente à fracção D1, ora acompanhada de seu filho I aliás I2, nas restantes (resposta ao quesito 38º da base instrutória).

2. DO DIREITO

Nas conclusões de recurso 2 a 33 insurgem-se as Recorrentes por não terem sido dados como provados os itens 27º, 30º a 32º e 35º da Base instrutória e nas conclusões 34 a 67 por se entender que haviam de ter sido considerados provados os factos dos itens 14 a 18 e 20 a 25 da Base instrutória.
Para tanto as recorrentes expõem aquilo que é a sua interpretação dos depoimentos ouvidos e as conclusões que retiram deles.
Tendo-se procedido à gravação da audiência de discussão e julgamento, em momento algum as Recorrentes indicam qual a passagem do depoimento e de que testemunha que impunha uma decisão diversa da recorrida, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 599º do CPC.
Relativamente à matéria posta em crise da fundamentação constante do Acórdão de decisão sobre a matéria de facto em 1ª instância – cf. fls. 824 e 825 - consta que:
«Relativamente à promessa de compra e venda das duas fracções autónomas a que se referem os presentes autos, o tribunal entendeu que não estava demonstrado que a Autora tivesse alguma vez prometido vendê-las à 1ª Ré, ainda que através de terceiros que tinham participado nas reuniões dos condóminos realizadas depois do incêndio onde se decidiu vender todas as fracções autónomas ardidas. É que, a participação de uma empregada de uma fábrica de vestuário pertencente a um dos sócios da Autora, fábrica esta que funcionava nas referidas fracções autónomas, e a assinatura das respectivas actas por esta empregada, sem comprovados poderes de representação da Autora, não dispensa uma declaração de vontade expressa da Autora. Daí que, respondeu ao quesito 11º baseando no que se retira do documento junto a fls. 796, dando apenas como provado que o que foi nele declarado.
Além disso, com base nas declarações algumas das testemunhas da Autora que tiveram conhecimento pessoal de boa parte dos factos sobre os quais depuseram, o tribunal ficou também convencido que, antes da assinatura do documento junto a fls. 796, a 1ª Ré sabia que a Autora ainda não tinha decidido vender as fracções autónomas em questão. Por força disso, não entendeu que a 1ª Ré tinha a convicção e o desconhecimento indicados no quesito 14º.
Quanto à impossibilidade de localização da Autora e a razão por que a 1ª Ré recorreu às vias judiciais intentando a acção de usucapião em 2002, a testemunha J referiu que a Autora podia ser contactada através da citada empregada da fábrica de vestuário. Os documentos juntos a fls. 801 a 807 indicam tão-só que, em Março de 1990, as autoridades administrativas de Macau tinham dificuldade em localizar a Autora. Contudo, isso não demonstra que em 1987 a 1ª Ré não conseguia entrar em contacto com a Autora.
Relativamente aos quesitos 14ºA, 29º, 36º e 37º, nenhuma prova apresentada para sustentar o que aí consta.
No que se refere à aquisição das fracções autónomas feitas pela 2ª Ré em 2005, a primeira constatação feita pelo tribunal tem a ver com o facto de todos os documentos relativos à 2ª Ré, analisados em articulação com as declarações prestadas pela testemunha H, indicam que as duas sociedades, que vieram formalmente a adquirir 90% das quotas sociais da 2ª Ré pertencentes à 1ª Ré, indicam claramente que as mesmas sociedades foram apenas utilizadas pela 1ª Ré para dar uma aparência de autonomia entre esta e a 2ª Ré. É que, a supramencionada testemunha foi clara a referir que não tinha exacta noção do seu papel quando assinou os contratos de transmissão das quotas em representação das citadas sociedades, tendo apenas assim procedido por ordem da 1ª Ré de quem era condutor. Além disso, nenhuma alteração houve na gerência da 2ª Ré, pois, a 1ª Ré, que sempre foi a sua gerente-geral continuou a sê-lo apesar de ter alienado a totalidade da sua quota social e o seu filho, I, continuou a ser o gerente da 2ª Ré tal como sempre foi. Aliás, em depoimento de parte a 1ª Ré confessou que nunca deixou de ser a gerente-geral da 2ª Ré continuando a tratar dos assuntos da mesma. Eis a razão de ser das respostas aos quesitos 28º, 30º a 32º.
Com base nessa constatação e conclusão, o tribunal entendeu que nunca houve qualquer compra e venda das duas fracções autónomas dos autos efectuada entre a 1ª e 2ª Rés, apesar da outorga da escritura de compra e venda. Esse entendimento é reforçado pelo facto de as Rés não terem sido capazes de apresentar nenhum documento comprovativo do pagamento de MOP$600.000,00, preço alegadamente pago pela 2ª Ré. É que, não se trata de uma valor tão irrisório para nada ficar registado ainda que o preço tivesse sido pago em numerário. Consequentemente, não deu como provados os quesitos 15º e 33º, pois sem negócio nunca se pode qualificar o negócio como gratuito ou oneroso.
Nessa sequência, o tribunal não podia deixar de dar como não provada a convicção e atitude da 2ª Ré relativamente às fracções autónomas referida nos quesitos 20º, 22º, 23º, 25º e 26º, não obstante o depoimento da testemunha J.
Quanto ao pagamento de despesas e aos actos alegadamente praticados pela 2ª Ré sobre as duas fracções autónomas ou o terreno onde estas estavam edificadas, não obstante estar nos autos alguns documentos a demonstrar o seu pagamento, o tribunal não considerou provado que foi a 2ª Ré quem as suportou porque, face à confusão existente entre esta e a 1ª Ré, não se sabe ao certo quem é que pagou tais despesas e praticou tais actos. Quanto ao acto referido no quesito 34º, por não ter sido junto qualquer documento, também não foi dado como provado apesar de a testemunhas J ter referido que o projecto tinha sido indeferido. A única excepção diz respeito ao facto constante da resposta ao quesito 19º visto que o documento junto a fls. 251 e 252 assim indica.
Por força disso, também deu como não provado o quesito 24º não obstante constar do conhecimento de contribuição predial e de renda o nome da 2ª Ré e a testemunha J assim ter referido afirmativamente a este quesito. É que, quando as autoridades administrativas emitem tais documentos, cingem-se no que consta do registo e a testemunha fez apenas uma referência não exaustiva o que não permitiu concluir que todas as pessoas indicadas no quesito 24º consideravam a 2ª Ré dona de todo o prédio.
Foi na sequência do acima exposto no sentido de as Rés terem conhecimento de que nunca validamente adquiriram as duas fracções autónomas que o tribunal respondeu à matéria dos quesitos 27º e 35º».
No que concerne ao item 27º da Base instrutória entendem as Recorrentes que o tribunal se havia de ter convencido pelo depoimento da testemunha D que diz ter sido funcionária da Fábrica de Artigos de vestuário E e que embora sem poderes de representação teria actuado em representação da Autora/recorrida, situação que não convenceu o tribunal “a quo” pelos fundamentos constantes do Acórdão sobre a matéria de facto os quais se mostram justificados, nada havendo que abale a convicção formada.
Quanto à matéria dos itens 30º a 32º e 35º a argumentação usada pelas Recorrentes volta a ser apenas a discordância, sem que traga um argumento objectivo que justifique a mesma.
O mesmo se diga quanto aos factos que não foram dados como não provados, nada se trazendo no recurso que possa infirmar as conclusões do tribunal recorrido que fundamentaram as respostas dadas à base instrutória.
Nomeadamente nada se alega que afaste as especiais relações entre as 1ª e 2ª Rés, aqui Recorrentes, pessoa singular e sociedade, esta última totalmente controlada por aquela e que apenas se tentou dar uma aparência de autonomia para tentar “validar” negócios que sabiam não poder praticar.
Aliás, atente-se em todo o histórico da situação de facto subjacente a estes autos em que se foi tentando atingir o mesmo fim – fazerem as Rés suas as fracções a que respeitam estes autos - primeiro por uma acção de usucapião ao arrepio da agora Autora/Recorrida a qual após um recurso extraordinário de revisão vem a ser julgada improcedente, a compra e venda entre a 1ª Ré – vendedora – e a 2ª Ré – compradora - em que outorga como legal representante desta (da 2ª Ré) o filho da 1ª Ré, a inexistência de prova de pagamento do preço que convenientemente se alega ter sido feito em numerário, e tudo o mais que consta do Acórdão da resposta à Base Instrutória.
Estando demonstrado que a vendedora era sócia maioritária e gerente da sociedade compradora representada no negócio pelo filho daquela, bem se andou ao concluir que a sociedade apenas serve ao desígnio de querer criar a aparência de um negócio com um suposto terceiro de boa-fé – a dita sociedade – que na prática é um mero instrumento daquela (da 1ª Ré).
Do processo não constam elementos que imponham decisão diversa da recorrida insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova – cf. al. b) do nº 1 do artº 629º do CPC -.
Destarte, e tal como tem vindo a ser entendimento deste tribunal, sendo a argumentação usada em sede de recurso apenas de mera discordância da argumentação usada e adoptada pelo tribunal recorrido, nada se trazendo de que resulte que a mesma enferma de erro ou ignorou elementos de prova que constassem dos autos, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de confirmar a decisão recorrida quanto às respostas dadas à Base Instrutória.
Em sentido idêntico vejam-se Acórdãos deste tribunal cujos sumários, consistem em:
- De 09.05.2019, processo nº 240/2019
«I – Em matéria de impugnação de matéria de facto, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
II - para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.».
- De 24.10.2019, processo nº 587/2019:
«I – Em sede de impugnação de matéria de facto no recurso, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. É em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.».

Nas conclusões de recurso sob os nºs 69 a 86, pressupondo que se passasse a responder à matéria da base instrutória no sentido que pretendiam, vêm as recorrentes sustentar a posse titulada e de boa-fé da 2ª Ré, bem como a acessão da posse da 1ª Ré pela 2ª Ré e em consequência ter adquirido por usucapião ou as duas fracções autónomas a que se reportam os autos ou a percentagem correspondente no direito à concessão por arrendamento do terreno a que se reportam os autos.
Ora, não se alterando a matéria de facto apurada nestes autos, falece por não ter suporte factual toda a argumentação das Recorrentes/Rés.
A excelência da sentença sob recurso no que concerne à apreciação da boa ou má-fé da 2ª Ré, à caracterização do negócio como não tendo sido oneroso e ausência de posse por banda da 2ª Ré dispensam qualquer comentário acrescido sobre esta matéria.
De tudo quanto se diz de folhas 29 a 32 seria o bastante para se concluir inclusivamente pela separação da personalidade jurídica1 da 2ª Ré, o que, embora não se diga na prática se faz quando na sentença recorrida se afirma que «afinal, a 2ª Ré não passa de uma mera aparência sendo um mero instrumento ao serviço da 1ª Ré, então sua sócia maioritária.
  Por isso, se afirmou mais acima que a 2ª Ré não é um terceiro, estranho ao litígio a que o recurso de revisão se refere.» - cf. pág. 31 e 32 da decisão recorrida -.
  Em sede de alegações/conclusões de recurso as Recorrentes tentando aproveitar-se do negócio de compra e venda entre as Rés e que veio a ser entendido e bem que não era oponível à Autora (por não estar a 2ª Ré de boa-fé nem ter sido oneroso), mais não fazem do que, vir dizer que por haver título a posse era de boa-fé e o prazo da usucapião de 10 anos, acrescentando que houve acessão da posse.
  Porém, esquecem as Recorrentes que tal como expressamente se refere na sentença sob recurso e resulta da matéria de facto não se provou sequer que a 2ª Ré alguma vez tivesse tido a posse do prédio a que se reportam os autos, e se a teve que nela tivesse continuado, pois as fracções em causa não existem fisicamente desde 2002 por força da demolição do prédio, e o contratar serviços de arquitectura e de engenharia não são bastante para consubstanciar o corpus e o animus possedendi – cf. pág. 36 a 40 da sentença recorrida -.
  Para além de que, da factualidade apurada, ainda que houvesse presunção de posse de boa-fé, no caso em preço ficou provada a má-fé.
  Destarte, remetendo-se para os fundamentos constantes da Douta sentença recorrida, cuja excelência de argumentação – repete-se - é bastante para fundamentar o sentido em que se decidiu, o qual em nada é contraditado nas alegações de recurso, outra sorte não pode este recurso ter que não seja o de ser julgado improcedente.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Custas a cargo das Recorrentes.
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 23 de Julho de 2020.
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
   


1 Para afastar situações abusivas tem vindo a Doutrina e a Jurisprudência a construir o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, permitindo afastar a protecção de que os sócios beneficiam pela via da responsabilidade limitada, quando a sociedade é criada ou usada para fins ilícitos, no interesse dos sócios e em detrimento de terceiros.
Só em 1920, na Alemanha, é que surge a primeira decisão a aceitar que no caso de uma sociedade unipessoal o sócio único pode ser responsabilizado, declarando que «o juiz deve dar mais valor ao poder dos factos e à realidade da vida do que à construção jurídica ...»(Veja-se António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades Vol. I, Ed. 2004, pág. 357/358)
Esta teoria já vinha sendo defendida no Norte da América aceitando-se que os sócios fossem responsabilizados sempre que a pessoa colectiva fosse usada para prejudicar terceiros, nomeadamente credores. No entanto a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade só se impunha em situações de fraude ou de abuso.
Ou seja, desde cedo se começaram a tentar definir os contornos desta figura, permitindo-se que a realidade se sobrepusesse ao conceptualismo jurídico, tentando contudo a Doutrina balizar as situações em que tal podia ocorrer.
Sendo considerado como subjectivista porquanto fazia depender o levantamento da intenção abusiva do agente é Serik (António Menezes Cordeiro obra citada a pág. 360/361 e Pedro Cordeiro em a Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, pág. 28 e sgts.) quem na Alemanha procede ao estudo deste instituto, justificando-o sempre que houver situações de abuso, utilizando-se a pessoa colectiva para se contornar a lei, violar deveres contratuais ou prejudicar fraudulentamente terceiros.
Pedro Cordeiro em “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais” vem justificar este instituto «como um dos remédios possíveis para evitar o abuso do instituto sociedade comercial ou, como já se disse, da pessoa colectiva em geral».
Abandonando-se a teoria subjectiva preconizada por Serik, vem a teoria objectiva do abuso do direito basear a desconsideração numa solução genérica assente no “abuso do instituto” e “utilização contrária à sua função” sem que esteja dependente da intenção de cometer o abuso por parte do “homem oculto”.

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247/2020 CÍVEL 1